Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Brasil, Curso de Direito, Campus de Fernandópolis, como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em Direito. Orientador: Prof.Me.Marcia Kasume Pereira Sato
RESUMO: A presente pesquisa aborda características dos embargos de terceiro, que podem ser conceituados como instrumento processual empregado pelo terceiro para livrar seus bens da constrição, determinada em processo do qual não participa. Decorrente dos elevados princípios da Constituição da República, especialmente o devido processo legal, sem o qual não poderá o indivíduo ser privado de seus bens, o instituto processual possui origem anterior à Lei 13.105/2 015 – Código de Processo Civil (CPC), uma vez que fora previsto já na Lei 5.869/1973. Destarte, observa-se que os embargos de terceiro, da forma como concebidos no ordenamento jurídico, trata-se de ação autônoma que almeja desconstituir a constrição determinada em outro processo judicial, cujas hipóteses de cabimento, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, deixaram de ser expressamente enumeradas, isto é, houve alargamento das possibilidades de utilização da ferramenta, desde que preenchidos os requisitos legais contidos no artigo 674 e seguintes do CPC. No entanto, a despeito da liberdade para manuseio dos embargos, conforme esclarecido, tanto a legislação processual quanto a jurisprudência – especialmente dos tribunais superiores, impõem balizas a serem observadas na utilização desarrazoada e protelatória do instituto. Assim, faz-se necessário analisar os principais pronunciamentos jurisprudenciais, mormente aqueles consubstanciados em enunciados sumulados, para elucidação da temática. Nesse sentido, este trabalho possui como fonte livros, jurisprudência e legislação pertinentes, explicitando conceitos e contextos inerentes, evidenciando que os embargos de terceiro se mostram como inequívoca materialização do princípio do devido processo legal, assegurando a defesa da posse e propriedade do terceiro prejudicado.
PALAVRAS-CHAVE: Embargos de terceiro; Devido processo legal; Constrição.
ABSTRACT: This research addresses characteristics of third party embargoes, which can be conceptualized as a procedural instrument employed by the third party to free its assets from constriction, determined in a process in which it does not participate. Due to the high principles of the Constitution of the Republic, especially due process of law, without which the individual cannot be deprived of his assets, the procedural institute originates before Law 13,105/2015 (New Code of Civil Procedure), once already provided for in Law 5,869/1973. Thus, it is observed that the third party embargoes, as conceived in the legal system, is an autonomous action that aims to disregard the constriction determined in another judicial process, whose chances, with the advent of the Civil Procedure Code of 2015, are no longer expressly listed, that is, the possibilities of using the tool have been extended, provided that the legal requirements contained in article 674 et seq. Of the CPC are fulfilled. However, despite the freedom to handle embargoes, as clarified, both procedural law and case law - especially of higher courts - impose beacons to be observed in the unreasonable and delaying use of the institute. Thus, it is necessary to analyze the main jurisprudential pronouncements, especially those embodied in summary statements, to elucidate the theme. In this sense, this work has as source books, relevant jurisprudence and legislation, explaining inherent concepts and contexts, showing that third party embargoes are unambiguous materialization of the principle of due process, ensuring the defense of possession and property of the injured third party.
KEYWORDS: Third party embargoes; Due process of law; Constriction.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONCEITO E PREVISÃO LEGAL. 3. NATUREZA JURÍDICA. 4. HIPÓTESES DE CABIMENTO. 5. LEGITIMIDADE ATIVA. 6. PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO. 7. CABIMENTO DE TUTELA PROVISÓRIA. 8. PRINCIPAIS ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS. 8.1. Contrato de promessa de compra e venda. 8.2. Defesa de meação por cônjuge. 8.3. Fraude contra credores. 8.4. Honorários advocatícios de sucumbência. 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 10. REFERÊNCIAS.
Ante as concepções advindas do Constitucionalismo contemporâneo, especialmente a influência exercida pelo denominado Neoconstitucionalismo sobre o direito brasileiro, o processo judicial deve pautar-se não apenas por critérios legais, mas também constitucionais, haja vista a incidência de normas inscritas diretamente na Carta Política sobre as relações jurídicas, especialmente processuais.
Deste modo, em estrita obediência ao comando contido na Constituição da República, essas relações devem ser orientadas, notadamente, pelas premissas de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV, CF/88), bem como de que “aos litigantes, no processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados ao contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV, CF/88).
No entanto, embora a função típica do Poder Judiciário seja exercer a atribuição jurisdicional, especialmente ao apreciar conflitos de interesses e entregar aos litigantes a decisão mais justa ao caso que lhe fora apresentado, esta incumbência encontra limites, até porque é incabível a interferência na esfera privada do indivíduo (propriedade, liberdade, etc.) sem que haja o devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88).
Para salvaguardar os direitos eventualmente violados, inúmeros mecanismos jurídicos foram criados pelo ordenamento, cujas finalidades serão correspondentes aos bens tutelados. Nesse panorama, um importante instrumento elaborado para proteção dos bens privados contra atos do próprio Poder Judiciário são os embargos de terceiro.
Prevista no Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), esta ferramenta possui especificamente o objetivo de desfazer a interferência indevida sobre bens daquele que não é parte em processo judicial, a partir do qual houve a expedição da ordem de constrição ou em que esteja na iminência de expedi-la.
Ocorre que o próprio estatuto processual delimita os contornos práticos dentro dos quais caberá utilizá-la, sendo imperioso, portanto, tratar de seu conceito, previsão legal, natureza jurídica, hipóteses de cabimento, algumas das matérias alegáveis e os principais entendimentos jurisprudenciais para que possa ser analisado, com a devida técnica, este importante instrumento processual de defesa do patrimônio.
A fim de sintetizar o conhecimento de maneira lógica, faz-se necessário explorar o conceito do instituto em apreço. Inicialmente, os eminentes doutrinadores Cunha e Rossato (2018) asseveram que “constituem embargos de terceiro a ação na qual o terceiro (aquele que não é parte no processo) busca livrar determinado bem da constrição”. O conceito apresentado, embora pareça singelo, traz alguns pontos que merecem exploração mais detalhada.
De início, tem-se que os embargos de terceiro são ação, isto é, constitui-se demanda autônoma que, embora tenha relação com outro processo (em geral um cumprimento de sentença – art. 513 e seguintes – ou uma execução de título extrajudicial – art. 771, ambos do Código de Processo Civil), não são incidentes ou mesmo apensos do processo a partir do qual emanou a ordem de constrição. Em verdade, instaure-se uma nova lide entre o terceiro prejudicado e o credor da ação onde determinou-se eventualmente a intervenção no bem.
Esta demanda autônoma deve ser iniciada por terceiro, que não seja parte do processo principal. A regra aqui é simples: se o prejudicado é parte no processo onde ocorreu a ordem de constrição, sua defesa será feita naqueles próprios autos, podendo alegar impenhorabilidade do bem (art. 833, do CPC) ou mesmo requerendo a substituição da penhora (art. 847, CPC), caso “comprove que será menos onerosa e não trará prejuízo ao exequente”.
Logo, a denominação de “terceiro” indica pessoa alheia ao processo que, a despeito desta condição, tem invadida sua esfera patrimonial mediante constrição ou ameaça de constrição a algum bem que lhe pertence. Por fim, dentro do conceito apresentado, torna-se nítido o objetivo dos embargos de terceiro, qual seja livrar o bem da constrição que, pelas razões indicadas pelo embargante, é indevida.
Assim, destrinchado o conceito, para melhor entendimento acerca do tema, cabe analisar o dispositivo legal que encampa a temática no ordenamento jurídico. Encontra previsão no Capítulo VII, denominado “Dos Embargos de Terceiro”, que está inserido no Título III – Dos Procedimentos Especiais, do Código de Processo Civil de 2015, cujo teor é o seguinte:
Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.
Como elencado anteriormente, os embargos de terceiro são ferramentas que objetivam livrar bens da pessoa de constrição indevida, trazendo o dispositivo legal a indicação de “direito incompatível” com o ato constritivo. O artigo em comento ampliou significativamente a abrangência dos embargos, visto que deixou de delimitar estritamente as hipóteses de cabimento, como ocorria no Código de Processo Civil revogado de 1973, que em seu art. 1.046, previa:
Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhe sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos.
Ainda que desconsiderada a linguagem utilizada pelo legislador, certo é que havia delimitação das hipóteses de cabimento, mediante indicação expressa das ações judiciais nas quais poder-se-ia ocorrer “ato de apreensão judicial” a respeito do qual o terceiro pretenderia defender-se. Ocorre que a disciplina exaustiva das hipóteses, além de delimitar excessivamente as possibilidades de cabimento, poderia ser acarretar interpretação em contrário sensu, impedindo a utilização dos embargos em situação que demandaria a insurgência do instituto.
Diante dessa análise, observa-se que os embargos de terceiro, atualmente, deixaram de ser oponíveis apenas quando efetivamente ocorrer a apreensão do bem por meio de turbação ou esbulho judicial. Na atual conjuntura jurídica, poderão ser interpostos tão logo haja ameaça de constrição, seja apenas com o deferimento do registro de penhora pelo juízo da execução, seja com a premência da factual constrição (expedição de mandado de remoção e depósito, etc.).
No entanto, permanece a necessidade de se compreender o que seria exatamente “direito incompatível com o ato constritivo”. Em primeiro plano, define Gonçalves (2009) que constrição é:
[...] o modo pelo qual o titular da coisa perde a faculdade de dispor livremente dela. É o meio pelo qual o titular é impedido de alienar a coisa ou onerá-la de qualquer outra forma. São exemplos de constrição judicial a penhora, o arresto, o sequestro, entre outros.
Logo a constrição é gênero da qual a penhora, o arresto ou o sequestro é espécie. O mais importante é extrair que a constrição é, pela própria semântica da palavra, é a limitação do exercício inerente ao direito de posse ou propriedade. Disto sobressai quais são os direitos incompatíveis com a constrição, isto é, o exercício da propriedade, da posse, mormente pela retirada da coisa do poder de seu proprietário, porquanto tais direitos sejam exercidos de boa-fé pelo terceiro prejudicado.
Destarte, os embargos de terceiro objetivam garantir os exercícios dos direitos inerentes à propriedade e posse de bem que, indevidamente, esteja sob ato de constrição judicial ou na iminência de ocorrer, cujas hipóteses de cabimento, de modo não exaustivo, serão analisadas em momento oportuno.
A questão em torno da natureza jurídica é tratada de forma brilhante pelo eminente doutrinador Nery Junior (2019):
Trata-se de ação de conhecimento, constitutiva negativa, de procedimento especial sumário, cuja finalidade é livrar o bem ou direito de posse ou propriedade de terceiro da constrição judicial que lhe foi injustamente imposta em processo de que não faz parte. O embargante pretende ou obter a liberação (manutenção ou reintegração na posse), ou evitar a alienação de bem ou direito indevidamente constrito ou ameaçado de o ser.
O destaque recai sobre a natureza de ação de conhecimento (que demanda dilação probatória) e sua especial característica de ação constitutiva negativa, isto porque desmonta determinada relação jurídica, que, no caso dos embargos de terceiro, é o desfazimento da constrição indevida.
Apenas corroborando o que restou inscrito acima, Cunha e Rossato (2018) ensinam que “os embargos de terceiro se constituem em procedimento de jurisdição contenciosa por meio do qual se busca desfazer a constrição judicial que se entende indevida, já realizada ou na iminência de ser”. Assim, conforme esclarecido no tópico relativo ao conceito do instituto em apreço, pertence à jurisdição contenciosa, por corolário demanda dilação probatória conforme necessitar o caso concreto.
Como mencionado anteriormente, o Código de Processo Civil de 2015 deixou de tratar de forma exaustiva sobre as hipóteses de cabimento dos embargos de terceiros, como fazia o seu antecessor. Com base nessa alteração paradigmática, a função de delimitar quando deverão ser aceitos os embargos fora incumbida ao juiz de direito que analisará o caso concreto.
Todavia, não significa que os embargos poderão ser indiscriminadamente utilizados, ou seja, para discussão de quaisquer situações, uma vez que há parâmetros que balizam a incidência do instituto. Nesse sentido, o art. 677 do CPC/2015 expressamente prevê que “na petição inicial, o embargante fará a prova sumária de sua posse ou de seu domínio e da qualidade de terceiro, oferecendo documentos e rol de testemunhas”.
Portanto, caso não haja o cumprimento de tais requisitos, naturalmente poderá o juiz indeferir a inicial, nos termos do art. 485, do CPC, extinguindo o processo sem análise do mérito. Cabe ressaltar que os requisitos específicos indicados no art. 677 não excluem os genéricos contidos no art. 319, ambos do Código de Processo Civil.
No entanto, embora seja missão árdua – quiçá desnecessária e inalcançável – esmiuçar cada uma das possibilidades de utilização dos embargos de terceiro, algumas hipóteses podem ser elencadas para melhor compreensão do tema. Como esclarecido, deve existir um ato de constrição ou, ao menos, sua iminência, que, para efeitos práticos e acadêmicos, considerar-se-á a penhora.
Cunha e Rossato (2018) definem penhora como “ato executivo destinado à apreensão de bens do devedor, vinculando-os à execução”. Assim, sendo, é possível imaginar determinado cumprimento de sentença em que o credor requeira a penhora de um imóvel, cuja matrícula junto ao Cartório de Registro de Imóveis respectivo indique o executado como proprietário, portanto o juiz defere o registro de penhora junto à matrícula do referido bem.
Embora o procedimento para satisfação da dívida mediante penhora deste bem não se encerre nesta oportunidade, obviamente constitui uma medida constritiva que, caso regular, torna-se necessária para que haja o adimplemento da obrigação. Todavia, havendo um terceiro (que não participe da relação processual existente) e que possua direitos sobre o bem (uma escritura de compra e venda do imóvel legitimamente anterior à penhora), mostra-se indevida a restrição determinada. Eis uma hipótese prática de utilidade dos embargos de terceiro, pois por meio deles poderá o terceiro obter o desfazimento da constrição que, no caso narrado, mostra-se indevida.
Esta lógica segue nas inúmeras situações em que possa ocorrer a indevida constrição, da qual poderá o terceiro livrar-se, caso comprove que realmente é indevida. Afinal, é manifestamente ilegítima e ilegal a imputação de dívida a quem não é devedor, e mais ofensivo ainda embaraçar-lhe a propriedade ou posse dos bens em consequência.
A identificação do componente do polo passivo do procedimento especial estudado é encargo simples e não exige maiores considerações, visto que bastará localizar o integrante polo ativo da ação executória na qual houve a ordem de constrição, isto é, quem se aproveitará do ato constritivo reputado indevido. Por outro lado, a legitimidade ativa dos embargos de terceiro merece destaque.
O terceiro indicado pela lei ostenta a qualidade de ser alheio ao processo principal (execução) do qual emana a constrição. Na definição de Cunha e Rossato (2018) são:
Aqueles que, embora não sejam parte no processo, sofram constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possuam ou sobre os quais tenham direito incompatível com o ato constritivo. Poderão ser o proprietário do bem, admitindo a lei que sejam fiduciários ou possuidores.
Cabe ressaltar, mais uma vez, que o terceiro poderá ser tanto o proprietário quanto o possuidor do bem, conforme expressamente previsto no art. 674, §1º, do CPC: “Os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive fiduciário, ou possuidor”. Ocorre que o Código de Processo Civil equipara a terceiro, para fins de legitimidade ativo dos embargos, os seguintes:
Art. 674, §2º. I - o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação, ressalvado o disposto no art. 843; II - o adquirente de bens cuja constrição decorreu de decisão que declara a ineficácia da alienação realizada em fraude à execução; III - quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte; IV - o credor com garantia real para obstar expropriação judicial do objeto de direito real de garantia, caso não tenha sido intimado, nos termos legais dos atos expropriatórios respectivos.
Nota-se, portanto, que tais hipóteses são relativas à meação por ocasião de sociedade conjugal, alienação realizada em fraude à execução, desconsideração da personalidade jurídica e garantia real, ou seja, em maior parte temas relacionados ao direito material. Mas tratam de terceiros que, numa análise objetiva, poderiam não ser assim considerados, a despeito da invasão patrimonial que sofreriam ainda que indiretamente.
Basta uma análise atenta para que se chegue a essa conclusão. Afinal, o cônjuge que não faz parte da relação processual deve ter seus direitos preservados, embora a princípio não seja essencialmente terceiro. Do mesmo modo, o credor que possui garantia real em relação a determinado bem, embora não seja seu proprietário, sofrerá prejuízo caso não possa exercer o direito de preferência que lhe é garantido, razão pela qual a lei o equipara a terceiro.
Os embargos de terceiro não possuem um prazo específico para interposição, o que não significa, todavia, que não haja limitações temporais. O Código de Processo Civil, em seu art. 675, disciplina a matéria da seguinte forma:
Os embargos podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento enquanto não transitada em julgado a sentença e, no cumprimento de sentença ou no processo de execução, até 5 (cinco) dias depois da adjudicação, da alienação por iniciativa particular ou da arrematação, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta.
Além dessas duas hipóteses, Cunha e Rossato (2018) descrevem que se a constrição ocorrer em razão da declaração de fraude à execução, há de se observar a existência de regra especial, concedendo-se o prazo de 15 dias para que o terceiro adquirente, a partir de sua intimação, possa apresentar os embargos de terceiro.
7. CABIMENTO DE TUTELA PROVISÓRIA
A temática da tutela provisória nos embargos de terceiro afigura-se tema de considerável relevância, considerando que a medida se volta contra uma constrição judicial indevida que já ocorreu ou está na iminência de ocorrer. Logo, os embargos, por sua própria natureza, demandam medidas urgentes e atuação enérgica do Poder Judiciário, a fim de evitar o perecimento do direito.
Ocorre que, diante da importância desse tema, o Código de Processo Civil não deixou de discipliná-lo, e o fez em seu artigo 678, estabelecendo que a tutela será de evidência, ou seja, em que pese a celeridade demandada pela medida, o Código não incluiu a urgência como requisito para a concessão da medida provisória:
A decisão que reconhecer suficientemente provado o domínio ou a posse determinará a suspensão das medidas constritivas sobre os bens litigiosos objeto dos embargos, bem como a manutenção ou a reintegração provisória da posse, se o embargante a houver requerido. Parágrafo único. O juiz poderá condicionar a ordem de manutenção ou de reintegração provisória de posse à prestação de caução pelo requerente, ressalvada a impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente.
Com isso, percebe-se a clara preocupação do legislador com a manutenção dos direitos do terceiro que sofra constrição indevida, até porque mostra-se muito mais prudente que sejam impedidos os atos expropriatórios até que sejam julgados os embargos. Em verdade, como esclarece Cunha e Rossato (2018), “é praxe a concessão do efeito suspensivo quando do recebimento dos embargos de terceiro, apesar de não existir regra legal que o determine expressamente”.
8. PRINCIPAIS ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS
Os embargos de terceiro não são matéria recente no direito brasileiro, uma vez que já eram previstos no revogado Código de Processo Civil de 1973. Assim, ao longo dos anos, inúmeros posicionamentos jurisprudenciais foram adotados, culminando, alguns deles, em súmulas dos Tribunais Superiores, especificamente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, as quais merecem a devida atenção, considerando a importância dos temas correlatos.
8.1. Contrato de promessa de compra e venda
Ainda no ano de 1984, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 621, com o seguinte teor: “Não enseja embargos de terceiro à penhora a promessa de compra e venda não inscrita no registro de imóveis”. Com este entendimento o Pretório Excelso assentou a impossibilidade de o adquirente de imóvel, cujo compromisso de compra e venda não fora registrado junto ao Cartório de Registro de Imóveis, interpor embargos de terceiro.
Com isto, vendas regradas pela informalidade, sem o devido registro, não eram oponíveis em face de penhoras sobre o imóvel, porquanto efetivamente não houve a transferência do bem, que demanda escritura pública, conforme art. 1.245 do Código Civil: “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. § 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”.
Ocorre que, com o advento da Constituição da República de 1988, a função de uniformizar entendimento jurisprudencial a respeito de interpretação de lei federal (art. 105, CF/88) passou a ser do Superior Tribunal de Justiça. Assim, posteriormente, em 1993, o referido Tribunal Superior editou a Súmula 84, com o seguinte teor: “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”.
Com a edição desta súmula houve uma grande reviravolta na hipótese de cabimento dos embargos de terceiro, especificamente quando envolvessem alegação de posse decorrente de compromisso de compra e venda de imóvel, posto que até então não eram aceitos para aventar este direito, informado pela precariedade do instrumento constitutivo. Com o surgimento de diversos questionamentos a respeito de qual das súmulas eram aplicadas, o Supremo Tribunal Federal suplantou a questão, ao indicar que o STJ é quem detém atribuição para a espécie de matéria analisada:
Em face da Constituição Federal de 1988, desdobrado, que foi, o Recurso, em extraordinário e especial (artigos 102, III, "a", "b" e "c", e 105, III, "a", "b" e "c"), coube ao Superior Tribunal de Justiça apreciar a matéria infraconstitucional, objeto deste último, relacionada com a Súmula 621 do S.T.F., segundo a qual 'não enseja embargos de terceiro a penhora a promessa de compra e venda não inscrita no registro de imóveis. E o fez, mantendo o acórdão recorrido, com trânsito em julgado. (RE 119.937, rel. min. Sydney Sanches, 1ª T, j. 16/5/1995, DJ de 15-9-1995).
Hoje em dia a questão já não se mostra controversa, uma vez que os diversos tribunais pátrios se utilizam apenas da Súmula 84, elaborada pelo Superior Tribunal de Justiça. Apenas para exemplificar, este entendimento tem sido adotado nos recentes julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
EMBARGOS DE TERCEIRO – Escritura de compra e venda de bem imóvel – Hipótese em que, mesmo diante da ausência de registro, há que se privilegiar a boa-fé da adquirente do imóvel – Aplicação da Súmula 84 do STJ que superou o disposto na Súmula 621 do STF – É insuficiente a ocorrência de citação válida do devedor em demanda capaz de reduzi-lo à insolvência – Necessidade também de registro de penhora sobre o bem alienado ou demonstração pelo credor de que o terceiro adquirente agiu em "consilium fraudis" com o devedor, requisitos ausentes na hipótese em tela – Não configuração da fraude – Sentença mantida - RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP. Apelação Cível 0000230-22.2011.8.26.0660; Relator (a): Renato Rangel Desinano; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Privado; Foro de Viradouro - Vara Única; Data do Julgamento: 16/03/2018; Data de Registro: 16/03/2018). (Destaque não constante do original).
E ainda:
RECURSO – Apelação – Insurgência contra a r. sentença que julgou procedentes os "embargos de terceiro" – Inadmissibilidade – Cerceamento de defesa e sentença "extra petita" não configuradas – É admissível a oposição de embargos de terceiros fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro – Inteligência da Súmula 84 do STJ que tornou sem efeito a Súmula 621 do STF – Fraude à execução – Imóvel – Ausência de elementos probatórios que coloquem em dúvida a boa-fé dos embargantes – Aplicação da Súmula 375 do STJ – Fraude à execução não caracterizada – Resistência injustificada do embargado ao pedido de levantamento da penhora - Condenação do embargado ao pagamento das verbas de sucumbência mantida - Recurso improvido. (TJSP. Apelação Cível 1012523-28.2017.8.26.0100; Relator (a): Roque Antônio Mesquita de Oliveira; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 16ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/08/2017; Data de Registro: 30/08/2017). (Destaque não constante do original).
8.2 Defesa de meação por cônjuge
Eventualmente, poderá uma penhora recair sobre determinado imóvel que não pertença apenas ao executado, mas também ao seu cônjuge ou companheiro, que é considerado terceiro – como visto anteriormente (art. 674, §2º, I, CPC). Assim, este poderá defender a meação que lhe compete utilizando-se dos embargos de terceiro, mesmo que tenha sido regularmente intimado sobre a constrição.
Este foi o entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, por meio do verbete 134: “Embora intimado da penhora em imóvel do casal, o cônjuge do executado pode opor embargos de terceiro para defesa de sua meação.
O Código Civil, em seu artigo 158 define a fraude contra credores: “Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos”. Assim, os credores sem garantia poderão pleitear a anulação de negócios jurídicos celebrados nas hipóteses elencadas.
A ação correta para anular o negócio jurídico fraudulento é denominada ação revocatória ou ação pauliana. Logo, embora o credor ludibriado esteja, na prática, defendendo seus interesses ao pleitear a anulação de negócio jurídico do qual não participou, isto é, atuante na condição de terceiro, não podem ser utilizados os embargos de terceiro para esta finalidade.
Esta atecnia jurídica reiteradamente alcançou os tribunais brasileiros, de modo que, após saturadas demandas e controvérsias a este respeito, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 195, cujo teor é o seguinte: “Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores”. Portanto, não são aceitos embargos de terceiro nesta hipótese, devendo o terceiro prejudicado pela fraude utilizar os instrumentos próprios (ação pauliana).
8.4 Honorários advocatícios de sucumbência
Outra questão recorrente que demandou uniformização pelo Superior Tribunal de Justiça refere-se aos honorários sucumbenciais decorrentes dos embargos de terceiros. Afinal, os embargos de terceiro envolvem duas demandas e, no mínimo, três pessoas distintas: no processo principal (exequente e executado) e nos embargos de terceiro o embargante (terceiro em relação à demanda principal) e embargado (geralmente o exequente naqueles – parte atuante em ambos os processos).
Assim, para dirimir a questão sobre a quem deve ser imputado o pagamento dos honorários, o STJ editou a Súmula 303, definindo que “em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios”. Logo, deve ser observado quem se aproveitaria da constrição que ensejou a interposição dos embargos, pessoa que se tornará responsável pelo pagamento dos honorários.
O aparelho jurídico brasileiro é constituído primordialmente pelo sistema civil law, também conhecido como romano-germânico, cujo surgimento remonta os primeiros séculos do milênio passado, pregando a codificação do direito, o qual passa a registrar de forma escrita as normas que regem a sociedade, em contraposição da orientação consuetudinária – própria do sistema common law. Por conta dessa influência, são elaboradas leis que regulam as mais diversas situações do cotidiano, visto que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II, CF/88).
Assim, diante deste emaranhado de previsões legais, os mecanismos de defesa dos direitos individuais, seja em face do Estado ou mesmo de outros particulares, possuem extensa previsão legal e constitucional. Desse modo as medidas judiciais pleiteáveis, em sua maioria, são nominadas, como, por exemplo: mandado de segurança, ação pauliana, embargos à execução, embargos de terceiro, reconvenção, entre muitas outras.
Inseridos nesse emaranhado de possibilidades se encontram os embargos de terceiro, os quais, como visto, destinam-se a desfazer constrição que recaiu sobre bem daquele que não integra a relação jurídico-processual originária. Logo, abordou-se, outrossim, na presente pesquisa, as principais hipóteses de cabimento, fundamento e os mais proeminentes aspectos jurisprudenciais atinentes ao tema do trabalho.
Com isso, observou-se que, dadas as especificidades que adornam os embargos de terceiro, dentro do sistema jurídico pátrio, esta ferramenta mostra-se essencial para que, dentro das próprias funções do Poder Judiciário, seja preservado o Estado Democrático de Direitos, no qual a atuação estatal pauta-se por critérios legais, de sorte a não interferir na propriedade do indivíduo sem o devido processo legal.
A criação de procedimento próprio, com contornos adequados à sua finalidade, faz dos embargos de terceiro genuína ação autônoma, com todas as características correspondentes, inclusive possibilidade de dilação probatória, tutela de urgência, início de demanda secundária (denunciação à lide e chamamento ao processo), entre diversas outras possibilidades.
Afinal, por tratar-se de uma materialização processual do direito de defesa e, especialmente, da garantia dos princípios processuais mais caros ao direito brasileiro, expressamente elencados na Constituição da República, devem ser inarredavelmente orientados pelos ditames da legalidade, com todos as possibilidades defensórias da propriedade (art. 5º, XXII, CF/88) previstas em lei.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARANON, cleiton aparecido de assis. Embargos de Terceiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 mar 2020, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54368/embargos-de-terceiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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