Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Brasil, como complementação dos créditos necessários para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. André de Paula Viana e Prof. Me. Érica Cristina Molina dos Santos.
RESUMO: O presente trabalho trata da consequência jurídica que advém de eventuais vícios que maculam atos jurídicos no processo penal brasileiro: a nulidade. É tratada mais especificamente no trabalho a necessidade de comprovação de prejuízo para a parte que alega a nulidade, seja ela absoluta ou relativa. Ademais, o artigo também trata da possibilidade de decretação de nulidade de ofício pela autoridade judicial. Há importante discussão doutrinária e jurisprudencial quanto a estes temas específicos, motivo pelo qual, somado à grande importância de tal consequência jurídica, mereça o tema ser estudado com profundidade. Concluiu-se pela necessidade de comprovação do prejuízo para que seja decretada a nulidade pela autoridade judicial, bem como pela possibilidade de decretação de ofício tão somente quando se tratar de nulidade relativa. O objetivo do presente trabalho é trazer argumentos a serem utilizados pelos operadores do Direito em petições para os mais diversos fins, bem como para servir de base a futuros trabalhos científicos sobre o tema aqui tratado. Posto isso, a metodologia utilizada pautou-se em pesquisa de cunho documental e bibliográfica, sendo que a mesma se pauta em método hipotético-dedutivo.
Palavras-chave: Processo Penal; Nulidade; Prejuízo; Decretação de ofício.
ABSTRACT: The present work deals with the legal consequence that comes from eventual vices that defile legal acts in the Brazilian criminal process: the nullity. More specifically at work, the need for evidence of damage to the party alleging invalidity, whether absolute or relative, is addressed. In addition, the article also deals with the possibility of decree of nullity of office by the judicial authority. There is an important doctrinal and jurisprudential discussion on these specific themes, which, in addition to the great importance of such a legal consequence, deserves to be studied in depth. It was concluded by the need for evidence of the damage to be declared invalid by the judicial authority, as well as the possibility of decree of office only when it is relative nullity. The purpose of this paper is to bring arguments to be used by law operators in petitions for various purposes, as well as to serve as a basis for future scientific work on the subject discussed here. Thus, the methodology used was based on research of documentary and bibliographic nature, and it is based on hypothetical-deductive method.
Keywords: Criminal process; Nullity; Loss; Decree on its own.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 CONCEITO DAS NULIDADES NO PROCESSO PENAL. 3 PRINCÍPIOS QUE ENVOLVEM AS NULIDADES. 3.1 Princípio do devido processo legal. 3.2 Princípio do contraditório. 3.3 Princípio da ampla defesa. 3.4 Princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. 3.5 Princípio do nemo tenetur se detegere. 3.6 Princípio do prejuízo. 3.7 Princípio do interesse. 3.8 Princípio da instrumentalidade/tipicidade das formas. 3.9 Princípio da convalidação. 3.10 Princípio da causalidade. 4 ESPÉCIES DE NULIDADES NO PROCESSO PENAL. 4.1 Nulidade absoluta. 4.2 Nulidade relativa. 5 DA EXIGÊNCIA DO PREJUÍZO. 5.1 Da decretação de nulidade de ofício pela autoridade judicial. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O estudo das nulidades é importantíssimo no processo penal, por este motivo devem ser aprofundadas as pesquisas sobre o referido tema. Assim, o presente trabalho de conclusão de curso trata de questionamentos sobre a consequência advinda de atos irregulares no processo.
O objetivo do presente trabalho é trazer argumentos a serem utilizados pelos operadores do Direito em petições para os mais diversos fins, bem como para servir de base a futuros trabalhos científicos sobre o tema aqui tratado. Posto isso, a metodologia utilizada pautou-se em pesquisa de cunho documental e bibliográfica, sendo que a mesma se pauta em método hipotético-dedutivo.
O item 2 trata do conceito de nulidade no processo penal, consignando que essa consequência é característica de Estados não autoritários, a exemplo do Brasil. Também nesse item são introduzidos os questionamentos principais do presente trabalho.
Já o item 3 estuda as normas e princípios que envolvem as nulidades, seja para dar suporte para sua decretação, seja para embasar a convalidação de determinado ato irregular quando possível. São trazidos, além de princípios constitucionais, outros presentes na legislação infraconstitucional, de modo a demonstrar a farta positivação de normas sobre o tema.
O item 4 trata das espécies de nulidades no processo penal, quais sejam: relativa e absolutas e também são trazidos no referido item os principais aspectos que diferenciam os defeitos processuais de acordo a intensidade em que ferem o ordenamento jurídico.
Por sua vez, considerados os questionamentos mais importantes deste estudo, a necessidade de demonstração de prejuízo para que o ato irregular possa ter sua nulidade decretada e a possibilidade (ou dever) de decretação de ofício pela autoridade judicial quando notar vício que macule o ato processual, tanto nas nulidades absolutas quanto nas relativas, são tratados no item 5, juntamente com o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e de consagrada doutrina sobre os referidos temas.
2. CONCEITO DAS NULIDADES NO PROCESSO PENAL
Em um Estado Democrático de Direito em que as leis têm poder impositivo a todos, inclusive para o próprio Estado, o processo deve ser pautado pela estrita legalidade, sob o manto do princípio máximo orientador do Devido Processo Legal, tanto no âmbito cível, quanto administrativo e, muito mais, no âmbito penal, dada as sanções de que podem resultar.
Sendo assim, a existência de um processo penal justo depende do seguimento de um roteiro pré-definido pela lei, de modo que tanto o órgão jurisdicional quanto as partes tenham previsibilidade do que acontecerá no desenrolar do feito, bem como de que modo as provas poderão ser trazidas aos autos, evitando-se, por exemplo, a possibilidade da apresentação de provas que não seguiram a estrita legalidade na sua produção, o que violaria as garantias do contraditório e da ampla defesa. Sobre o tema, como lembram Gomes Filho e Fernandes (1997), a nulidade não é a essência do ato irregular, mas a sua consequência.
É certo que, em Estados não autoritários (como o Brasil), o direito de punir do Estado não é absoluto, sendo cercado por várias balizas, seja quanto ao tempo de punir (prescrição), seja quanto à seletividade de condutas a punir e, também, ao modo de punir (princípio da legalidade: só há infração penal e só há sanção penal quando existir lei anterior que as definam).
Ademais, o Estado só está autorizado a punir após o término de um processo jurisdicional em que foram respeitadas todas as garantias constitucionais e legais do acusado, o que envolve o respeito ao contraditório substancial e à ampla defesa em todas as suas faces, sob pena da arguição de mais uma baliza a que deve respeito: a da nulidade dos atos processuais irregulares.
Segundo Nucci (2016), nulidade pode ser conceituada como o vício que impregna determinado ato processual praticado sem a observância da forma prevista em lei, podendo levar à sua inutilidade e consequente renovação.
Sobre o tema, questiona-se a necessidade de demonstração de prejuízo causado à parte que a alega, mesmo nas nulidades absolutas, bem como a possibilidade (ou dever) de decretação de ofício pela autoridade judicial quando notar vício que macule o ato processual, tanto nas nulidades absolutas quanto nas relativas.
Daí vem a importância do estudo a fundo das nulidades, a fim de garantir à ciência jurídica e aos seus operadores maior conhecimento sobre todos os atos processuais e seus possíveis defeitos, bem como sobre todas as normas que os rodeiam, para, então, evitar a decretação de inutilidade de qualquer prova juntada aos autos.
3. PRINCÍPIOS QUE ENVOLVEM AS NULIDADES
É cediço que as normas são divididas em regras e princípios, sendo que, apesar de ambas terem força cogente, os conflitos entre as regras são resolvidos por subsunção, ao passo que entre os princípios são resolvidos por ponderação.
Segundo o ilustre jurista brasileiro, filósofo e professor Miguel Reale (1986): “princípios são, pois verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção de realidade”.
Por conseguinte, o Direito Processual Penal tem como base vários princípios, que servem de orientação para a criação das normas e, também, como norma de aplicação imediata, dada a sua força cogente. Neste tópico serão abordados apenas os principais princípios que envolvam, de alguma forma, as nulidades no processo penal.
3.1 Princípio do devido processo legal
Considerado o princípio fundamental do Processo, o Devido Processo Legal é a base de sustentação para tudo o que acontece desde a elaboração da peça acusatória pelo titular da ação penal, passando pelo seu respectivo recebimento pelo órgão jurisdicional (início do processo), até o trânsito em julgado da mesma, sem prejuízo de também ser respeitado em eventual revisão criminal ou ação autônoma, como em processo de habeas corpus.
Importante salientar que o devido processo legal tem fundamento constitucional, dizendo o artigo 5º, inciso LIV, da Carta Magna, que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Isso quer dizer que, uma vez instaurado, o processo deve seguir rigorosamente as normas do ordenamento jurídico.
Para efeitos de melhor compreensão do princípio em tela, também conhecido por seu nome na língua inglesa (due process of law), segue abaixo ementa de julgado do Supremo Tribunal Federal, de relatoria do brilhante Ministro Celso de Mello, que contém as garantias que derivam do devido processo legal:
O exame da cláusula referente ao ‘due process of law’ permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua configuração como expressiva garantia de ordem constitucional, destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis ‘ex post facto’; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a autoincriminação); (l) direito à prova; e (m) direito de presença e de ‘participação ativa’ nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes. – O direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao ‘due process of law’, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa, também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu estrangeiro, sem domicílio em território brasileiro, aqui processado por suposta prática de delitos a ele atribuídos (STF, HC 94.016/SP, 2 ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 16-9-2008, DJe 38, de 27-2-2009, RTJ 209/702; STF, HC 94.601/CE, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 4-8-2009, DJe 171, de 11-9-2009, RTJ 211/379).
Há de se fazer, com todo respeito ao Excelentíssimo Ministro da Corte Suprema, uma pequena ressalva quanto ao julgado trazido ao presente trabalho, no que diz respeito ao direito do acusado de não ser processado com base em leis ex post facto, ou seja, com vigência posterior aos fatos criminosos praticados.
É que, no que tange ao processo penal brasileiro, tendo em vista a adoção do sistema do isolamento dos atos processuais, o que vale é a aplicabilidade imediata das normas processuais aos atos que ainda não se realizaram, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. É o que diz o princípio do tempus regit actum estampado no artigo 2º do Código de Processo Penal.
Por outro lado, o que não se pode é o réu ser acusado por crime criado por lei maléfica posterior à sua conduta, segundo o que diz o princípio da anterioridade penal insculpido no artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal e no artigo 1º do Código Penal.
3.2. Princípio do contraditório
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LV, garante que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, serão assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Apesar da previsão constitucional conjunta dos princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, seus conceitos não se confundem, havendo grande diferença entre ambos, apesar de serem igualmente importantíssimos.
O Princípio do Contraditório, em linhas gerais, garante à parte (seja ela o acusado ou o acusador) a possibilidade de ser informado sobre todos os atos do processo, bem como a oportunidade de manifestação sobre os argumentos de seu opositor no processo. Assim sendo, sempre que algo for dito nos autos, deverá o órgão jurisdicional abrir vista à parte contrária. São dois, portanto, os elementos do contraditório: i) direito de informação; e ii) direito de manifestação.
Não se pode olvidar que, para que haja efetivo respeito ao citado princípio, o contraditório deve ser substancial, ou seja, deverá o órgão jurisdicional, além de dar oportunidade de manifestação à parte contrária, levar em consideração o que foi dito. Para exemplificar, haverá nulidade na decisão judicial que não atacou os argumentos apresentados por qualquer das partes, por ofensa ao princípio do contraditório.
Importante salientar, ainda, que há casos em que o contraditório não será respeitado antes da decisão judicial, sendo postergado (ou diferido), como na hipótese de o Ministério Público requerer a interceptação telefônica de determinado acusado. Nesse caso, apenas após o término da interceptação é que se dará vista da degravação ao acusado, oportunidade em que o contraditório será sobre a prova, e não para a prova (como é o caso do interrogatório judicial, em que o acusado e seu defensor estão presentes no momento da formação da prova, podendo tomar apontamentos imediatamente).
Por fim, necessário mencionar que não há contraditório na fase de investigação preliminar, haja vista seu caráter procedimental. Além do mais, impera nessa fase da persecução penal o sistema inquisitório, sendo, por isso também, incompatível com o contraditório.
3.3 Princípio da ampla defesa
Como antes dito, o Princípio da Ampla Defesa não se confunde com o do Contraditório, apesar de ambos terem previsão conjunta no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal.
Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima (2019), o direito de defesa está ligado diretamente ao princípio do contraditório, porquanto a defesa garante o contraditório, e por ela se manifesta. Afinal, o exercício da ampla defesa só é possível em virtude de um dos elementos do contraditório – o direito à informação.
Por Ampla Defesa entende-se a defesa técnica e a autodefesa, havendo entre ambas uma relação de complementariedade. A primeira é a exercida por profissional legalmente habilitado a exercer a advocacia (bacharel em direito devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, devendo a inscrição estar ativa). Já a última é a exercida pelo próprio acusado, sendo a única em que se pode dispensar, tendo em vista o direito constitucional ao silêncio garantido ao mesmo (artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal).
3.4 Princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos
Com previsão constitucional no artigo 5º, inciso LVI, que diz: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, o princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos é uma das mais poderosas garantias do acusado.
É que, ao ser produzida qualquer prova, deve-se observar as limitações do direito à prova que a acusação tem, pois este não é absoluto. Em um Estado Democrático de Direito, tal qual o Brasil, é inadmissível aceitar que a prova seja obtida a qualquer custo, desrespeitando-se direitos e garantias fundamentais.
Não por outro motivo, uma vez reconhecida a ilicitude de determinada prova, esta deverá ser desentranhada do processo e, posteriormente, inutilizada, podendo as partes acompanhar o incidente, conforme previsão no artigo 157, caput e §3º do Código de Processo Penal.
3.5 Princípio do nemo tenetur se detegere
O famoso princípio do nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, não poderia estar de fora de um rol de princípios que estão umbilicalmente ligados à decretação de nulidade de atos processuais.
É que, não raramente, têm-se notícias de atos de abuso de autoridade que culminaram em tortura com o fim de obter confissão de acusados, apesar do abandono há anos do sistema da prova tarifada. Tal conduta, além de ser tipificada como crime pela nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), também macula de nulidade a prova obtida.
Nesse compasso, para exemplificar um dos desdobramentos do referido princípio, qual seja, o direito ao silêncio (que, aliás, tem previsão constitucional, como já mencionado), é nulo o interrogatório do acusado em que este não foi informado de que tem a garantia de permanecer calado, sem que isso possa influenciar negativamente no desenrolar do feito.
3.6 Princípio do prejuízo
O artigo 563 do Código de Processo Penal traz tipificação ao Princípio do Prejuízo, quando diz que “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”.
Em linhas gerais, tal princípio está ligado ao Princípio da Tipicidade dos Atos Processuais, pelo qual os atos do processo devem seguir a forma prescrita em lei para serem executados, sob pena de ser declarada sua nulidade. Entretanto, como forma de serem evitados abusos da garantia da tipicidade, o princípio do prejuízo garante que, só haverá declaração de nulidade se quem a alega demonstrar qual foi o prejuízo advindo da não observância da legislação.
3.7 Princípio do interesse
Por sua vez, o Princípio do Interesse encontra previsão legal no Código de Processo Penal, em seu artigo 565, quando prevê que “nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse”.
Por esse princípio, só poderá ser reclamada a nulidade pela parte que dela se beneficiaria. Ou seja, não pode o acusado pleitear nulidade de ato que beneficiaria somente a acusação.
Tal princípio está ligado ao Princípio da Lealdade (ou da Boa-Fé), pelo qual as partes devem comportar-se com lealdade nos atos processuais, evitando o cometimento de irregularidades que maculem os mesmos. Assim sendo, não poderá, também, alegar nulidade a parte que a deu causa.
3.8 Princípio da instrumentalidade/tipicidade das formas
O Princípio da Instrumentalidade das Formas encontra previsão, no que tange ao processo penal, no artigo 566 do Código de Processo Penal, que diz: “Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa”.
Atrelado ao Princípio do Prejuízo, que será estudado adiante, o princípio ora em análise garante validade ao ato praticado em desacordo com a disposição legal, mas que essa irregularidade não foi capaz de influenciar na apuração dos fatos ou na decisão do processo. Assim, para ser declarada a nulidade do ato, a parte que alega deverá provar que houve prejuízo.
Em linhas gerais, para exemplificar, deve a defesa provar que houve prejuízo em eventual inversão da ordem de oitiva das testemunhas, sendo ouvidas as de acusação após as de defesa. É que, não havendo prejuízo, pelo princípio da instrumentalidade das formas, não há se falar em nulidade do ato.
3.9 Princípio da convalidação
A palavra convalidar significa remover o defeito. Assim, o Princípio da Convalidação (ou do Aproveitamento, ou ainda da Proteção) garante que não será declarada nulidade quando for possível suprir o defeito do ato processual.
É o que diz o artigo 572 do Código de Processo Penal, quando prevê hipóteses em que poderão ser saneados atos processuais defeituosos. Senão vejamos:
Art. 572. As nulidades previstas no art. 564, Ill, d e e, segunda parte, g e h, e IV, considerar-se-ão sanadas:
I - se não forem arguidas, em tempo oportuno, de acordo com o disposto no artigo anterior;
II - se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim;
III - se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceito os seus efeitos.
3.10 Princípio da causalidade
or força do Princípio da Causalidade (ou da Contaminação, ou ainda do Efeito Expansivo), a nulidade de um ato provoca a invalidação dos atos que dele decorrerem como consequência ou decorrência.
Tal princípio encontra previsão no artigo 573, §1º do Código de Processo Penal, que diz: “a nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência”, fazendo clara alusão à Teoria do Fruto da Árvore Envenenada.
4. ESPÉCIES DE NULIDADES NO PROCESSO PENAL
O Código de Processo Penal prevê a existência de duas espécies de vícios processuais decorrentes da não observância do ordenamento jurídico, sujeitos a invalidação, os quais serão analisados a seguir.
Como é cediço, os atos processuais devem marchar na ordem estabelecida na lei processual penal, garantindo segurança jurídica às partes e evitando surpresas no decorrer do processo.
Na hipótese de descumprimento de tal múnus por uma das partes, a sanção decorrente de tal violação é a nulidade do ato já praticado, bem como a dos demais que dele dependam como mencionado nos comentários a respeito do princípio da causalidade.
4.1. Nulidade absoluta
O Código de Processo Penal diferencia os defeitos processuais de acordo a intensidade em que fere o ordenamento jurídico. As nulidades absolutas, como o próprio termo sugere, são mais graves que as relativas, uma vez que ofendem diretamente a própria norma constitucional.
Tal espécie de nulidade atenta contra o interesse público, de modo que, via de regra, segundo a doutrina tradicional, o prejuízo suportado pela parte seria presumido, ou seja, não seria necessário fazer prova do prejuízo para que possa o ato ser declarado nulo.
Ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal em julgamentos recentes tem entendido que ainda que o ato esteja eivado de nulidade absoluta, se faz necessária a prova do prejuízo suportado pela parte, contudo tal posição não é majoritária (HC 82.661/RR).
Aliás, diante de sua importância, as nulidades absolutas podem ser reconhecidas a qualquer tempo, seja pelo próprio magistrado, seja por qualquer das partes. Imperioso salientar, no entanto, que a expressão “a qualquer tempo” tem suas ressalvas. É que, sendo caso de sentença absolutória própria, ou seja, aquela que absolve o réu sem impor qualquer sanção a ele, após ter declarado seu trânsito em julgado não poderá esta ser invalidada, sob pena de indevido prejuízo ao acusado (proibição do reformatio in pejus).
Acrescenta-se, ainda, que em caso de recurso interposto pelo próprio réu, se o Tribunal, ao analisar o pleito, verificar a presença de nulidade absoluta que prejudique o réu – mesmo sendo matéria de ordem pública e não convalidada pelo lapso temporal – não poderá arguir o defeito processual de ofício.
Tal matéria deu origem à Sumula 160 do Supremo Tribunal Federal, a qual dispõe que: “É nula a decisão do Tribunal de que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”.
Isto porque a possibilidade de o acusado ser prejudicado em sede de seu próprio recurso entra em conflito com princípios orientadores do processo penal, tais como princípio da proibição da reformatio in pejus, bem como o princípio favor rei.
4.2. Nulidade relativa
Esta espécie de vício ou defeito processual é considerada menos grave que a nulidade absoluta, já que atenta exclusivamente contra os interesses das partes e decorre da violação de normas infraconstitucionais.
Ressalta-se que somente pode ser arguida pelas próprias partes – e não de ofício pelo magistrado – e deve ser feita no momento oportuno, qual seja, a primeira oportunidade após sua ocorrência.
Se o vício processual não for arguido tempestivamente pela parte interessada será sanado, ou seja, preclui o direito da parte de alegá-lo e a nulidade se convalida, não podendo mais ser reclamada.
Por não se tratar de matéria de ordem pública, é imperioso ser demonstrado se o ato que foi praticado em desconformidade com o previsto na forma da lei causou prejuízo à parte, não havendo resistência da doutrina e da jurisprudência, nesse caso, à tal comprovação. Sendo assim, a nulidade só será decretada se a parte tenha suportado prejuízo, caso contrário será considerada mera irregularidade.
Na lição de Pacelli (2017):
É por isso que as nulidades relativas, por dependerem de valoração das partes quanto à existência e à consequência do eventual prejuízo, estão sujeitas a prazo preclusivo, quando não alegadas a tempo e modo. Parte-se do pressuposto de que, não havendo alegação do interessado, a não observância da forma prescrita em lei não teria resultado em qualquer prejuízo para as partes. Assim, é de se prosseguir normalmente com o processo, sem o recuo à fase já ultrapassada.
As nulidades relativas decorrem de prejuízo exclusivo da parte, ou seja, se não alegado tempestivamente pelo próprio interessado, subentende-se que não sofreu agravo, sendo então convalidadas. Ao contrário das nulidades absolutas, analisadas anteriormente, onde o interesse público suplanta qualquer proveito dos litigantes.
5. DA EXIGÊNCIA DO PREJUÍZO
Apesar de a doutrina majoritária entender que é desnecessária a prova do prejuízo nas nulidades absolutas, tendo em vista tratar-se de norma de ordem pública, o Supremo Tribunal Federal vem decidindo em sentido contrário, ou seja, que a regra do artigo 563 do Código de Processo Penal, que garante que nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para alguma das partes, alcança também as nulidades absolutas.
Como fundamentação de tal posicionamento, o Superior Tribunal de Justiça tem invocado o referido dispositivo legal, da qual se extrai o princípio geral do pas de nullité sans grief (ou princípio do prejuízo), estendendo sua aplicação a todas as hipóteses de nulidade, como se vê julgado a seguir - RHC 59.414-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, por unanimidade, julgado em 27/6/2017, DJe 3/8/2017, publicado no Informativo 608 do STJ, em 30 de agosto de 2017:
Discute-se a validade da prova colhida em procedimentos de busca e apreensão em que não foi utilizado o lacre em todos os documentos e bens apreendidos. Inicialmente, consigne-se que a disciplina das nulidades, no processo penal é regida pelo art. 563 do CPP, segundo o qual "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". É assente, ainda, na jurisprudência desta Corte e do STF que a demonstração do prejuízo é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta. Ante a presunção de validade e legitimidade dos atos praticados por funcionários públicos, compete à defesa demonstrar de forma concreta o descumprimento das formalidades legais e essenciais do ato e, especificamente, que o material apreendido e eventualmente não lacrado foi corrompido ou adulterado, de forma a causar prejuízo à defesa e modificar o conteúdo da prova colhida. Por fim, à mingua de exigência legal específica, a ausência de lacre em todos os documentos e bens apreendidos – que decorreu da grande quantidade de material – desacompanhada de maiores dados concretos sobre efetiva interferência dos agentes públicos ou da acusação sobre as provas colhidas –, não tem o condão de nulificar o ato e a ação penal. (grifo nosso)
Ainda, conforme ensinamentos de Cintra, Grinover e Dinamarco (2015), observa-se, ainda, que inexistem atos processuais nulos de pleno direito, porquanto os atos eivados de vício não perdem sua validade automaticamente, devendo a nulidade ser decretada por pronunciamento judicial que lhe reconheça e pronuncie a irregularidade. É o que se extrai do trecho a seguir, retirado de importante obra dos supracitados doutrinadores:
Diante disso, a condição de ineficaz é subsequente ao pronunciamento judicial, só se caracterizando a partir da sanção de ineficácia. Diz-se portanto, não sem alguma impropriedade verbal, que o ato processual nulo é anulado pelo juiz. Não se compadeceria com a natureza e fins públicos do processo a precariedade de um sistema que permitisse a cada qual das partes a apreciação da validade dos atos, podendo cada uma delas negar-se a reconhecê-los mediante a simples alegação de nulidade: abrir-se-ia caminho, inclusive, a dolo processual das partes, diluindo-se sua sujeição à autoridade do juiz e pulverizando-se as garantias de todos no processo. Por isso, em direito processual não há nulidades de pleno direito.
5.1 Da decretação de nulidade de ofício pela autoridade judicial
Uma vez demonstrado que as partes devem provar o prejuízo para que seja decretada a nulidade pela autoridade judicial, importa observar se há possibilidade deste último declarar, sem provocação das partes, a nulidade de ato processual em que perceba a existência de vício que o macule.
Neste ponto, cumpre observar que a doutrina, à qual merece destaque Cintra, Grinover e Dinamarco (2015), assevera ser possível a decretação pelo juiz, de ofício, apenas quando a nulidade ofender interesses da ordem pública no processo, ou seja, quando for de natureza absoluta. Por consequência, quando o vício macular interesses exclusivamente privados das partes (nulidade relativa) não há se falar em decretação pelo juiz sem requerimento da parte que se viu lesada.
Com todo o devido respeito a pensamentos contrários, como é o exemplo da doutrina de Muccio (2011), a posição que parece mais acertada é a primeira citada, haja vista que, uma vez considerada impossível a possibilidade de o juiz decretar de ofício nulidade absoluta que observou em ato processual, estar-se-ia retirando-lhe o poder-dever de vigilância e controle do processo, o que fere a própria essência de suas funções constitucionais.
Entretanto, havendo possibilidade de decretação de ofício de nulidades relativas, ou seja, que atentam contra interesses exclusivamente privados, haveria descabida interferência pela autoridade judicial em direitos disponíveis das partes, os quais, apesar de percebidos por estas, não foram considerados merecedores de reclamação por quem poderia fazê-la.
Não deve ser confundida com decretação de nulidade relativa de ofício, entretanto, a possibilidade de o juiz informar as partes, mediante despacho, de nulidade relativa que tenha observado, pedindo que quanto a estas se manifestem. Sobre tal medida não se vê qualquer nulidade, porquanto, para que sejam declaradas nulas, carecerão de requerimento.
Em suma, apesar da exigência de prejuízo tanto para nulidades absolutas quanto para as relativas, há possibilidade (dever) de decretação de nulidade de ofício pela autoridade judicial apenas quanto às primeiras, sob pena de indevida interferência em assuntos de natureza individual e exclusivamente privados das partes processuais.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em vista dos argumentos apresentados neste trabalho de conclusão de curso, conclui-se que o estudo das nulidades dos atos que compõem o processo penal brasileiro é de extrema importância para os operadores do Direito.
Viu-se que, independentemente de ser a nulidade considerada relativa ou absoluta, com base nos interesses a que fira, necessária se faz a comprovação do prejuízo advindo da inobservância de sua regra procedimental para que a nulidade venha a ser decretada.
É que, não há como emprestar presunção de prejuízo à nenhuma das espécies de nulidade, porquanto estar-se-ia ferindo o princípio do prejuízo que norteia tal tema.
Por fim, no que tange à possibilidade de decretação de ofício, pela autoridade judiciária, de nulidade a que tenha observado, conclui-se só ser possível quando esta for considerada absoluta, ou seja, quando fira normas de ordem pública, utilizando-se o magistrado de seu poder-dever de vigilância e controle do processo.
REFERÊNCIAS
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 31. Ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2015.
FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 6. ed. rev. ampl. atual. com nova jurisprudência e em face da Lei nº 9.099/95 e das leis de 1996. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal comentado. 2ª ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 7ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2019.
MUCCIO, Hidejalma. Curso de processo penal. 2ª ed. São Paulo: Método, 2011.
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PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 21ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 1986.
Bacharelanda do Curso de Direito da Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ISABELLE MAXIMIANO ROGéRIO, . Da exigência de prejuízo nas nulidades do processo penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 abr 2020, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54372/da-exigncia-de-prejuzo-nas-nulidades-do-processo-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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