RESUMO: O presente estudo visa elucidar a problemática acerca da sucessão dos filhos que nascem por meio de reprodução humana post mortem. A grande discursão se inicia após a morte de um dos doadores do material genético, pois mesmo com sua devida anuência de conceder a utilização de seu material genético ou não, a jurisprudência se controverte acerca de como seria dividido os bens do “de cujus”. Tal desentendimento se dá ao fato de não existir uma legislação que regule a situação. Além dos problemas sucessórios, a pesquisa elenca ainda como podem ser atingidas as crianças nascidas por meio de reprodução humana post mortem, e como as consequências ético-jurídicas podem ser cruéis em se tratando de igualdade e principalmente do princípio do melhor interesse da criança. Tal estudo conta ainda com um paradoxo entre os princípios e direitos constitucionais e com a ausência de legislação vigente que proteja os filhos póstumos, tendo em vista o Código Civil de 2002 que em sua omissidade dá a entender que filhos “legítimos” são somente os que nascem em vida, ou seja, os filhos nascidos por reprodução humana post mortem são excluídos da sucessão. Seria mesmo justo já que são filhos da mesma forma? Questões assim que serão tema do debate da pesquisa em questão.
Palavras-chave: reprodução humana; família; sucessão; inseminação artificial; filhos post mortem.
SUMMARY: The present study aims to elucidate the problematic about the succession of the children who are born through human reproduction post mortem. The great discourse begins after the death of one of the donors of the genetic material, because even with its consent to grant the use of its genetic material or not, the jurisprudence is controversial as to how the assets of the "de cujus" would be divided. Such disagreement is due to the fact that there is no legislation that regulates the situation. In addition to inheritance problems, the research also examines how children born through postmortem human reproduction can be affected, and how ethical and legal consequences can be cruel in terms of equality and, above all, in the best interests of the child. This study also has a paradox between constitutional principles and rights and the absence of existing legislation protecting posthumous children, in view of the Civil Code of 2002, which in its omission suggests that "legitimate" children are only those who are born in life, that is, children born by human reproduction post mortem are excluded from the succession. Is it really fair since they are children in the same way? Questions that will be the subject of the research debate in question.
Keywords: human reproduction; family; succession; insemination; children; post mortem.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O DIREITO SUCESSÓRIO E A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA. 3. O RECONHECIMENTO DOS FILHOS PÓSTUMOS COMO HERDEIROS LEGÍTIMOS. 4. A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA POST MORTEM E OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
No presente trabalho serão abordados aspectos relativos ao direito sucessório dos filhos nascidos por reprodução humana assistida post mortem, e não somente tais direitos sucessórios serão discutidos, o presente tema abrange além de um testamento ou uma vontade de pais inférteis, este tema relaciona-se a problematicidade da inseminação artificial, suas consequências sociais e jurídicas.
Existem perguntas caóticas acerca da discursão, por exemplo: por que o filho nascido por reprodução humana assistida post mortem não possuem direitos sucessórios caso exista outro herdeiro “legítimo” ou quando o falecido doador do material genético, não deixa expressa sua vontade de ter um filho? A jurisprudência e a legislação são claras: deve-se existir uma anuência expressa dos interessados, é compreensível até então, mas porque o doador falecido coletaria seu material genético se não fosse usá-lo futuramente para ter um filho?
Por outro lado, se a viúva utilizar o material genético de seu falecido sem sua devida anuência seria o mesmo que violar o direito do falecido, fazendo com que a simples vontade subjetiva em almejar ter um filho não seja o suficiente, e neste norte a pesquisa se debruça gradativamente ás consequências ético-jurídicas, tais como: a inseminação post mortem não envolveria a violação da identidade do falecido? Mesmo que com sua autorização, o filho póstumo nasceria órfão de pai, e nesta premissa há de se considerar o direito á origem da criança, sem contar nos seus direitos sucessórios, uma vez que, como denota-se acima: estes não são considerados idôneos para suceder o falecido ou falecida.
O trabalho conta com posições doutrinárias e jurisprudenciais que divergem quanto a reprodução humana assistida homóloga e heteróloga, doutrinadores que radicalizam suas opiniões de que a reprodução humana assistida deve parar definitivamente, pois afrontam o direto á personalidade biológica, e claro, a eventualidade de o doador reclamar a paternidade futuramente em casos de reprodução assistida heteróloga.
A importância dessa pesquisa está em trazer a sociedade, as dificuldades que se tem uma criança nascida por reprodução humana assistida, principalmente a reprodução post mortem, de se igualar aos “filhos legítimos” diante do direito sucessório e testamentário, A pesquisa irá abordar o tema de forma compassiva e visando sempre o princípio do melhor interesse da criança, discutindo possíveis problemas ético-jurídicos, psicológicos e o rejeito de seus direitos pelo Código Civil.
A pertinência do tema em questão se dá ao fato de não existir uma legislação específica que resguarde os direitos dos filhos nascidos por reprodução humana assistida post mortem e o descumprimento do princípio da igualdade entre os filhos. E diante de impasse a doutrina se divide em opiniões extremas e incisivas, Maria Helena Diniz considera que a reprodução humana assistida post mortem deve ser proibida, uma vez que “o filho concebido post mortem não terá um lar sob o amparo do país”.
O estudo possibilita a reflexão entre dois lados diferentes, um deles é a possibilidade de se erradicar a reprodução humana póstuma, assim como preceitua Maria Helena Diniz, tendo em vista os problemas ético-jurídicos, psicológicos, familiares e jurídicos, por outro lado, há de se pensar, no qual falho é nosso ordenamento jurídico, uma vez que deixa nascer desamparado os filhos concebidos por meios alternativos, ambos os lados tem “prós e contras” que devem ser analisado, fazendo com que se questione acerca do tema em questão.
Entre posições e argumentos esta pesquisa vem mostrar as dificuldades de ser uma criança nascida por reprodução humana assistida, principalmente a post mortem, que conta com diversos entraves que causam no filho póstumo uma grande dificuldade já que desde sua concepção, seja ela como for, não consegue se equacionar como o herdeiro legitimo. O projeto em questão irá apresentar possíveis soluções e opiniões a serem debatidas e fundamentadas em uma trabalhosa pesquisa.
Já no meio acadêmico, o tema vem reiterando o que se esquadrinha desde os primeiros períodos em uma faculdade – o direito brasileiro é falho – existem leis que desnecessariamente são promulgadas, e quando feitas, não respeitam princípios constitucionais, tampouco a própria constituição. O que faz se pensar: será mesmo que uma legislação acerca do presente tema solucionaria a repercussão? Ou será que a reeducação das famílias brasileiras em não hostilizar os filhos concebidos por reprodução humana post mortem seria a eficiente solução? Seja qual for a solução, a pesquisa trará um grande aperfeiçoamento crítico e moral.
2.O DIREITO SUCESSÓRIO E A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
Os dias de hoje são definidos como “a era da tecnologia e informação”, a facilidade de se ter coisas que antes não era possível é incrivelmente propícia, especialmente aos casais que com a correria desta nova geração, querem postergar ao máximo a concepção de uma família. Pois no decorrer dos tempos evoluímos para uma sociedade capitalista e consumista, onde os desejos materiais se sobrepõem ao sentimento natural de reprodução.
O direito existe desde que o mundo é mundo, e por este motivo, algumas coisas que cercam a doutrina e as leis são descompassadas com a evolução, e principalmente no Brasil, o direito não consegue acompanhar a ascensão da sociedade dando preceitos a grandes polêmicas, uma delas é a reprodução humana assistida, e é importante ressaltar que existem vários métodos de reprodução humana assistida.
As técnicas de reprodução assistida no Brasil não são mais uma coisa incomum, pois além de realizarem o sonho de algumas pessoas que por alguma razão são inférteis ou biologicamente estéreis, possibilita que possa ser exercido o princípio do livre planejamento familiar, sendo assim as técnicas de reprodução humana assistida integram este princípio, independente de sexo, classe social, opção sexual ou cultura, o planejamento familiar é universal e igualitário.
Ademais, a CF preceitua o princípio do livre planejamento familiar em seu art. 226, § 7º in verbis:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. (BRASIL, 1988)
O princípio do livre planejamento familiar não é problema quando se fala de reprodução assistida, o direito de planejamento e de se ter uma família é ingênito e não carece de melhores argumentos, tendo em vista estar amparado pela CF, pela Declaração universal dos Direitos Humanos (DUDH), que assegura: “ Os homens e as mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar a família” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948), e por obvio, pelo Código Civil.
Afastado o princípio constitucional que rege tais técnicas, é importante citar algumas técnicas de reprodução humana assistida, que de acordo com o site “Orien” no Brasil são utilizadas cinco formas diferentes de reprodução humana assistida, que são: Relação sexual programada ou coito programado, inseminação intrauterina (IIU), Fertilização In Vitro (FIV), Injeção Intracitoplasmática de espermatozoides (ISCI), e pôr fim a doação de óvulos. (disponível em: https://origen.com.br/reproducao-assistida-conheca-as-5-tecnicas-mais-utilizadas/. Acesso em: 23 de agosto de 2019).
Todavia, não se pode admitir que as técnicas de reprodução humana assistida sirvam para objetivos obscuros, como por exemplo para que os pais escolham as características dos filhos, se ele terá um olho azul ou pele negra, se ele será potencialmente intelectivo, esta técnica deve ser realizada por quem realmente não pode ter filhos.
Antes de dissertar e explicar o procedimento de cada técnica de reprodução humana assistida, é importante salientar o conceito desta expressão:
A reprodução Assistida é um conjunto de técnicas, utilizadas por médicos especializados, que tem como principal objetivo tentar viabilizar a gestação em mulheres com dificuldades de engravidar. Muitas vezes essas dificuldades, até mesmo a infertilidade do casal ou um de seus membros, podem trazer sérios prejuízos ao relacionamento conjugal. (CORRÊA, 2014).
A primeira técnica de reprodução humana assistida a ser analisada é a de relação sexual programada, que apesar de ter poucos índices de sucesso, é bastante utilizado, pois é indicado quando o casal não consegue obter o diagnostico ou o motivo que os fazem não conseguir reproduzir.
Segundo uma reportagem da revista “veja”, este procedimento consiste em: A mulher faz um tratamento com hormônios que estimulam a ovulação, como o hormônio folículo-estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH), e realiza exames de ultrassonografia, que observam o tamanho do Folículo de Graaf – uma espécie de bolsa que protege o óvulo enquanto ele se desenvolve. Quando ele atinge 19mm, a mulher toma uma injeção de HCG – hormônio que promove a maturação do óvulo e sua liberação – e deverá ter relações sexuais com o parceiro em 36 horas. (disponível em: http://redeglobo.globo.com/globociencia/noticia/2013/05/veja. Acesso em: 24 ago 2019)
Em seguida, a técnica de reprodução assistida a ser exaltada é a mais famosa de todas, pelo fato de ser a mais utilizada, que é a inseminação artificial, que consiste em um tratamento para o esperma do homem, que após serem filtrados e analisados são injetados no útero da mulher através de um cateter.
O próximo artifício utilizado por casais que possuem dificuldades em reproduzir é a fertilização in vitro (FIV), essa técnica em especial é necessário ter mais minucia, tendo em vista ser o foco desta pesquisa, o procedimento é parecido com o da reprodução assistida, contudo, de acordo com a mesma reportagem da revista veja citada acima:
Por fim se tem a doação de ovulo, que é quando os ovários da mulher param de funcionar, e uma doadora cede seus óvulos para serem fecundados na mulher infértil.
Após esclarecidos pontos relevantes sobre a reprodução humana assistida, é importante salientar que existe um outro tipo de reprodução humana assistida que será a essência deste trabalho. Trata-se da reprodução humana assistida post mortem, ou reprodução humana póstuma.
Não há na doutrina um conceito padrão para esse tipo de reprodução humana, pois o nome já clarifica muita coisa, uma reprodução póstuma é uma reprodução ocorrida após a morte de um dos doadores de materiais genéticos destinados a fazer o procedimento de reprodução assistida.
Citou-se por exemplo um casal que por decisão própria decide não ter filhos agora, sendo assim, procuram uma clínica especializada e iniciam o processo de fertilização artificial, é necessário que se congele o ovulo da mulher e o esperma do homem, no entanto, não se pode contar com a sorte, caso um dos companheiros venha a falecer, como fica o material genético congelado? Pode o viúvo utilizar-se dele para gerar uma criança do falecido?
A resposta para esta pergunta é simples: “desde que o casal assine a autorização para utilizar seu material genético, é possível gerar um feto nessas condições”, contudo, esta criança terá uma longa jornada juridicamente para ser reconhecida como herdeira legitima no momento da sucessão, isso porque, o nosso código civil não a considera como herdeira legitima.
Esta premissa abre brecha para a questão do direito sucessório no âmbito da reprodução humana assistida, principalmente a reprodução humana post mortem, que é sem dúvida uma das mais polemicas formas de reprodução assistida, pois para alguns, o cônjuge não tem direito de fazer uso do material genético do falecido, e para outros, o tema deve ser melhor abordado pelo código civil, visando o melhor interesse da criança.
Para alguns doutrinadores, a reprodução humana assistida post mortem viola o princípio da isonomia material entre os filhos, e um desses doutrinadores entende não ser admissível a reprodução humana assistida póstuma, pois somente pessoas existentes e os nascituros são considerados capazes para a sucessão hereditária. (BERALDO, p.41, 2012).
Com o mesmo pensamento, a autora Maria Helena Diniz, também considera que deva ser proibido a reprodução post mortem, já que “o filho concebido post mortem não terá um lar sob amparo dos pais nem uma vida normal devido ao prejuízo de as personalidade e integração social”. (DINIZ, p.457, 2001).
Afirmando tal argumento do Ilustre autor ora citado, o CC/02 em seu artigo 1.798 elucida com todas as palavras que são legítimos a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão, ou seja, no momento da morte do de cujos.
Neste diapasão, é interessante ressaltar que tal artigo faz confronto com o princípio constitucional do livre planejamento familiar, já que o cônjuge sobrevivente tem a permissão do de cujos para que seja utilizado seu material genético para conceber um filho mesmo após sua morte, porque então este não seria considerado um herdeiro legitimo? Sobretudo, há ainda o princípio da igualdade entre os filhos, mas a inconstitucionalidade e os efeitos jurídicos de tal artigo serão analisados em momento posterior.
Por enquanto, analisar-se-á os pressupostos para a concepção por meio de reprodução humana assistida post mortem, em primeiro lugar, é que os gametas, ou seja, o material genético deve ser do cônjuge falecido, existe uma exceção, no caso de antes de a pessoa falecer ela manifeste seu consentimento para que seja usado material genético de terceiros, tendo em vista sua infertilidade.
Outro dos pressupostos para a reprodução post mortem é a anuência do casal, pois este é o primeiro dos vários formulários e documentos que o casal preenche quando do início do processo de reprodução assistida, sendo assim, caso um dos conjugues ou companheiros não consentirem com a utilização de seu material genético caso venha a falecer, não será possível a reprodução póstuma.
Apesar do art. 1.597, III, e IV do CC/02, não se referir a este consentimento acima elucidado como um pressuposto, sequer faz menção a esta anuência, as clínicas que realizam esse tipo de procedimento se resguardam pois como já dito, a reprodução humana assistida post mortem é muito polêmica, principalmente quando a questão envolve os bens do falecido (a).
Não é por outra razão que Carlos Roberto Gonçalves adverte que, na Jornada de Direito Civil realizada no Superior Tribunal de Justiça em 2002, foi aprovado um enunciado para interpretação do inciso III, do art. 1597, do CCB/02114. Assim, esclarece: Para que se presuma a paternidade do falecido marido, “que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja ainda na condição de viúva, devendo haver ainda autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte”. (disponível em: http://www.stj.jus.br/publicacaoseriada/index.php/jornada/article/viewfile/2644/286).
No presente momento é afastada a pretensão de entrar na polemica sobre os direitos sucessórios dos filhos nascidos por reprodução humana assistida post mortem, pois neste capitulo somente elucida-se o efeito e as consequências que a reprodução humana assistida tem sobre o direito civil e sobre até mesmo da Constituição Federal, mas talvez a polemica não está no tema da reprodução póstuma, e sim a urgência de o código civil legislar acerca do tema.
3.O RECONHECIMENTO DOS FILHOS PÓSTUMOS COMO HERDEIROS LEGÍTIMOS
No capítulo anterior foi exposto de forma minuciosa o procedimento de reprodução humana assistida, especialmente a reprodução post morte. E conhecendo suas especificidades, pode-se dizer que é um assunto bastante abrangente no que se refere aos direitos inerentes aos filhos póstumos, ou seja, o filho concebido de material genético de um falecido.
O direito sucessório, assim como todo o ramo do direito civil da área de família, é um terreno complexo e com preceitos complexos e específicos a cada caso concreto. No entanto, há algo que chama a atenção no que se refere ao direito das sucessões: os filhos nascidos por reprodução humana assistida post mortem não são considerados herdeiros legítimos.
Desta forma tem-se que o filho havido de fecundação artificial homóloga é considerado havido na constância do casamento mesmo que falecido o marido, portanto, filho legítimo do de cujus. Poderíamos, então, dar interpretação conforme e avocar ao embrião, na hipótese de ser concebido após a morte do de cujus, os direitos sucessórios que receberia do pai, se concebido ao tempo da morte deste, haja vista que a paternidade já está presumida e, portanto, aplicar-se-á a este os direitos de sucessão, apesar de que, no momento da abertura da sucessão, o embrião ainda não estava posicionado dentro do útero materno. Ademais pode-se raciocinar que, aqueles que congelam seus espermatozoides ou óvulos com intenções de fertilização artificial, já têm manifestadas as suas vontades de terem filhos. (PUPULIM, 2017).
Bom, diante desta informação pode-se analisar melhor como esta disposição está contida no Código Civil e em que conflita com a Constituição e as normas infraconstitucionais.
Antes de tudo, é necessário dissertar acerca da sucessão, que no âmbito do direito civil possui duas espécies, a sucessão legitima e a sucessão testamentária. Em síntese a sucessão legitima, (prevista no artigo 1.788 do CC/02) é aquele que está regida pela lei, e a testamentaria, (prevista no art. 1.829 do CC/02) por sua vez é aquela que o testador dispõe sua última vontade.
A sucessão legitima ocorre quando o autor, ou o testador não teve a oportunidade de fazer seu testamento dispondo sua última vontade, e por este motivo a sucessão se dará conforma o art. 1788 do Código Civil, obedecendo a ordem sucessória de herdeiros legítimos.
Quando o autor da herança faz o testamento, pode dispor até cinquenta por cento de seus bens da forma que desejar, e quando isso acontece, os outros cinquentas por cento serão divididos de formas iguais aos seus herdeiros legítimos.
No que se refere a legitimidade para suceder, Lobo afirma:
São legitimados a suceder, no direito brasileiro: a) as pessoas físicas; b) os nascituros; c) as pessoas físicas ainda não concebidas, ou prole eventual de determinadas pessoas, contempladas em testamento. (...) d) as pessoas jurídicas, designadas em testamento; e) as entidades não personificadas, porém existentes, como as sociedades em comum ou as sociedades em cota de participação, designadas em testamento; f) as pessoas jurídicas futuras, que serão constituídas com legados deixados pelo testador, sob forma de fundações. (LOBO, 2014, p. 62).
Os sucessores classificam-se em herdeiros e legatários, onde os primeiros recebem a totalidade ou fração do patrimônio do de cujus por vontade de lei ou do testador, que haja individualização dos bens. Já os legatários, recebem a coisa certa ou valores determinados. Herdeiros, com previsão no Direito Brasileiro, classificam-se em: Necessários: são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Artigo 1845 C.C. / 2002. Facultativos: podem ser preteridos por força de testamento Artigo 1850 do CC/2002 já que não possuem a proteção da legítima. É o caso do companheiro e dos colaterais até quarto grau (irmão, tios, sobrinhos, primos, tios-avôs e sobrinhos-netos). (FARIA, 2015).
Feita esta distinção, agora sim a discussão se inicia com uma simples indagação: porque os filos póstumos não são herdeiros legítimos? Para Maria Helena Diniz, o filho póstumo não possui legitimação para suceder, visto que foi concebido após o óbito de seu “pai” genético e por isso é afastado da sucessão legítima ou ab intestato. (DINIZ, 2009, p. 550).
A grande discussão gira em torno da ausência legislativa acerca do fato. Não há lei proibindo ou admitindo a possibilidade da inseminação post mortem. O legislador brasileiro não acompanhou os avanços da medicina e tecnologia, os quais influenciaram diretamente na forma como a sociedade se comporta. Atualmente, apenas uma resolução do Conselho Federal de Medicina trata do tema, exigindo a expressa manifestação de vontade para armazenamento e preservação dos gametas. Portanto, não trata de direitos fundamentais, haja vista não ser sua competência.
O direito sucessório proporciona segurança jurídica e patrimonial às famílias, e durante séculos, era regulamentado sobre conceitos da igreja e religião com caráter absoluto. Decidia sobre direitos, bens e até obrigações após a morte, garantindo a viúva e filhos o direito a suceder, excluindo filhos havidos fora do casamento, denominados bastardos. Este direito sucessório remonta aos primórdios da humanidade, desde que o homem começou a reunirem-se em grupos, clãs ou famílias. (MIRANDA, 2015).
Nesse contexto, Veloso preleciona:
Quem tem herdeiro necessário possui liberdade testamentária limitada, restrita. Só pode decidir sobre a quota ou porção disponível – metade dos bens, como enuncia o art. 1.789, pois a outra metade pertence, de pleno direito, aos herdeiros necessários, constituindo a legítima. Legítima, então, é a porção dos bens que a lei reserva aos herdeiros obrigatórios ou forçados: descendentes, ascendentes e cônjuge sobrevivente. São de ordem pública as normas que regulam o direito do herdeiro necessário à legítima. (VELOSO, 2008, p. 2.032).
No direito sucessório no que se refere a parte da capacidade e personalidade dos herdeiros legítimos, deve ser compreendido o que é ser um herdeiro legitimo e um herdeiro testamentário, e como antes já fora citado os conceitos de ambos, a pesquisa prossegue sobre analisando as especificidades da legitimidade da sucessão diante de filhos nascidos por reprodução humana assistida post mortem.
No código civil, o art. 1.799 e 1.800 definem quem pode ser chamado na sucessão testamentária:
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;(grifo meu);
II - as pessoas jurídicas;
III - as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação.
Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.
§ 1o Salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro, e, sucessivamente, às pessoas indicadas no art. 1.775.
§ 2o Os poderes, deveres e responsabilidades do curador, assim nomeado, regem-se pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes, no que couber.
§ 3o Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador.
§ 4o Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos. (BRASIL, 2002).
Ainda se ressalta que quanto a sucessão legítima, de acordo com a posição de vários doutrinadores, inclusive a autora MARIA HELENA DINIZ:
Filho póstumo não possui legitimação para suceder, visto que foi concebido após o óbito de ser pai genético, e por isso é afastado da sucessão legítima ou ab intestado. Poderia ser herdeiro por via testamentária, se inequívoca a vontade do doador do sêmen de transmitir herança ao filho ainda não concebido, manifestada em testamento. Abrir-se-ia a sucessão à prole eventual do próprio testador, advinda de inseminação homóloga post mortem (LICC, arts. 4º e5º). (DINIZ, 2009, p.104).
É importante frisar que no ordenamento jurídico brasileiro, não são idôneos para suceder os entes que ao tempo da morte do autor da herança, não foram concebidos, e é por este motivo que alguns doutrinadores têm a referencia de que os filhos póstumos não são herdeiros legítimos e sendo assim, incapazes de suceder de acordo com a ordem hereditária sucessiva constante nos termos do art. 1.798 do CC/02.
Sendo assim, nos termos do Código Civil, são legitimados e aptos para suceder na sucessão legitima e na sucessão testamentaria as pessoas que nasceram ou existiam na época da abertura da sucessão, ou seja, da morte do autor da herança. Atualmente é utilizado como argumento de que a capacidade sucessória condicional do nascituro pode ser reconhecida no valor e no principio da dignidade da pessoa humana por já estar em gestação, contudo, esta ainda é uma seara de estudo que ainda não se pode abordar neste capítulo.
Ademais, quando a autora da herança mencionar em sua declaração de vontade, ou seja, em seu testamento que deixa seus bens para o filho póstumo, não se pode confundir com o consentimento por aquele manifestado para o acesso a técnica de reprodução assistida póstuma. Significa dizer que quando o de cujos assina os documentos autorizando o congelamento de seu material genético, não quer dizer que ele está consentido com a sucessão para seu filho póstumo.
Desposando, ainda, do mesmo entendimento, o professor EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE, comentando o art. 1.800, do Código Civil esclarece que:
Quanto à criança concebida por inseminação post mortem, ou seja, criança gerada depois do falecimento dos progenitores biológicos, pela utilização de sêmen congelado, é situação anômala, quer no plano do estabelecimento da filiação, quer no direito das sucessões. Nesta hipótese a criança não herdará de seu pai porque não estava concebida no momento da abertura da sucessão. Solução favorável à criança ocorreria se houvesse disposição legislativa favorecendo o fruto de inseminação post mortem. Sem aquela previsão não há que se cogitar a possibilidade de eventuais direitos sucessórios. (LEITE, 2003, p. 110).
No âmbito da capacidade sucessória, a legislação ainda é bastante vaga e injusta quanto aos filhos póstumos, pois como já elucidado estes não entram na sucessão como herdeiros legítimos, e isso incita a pergunta: e os direitos e princípios constitucionais, como por exemplo o princípio da igualdade entre os filhos?
4. A REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM E OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS
O instituto do direito sucessório no que se refere a legitimidade dos filhos nascidos por reprodução humana post mortem, pois seu impacto sucessório é muito grande e interfere a vida de outro ser humano, e é aí que se inicia a discussão acerca dos princípios e direitos constitucionais quanto a legitimidade sucessória dos filhos póstumos.
Até aqui já se sabe como é o procedimento da reprodução assistida e quais as consequências jurídicas e psicológicas para a prole futura, o que ainda não fora debatido são os princípios infraconstitucionais constantes no direito de família e os princípios constitucionais, que também conflitam com a norma do Código Civil, que não reconhece os filhos póstumos como herdeiros legítimos.
Diante desta premissa, o primeiro principio a ser citado é claro que é o principio da igualdade entre os filhos, que está contido na Constituição Federal, em seu art. 227, § 6º, veda o tratamento discriminatório dos filhos. Assim, a origem ou as circunstâncias de sua concepção não podem interferir no tratamento dispensado a ele.
Apesar de ser um princípio constitucional e basilar do direito de família, de acordo com a doutrinadora Andrea Araújo:
Porém, tal igualdade não é absolta, uma vez que é possível o deferimento de percentuais diferentes para cada filho, dependendo da particularidade e da necessidade de cada descendente, por exemplo: o filho portador de alguma necessidade especial poderá receber um percentual ou valor diferenciado em relação ao filho saudável, pois possui uma necessidade específica, o que justifica a distinção, não havendo qualquer ofensa ao princípio constitucional da igualdade. (ARAÚJO, 2018).
Além do princípio da igualdade entre os filhos, há de salientar o princípio do melhor interesse da criança, mesmo que apesar de que quando criança o filho póstumo não poder usufruir da herança por ser menor e precisar de um tutor ou curador, esta criança não estará desamparada quanto a sua vida financeira e seu futuro estaria teoricamente garantido, este princípio reflete não somente no âmbito patrimonial, mas também no âmbito emocional, onde a criança deve receber o nome do pai e ter em sua certidão de nascimento seu reconhecimento como filho do de cujos.
Em suma, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente prima de maneira absoluta para que seja assegurado a eles o direito “à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, 4, inclusive conforme preceituam a Carta Magna, em seu artigo 227 e o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 4º:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (BRASIL, 2002).
“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1988).
Ainda de acordo com a principiologia que se aplica ao direito sucessório da filiação póstuma, não pode faltar o principio da dignidade da pessoa humana, que basicamente é o resguardo que a Constituição dá em casos de ofensa a honra e a integridade física ou moral de uma pessoa.
Aplicando isso no direito sucessório, pode-se dizer que a honra e a integridade do filho póstumo são afetadas quando da sua exclusão da sucessão devido a sua falta de legitimidade, ou seja, quando o direito não o reconhece como um filho legitimo, está afrontando vigorosamente o principio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Ressalte-se que, a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo a sua existência e a sua iminência, transforma-a num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito. (SILVA, 2000, p. 146).
Além desses princípios citados acima, pode-se destacar ainda o principio da igualdade, que está previsto no caput do art. 5° da CF/88 que assegura que todos são iguais perante a lei.
O princípio da igualdade prevê a igualdade de aptidões e de possibilidades virtuais dos cidadãos de gozar de tratamento isonômico pela lei. Por meio desse princípio são vedadas as diferenciações arbitrárias e absurdas, não justificáveis pelos valores da Constituição Federal, e tem por finalidade limitar a atuação do legislador, do intérprete ou autoridade pública e do particular. (AMARAL, 2017).
O princípio constitucional da igualdade pode ser aplicado no direito sucessório assim como o princípio da igualdade entre os filhos, porém, seus preceitos devem ser relacionados a igualdade perante a lei e não a igualdade de tratamento como o princípio da igualdade entre os filhos.
Para Moraes, o princípio da igualdade constitucional é:
O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio Poder Executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situação idêntica. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça e classe social. (MORAES, 2002, p. 65).
Com relação ao direito sucessório, pode-se citar apenas estes princípios que são confrontados pela letra da lei do código civil, onde expressa a ilegitimidade de um filho concebido após a morte. E diante desses princípios, resta clarividente a inconstitucionalidade desta parte especifica do código civil.
Apesar de ser a lei divergente quanto ao assunto, a jurisprudência, principalmente do Tribunal de Minas Gerais, entende que jamais deve haver discriminação entre filhos no que tange a patrimonialidade ou de qualquer outro tipo:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO DE FAMÍLIA - DIREITO SUCESSÓRIO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE FILIAÇÃO/PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM - RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA - VEDAÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO MORAL OU PATRIMONIAL - ASSEGURAÇÃO DOS DIREITOS HEREDITÁRIOS DECORRENTES DA EVENTUAL COMPROVAÇÃO DO ESTADO DE FILIAÇÃO - REGRA GERAL: RESERVA DO QUINHÃO HEREDITÁRIO - EXCEÇÃO: MODIFICAÇÃO SUBSTANCIAL NA FORMA DE PARTILHA DE BENS - RESPEITO À ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA.
- De acordo com a legislação civil, a filiação socioafetiva constitui uma das modalidades de parentesco civil (artigo 1.583, do CC/02), sendo vedado qualquer tipo discriminação decorrente desta relação (artigo 1.582, do CC/02), sejam eles de caráter moral ou patrimonial.
- Conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, a paternidade engloba diversas responsabilidades, de ordem moral ou patrimonial, devendo ser assegurados os direitos hereditários decorrentes da comprovação do estado de filiação (REsp 1618230/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 10/05/2017).
- Em regra, a determinação de reserva de quinhão se mostra medida suficientemente apta a resguardar os interesses dos pretensos herdeiros até a resolução definitiva da ação na qual se discute o reconhecimento do estado de filiação (§2º, do artigo 628, do CPC/15).
- Nas hipóteses em que, excepcionalmente, o reconhecimento da filiação socioafetiva implicar, por força da ordem de vocação hereditária (artigo 1.829, do CC/02), substancial modificação na forma da partilha dos bens, é recomendada a suspensão do inventário em curso (alínea "a", do inciso V, do artigo 313, do CPC/15). - No caso, com o eventual acolhimento da pretensão deduzida pelo pretenso filho socioafetivo, a ordem de vocação hereditária será substancialmente alterada, irradiando efeitos sobre o desfecho patrimonial do inventário, já que o autor da herança o teria como ú nico herdeiro (inciso I, do artigo 1.829, do CC/02), o que autoriza a suspensão do processo de inventário. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0024.14.339648-9/001, Relator(a): Des.(a) Ana Paula Caixeta , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/04/0018, publicação da súmula em 13/04/2018) (TJMG, 2018).
Infelizmente O reconhecimento do direito à herança aos filhos póstumos, gerados por emprego das técnicas de RA, divide a opinião dos doutrinadores. Há quem defenda que apenas os gerados por implantação de embrião excedentários teriam legitimação para suceder, por já estarem concebidos à época da abertura da sucessão (PEREIRA, 2017, p. 50-51), não sendo reconhecida a legitimação dos filhos póstumos gerados por meios da técnica de inseminação artificial, seja na modalidade homóloga, seja na heteróloga, devendo se submeterem à petição de herança (art. 1.824 do CC/02), nos termos do enunciado 267, da III Jornada de Direito Civil.
Além da discordância doutrinaria e legislativa acerca da legitimidade da sucessão dos filhos concebidos por reprodução humana assistida post mortem, há autores que renegam os meios conceptivos alternativos, como as técnicas de reprodução assistida, com o argumento de que a criança nasce sem identidade ou com vários problemas psicológicos por não se ter um pais ou uma mãe.
Acontece, que de fato essas consequências são reais, contudo, estes argumentos também afrontam o principio do livre planejamento familiar, encontra respaldo legal no artigo 226, §7º da Constituição Federal.
A conceituação deste princípio se baseia em:
O Livre Planejamento Familiar pode ser entendido como sendo um direito fundamental que visa garantir a efetividade e o exercício de inúmeros outros direitos fundamentais - e, admitindo-se uma espécie de sopesamento entre estes, até mais basilares do que ele, como o direito à vida (da criança e da mãe), o direito à autonomia da vontade e à dignidade da pessoa humana. É, pois, um direito fundamental que serve como pano de fundo para a efetivação de outros direitos, também fundamentais, em sua plenitude. Contudo, antes que se possa debater a efetivação dos direitos que seriam alcançados com a efetivação do planejamento familiar, faz-se necessário analisar a efetivação dele próprio na prática. (GOZZI, 2019).
O livre planejamento familiar, tratando-se de um direito fundamental, não pode ser restringido, devendo ter seus inúmeros obstáculos efetivamente enfrentados e vencidos. Como direito fundamental que é, ao livre planejamento familiar é conferido uma eficácia reforçada em sua aplicabilidade, dado que os direitos fundamentais, considerados em seu sentido amplo, ainda que não tenham sua intangibilidade expressamente assegurada, afiguram-se como pontos indissociáveis da própria condição de subsistência da Lei Maior. (QUARANTA, 2010).
De modo resumido, o direito sucessório é um tanto quanto complicado quando se refere a técnicas de reprodução humana assistida post mortem, pois infelizmente, nossa cultura é reprimir os pensamentos sobre a morte sempre que possível, dificilmente se vê algum planejamento sucessório ou testamentário, mas mesmo que fossem um povo com tal cultura, nossa legislação não suportaria tais atitudes, pois é divergente dentre elas, a Constituição diz “sim”, o Código Civil diz “não” e a jurisprudência diz “talvez”.
Por este motivo a reprodução assistida póstuma é um risco que muitos casais - quando sabem do assunto – evitam, pois conhecem das consequências para o filho que esta por vir, e sabendo de todo o transtorno que esta criança poderá passar por falta de uma equipolência de normas legais, esses casais preferem conceber filhos de maneiras diversas, ou então, se resguardarem com um testamento onde faz desta prole futura herdeira dos bens.
De todo modo, essa discrepância que ocorre no código civil em não aceitar como herdeiros legítimos os filhos concebidos após a morte de um dos genitores é em seu todo inconstitucional, não só porque desrespeita vários princípios e direitos constitucionais, mas como também fere a dignidade do filho póstumo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegando ao fim desta pesquisa, pode-se concluir que o código civil realmente falhou em questão de legislar acerca da reprodução assistida post mortem. É totalmente incoerente pensar que a única lei que deveria fazer este papel não o faz. Pois o grande problema desta pesquisa é: o não reconhecimento dos filhos nascidos post mortem como herdeiros legítimos.
De fato, é um tema bastante estafante de se falar, pois as opiniões são um tanto quanto fatigantes, não existe meio termo quando se fala em legitimidade de filhos nascidos após a morte do autor da herança, e no primeiro capitulo do trabalho, cuidou-se de dissertar apenas sobre a sucessão no âmbito do direito civil e sobre as especificidades da reprodução humana assistida, que vale ressaltar mais uma vez, que alguns doutrinadores são estritamente contra, pois argumentam que a reprodução humana assistida fere preceitos constitucionais, tais como o da identidade e a igualdade, enfim, esta é uma divergência que não nos cabe ao fim de uma pesquisa tão portentosa.
Seguindo a linha de raciocínio do trabalho, o capítulo seguinte entrou de fato dentro da polemica e usou de doutrinas e jurisprudências para apontar meu ponto de vista, e de como o não reconhecimento dos filhos póstumos como filhos legítimos poderia ferir gravemente a constituição e principalmente o princípio da igualdade entre os filhos.
Por certo este capitulo fez com que o leitor pensasse pelo outro lado da história e de como seria desleal uma briga judicial onde um filho legitimo e herdeiro legitimo luta por sua herança e como um filho tido como “bastardo” pelo próprio código civil pode ser uma lide pérfida.
Por fim, o ultimo capitulo é daqueles que faz o leito pensar e repensar em seus preceitos, atingindo especificamente onde a ferida pode ser curada, o ultimo capitulo dissertou acerca dos direitos constitucionais e a reprodução humana assistida post mortem, e como este conflito pode gerar uma lide daquelas em que ambos os herdeiros o legitimo e o filho póstumo podem se discrepar em uma lide judicial, sendo assim, os filhos nascidos post mortem devem ser reconhecidos como filhos e herdeiros legítimos de acordo com a constituição.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Ingrid Stefani de Brito. Direito de filiação e sucessão de filhos nascidos por reprodução humana assistida post mortem Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 mar 2020, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54326/direito-de-filiao-e-sucesso-de-filhos-nascidos-por-reproduo-humana-assistida-post-mortem. Acesso em: 23 dez 2024.
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