RESUMO: O presente artigo objetiva analisar a questão da modulação dos efeitos da decisão no Recurso Extraordinário de nº 574.706, sob a perspectiva da Fazenda Pública. Tal questão é derivada de longa discussão no Supremo Tribunal Federal a respeito da desvinculação do ICMS nos tributos do PIS e da COFINS, sob o enfoque doutrinário. O recorte temático possui conjuntura moldável conforme a área a ser estudada; porém, na temática ora apresentada, este recorte estará fixo na pauta do controle de constitucionalidade, mais especificamente na modulação temporal dos efeitos da decisão judicial, tema eminentemente constitucional. Com a publicação do acórdão em 2017, a incidência do tributo torna-se questão superada e o grande protagonista do caso passa a ser a concessão de efeitos diferidos no tempo. Neste sentido, é relevante problematizar qual a modulação dos efeitos a ser adotada, sob a ótica da Fazenda Pública, em conformidade com a segurança jurídica, almejando-se, assim, a capacidade de delinear satisfatoriamente o problema de pesquisa e expor a alternativa adequada ao caso em concreto. Sob o exame minucioso dos aspectos relacionados ao controle difuso-concreto de constitucionalidade, busca-se subsidiar juridicamente a tese constante do artigo. Ademais, outros diplomas normativos tendem a complementá-la. Sem dúvida, o presente debate é extremamente relevante diante do cenário atual e do impacto social e jurídico que a decisão supramencionada trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: RE 574.706. Modulação. Controle Difuso. Eficácia Prospectiva.
ABSTRACT: This article aims to analyse the modulation of the effects of the Extraordinary Appeal №. 574,706, from the Public Treasury’s perspective. This issue is derived from a long discussion in the Supreme Court regarding the ICMS dissociation of the PIS and COFINS taxes, from a doctrinal perspective. The thematic cut has moldable conjuncture according to the area to be studied. However, in the subject presented here, this cut will be fixed in the Constitutional Control agenda, more specifically in the temporal modulation of the effects of the judicial decision, an eminently constitutional issue. With the publication of the judgment in 2017, the incidence of taxes becomes an issue to be overcomed and the main protagonist of the case becomes the granting of effects deferred over time. In this sense, it is relevant to question the modulation of the effects to be adopted, from the perspective of the Public Treasury, in accordance with legal certainty, Thus, aiming at the ability to satisfactorily delineate the research problem and expose the appropriate solution to the specific case. Under the scrutiny of the aspects related to the Diffuse Control of Constitutionality, we seek to legally support the thesis in the article. In addition, other normative diplomas must complement it. Undoubtedly, this debate is extremely relevant given the current scenario and the social and legal impact that the decision has brought to the Brazilian legal system.
KEYWORDS: Supreme Court. RE 574.706. Modulation. Diffuse Control. Prospective.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O Controle Difuso Concreto e o seu Iter Procedimental ao STF. 2.1. Panorama Geral e Análise Incidental. 2.2. O Controle Difuso na Suprema Corte. 2.3. A Teoria da Objetivação do Controle Difuso. 3. A Modulação dos Efeitos como Consectária do Controle Difuso Concreto no STF. 3.1. O Controle de Constitucionalidade e a Congruência dos seus Institutos. 3.2. A Dicotômica Atuação do Senado Federal. 4. A Fazenda Nacional e o Recurso Extraordinário nº 574.706. 4.1. A Desvinculação da Alíquota de ICMS nos tributos do PIS e da COFINS, uma Breve Elucidação. 4.2. As Reais Implicações da Decisão para a Fazenda Nacional. 4.3. O Princípio da Reserva do Possível e a Eficácia Prospectiva como Propulsores da Segurança Jurídica. 5. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O início dos estudos sobre a modulação deu-se a partir do momento em que a Suprema Corte Brasileira proferiu decisão acerca de discussão pendente de tomada de posição desde a década de 1990, cuja implicação versava sobre a mudança na base de cálculo do PIS e da COFINS (RE 574.706).
Com o passar dos anos, iniciou-se a discussão sobre a possibilidade da desvinculação do ICMS na fórmula dos dois tributos acima referidos. Somente no ano de 2017 é que restou definida a questão. Por maioria dos votos, o STF decidiu que o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS.
Ora, a partir do mencionado marco tem-se importante questão a ser discutida em âmbito jurídico-constitucional, a respeito da modulação dos efeitos da decisão em RE 574.706.
A relevância temática posta acima aborda vários aspectos em sede de Direito material e Direito processual, seja na área Econômica, Financeira, Constitucional ou Tributária. Porém, há de salientar que o presente estudo se limita tão somente à análise da modulação dos efeitos da respectiva decisão, questão eminentemente constitucional e, de forma subsidiária, serão abordados aspectos financeiros e tributários. Portanto, demais aspectos noutras áreas de estudo deverão ser abordados em oportunidades futuras.
Como metodologia de pesquisa, será utilizada o estudo de caso, cumulado com o método indutivo e com a pesquisa qualitativa.
Inicialmente, a partir de análise cronológica, mais precisamente em 2007, foi suscitada a presente questão por uma empresa residente no Estado do Paraná. O processo chegou à pauta do STF em 2007 e teve a sua Repercussão Geral reconhecida no ano de 2008 (RE-RG 574.706/2008). Constata-se facilmente, pois, a relevância do caso ante o reconhecimento do instituto da Repercussão Geral de pronto, logo após o caso entrar em pauta no STF. Somente em 2017 a demanda foi julgada.
Em síntese, o problema elencado versou em fomentar questionamento à Suprema Corte a respeito de o ICMS destacado nas notas de vendas de mercadorias ou serviços integrar o conceito de faturamento, para fins de cobrança do PIS e da COFINS.
Por mais insigne que pareça, no decorrer do trâmite processual não existiu o requerimento da modulação dos efeitos da decisão. Em sendo a ausência do referido pedido de modulação falha ou não, há de salientar a sua consequência no mundo jurídico: a não elucidação da matéria quanto aos seus efeitos.
Em análise teórica e prática, a abordagem da matéria não pode ser analisada de forma dissociada do controle de constitucionalidade, especialmente por se tratar a decisão em voga de exercício constitucional do controle difuso concreto.
São vários os corolários dados em virtude desta decisão judicial. Se observada a questão face a situação do contribuinte, poderá ser levantada a justificativa de restituição das alíquotas tributárias efetivamente pagas; já no tocante ao Governo, o montante que deixará de ser arrecadado. Com relação à segurança jurídica, a análise da modulação dos efeitos judiciais será de perfeito cabimento diante da necessidade de atestar a legalidade do ato no tempo.
Tendo em vista a questão material abordada, no tocante à não aplicação da alíquota de ICMS nas operações do PIS e da COFINS, já ter sido efetivamente decidida e formalizada, o estudo direciona-se à questão constitucional dos efeitos diferidos da decisão. Desta forma, a escusa da densa análise do Direito Tributário em espécie não se refere tão somente à opção por não tratar da matéria no estudo, mas também por esta já restar definida judicialmente.
Há a insurgência de um estudo detalhado sobre qual o panorama a ser seguido como consequência desse marco jurisprudencial ocorrido no STF. Desta forma, é relevante a análise da viabilidade de atribuição de um dos mais variados efeitos normativos, quais sejam: retroativos, imediatos ou prospectivos. Tudo isto está intrinsecamente correlacionado com os aspectos da segurança jurídica e do interesse social. Somente com uma análise detalhada sobre cada provável consequência a acontecer é que a tomada por uma ou outra forma de modulação será mais segura e prudente para todos os interesses em jogo, quaisquer que sejam.
A magnitude do estudo surge a partir desta análise. Assim, a escolha dos efeitos a serem produzidos e a sua abrangência trata-se não apenas de questão meramente formal, mas também de imperativo social. As mais variadas consequências sociais podem justificar a relevância do estudo de caso, tendo em vista que o veredito afasta abruptamente a vinculação de uma alíquota há muito tempo aplicada nas relações de serviço e consumo.
Por fim, a análise científica da decisão em pauta, subsidiada de argumentos constitucionais, legais e técnicos, tem por fim esclarecer o contexto fático e jurídico, bem como buscar formar opinião sobre o melhor meio para conceder os efeitos diferidos no tempo para a decisão em análise.
2. O CONTROLE DIFUSO CONCRETO E O SEU ITER PROCEDIMENTAL AO STF
2.1 PANORAMA GERAL E ANÁLISE INCIDENTAL
O controle difuso concreto, por se mostrar instrumento do exercício do poder declaratório de inconstitucionalidade de uma norma por qualquer juiz de piso ou tribunal, torna-se, certas vezes, figura ineficiente no ordenamento jurídico pátrio.
A concretização legal deste poder de declarar normas inconstitucionais por juízes de base constitui, a priori, comando normativo bastante coeso e seguro a partir do momento em que traz um verdadeiro sentido democrático à jurisdição do controle de constitucionalidade. Malgrado, vislumbra-se a inviabilidade de tal domínio tornar-se factual de acontecer diante do receio de os magistrados de piso (estaduais ou federais) prolatarem decisum com cargas declaratórias de inconstitucionalidade.
A responsabilidade na criação de precedentes, o dimensionamento da decisão prolatada e a insegurança em ter a responsabilidade de declarar a inadequação de ato normativo com a Constituição Federal são alguns dos motivos determinantes para a privação mencionada.
Assim, a característica de amplitude democrática exarada pelos dispositivos normativos do controle difuso brasileiro (Decreto nº 848/1890 e Constituição de 1891), ou seja, a possibilidade de conceder aos tribunais e juízes de base a possibilidade da decretação de inconstitucionalidade, parece eficaz apenas no campo ideológico e não no prático.
Este tipo de controle impõe ao juízo a quo a profunda tarefa de uma hermenêutica jurídica sistemática, buscando compreender a Constituição como um todo e não os seus artigos de forma dissociada, certo de que o julgamento é com base em um litígio concreto e não sobre a lei abstratamente, como ocorre no controle concentrado.
Essa possibilidade de os juízes serem capazes de declarar a inconstitucionalidade das normas poderia ser vista, em rápida distração, como uma tentativa de desafogar o Supremo Tribunal Federal das inúmeras ações que o abarrotam. Ora, se toda atividade de atribuir constitucionalidade ou inconstitucionalidade fosse direcionada somente ao STF, os jurisdicionados não teriam respostas em tempo hábil. Porém, tendo em vista que as normas relativas ao controle difuso terem sido promulgadas antes do dispositivo normativo do controle concentrado, não deve prosperar tal afirmação. Frise-se que, quanto à disposição constitucional, o controle difuso instaurou-se com a Constituição Republicana de 1891 e o controle concentrado com a Constituição de 1946.
Hodiernamente, diante da abstenção de os juízes de primeiro grau assumirem a inconstitucionalidade de qualquer diploma, mesmo que fundamentadamente, a matéria acaba esvaindo-se à Suprema Corte. Assim, o sentido do instituto aparentemente decai aos poucos.
Noutra banda, é juridicamente arriscado falar sobre uma provável decadência no uso do instituto do controle difuso concreto, tendo em vista haver uma constante vicissitude deste.
A questão da inconstitucionalidade motivante do instrumento difuso concreto não pode ser julgada como questão principal, dado que estaria sendo deturpado o mister da Suprema Corte. Somente esta última pode julgar, em controle concentrado, a inconstitucionalidade como questão principal, pois há a incumbência de julgamento com base na norma abstratamente e não em um litígio in concreto. Por não ser questão primordial, consequentemente a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma não fará coisa julgada no controle difuso concreto.
Diante da elucidação acima, cabe taxar o referido controle como um incidenter tantum, preocupando-se majoritariamente com a questão objeto do litígio, para depois, incidentalmente, decretar a validade ou não da norma.
Como bem definido por Gilmar Mendes (2015, p. 1109), a resolução do incidente não define o litígio principal, mas tão somente a matéria preexistente e indispensável à resolução da demanda:
O controle de constitucionalidade concreto ou incidental, tal como desenvolvido no Direito brasileiro, é exercido por qualquer órgão judicial, no curso de processo de sua competência. A decisão, "que não é feita sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito", tem o condão, apenas, de afastar a incidência da norma viciada. Daí recorrer-se à suspensão de execução pelo Senado de leis ou decretos declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (CF de 1988, art. 52, X).
O suscitamento da questão objeto de verificação da constitucionalidade poderá ser feito pelas partes ou pelo Ministério Público; como última hipótese, também poderá ser reconhecida de ofício pelo Juízo ou Tribunal. No tocante a este último é necessário frisar a necessária obediência à “cláusula de reserva de plenário”. [1]
O próprio STF, por meio de Precedente Representativo que desencadeou na elaboração de súmula vinculante, já decidiu acerca da inexorável impossibilidade do desrespeito à cláusula de reserva do plenário[2]. Neste sentido, é importante destacar a existência da questão incidental não apenas nos Juízos de base, mas também na Suprema Corte.
Como diretriz legal, o controle incidental aplicado nos processos dos tribunais a quo possui eficácia entre as partes e retroativa à criação normativa, diferentemente do que ocorre quando este mesmo instituto encontra-se na Suprema Corte, isto pelo fato de que não haveria razão para sustentar os efeitos restritos apenas entre as partes, haja vista a decisão, comumente, provir de um recurso extraordinário, tendo reconhecida a sua repercussão geral como pressuposto ao recebimento recursal.
Assim, a repercussão geral externa a relevância da matéria. Tanto é que os precedentes em controle incidental no STF, por exemplo, são de observância obrigatória a todos os demais jurisdicionados. Consequentemente, nas palavras de Ingo Sarlet (2017, p. 1022), “[...] os órgãos fracionários e os Tribunais estão obrigados perante os precedentes constitucionais. Estão proibidos de apreciar a questão já definida pelo STF, não importando se este decidiu pela inconstitucionalidade ou pela constitucionalidade.”
Tal percepção de obrigatoriedade explana situação pela qual passa o litígio do RE 574.706 atualmente, justamente por ainda haver, mesmo diante de acórdão da Suprema Corte entendendo pela inconstitucionalidade da matéria tratada, postulações judiciais acerca do assunto. A questão material já foi definida, resta somente a decisão sobre a modulação temporal dos efeitos, ausência esta que não retira a fundamental obediência aos precedentes constitucionais.
2.2 O CONTROLE DIFUSO NA SUPREMA CORTE
O controle difuso exercido no STF ocorre usualmente por via de exceção através da interposição do recurso extraordinário. Como já corroborado no tópico 2.1, o exercício do controle difuso tem decaído justamente pelo receio de os magistrados proclamarem a incompatibilidade de uma norma com a Constituição, até mesmo quando manifestamente inconstitucional. Desta forma, consequentemente, haverá a interposição do recurso extraordinário.
Por não fazer coisa julgada, as decisões dos tribunais e dos juízes não terão ônus de preclusão consumativa da matéria discutida. A parte afetada pela decisão pode recorrer ao STF mediante recurso extraordinário, conduta processual recursal típica dos demandantes. Desta forma, além do receio de julgamento pelos juízes, a não preclusão da matéria é outro fator determinante para a ascensão da demanda ao Supremo.
Insta salientar a necessidade de preenchimento dos requisitos referentes à admissibilidade do recurso extraordinário. A súmula 282 do STF infere pormenorizadamente a necessidade do prequestionamento da matéria,[3] sob pena de não ser reconhecido o recurso extraordinário, dedução também trazida pela CF/88 em seu artigo 102, III.
O prequestionamento da matéria, conjuntamente com o reconhecimento da repercussão geral, dá um novo panorama ao litígio iniciado no Juízo a quo, impondo à Suprema Corte brasileira a análise detalhada da matéria de interesse público.
Conforme será tratado no próximo tópico, quando da ascensão do recurso extraordinário ao STF e este último toma conta do litígio, é perceptível uma transmutação do instituto do controle difuso, sendo equânime, em certos aspectos, ao controle concentrado.
2.3 A TEORIA DA OBJETIVAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO
Ao chegar à Suprema Corte, o controle difuso acaba recebendo cargas de tratamento paritário dos vários institutos do controle concentrado. Dentre eles, a possibilidade de modular os efeitos das decisões, verificando-se, assim, a incidência da teoria da objetivação do controle difuso, uniformizando-se certas vezes os sistemas.
Via de regra, o controle difuso mostra-se como processo subjetivo, sendo aquele em que há uma resolução concreta da lide posta, com efeitos apenas entre as partes do processo e retroativos à data da ilegalidade. Porém, quando a Suprema Corte toma conta do processo, este se revela objetivo, inexistindo lide concreta, haja vista essa já ter sido resolvida no Juízo ou Tribunal a quo, julgando de forma abstrata, portanto, o STF. Ao julgar a norma em si (abstratamente), os efeitos passam a ser propostos para toda a coletividade e não mais somente entre as partes.
Portanto, segundo a teoria da objetivação ou abstrativização, o controle difuso que ora recebia a intitulação de processo subjetivo, ou seja, aquele que incide sobre o caso in concreto, ao chegar ao STF, é taxado como processo objetivo e incorpora vários institutos inerentes a este último, tais como a possibilidade de modulação dos efeitos, a utilização da reclamação e a causa de pedir aberta.
Desta forma, a regra originária de os efeitos serem inter partes e ex tunc transmuda-se quando do advento do processo no STF. A teoria da transcendência dos motivos determinantes conjuntamente com a teoria da objetivação do controle difuso permite, por conseguinte, a caracterização da decisão com força vinculante e efeitos erga omnes, ademais, possibilita a mudança na extensão dos efeitos.
Ante o ocorrido na prática durante os últimos anos, não subsistiriam quaisquer motivos para os juristas não adaptarem o rito do controle difuso quando da chegada à Suprema Corte, pois a partir do momento em que a questão suscitada adentra a esta última, ganha-se status de nobre causa e como tal deve ser tratada.
Por mais que existam na doutrina pátria opiniões divergentes sobre a existência da teoria da objetivação (abstrativização), esta última é enfoque jurisprudencial e já foi instrumento de discussão no Plenário do STF, por meio da ADI 3406 /RJ e ADI 3470/RJ, ambas datadas de 2017.
O próprio ministro do STF, Gilmar Mendes (2015, p. 990), teceu comentários sobre a tendência da objetivação do controle difuso.
[...] o Supremo Tribunal Federal terminou avalizando uma tendência de maior objetivação do recurso extraordinário, que deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva.
É inexorável a existência da tendência do Supremo Tribunal Federal em reconhecer a existência da objetivação do controle difuso, até mesmo por já ter sido a questão ilustrada no informativo nº 886.
Importante destacar também que a objetivação tem servido como forma de desafogar o Supremo das inúmeras ações intentadas com identidade do direito discutido, frise-se que a questão já foi levantada pelo ministro Sepúlveda Pertence. [4]
Em síntese, o referido tópico buscou demonstrar suscintamente a linha cronológica do caso em pauta, leia-se o início da lide em controle difuso concreto e a sua ascensão ao STF, ganhando cargas de controle concentrado abstrato.
3. A MODULAÇÃO DOS EFEITOS COMO CONSECTÁRIA DO CONTROLE DIFUSO CONCRETO NO STF
3.1 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E A CONGRUÊNCIA DOS SEUS INSTITUTOS
Como já mencionado, tem-se percebido a forte tendência na fusão dos institutos atribuídos tanto ao controle difuso quanto ao controle concentrado.
A exemplo, recentemente a concessão de efeitos diferidos no tempo referia-se única e exclusivamente ao controle concentrado exercido de forma abstrata na ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade, conforme mandamento legal (Lei 9.868/99). A evolução por parte da Suprema Corte em reconhecer a utilização do instituto da modulação dos efeitos de forma extensiva ao controle difuso mostrou-se pertinente e condizente com a realidade jurídica (HC 82959, Ministro Marco Aurélio, 2006).
Deduz-se, portanto, a mutação jurisprudencial ocorrida em reconhecer algumas prerrogativas até então existentes somente para o controle concentrado de constitucionalidade, havendo assim uma utilização extensiva ou aproveitamento entre os institutos do controle de constitucionalidade. Em suma, corresponde à concretização da teoria da objetivação do controle difuso em prol dos interesses coletivos.
O exemplo mais contundente, sem dúvidas, é a concessão de efeitos diferidos no tempo à decisão objeto do instituto difuso. Via de regra, diante do modelo de controle de constitucionalidade adotado pelo Brasil, a decretação da inconstitucionalidade deve retroceder à sua gênese de modo a invalidar quaisquer atos efetivados enquanto a norma se fazia presente e válida.
Somente com o advento da lei ordinária nº 9.868 em 1999 houve a insurgência da modulação dos efeitos. A partir deste marco, deu-se visão diferente àquela anteriormente propagada no sentido da retroatividade absoluta da norma no caso de inconstitucionalidade. Criou-se assim, substrato legal à atuação dos juristas. De acordo com o referido dispositivo, se existentes no caso concreto razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o Supremo poderá atribuir à decisão efeitos ex nunc ou pro futuro.[5] Percebeu-se notado marco jurídico, porém tal dispositivo normativo abrangia unicamente o controle concentrado de constitucionalidade.
Analogicamente, nos últimos anos, o entendimento jurídico do Supremo Tribunal Federal passou a considerar a hipótese de uma decisão judicial em inconstitucionalidade sob o controle difuso poder gerar efeitos prospectivos ou imediatos. Isto sob a probabilidade de o efeito retrocessivo produzir graves lesões à segurança jurídica e ao interesse social. Por conseguinte, o efeito retroativo deixou de ser regra absoluta.
É digna de ênfase a modificação do entendimento acima mencionado. O senso crítico e o olhar mais apurado para a situação fática merecem destaque. Nesta esteira de pensamento, a razoabilidade em conferir tais premissas decorre da necessidade de impedir que a decretação dos efeitos retroativos cause danos piores que a própria inconstitucionalidade da norma, resguardando assim a sociedade. Sob este argumento, funda-se a motivação da concessão da modulação dos efeitos para o RE 574.706.
Entretanto, o instituto da modulação deve ser tratado como via de exceção. Somente deverá ser utilizado quando houver eminente risco na segurança jurídica ou no interesse social, do contrário, a Constituição Federal estará sendo violada. Frise-se, regra inicialmente disposta para o controle concentrado, sendo posteriormente aplicada ao controle difuso.
Somente alcançando-se a instância Suprema é que poderá ser atribuída à demanda a eficácia erga omnes, vinculando a inconstitucionalidade da lei para todos e, a depender do caso, modulando os efeitos da decisão para que esta tenha eficácia prospectiva, retroativa ou imediata.
O que se pretende demonstrar não é somente como ocorre a modulação dos efeitos no controle difuso concreto no âmbito do STF, mas também a vicissitude que este último instituto tem sofrido em razão da ausência de planejamento por parte do Legislativo em ajustá-lo à realidade atual do ordenamento jurídico.
3.2 A DICOTÔMICA ATUAÇÃO DO SENADO FEDERAL
A Constituição Federal de 1988 dispõe em sua Seção IV um rol alusivo às competências do Senado Federal. Em um dos incisos, diz ser este o órgão responsável pela suspensão da norma declarada inconstitucional em definitivo pelo STF.[6]
Por mais que o dispositivo constitucional seja legítimo, vários doutrinadores têm entendido que houve uma mutação constitucional e que, portanto, padecia de eficácia factual o comando normativo.
A princípio, é necessário esclarecer como seria o rito propagado pela norma, de acordo com Bruno Taufner Zanotti (2017, p. 129)[7]. O procedimento mencionado tem relação unicamente com o controle difuso, isto pelo fato de no controle concentrado o STF ter poderio e capacidade suficientes para remover o preceito do ordenamento jurídico, sem a necessidade de sanção legislativa. Após a decisão do STF, haveria uma remessa ao Poder Legislativo para que este verificasse a situação da inconstitucionalidade. No tocante à decisão do Senado Federal, tem-se que não há uma vinculação ao que foi propagado pela Suprema Corte, isto diante do fato de o art. 52, X, da CF/88 permitir a suspensão “no todo ou em parte”. Por fim, o instrumento utilizado pelo Senado Federal com fins de suspensão da norma já declarada contrária à Constituição seria a resolução.
A elucidação acima decorre de uma interpretação fria da lei. A contrassenso, vários doutrinadores têm afirmado a desnecessidade deste procedimento, tendo em vista que o Senado Federal não poderia retificar ou simplesmente desconsiderar a decisão emitida pela instância máxima do Judiciário brasileiro. Do contrário, estar-se-ia deturpando o princípio da separação dos poderes.
Gilmar Mendes (Reclamação 4.335/AC) e Ingo Sarlet corroboram a ideia de desnecessidade da remessa ao Senado Federal e, caso necessária referida remessa, que seja para simplesmente dar publicidade à inconstitucionalidade propagada pelo STF. Noutra banda, Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa[8] entendem ser necessária a remessa ao Órgão Legislativo, porém tão somente no tocante ao exercício do controle difuso. Logo, há um entendimento dicotômico da atuação do Senado Federal.
De início, é necessário citar o posicionamento de Ingo Sarlet (2016, p. 1074):
Porém, a percepção de que as decisões do STF constituem precedentes constitucionais, que obrigatoriamente devem ser respeitados pelos demais tribunais, tornou imprescindível atribuir eficácia vinculante aos motivos determinantes das suas decisões, não importando se estas são proferidas em controle principal ou incidental.
[...] ora, se as decisões proferidas pelo STF, em controle incidental, têm eficácia vinculante, é completamente desnecessário reservar ao Senado Federal o poder para atribuir efeitos gerais às decisões de inconstitucionalidade.
Ademais, ainda de acordo com o mesmo autor (2016, p. 1075), o conteúdo do inciso X do artigo 52 da CF/88 não possui mais eficácia:
[...] exigir a comunicação ao Senado Federal é admitir algo que deixou de ter razão de ser. Não há qualquer razão para se exigir a comunicação do Senado Federal, ao menos para o efeito de se atribuir eficácia geral à decisão de inconstitucionalidade. Para alguns Ministros do STF, a comunicação ao Senado Federal, atualmente, é feita apenas para que se publique a decisão no Diário do Congresso.
As ideias propagadas por Ingo Sarlet e Gilmar Mendes aparentam, em um primeiro exame, ser coerentes. Ora, conceder a oportunidade a uma Casa Legislativa manifestar-se a despeito de uma norma declarada juridicamente inconstitucional pelo Poder Judiciário mostra-se persuasivo legalmente, mas não factualmente. A concordância na atualidade com o referido comando normativo, por mais que constitucional, pode trazer consequências drásticas para a separação dos poderes, tendo em vista o jogo de interesses ramificados no Poder Legislativo.
Portanto, percebe-se a existência de mutação constitucional do preceito normativo insculpido no art. 52, X, da CF/88. A continuidade na obediência a este preceito obsta o reconhecimento da soberania do Judiciário em declarar a inconstitucionalidade da norma. Fere, portanto, o princípio da separação dos poderes.[9] A inaptidão jurídica da norma não pode fazer com que a sociedade dependa de um “controle legislativo” da inconstitucionalidade da norma reconhecida pela Corte Suprema.
No caso da remessa ao Senado Federal vislumbra-se não um caso de o Órgão exercer função atípica, mas sim de invasão de poder. Decerto, a modulação dos efeitos é decidida pela Suprema Corte, já o papel do Senado Federal seria o de dar publicidade.
De maneira oposta à dos estudiosos mencionados anteriormente, Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa tiveram entendimentos similares sobre a remessa ao Senado Federal. Sepúlveda Pertence[10] afirmou fervorosamente que o efeito vinculante de pronto das decisões de inconstitucionalidade proferidas pelo Supremo ocorrem apenas no controle concentrado (direto) ou na emissão de súmula vinculante, noutras hipóteses, a exemplo do controle difuso, o mencionado efeito depende da “sanção” do Senado Federal. Ademais, apesar de admitir que o sistema de remessa esteja obsoleto, o ex ministro criticou a possível existência de mutação constitucional propagada por alguns doutrinadores, a exemplo de Gilmar Mendes.
Sob a mesma percepção, Joaquim Barbosa[11] entende não haver uma mutação constitucional, mas sim uma mudança de sentido da norma. Afirma que não há qualquer antinomia entre o art. 52, X, da CF/88 e qualquer outro dispositivo. Sendo legítimo, portanto. Sob a alegação de que reside diferença entre uma mutação constitucional e uma mudança de sentido da norma, cita Canotilho.
Isto posto, percebeu-se com a explanação deste subtópico a existência de forte divergência doutrinária a respeito da necessária atuação do Senado Federal no tocante à remessa da norma declarada inconstitucional.
Deduz-se que a tendência é dar uma nova interpretação ao art. 52, X, da CF/88, com fins de adaptá-lo à realidade fática, tendo em vista que o instituto discutido é considerado como obsoleto e desnecessário pela doutrina majoritária.
4 A FAZENDA NACIONAL E O RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 574.706
4.1 A DESVINCULAÇÃO DA ALÍQUOTA DE ICMS NOS TRIBUTOS DO PIS E DA COFINS, UMA BREVE ELUCIDAÇÃO
A decisão em pauta, fruto da irresignação de determinada empresa do Estado do Paraná em ter que concordar com a vinculação do ICMS nas bases de cálculo do PIS e da COFINS, ficou marcada pela trajetória processual no juízo a quo e seu desencadeamento via recursal na Suprema Corte.
Como bem sabido, o dissenso propagado deu-se em virtude de amplo debate doutrinário decenal acerca da possibilidade ou não de vinculação do termo em questão. Debate esse, sempre muito complexo e envolvendo diversas variáveis.
Com a publicação do acórdão em outubro de 2017, houve a fixação de tese pela Suprema Corte no sentido de que “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”[12].
Portanto, restou definida a questão tributária material. O tributo mencionado não mais compõe a base de cálculo para os casos especificados. Solucionada a questão material, perdura-se o litígio a fim da resolução constitucional da demanda e os seus efeitos (modulação). Desta forma, não obstante a publicação do acórdão, esta questão continua sem previsão de restar definida. Já que a demanda exposta pode ser atingida pela modulação dos efeitos da decisão, quando ao fim do julgamento, o mais prudente foi a suspensão das ações em quaisquer que sejam as instâncias.
É sustentada pelos contribuintes a ilegalidade na inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, sob o argumento de que alguns dispositivos normativos da lei 9718/98 violam a Constituição Federal de 1988. Subsidiariamente, os mesmos alegam a inconstitucionalidade da inclusão do tributo acima referendado na base de cálculo, diante da violação aos princípios da capacidade contributiva e do não-confisco. Tendo em vista o alto quantitativo de demandas postuladas, a tese acima é apenas uma dentre as várias.
À face do exposto, inúmeros postulantes buscaram pela via judiciária a compensação retroativa do ICMS incluído nas bases de cálculo do PIS e da COFINS. Ante tal fato, foi de suma importância o reconhecimento da repercussão geral do assunto e o seu julgamento perante o STF, suspendendo todas as demais ações intentadas nos Juízos inferiores.
No tocante à suspensão das ações, importante frisar que antes de publicado o acórdão, devido à cultura de judicialização, foram intentadas inúmeras ações no país inteiro. Os fundamentos destas, em uma análise preliminar, diziam respeito a uma aplicação analógica ou extensiva da decisão para outros tributos que não somente o PIS e a COFINS. Inclusive, vários foram os instrumentos processuais intentados pelos interessados, desde peças processuais comuns até mandado de segurança.
No que diz respeito à compensação do tributo, muitas das demandas postuladas perdiam sua razão de ser diante da necessária ampla dilação probatória acerca da questão. Não havia, muitas vezes, prova pré-constituída de indébito algum a se compensar. No dialeto comum, convém chamar de demanda aventureira.
Consequentemente, em virtude deste grande embaraço, tornou-se necessária a adequação das condutas processuais constitucionais mediante o uso da modulação dos efeitos. Em uma análise material, os Estados taxam o imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços como objeto de tributação a partir da realização de operações de circulação de mercadorias e não sobre a mera circulação em si. Antes, era patente o entendimento de que o ICMS compunha a receita bruta operacional, qual seja: o faturamento. Porém, com o advento da decisão judicial ora estudada, restou resolvido que o ICMS não compõe o faturamento.
Noutra banda, o Programa de Integração Social e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social têm como base de cálculo o faturamento. Percebe-se, assim, que não há subsunção entre a inclusão de um imposto que não tem por base o faturamento (ICMS) sobre duas contribuições que têm por base o faturamento (PIS e COFINS). Há clara distinção entre as suas finalidades.
Nesta senda restou definida a não inclusão do ICMS nas bases de cálculo do PIS e da COFINS. Sob este argumento, a Justiça buscou solidificar o entendimento exarado no RE 574.706.
4.2 AS REAIS IMPLICAÇÕES DA DECISÃO PARA A FAZENDA NACIONAL
Noutro enfoque, que não sendo aquele anteriormente discutido a respeito dos desdobramentos constitucionais da decisão estudada, é necessário tecer comentários acerca das consequências fáticas da pauta para a Fazenda Nacional.
São várias as perspectivas de repercussões que podem ser imputadas à União, representada processualmente pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, sejam elas operacionais, financeiras ou jurídicas.
A princípio, em caso de a modulação ser desfavorável à União e for decretada a necessária restituição das alíquotas pagas, os empecilhos operacionais não devem ser levados em conta. Insta salientar que as repercussões operacionais dizem respeito à análise da infraestrutura e dos recursos humanos inerentes aos órgãos representantes da União em execução fiscal no tocante, por exemplo, à gestão de uma possível restituição. Desta forma, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional não pode se eximir do ônus de operacionalizar uma possível repetição de indébito. Qualquer que seja o grau de dificuldade para a realização do procedimento, a Instituição Tributária deve fazê-lo, por tratar-se de direito do contribuinte estampado em decisão judicial. Superada esta questão, necessário explicitar a seguinte.
Sob a ótica financeira, tem-se a possibilidade da ocorrência de vasto abalo fiscal nas contas públicas. Nesta dicção, as repercussões financeiras devem ser sopesadas. Primordialmente, antes de ter sido demonstrado um possível déficit na monta de 250 (duzentos e cinquenta) bilhões de reais (LDO 2017 – Lei 13.408/2016), a Receita Federal do Brasil, por meio da Coordenação-Geral de Previsão e Análise e da Coordenação-Geral de Política Tributária, emitiu nota conjunta COPAN/COPAT nº 001/2008, cujo teor da matéria versava sobre “perdas de receitas e aspectos econômicos tributários decorrentes da exclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições PIS/COFINS”. Ressalta-se que o ano de edição desta nota é o mesmo ano do reconhecimento da repercussão geral do tema em RE 574.706: o ano de 2008.
Neste documento, os órgãos discorreram a despeito da exclusão das referidas alíquotas, demonstrando acertadamente as consequências estruturais e orçamentárias que o país poderia vir a sofrer em razão da adoção de tal medida. À época, o aludido órgão não enxergava qualquer vantagem na medida.
Em suma, a COPAN e a COPAT alegaram a possível ocorrência de forte restrição tributária com o consequente impacto nas áreas estruturais e desenvolvimentistas do país, ocasionando, portanto, sério desequilíbrio fiscal. A instabilidade econômica do país, segundo a nota, permaneceria até que o Governo elaborasse novos instrumentos legais com fins de reposição das receitas anuais perdidas. Afirmando ainda que a mencionada reposição dar-se-ia por meio da majoração das mesmas contribuições (PIS e COFINS) ou de outras, padecendo de benefício estrutural para o sistema tributário.
Noutra vertente, agora nos anos 2016/2017, a escorreita demonstração da existência de déficit financeiro advém da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2017, tendo sido esta elaborada no exercício anterior (Lei nº 13.408/2016). À época, a pauta referente ao RE 574.706 já se encontrava na Suprema Corte desde 2008 e causava grande conturbação na comunidade jurídica acerca dos efeitos financeiros da decisão em si. Posto isto, a matéria foi registrada sob a perspectiva de risco fiscal, constando do anexo V da mencionada lei.
De acordo com informações oficiais dos órgãos responsáveis por estimativas de cálculo sobre impactos financeiros, o déficit valorativo, correspondente à possível não modulação prospectiva da decisão judicial em pauta, ficaria no montante de duzentos e cinquenta bilhões de reais correspondentes à perda de arrecadação anual e à restituição das alíquotas desvinculadas. Factualmente, vislumbra-se a possibilidade quase que exata deste déficit atingir o orçamento público, o que inclui a afetação de áreas como o tripé da Seguridade Social, leia-se: Saúde, Assistência Social e Previdência Social.
Os riscos fiscais estampados na Lei nº 13.408/2016 têm por finalidade delinear uma amplitude aproximada da ingerência da demanda judicial exposta no que se refere ao exercício financeiro subsequente. As estimativas são exteriorizadas por meio de estudos específicos na área correspondente à decisão judicial, utilizando-se para tal mister um conjunto de fatores.
A própria Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) instrui o objetivo do anexo de riscos fiscais como sendo a capacidade de prever as possíveis ameaças tendentes a afetar as contas públicas, orientando as atitudes que devem ser adotadas na hipótese de materializadas tais previsões.[13] Isto posto, percebe-se que se trata de relevante mecanismo, cujo escopo principal é o equilíbrio orçamentário e a previsibilidade de gastos públicos.
Os dados numéricos, as fontes, as estimativas de contingência, os critérios adotados e as justificativas a respeito do anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2017 (Lei nº 13.408/2016) foram tomados com base em densa análise sobre o tema exposto.
A consequência fiscal para o país é notória, existe e não deve ser desconsiderada. Os reflexos da decisão judicial podem ser drásticos e os resultados imodificáveis. As estimativas devem ser levadas em consideração, justamente por terem sido levantadas por órgãos públicos e centros de estudos de manifesta capacidade técnica, a exemplo do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros (CETAD) e da Coordenação de Estudos Econômico-Tributários (COEST), bem como da Coordenação-geral de Previsão e Análise (COPAN) e da Coordenação-geral de Política Tributária (COPAT).
A Lei de Responsabilidade Fiscal, ao dispor em seu texto a existência do anexo de riscos fiscais, teve como objetivo garantir a maior solidez possível ao erário público, possibilitando à Administração Pública a previsibilidade do que determinadas pautas jurídicas e financeiras por exemplo, podem acarretar à sociedade. Destarte, por meio deste trabalho preventivo, o Governo pode realizar o contingenciamento[14] dos valores. Diante da seriedade temática, a citada lei impõe que a sistemática utilizada a apurar os dados referentes ao montante valorativo seja segura e coesa, a fim de fornecer suporte legal e técnico suficiente para a atuação do gestor público.
Portanto, desprezar o anexo de riscos fiscais é desrespeitar a Lei Orçamentária Anual e a Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como assumir o risco da ocorrência de descontrole nas contas públicas em virtude do não acolhimento do estudo.
Em uma última análise, a qual será minuciosamente exposta e detalhada no próximo tópico, tem-se a perspectiva jurídica da matéria abordada. Os institutos da reserva do possível e da eficácia prospectiva da decisão judicial servem como substrato à afirmativa da existência da necessária segurança jurídica das relações reguladas pelo Recurso Extraordinário 574.706. Ora, não somente o interesse social deverá pautar o caso presente nesta pesquisa científica, mas também a segurança jurídica, conforme mandamento legal (Art. 927, § 3º do CPC/15).
Em suma, a atitude a ser tomada pelo STF no julgamento do RE 574.706 será determinante para a instauração de uma possível insegurança jurídica.
4.3 O PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL E A EFICÁCIA PROSPECTIVA COMO PROPULSORES DA SEGURANÇA JURÍDICA
Importantes institutos podem servir de sustentáculo ao argumento favorável ao deferimento da modulação prospectiva no caso do RE 574.706, mas dois em especial devem ser sopesados exaustivamente e subsumidos perfeitamente ao caso concreto, a fim de que se obtenha a tão necessária segurança das relações jurídicas.
Inicialmente, cumpre destacar o princípio da reserva do possível. É sabido por todos que a reserva do possível possui íntima relação com a escassez de recursos públicos por parte do Estado a fim de chancelar os direitos sociais pertinentes, sendo estes últimos dependentes da condição financeira estatal.
Fernando Facury Scaff (2010, p. 151), afirmou que “todo orçamento possui um limite que deve ser utilizado de acordo com exigências de harmonização econômica geral”. Desta forma, eventuais despesas, sejam a longo ou a curto prazo, causam inquietação nas finanças públicas.
Em sintética ilustração do pensamento acima, o instituto da reserva do possível pauta-se pelo elo entre um bem jurídico a ser conquistado e a existência de fundos suficientemente aptos à garantia daquele.
Ampliando-se o contexto, o referido princípio não está única e exclusivamente relacionado à possibilidade de prestação dos direitos sociais por parte do Estado, mas também possui íntima relação com as obrigações de fazer determinadas ao mesmo ente, leia-se aquelas emanadas de decisões judiciais, como a que aqui se propõe. O caso do fornecimento de precatórios em virtude de repetição de indébito é um exemplo.
Apesar do seu escopo essencialmente jurídico, a reserva do financeiramente possível deve ter seu conceito estendido ao fático. A própria doutrina hodierna entende por perfeito existir uma subdivisão do princípio da reserva do possível em jurídica e fática. No tocante ao primeiro aspecto, percebe-se a correspondência à estimativa orçamentária para a despesa. No segundo, tem-se a sujeição da prestação estatal à presença de recursos.
Desta forma, este aspecto fático possui plena concordância com os dados trazidos no subtópico anterior, segundo os quais haveria plena inexequibilidade do cumprimento dos precatórios de restituição de indébito sem que houvesse ameaças de dano aos demais deveres estatais, a exemplo dos direitos sociais estampados constitucionalmente.
Obviamente, não se pretende com isso afirmar a escusa estatal sobre uma possível restituição de impostos a ser operada para os contribuintes, mas sim afirmar uma condição fática que não pode ser desprezada, qual seja: a enorme monta a ser devolvida pode causar impactos restritivos em outras áreas governamentais. O que se busca, portanto, é a análise da reserva do possível de forma associada às indagações financeiras e à segurança jurídica.
Noutra ponta, a concessão da possibilidade de modular os efeitos de uma decisão judicial afirma um compromisso com a sociedade em dar a resposta mais adequada diante do caso em concreto. Nada mais é do que uma tentativa de moldar os aspectos dos institutos conforme a segurança jurídica e a demanda social. Por este motivo, o processo continua a ser analisado a fundo pela Suprema Corte desde o momento em que foi fixada a tese através de acórdão publicado em 2017, sendo necessária uma ampla dilação investigativa para que seja construído o alicerce decisório.
A concessão de efeitos diferidos no tempo, enquanto instrumento constitucional tem seu cerne na segurança das relações jurídicas ou sociais, como afirma o próprio Ingo Sarlet (2017, p. 1069).
Igualmente, a modulação dos efeitos das decisões proferidas em recurso extraordinário não é tributária da possibilidade de se modularem os efeitos das decisões de inconstitucionalidade no controle principal. O poder de modular os efeitos das decisões em sede de controle incidental deriva exclusivamente do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança justificada.
Considerando-se a conjuntura atual, uma decisão judicial contrária aos efeitos prospectivos desencadeará em uma necessária realocação de recursos tendentes à cobertura de tal indébito, tendo em vista a impossibilidade de restituição do mesmo, isto ao considerar a vultosa restituição a se operar. Em uma visão consequencialista, a realocação de recursos pode interferir na prestação de direitos, gerando-se insegurança jurídica.
Os efeitos da decisão da Suprema Corte no RE 574.706 já tinham sido impecavelmente detalhados pelo ministro Gilmar Mendes ao proferir voto no RE 240.785[16]. Àquela época, este já havia feito referência à eficiência do Sistema Tributário Nacional. A tese firmada pelo referido ministro neste julgamento é de solidez indubitável e merece atenção especial.
Sustentou-se, em suma, a notória transferência de recursos que vai se operar entre os cidadãos e as características do novo regime tributário que emergiria, caso o STF não viesse a modular os efeitos da decisão judicial.
Na prática, tem-se a ocorrência da transmutação do regime de tributação. Neste, há de se observar primordialmente as consequências redistributivas dinâmicas, que nada mais são do que o ônus a ser suportado por toda a sociedade quando modificadas regras jurídicas em matéria tributária. Desta forma, as repercussões da desvinculação da alíquota de ICMS nas bases de cálculo do PIS e da COFINS devem ser sopesadas. Ainda que se proceda aos ajustes jurídicos pertinentes, a fim de readaptação à nova regra, subsistirão resquícios de instabilidade financeira diante da devolução das exações.
Sem sombra de dúvidas, como já explicitado no subtópico anterior, caso a Suprema Corte opte por determinar efeitos ex tunc à decisão em pauta e a União tenha que restituir valores aos contribuintes, tal ato desencadeará na reordenação da distribuição da carga fiscal. Ora, em suma a União não terá montante suficiente a sustentar as demandas judiciais questionadas, consequentemente, terá que realocar recursos de outras áreas, sendo obrigada a gerar novos impostos ou taxar generosamente os já existentes.
Essas são as consequências de efetuar drásticas mudanças na sistemática do cômputo das exações incidentes sobre a receita bruta. Decerto, a curto prazo, alguns contribuintes irão receber mais vantagens (repetição do indébito tributário), porém uma outra parcela de contribuintes irá suportar um ônus excessivamente superior para a manutenção da restituição de valores da pequena parcela populacional mencionada. Trazendo ao campo social, tem-se que haverá excessiva realocação dos recursos sociais, a fim de que o Sistema Tributário Nacional se adeque à nova disposição no tocante à isenção da alíquota.
Nesta senda, percebe-se claramente que restariam poucas opções a fim de o Governo equalizar as perdas arrecadatórias em virtude das restituições asseguradas. Como primeira opção, tem-se a elevação das alíquotas; como segunda opção, tem-se o endividamento e, como terceira e última opção, abster-se de realizar atos e deixar que a inflação naturalmente cuide da situação.
Evidentemente, a União aumentará as exações e tentará conter os gastos estatais. Convém chamar tal atitude de repasse do ônus fiscal. Tal perspectiva foi coerentemente citada em um dos ensaios[17] do então ministro Gilmar Mendes (2014, p. 30), no qual se critica a procura das “vias oblíquas”, leia-se Judiciário, a fim da redução dos tributos.
Portanto, o acolhimento de vias oblíquas para amenizar a onerosidade da COFINS poderá provocar a substituição por novas formas de financiamento da seguridade social. Como cediço, a Constituição Federal de 1988 expandiu substancialmente a seguridade social, estendendo de forma considerável as ações e obrigações do Poder Público destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Seguindo a mesma linha, Gilmar Mendes critica veementemente os métodos jurídicos utilizados a fim de se chegar à contenção ou redução forçada da carga tributária. Nos exatos termos:
A tentativa de redução da carga dos impostos, por meio de engenharias jurídicas sofisticadas e preciosismos técnicos é inócua, justamente porque mantidos os custos com que o Estado deve arcar para a seguridade social. De alguma maneira, esses compromissos devem ser satisfeitos.
Em suma, incentivar engenharias jurídicas para identificar exceções e lacunas no sistema tributário só desonera o contribuinte no curto prazo, pois invariavelmente obriga o Estado a impor novos tributos. Apenas a contenção da despesa estatal, para a qual todos têm o dever fundamental de contribuir, tem o condão de efetivamente reduzir os gastos públicos. O expediente de reduzir a arrecadação por via oblíqua, como o acolhimento de exceções imprecisas e sofisticadas, é apenas paliativo que, muitas vezes, torna ainda mais complexo e oneroso o sistema tributário.
É necessário salientar, ainda, que a desvinculação da alíquota de ICMS nos tributos do PIS e da COFINS abre precedentes ao pleito de insatisfações por parte dos contribuintes a fim de requerer a exclusão de alíquotas semelhantes ao ICMS em outros tributos. Tal atitude origina notável insegurança jurídica futura.
Ademais, sob o manto do prospective overruling, na perspectiva de Celso Albuquerque Silva (2005, p. 288-289), pode-se afirmar que a revogação de um precedente talvez não produza efeitos imediatos, isto justo a fim de alcançar um escopo maior.
Com a aplicação do prospective overruling, é possível que os efeitos da revogação do precedente não se apliquem sequer ao caso sob julgamento, de modo que toda a energia despendida pela parte não lhe traz nenhum benefício concreto, o que poderia gerar uma sensação de injustiça e desestimular a provocação dos tribunais para a revisão dos precedentes. Ocorre que, como destacado alhures, os precedentes desempenham múltiplas funções, dentre as quais está a de orientar comportamentos dos cidadãos, de modo que a decisão que revoga um precedente não produzir efeitos no caso concreto não compromete as consequências externas daí decorrentes. Ademais, a impressão de injustiça é apenas aparente, pois a atribuição de efeitos prospectivos visa a tutelar a segurança, a igualdade e a confiança justificável.
Trazendo tal interpretação doutrinária ao caso da desvinculação da alíquota de ICMS nas bases do PIS e da COFINS, tem-se que a superação do antigo precedente, que considerava válida a vinculação do ICMS, pode não beneficiar diretamente a parte autora (repetição do indébito), mas tal intento possui fins extra partes que se perfazem visando um objetivo em comum.
Este intento encontra-se além do legal e diferentemente dos termos doutrinários. Explicando-se, nada mais é do que pensar além da manutenção (ou garantia) da coisa julgada, procurando sempre analisar os possíveis impactos a serem causados em virtude da decisão judicial. Nos termos práticos do caso do RE 574.706, como exaustivamente mencionado, a repetição do indébito será vultosa e causará danos irreversíveis à sociedade, principalmente no tocante às suas garantias jurídicas a exemplo da concessão dos direitos sociais.
Por isto, no transitar do RE 574.706 a União (Fazenda Nacional) demonstrou completa coerência ao demonstrar a previsibilidade, por meio de estudos, dos acontecimentos financeiros advindos de uma possível retroatividade dos efeitos do julgamento, garantindo a segurança jurídica na órbita tributária. A partir do momento em que a União se propôs a prever os possíveis danos ocasionados pela decisão judicial em pauta, calculando e mensurando a dimensão, preocupou-se, pois, com a segurança jurídica.
Portanto, não se deve restringir a segurança jurídica a tão somente uma ideia consectária da coisa julgada, mas sim ampliar a linha de pensamento a fim de atingir as relações jurídicas posteriores que poderão ser afetadas negativamente pela decisão atual.
Contrariamente aos argumentos propostos neste subtópico, tem-se a referência à ausência de segurança jurídica caso a Suprema Corte considere modular pro futuro os efeitos da decisão em comento, em virtude da quebra da confiança do cidadão (princípio) para com o Estado decorrente da inconstitucionalidade da norma. Apesar de plausível, não se mostra razoável tal maneira de pensar. No caso prático ora discutido há a necessidade de se declarar a segurança jurídica com vistas à não interferência da decisão na garantia dos direitos futuros. Feito isto, serão protegidas as relações jurídicas e serão evitadas rupturas extremas e desestabilizações no ordenamento jurídico e na finança pública.
5. CONCLUSÃO
O presente artigo abordou as questões constitucionais e tributárias envolvidas relativas ao RE 574.706 sob a perspectiva da Fazenda Nacional, estritamente no que se refere à modulação dos efeitos desta decisão, tendo em vista só ter sido firmada a questão em matéria tributária (tema 69).
A relevância do tema constante desta pesquisa se dá em virtude de o mesmo estar em voga no contexto jurídico e ser aguardado por muitos como se fosse o julgamento mais importante das duas últimas décadas em âmbito tributário. Ora, os impactos que o referido tema causa no âmbito jurisprudencial, no financeiro, bem como no social são bastantes para justificar a magnitude do mesmo.
Antes da defesa da linha de raciocínio correspondente à modulação prospectiva, foi de extrema necessidade explanar os aspectos em controle de constitucionalidade, demonstrando a efetiva existência do instituto da modulação dos efeitos de uma decisão judicial não somente em controle concentrado abstrato, mas também em controle difuso concreto. Além do mais, a teoria da objetivação explicou de forma clara os pontos de confluência entre os tipos de controle mencionados acima, bem como a atuação do controle difuso no Supremo Tribunal Federal.
Por se mostrar um tema complexo e que envolve muitas variáveis, algumas vertentes foram tomadas a fim de se chegar a uma explicação mais abrangente possível sobre o caso em concreto, dentre elas podem ser destacadas a vertente do Direito Constitucional e a do Direito Tributário. A maior relevância ficou a cargo da análise dos aspectos constitucionais, sob a perspectiva do controle difuso concreto de constitucionalidade e a sua modulação. Questões subsidiárias, como os aspectos tributários e financeiros forneceram sustentáculo à tomada da modulação prospectiva dos efeitos da decisão judicial.
A desvinculação da alíquota de ICMS nos tributos do PIS e da COFINS é debatida há muito tempo. De início, no STF, a discussão versava tão somente sobre a desvinculação do ICMS no tributo COFINS (RE 240.785). Posteriormente, o debate intensificou-se e a discussão passou a abarcar também o tributo do PIS, dando forma ao RE 574.706. A questão estendeu-se por décadas e a decisão sobre a matéria só foi possível a partir da fixação de acórdão em 2017 no próprio RE 574.706, o qual afirmava a “desvinculação da alíquota de ICMS nos tributos do PIS e da COFINS”.
Baseando-se nesta relevância, a presente pesquisa científica buscou analisar minuciosamente os atos posteriores a este marco, tais como o impacto financeiro e a insegurança jurídica a ocorrer caso a decisão tenha efeitos retroativos.
De antemão, a medida mais benéfica a ser tomada no caso em concreto é a modulação prospectiva da decisão em comento em virtude de o instituto visar resguardar a segurança jurídica e ainda permitir que a saúde financeira estatal se perpetue.
A defesa da modulação dos efeitos, por decorrência legal, só poderá ser pautada se preenchidos um dos dois pressupostos legais: a segurança jurídica ou o interesse social. Tendo em vista a sociedade ser a destinatária da norma e dos seus efeitos interpretativos, nada mais coerente que a Suprema Corte decidir conforme a segurança jurídica, prevendo imbróglios futuros e os resolvendo.
A segurança jurídica da sociedade como um todo unitário não pode ser excetuada diante da satisfação temporária dos contribuintes ao receberem uma possível restituição indébito em virtude da decisão judicial retroativa. Caso concretizadas as perspectivas dos contribuintes, cada vez mais destes irão bater às portas do Judiciário a fim da tentativa da redução de outros tributos. Cria-se, portanto, um cenário de insegurança jurídica das normas. A utilização das vias oblíquas, como bem afirmado, não é o melhor meio a tal intento.
Dada a importância da pauta, mostrando-se como um tema dinâmico, não são permitidas análises engessadas ou extremamente técnicas. Portanto, o instituto da modulação dos efeitos deve propiciar a maior amplitude possível dos estudos, inclusive no que diz respeito à seara financeira, com fins de análise do impacto desproporcional que a decisão judicial pode causar.
Não obstante, caso ignorados os efeitos estruturais de uma decisão desfavorável à União, ter-se-á completa impossibilidade de efetivação de inúmeros direitos e deveres estatais impostos. Isto diante do fato de muitos destes necessitarem de aporte financeiro para a sua concretização. Tal consequência aplica-se até mesmo aos direitos que exigem uma abstenção estatal, quais sejam os negativos. Na prática, ter-se-á uma Carta Política com disposições normativas inaptas ante a inexistência de fundos para sua aplicação, padecendo de direitos autênticos.
Diante do exposto, não poderá haver a fragilização das normas constitucionais e legais, sob pena de notada regressão do sistema jurídico nacional e de serem desprezadas toda a sua formação e evolução adquiridas há poucas décadas.
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ZANOTTI, Bruno Taufner. Controle de Constitucionalidade para concursos. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.
[1] A cláusula mencionada autoriza a decretação da inconstitucionalidade da norma em pauta, desde que preenchido o número mínimo dos componentes do Tribunal. Este quórum fixa-se na maioria absoluta dos membros do Tribunal, de acordo com o art. 98 da CF/88.
[2] Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte. (Súmula Vinculante 10 STF)
[3] É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada. (Súmula 282 STF)
[4] A discussão em tela foi realizada nos autos da ADC – 1.
[5] Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
[6] Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (CF/88).
[7] Declarada a inconstitucionalidade incidental em um processo no Supremo Tribunal Federal, consoante dispõe o art. 178 do Regimento Interno do STF, transitada em julgado a causa, far-se-á a comunicação ao Senado Federal para aplicação do art. 52, inciso X, da Constituição Federal. A remessa pelo Supremo Tribunal Federal ao Senado é discricionária, comunicando quando e se quiser (conveniência e oportunidade).
Duas são as principais finalidades de tal disposição constitucional: (a) outorgar efeito erga omnes a uma decisão que, até então, possui efeito inter partes, ou seja, todos estarão, a partir da suspensão pelo Senado, submetidos a tal decisão; (b) fazer com que a decisão que possuía efeitos ex tunc passe a ter, após a suspensão pelo Senado, efeito ex nunc, visto que a “suspensão da execução” da lei ou ato normativo incide na eficácia da norma. (ZANOTTI, 2017, p. 129).
[8] Reclamação 4.335 STF (20/03/2014).
[9] Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (CF/88).
[10] Já tive oportunidade de assinalar, várias vezes nesta Casa e em aventuras palestrantes, ser evidente que essa convivência, desde 1965, dos dois sistemas de controle – não para criar um sistema misto, mas, na verdade, para conviverem paralelamente-, levaria, como tem levado, a uma prevalência evidente do controle concentrado. Mas também é certo que as decisões das sucessivas Constituições têm sido de manter incólume o sistema primitivo de declaração incidente com a inovação, tipicamente brasileira, de 1934, de entregar a um órgão do Poder Legislativo a decisão de dar-lhe ou não efeitos gerais. Não há dúvida de que, no mundo dos fatos, se torna cada vez mais obsoleto – concordo – esse mecanismo; mas, hoje, combatê-lo, por isso que tenho chamado – com a permissão generosa dos dois colegas – de projeto de decreto de mutação constitucional, já não é nem mais necessário. Porque a dispensa da remessa ao Plenário da arguição de inconstitucionalidade não impede o tribunal inferior de alterá-la enquanto não dotada a jurisprudência do Supremo Tribunal do efeito vinculante, que, ou decorre, no nosso sistema, de decisões nos processos objetivos de controle direto, ou decorrerá da adoção solene, pelo Tribunal, da súmula vinculante. Esta, sim, vinculante de todos os demais órgãos do Poder Judiciário, salvo o próprio Supremo Tribunal, e dos órgãos da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal. (Voto proferido por José Paulo Sepúlveda Pertence na Reclamação ao STF nº 4.335 de 20/03/2014)
[11]Ainda me impressiona, ademais, mesmo com toda essa revolução no controle de constitucionalidade, a literalidade da previsão contida no art. 52, X, presente no texto constitucional e em relação ao qual não há qualquer disposição contrária ou de sentido conflitante. Por esse aspecto, restaria o argumento do relator sobre a ocorrência, no caso, de mutação constitucional. Mas o que vislumbro com a proposta é que ocorrerá pura e simplesmente, pela via interpretativa, a mudança no sentido da norma constitucional em questão, hipótese essa que Canotilho, por exemplo, não elenca como modalidade idônea de mutação (Direito Constitucional, p. 1102) (Voto proferido por Joaquim Benedito Barbosa Gomes na Reclamação ao STF nº 4.335 de 20/03/2014)
[12] STF - Tema 69 (Inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS).
[13] Art. 4o A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2o do art. 165 da Constituição e: § 3o A lei de diretrizes orçamentárias conterá Anexo de Riscos Fiscais, onde serão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem. (Lei de Responsabilidade Fiscal – LC 101/2000).
[14] O contingenciamento consiste no retardamento ou, ainda, na inexecução de parte da programação de despesa prevista na Lei Orçamentária em função da insuficiência de receitas. Normalmente, no início de cada ano, o Governo Federal emite um Decreto limitando os valores autorizados na LOA, relativos às despesas discricionárias ou não legalmente obrigatórias (investimentos e custeio em geral). O Decreto de Contingenciamento apresenta como anexos limites orçamentários para a movimentação e o empenho de despesas, bem como limites financeiros que impedem pagamento de despesas empenhadas e inscritas em restos a pagar, inclusive de anos anteriores. O poder regulamentar do Decreto de Contingenciamento obedece ao disposto nos artigos 8º e 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
[15] Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) – Art. 927, § 3º. Lei 9.868/1999 – Art. 27.
[16] RE 240.785 - ICMS não compõe base de cálculo da COFINS, decide Plenário em Recurso - Foi concluído no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira (8), o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 240785, no qual se discute a constitucionalidade da inclusão do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Os ministros, por maioria, deram provimento ao recurso do contribuinte, uma empresa do setor de autopeças de Minas Gerais, garantindo a redução do valor cobrado a título de Cofins. Nesse caso, a decisão vale apenas para as partes envolvidas no processo.
[17] O STF e a exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS.
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Tabosa de Almeida - ASCES UNITA. Cumpriu estágio profissional no escritório de advocacia empresarial – Henrique Oliveira Advocacia Empresarial, com ênfase em planejamento tributário e empresarial. Cumpriu estágio na Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em Caruaru – PE. Advogado. Pós-graduando em Advocacia Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, lucas valeriano. A modulação dos efeitos da decisão em RE 574.706 sob a perspectiva da Fazenda Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 abr 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54379/a-modulao-dos-efeitos-da-deciso-em-re-574-706-sob-a-perspectiva-da-fazenda-pblica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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