Artigo Científico apresentado no Curso de Direito da Universidade Brasil, Campus Fernandópolis, como complementação dos créditos necessários para obtenção de título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Ademir Gasques Sanches e Co-Orientadora Prof. Me. Márcia Kazume Pereira Sato.
RESUMO: O presente versa acerca da descriminalização da prática abortiva, ora em razão de sua inconstitucionalidade, ora em decorrência da ineficácia prática, pois o tipo penal tornou-se obsoleto no cenário hodierno e se opõe aos princípios e direitos fundamentais elencados na Constituição Federal. Desenvolve-se o conceito de aborto, o contextualiza historicamente e abandona, desde logo, a perspectiva religiosa. Expõe o quão a criminalização é seletiva e restrita às mulheres, pois exclui o homem que corrobora com a escolha. Comenta sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442 interposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) no Supremo Tribunal Federal (STF). Quanto a perspectiva internacional, pontua sobre a legalização da interrupção da gravidez na França e Alemanha. Por fim, propõe medidas consideradas eficazes, desde a educação até a contracepção. Todavia, persistindo a convicção quanto a cessação da gestação, esta deverá ser assegurada pelo Estado e não punível, como forma de proteção a vida e as escolhas da mulher.
Palavras-chave: Aborto; Inconstitucionalidade; Ineficácia; Descriminalização.
ABSTRACT: The objective of this article is abortion legalization, due to its unconstitutionality, or its practical ineffectiveness, because criminal law became outdated in the current context and goes against the constitutional rights and principles. Defines abortion, describes the historical context and excludes the religious standpoint. Exposes that the criminalization is selective and restricted to women as it excludes man even if they agree to the practice. Analyses the Claims Of Non- Compliance With a Fundamental Precept (ADPF) 442 interposed by Party Socialism and Freedom (PSOL) in the Brazilian Supreme Court (STF). In the international scene, follows the abortion legalization in France and Germany. Proposes measures to be taken from education do contraception. But the right to abort should be granted by the state and shouldn’t be considered a crime, as a form of protection to the life and choices of women.
Keywords: Abortion; Unconstitutionality; Ineffectiveness; Decriminalization.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONTEXTO HISTÓRICO. 3. DA CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO. 3.1. Aborto e religão. 4. DA INCONSTITUCIONALIDADE. 4.1. Princípios norteadores do direito e preceitos fundamentais. 4.2. Da criminalização seletiva. 4.3. ADPF 442. 5. PERSPECTIVA INTERNACIONAL. 5.1. França. 5.2. Uruguai. 6. MEDIDAS PROPOSTAS. 6.1. Da educação sexual. 6.2. Do planejamento familiar. 6.3. Da implementação em âmbito da saúde pública e privada. 6.3.1. Do aconselhamento especializado - psicoterapia. 6.4. Da limitação da prática abortiva. 6.5. Da permanência do crime de aborto provocado sem consentimento da gestante. 7. CONCLUSÃO.
O aborto é, em síntese, a cessação da gravidez. O presente artigo busca demonstrar, de vários modos e perspectivas, a necessidade da descriminalização do aborto provocado e consentido, atualmente previstos, respectivamente, nos artigos 124 e 126 do Código Penal (CP) de 1940, ainda vigente no país.
Embora tipificada, a prática abortiva é uma realidade social comumente realizada clandestinamente, colocando em risco o mais precioso bem tutelado: a vida. No entanto, o próprio ordenamento jurídico pátrio assinala garantias que afrontam a criminalização da interrupção voluntária da gestação, as quais serão sistematicamente tratadas.
Assim, o mero respeito e cumprimento aos princípios constitucionais preservaria, diariamente, dezenas de vidas de mulheres que, em um ato desespero, se socorrem de meios duvidosos - e muitas vezes perigosos - e acabam tendo complicações em decorrência da ilegal prática abortiva.
Além de medida de direito e de justiça, a descriminalização do aborto é ferramenta para se alcançar a equidade, tendo em vista que as mulheres submetidas a práticas clandestinas são aquelas, em via de regra, sem qualquer suporte socioeconômico e psicológico.
Até meados do Século XVIII, tudo aquilo no interior do útero materno era considerado tão somente uma parcela do corpo da mulher. Assim, o feto, antes de vir ao mundo, nada mais era que parte de suas entranhas, inexistindo conceito quanto sua autonomia.
Na Grécia Antiga, bem como em Roma, o aborto não era considerado crime e, portanto, aquela que praticasse, nada mais fazia que dispor de seu próprio corpo. Por sua vez, no judaísmo, embora houvesse ausência de criminalização, a fecundidade era uma benção divina e, por conseguinte, o aborto um ato violador e ofensivo à vida.
Ato contínuo, em decorrência da crescente influência do cristianismo, o aborto passa a ser considerado lesão ao direito do marido à prole, sendo sua prática castigada e logo tornada espécie de homicídio.
Na segunda metade do Século XX, ocasião em que houve visualização do desenvolvimento fetal com o auxílio de aparelho ecográfico, o embrião passou a ser entendido como ente autônomo com expectativa de direito.
Em decorrência das guerras, a Europa teve redução em sua população e, visando crescente aumento populacional, proibiu as práticas consideradas abortivas.
No Brasil, o Código Criminal do Império de 1830 criminalizava a conduta de terceiro que realizava aborto com ou sem consentimento da gestante. Em 1890, a nova legislação passou a prever a figura do aborto provocado pela própria gestante. Enfim, o Código Penal de 1940, ainda vigente, tipificou a prática abortiva, exceto para salvar a vida de gestante ou gestação advinda de estupro.
Dispõe os artigos 124 e 126 do Código Penal (CP), ambos atacados:
Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a três anos.
Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos.
À luz do cenário hodierno e da Constituição Federal (CF) de 1988, resta consagrado a inevitabilidade da descriminalização do aborto e consequente inconstitucionalidade dos artigos supra ou, paralelamente, certificação de sua ineficácia e, por conseguinte, revogação dos referidos.
É certo que, em se tratando de aborto, a Igreja sempre influenciou com seus ensinamentos, todavia, crenças religiosas devem ser afastadas a fim de imparcializar e viabilizar a discussão.
Neste sentido, são as palavras do Sr. Ministro Celso de Mello (2004), em voto do Habeas Corpus nº 84.025/RJ:
O dogmatismo religioso revela-se tão opressivo à liberdade das pessoas quanto a intolerância do Estado, pois ambos constituem meio de autoritária restrição à esfera de livre arbítrio e de autodeterminação das pessoas, que hão de ser essencialmente livres na avaliação de questões pertinentes ao âmbito de seu foro íntimo, notadamente em temas do direito que assiste à mulher, seja ao controle da sua própria sexualidade, e aí surge o tema dos direitos reprodutivos, seja sobre a matéria que confere o controle sobre a sua própria fecundidade.
Ademais, ainda que instituições religiosas sejam contra a prática da interrupção alternativa da gravidez, a religião professada pelas mulheres não é impeditiva para realização do aborto, conforme Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), realizada em 2016 pelo Anis - Instituto de Bioética e pela Universidade de Brasília (UnB), onde aponta que a maior parte das mulheres que abortam são católicas e evangélicas.
A advogada Marina Toth (2016), acerca do tema, pontua:
Questões atinentes à religiosidade e moralidade devem ser realocadas e relegadas à esfera privada de cada mulher, que considerará suas eventuais crenças e convicções pessoais, de forma íntima, na privacidade de seu lar, ao tomar a decisão de realizar ou não a interrupção da gravidez, arcando com as consequências físicas e psíquicas dessa escolha.
Portanto, a realidade pautada transcende a esfera da fé, discutindo-se solidariamente a inconstitucionalidade da criminalização, sua ineficácia e a natureza cotidiana da população brasileira como um todo.
As concepções ora delineadas possuem embasamento aos seguintes princípios e direitos fundamentais:
Destaco, ainda a respeito dos direitos fundamentais, a excelente colocação de Fabiana Galera Severo (2018), representante do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH):
[O aborto] não viola o direito à vida, ao contrário, consagra o seu direito à vida. A interpretação restritiva do direito de a mulher decidir sobre sua própria vida reprodutiva, essa sim é incompatível com o direito humano à vida com dignidade e à liberdade sexual e reprodutiva.
Importante ressaltar que a própria Constituição, prevendo pena de morte em caso de guerra declarada, limita o valor da vida.
Ademais, o ordenamento criminal relativiza e limita a proteção de vida extrauterina permitindo, expressamente, aborto em caso de gravidez que coloque em risco a vida da gestante e resultante de estupro, considerando a dignidade da mãe como valor maior que a potencial vida do feto.
Nesse sentido, resta tão somente ao Estado regulamentar as balizas da interrupção da gravidez voluntária de forma racional e demonstrável, assegurando a laicidade, exercendo-a como dispositivo democrático, garantidor da efetivação do equilíbrio dos valores constitucionalmente considerados, barrando argumentações de ordem moral e religiosa, que tentam atribuir à vida uma supremacia que não encontra respaldo constitucional, restando tão somente respeitar a Constituição, aceitar o direito e regular os limites razoáveis.
A atual legislação, além de inconstitucional, encontra-se claramente seletiva, senão vejamos na crítica, de grande valia, de Fabiana Severo (2018):
Apesar da gravidez decorrer de um ato praticado por indivíduos de ambos os sexos, a consequência da penalização jurídica não atinge os homens que anuem com a prática. [...] A ilegalidade movimenta um submundo criminoso, de máfias que controlam ambientes inseguros e promovem o tráfico ilícito de substâncias e medicamentos. [...] O reconhecimento do direito constitucional à interrupção voluntária da gravidez é a única forma de garantir a realização do aborto seguro, preservando a isonomia entre mulheres de diferentes classes sociais, sem discriminação.
Bem pontuado pela advogada Cristina Telles (2018), representante da Clínica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ): “A lei é de 1940, quando as mulheres não eram plenas de direitos. A atuação do STF não só é pertinente, mas necessária”.
A imposição às mulheres de condições mais gravosas para a tomada de decisões reprodutivas, desproporcionais em comparação com as condições das mesmas decisões tomadas por parte dos homens, que não são submetidos à criminalização e as consequências da coerção penal nas condições de exercício de seus direitos à uma vida digna e cidadã ferem, diretamente, o fundamental princípio à igualdade.
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou, em março de 2017, no Supremo Tribunal Federal, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, na qual pede que a Corte declare a não recepção parcial dos artigos 124 e 126 do Código Penal pela Carta Magna de 1988, excluindo do âmbito de sua incidência a interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras 12 semanas, “de modo a garantir às mulheres o direito constitucional de interromper a gestação, de acordo com a autonomia delas, sem necessidade de qualquer forma de permissão específica do Estado, bem como garantir aos profissionais de saúde o direito de realizar o procedimento”.
A tese central defendida é a violação dos princípios e direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal, bem como de que as razões jurídicas que moveram a criminalização do aborto pelo Código Penal de 1940 não mais se sustentam e a longa permanência desta “é um caso de uso do poder coercitivo do Estado para impedir o pluralismo razoável”, pois torna a gravidez um dever, sendo que, em caso de descriminalização, “nenhuma mulher será obrigada a realizá-lo contra sua vontade”.
Ultrapassado mais de dois anos, ouvidos dezenas de especialistas e entidades, o deslinde da ADPF 442 não aparenta estar próximo.
A proibição do aborto na legislação brasileira é uma forma de discriminação e marginalização das mulheres que não querem dar continuidade à gravidez.
Mulheres abastadas ou com o apoio de Organizações Não Governamentais (ONGs), optam pelo procedimento fora do país. Salienta-se que essas não poderão ser processadas e punidas ao retornar ao Brasil.
Segundo estudo da Organização Mundial de Saúde em parceria com o Guttmacher Institute, de Nova York, a incidência do aborto tem recuado nos países onde a prática é majoritariamente legalizada. Enquanto entre 1990 e 1994, 39% das gestações em países desenvolvidos terminaram em aborto, esse índice caiu para 28% no período de 2010 a 2014. Já na América Latina e Caribe a taxa cresceu no mesmo intervalo de comparação, passando de 23% para 32%, reflexo da conjunção da falta de políticas de planejamento familiar e acesso a métodos contraceptivos com o aumento do desejo por famílias menores.
Embora incerto o resultado da prática no Brasil, é possível analisar o cenário em alguns países em que é legalizado.
Desde a promulgação da Lei Veil, em janeiro de 1975, o aborto é descriminalizado na França. Simone Veil, ministra da saúde à época, pronunciou em seu discurso:
Eles sabem que, ao recusar conselho e apoio, estão abandonando [a mulher] na solidão e na angustia de um ato perpetuado nas piores condições e que periga deixá-la mutilada para sempre. Sabem que essa mesma mulher, se ela tem dinheiro, se ela sabe se informar, irá a um país vizinho, ou mesmo a certas clínicas na França, e poderá, sem correr risco nem ser penalizada, interromper sua gravidez.
A legislação francesa fixa o prazo máximo de 12 semanas de gestação, sendo o procedimento anônimo e acessível a mulheres maiores e menores de idade. No segundo caso, deverá a menor estar acompanhada por adulto, não necessariamente da família. Havendo risco para mãe, para o feto ou caso o feto seja diagnosticado com doença grave e incurável, o aborto poderá ser realizado a qualquer tempo.
O protocolo médico determina que, aquela que queira interromper a gravidez, passe por duas consultas prévias ao aborto. A paciente pode consultar um médico ou uma parteira, nos dois casos de livre escolha da pessoa e, ainda, se dirigir a um centro de planejamento familiar.
Após a segunda consulta a mulher já dispõe de documento de consentimento médico assinado e com conhecimento sobre a disponibilidade de horários nas clínicas próximas a sua casa. Todavia, ainda após a consulta, deve haver um prazo de 48 (quarenta e oito) horas de reflexão para a escolha definitiva.
O aborto é praticado em hospitais determinados da rede pública e privada, há telefone para contato sem custo e site especializado do Ministério da Saúde local oferecendo explicações médicas, jurídicas, de ordem social e psicológica sobre o tema.
Aprovada em 2012, a legislação pátria do Uruguai autoriza que qualquer mulher aborte até a 12ª semana de gestação e, em caso de estupro, até a 14ª semana. Havendo risco de morte da gestante ou má formação do feto, o aborto poderá ser feito a qualquer tempo.
Determina-se que a mulher, primeiramente, consulte um médico, o qual irá solicitar ecografia e depois encaminhá-la a uma equipe multidisciplinar formada por ginecologista, psicólogo e assistente social. Após, deve esperar ao menos 05 (cinco) dias para o retorno - chamado de período de reflexão, o qual muitas mulheres resolvem dar continuidade à gravidez. Após o procedimento, a paciente retorna para nova consulta.
Estudos apontam que o modelo de redução de riscos e legalização do aborto teve impacto direto à redução da mortalidade materna, tornando o Uruguai o país com a menor taxa de mortalidade de gestantes da América Latina (OMS, 2015).
Enquanto o Brasil registra 04 mortes em hospitais por dia em decorrência de complicações de aborto clandestino, enquanto o Uruguai, em 2016, realizou uma média de 26 abortos por dia sem qualquer registro de morte.
A educação sexual, embora por si só não seja um método, é potencial modificadora da realidade enfrentada por milhares de mulheres.
Abordagens informativas refletem e multiplicam chances de, desde o início da vida sexual, geralmente na adolescência, empregar o uso de preservativos, os quais evitam infecções sexualmente transmissíveis e também a gravidez indesejada.
Na oportunidade, ressalta-se que a gestação na adolescência e seus efeitos sociais associados são mais recorrentes do que problemas clínicos ou obstétricos. Não obstante, é essencial o Estado, através do Sistema Único de Saúde (SUS), ampliar e garantir métodos contraceptivos de longa duração, tal como o Dispositivo Intrauterino (DIU).
Portanto, o aborto não é e, menos ainda, será considerado forma de anticoncepção, tampouco uma prática encorajada, mas é fundamental que meninas e mulheres compreendam seu corpo, informem-se sobre causa, efeito e contracepção, bem como a elas sejam asseguradas providências cabíveis.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta que: “apesar do grande progresso ao longo das últimas décadas, mais de 120 milhões de mulheres no mundo todo desejam evitar a gravidez, porém, nem elas nem seus parceiros estão fazendo uso dos métodos contraceptivos”, e isso ocorre por falta de informação e reconhecimento sobre as opções de contracepção e seu uso, disponibilidade escassa de recursos, opções limitadas, receio dos efeitos colaterais e até mesmo oposição do parceiro.
No Brasil, desde o ano de 1966, há legislação acerca do planejamento familiar (Lei nº 9.263/96), objetivando o direito de decidir se deseja ou não ter filhos e, através da escolha, o Estado deve oferecer meios de acesso a informações e recursos o exercício pleno de seu direito.
Débora Diniz (2007), sobre a matéria:
A finalidade do planejamento familiar, como o próprio nome diz, é tornar a decisão de constituir família uma atitude pensada, desejada, feita de forma responsável, bem compreendida e assumida através da difusão de conhecimento e informação à população sobre métodos conceptivos e contraceptivos. É importante que as pessoas que querem formar um núcleo estejam conscientes da sua postura e preparadas para receberem filhos, tanto econômica quanto psicologicamente, de forma a propiciar um ambiente sadio e equilibrado para a sua prole.
Embora a lei preveja promoção de campanhas educativas, formação e qualificação de profissionais da área da saúde e critérios para esterilizações, a atuação se mostra de pouca eficácia prática.
Cito o médico e cientista, Dr. Antônio Drauzio Varella (2016), para adentrar em matéria de saúde pública: “Aborto já é livre no Brasil. Proibir é punir quem não tem dinheiro”.
O Brasil registra uma alarmante média de quatro mortes por dia de mulheres que buscam socorro em hospitais por complicações do aborto. A maioria, senão todas, poderiam perfeitamente serem evitadas.
Mulheres com recursos, bem como em casos de gravidez indesejada de homem afortunado, abortam em outro país ou pagam preços altos por meio de eficácia e segurança duvidável.
Sabe-se, conforme estudo, que uma em cada cinco mulheres brasileiras com mais de
40 anos, já fizeram, pelo menos, um aborto na vida. Cerca de metade dessas mulheres precisaram ser internadas.
O indispensável à todas as mulheres que optam pela interrupção da gravidez é a segurança e o suporte disponibilizado.
Nesta oportunidade, exalto o trabalho do Centro de Reestruturação para a Vida (CERVI), que, de acordo com o próprio, já atenderam 5 mil mulheres em condições próximas a abortar e, após serem acolhidas, 99% desistiram da prática.
Ocorre que orientação não é método absolutamente eficaz, embora seja imprescindível. Se, havendo alternativa, 1% não desistiu de interromper a gravidez, o Estado deve proteger e garantir à mulher um procedimento seguro.
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) assinala que, atualmente, mulheres e meninas buscam procedimentos abortivos sozinhas, sem amparo, por meio de automedicação ou técnicas extremamente perigosas para a sua saúde, com auxílio de objetos que podem chegar a perfurar seus órgãos e causar graves hemorragias, infecções, a tornar estéril e até mesmo resultar em morte.
Ressalta Eliane Brum (2016): “ter ou não um filho é uma decisão individual, intima de cada mulher. Ao Estado cabe garantir que sua escolha seja protegida em qualquer um dos casos”.
No mesmo sentido, estabelece a Organização das Nações Unidas (ONU) (1994):
Programas de assistência devem prestar a mais ampla variedade de serviços sem qualquer forma de coerção. Todo o casal e individuo deve ter o direito básico de decidir livre e responsavelmente sobre o número e o espaçamento de seus filhos e ter informação, educação e meios de fazer.
Em geral, as que mais sofrem com a criminalização são brasileiras pobres, negras, jovens, solteiras e com escolaridade até o ensino fundamental. O assunto pautado é questão de saúde pública e de igualdade entre todas as mulheres, ou seja, independentemente de origem, raça, religião ou classe social.
Por fim, importante reconhecer que a qualidade da atenção almejada inclui aspectos relativos à humanização, incitando profissionais sem o risco de punições, independentemente dos seus preceitos morais, a preservarem uma postura ética, garantindo o merecido respeito aos direitos humanos das mulheres.
A psicoterapia trata-se de recurso terapêutico direcionado ao tratamento psicoemocional de cada paciente, neste caso, de sua convicção, ou ausência dela, quanto a interrupção da gestação.
Seu conceito científico é definido pelo art. 1º da Resolução Conselho Federal de Psicologia (CFP) nº 010/00, de 20 de dezembro de 2000:
A Psicoterapia é prática do psicólogo por se constituir, técnica e conceitualmente, um processo científico de compreensão, análise e intervenção que se realiza através da aplicação sistematizada e controlada de métodos e técnicas psicológicas reconhecidos pela ciência, pela prática e pela ética profissional, promovendo a saúde mental e propiciando condições para o enfrentamento de conflitos e/ou transtornos psíquicos de indivíduos ou grupos.
Diversas vezes, pode haver ausência de clareza quanto a intenção de abortar. Isto ocorre, pois, fatores irrelevantes, quando potencializados, podem ser decisivos à mulher caso não sejam assertivamente discutidos e tratados com especialista. É o caso de insegurança pessoal, resistência familiar e rejeição do pai da futura criança.
Portanto, a decisão tomada em favor da prática abortiva, após efetivamente realizada, é irreversível e, a fim de evitar possível remorso, é imprescindível o aconselhamento profissional prévio.
Além do mais, ainda que resolva pela realização da interrupção da gravidez, com o acolhimento, orientação e suporte de psicólogo capacitado, durante e após o ato, aumentam as chances de um próximo aborto ser evitado, pois há o esclarecimento e recomendação de um método contraceptivo eficiente, ocasião em que estará preparada a procurar um médico.
Evidentemente, a interrupção da gravidez não deve ser acontecer reiteradas vezes em um curto período temporal.
Isto, pois, deve ser respeitado o corpo da mulher e seu período de recuperação e reestruturação tendo em vista que, ainda que seguro e legal, ainda será artifício adverso.
O ideal, assim, são especialistas delimitarem tempo hábil para que, caso venha a ocorrer concepção adversa, se repita o procedimento abortivo.
No que diz respeito ao tempo de gestação, é unânime que a intervenção, preferencialmente química, conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) deve ocorrer até a 12º semana para preservação da integridade física da mulher dentro das técnicas disponíveis.
O art. 125 do Código Penal diz respeito à interrupção provocada da gravidez sem o consentimento da mulher grávida, ou seja, o oposto do que se dedica o presente, pois a mulher tem sua vontade ignorada e seu corpo e violado.
Portanto, é irrefutável que a conduta prevista no art. 125 do Código Penal deve continuar sendo tipificada, à luz de todos os fundamentos arguidos.
Notarialmente, ao decorrer dos anos, a criminalização do aborto tornou-se obsoleta. Estamos em contramão à evolução internacional de reconhecimentos dos direitos sexuais reprodutivos, em especial, do direito ao aborto seguro.
Neste sentido, portanto, mesmo que por convicção íntima, uma mulher não venha a realizar um aborto, a oferta descriminalizada do serviço, em estima à saúde, é um ato de neutralidade do Estado em questões morais.
A atenção humanitária e aconselhamento efetivo são fundamentais para a tomada de escolha da prática abortiva, pois a decisão é delicada e deve ser segura, devendo haver acompanhamento psicológico, respaldo jurídico, médicos capacitados e lugares salubres.
Para isso, é ideal que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) delimite a interrupção voluntária da gravidez, que ocorra otimização do Sistema Único de Saúde (SUS) e incorporação dos planos de saúde particulares, pois tão somente amparo legal não salvam vidas. Com efeito, a procrastinação da descriminalização do tema colabora com as crescentes complicações de abortos clandestinos e, consequentemente, com a morte de dezenas de
milhares de mulheres anualmente.
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<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=385968>. Acesso em: 14 de outubro de 2.019.
TOTH, Mariana. O aborto criminalizado como regra é inconstitucional. 29, set. 2016. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2016-set-29/marina-toth-aborto-criminalizado- regra-inconstitucional>. Acesso em: 14 de outubro de 2.019.
Graduanda no curso de Direito pela Universidade Brasil, Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ZAPAROLI, Lavynia Bizzoto. A inconstitucional e ineficaz criminalização do aborto e a imprescindibilidade de adequação do ordenamento jurídico pátrio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 mar 2020, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54310/a-inconstitucional-e-ineficaz-criminalizao-do-aborto-e-a-imprescindibilidade-de-adequao-do-ordenamento-jurdico-ptrio. Acesso em: 23 dez 2024.
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