RESUMO: O presente artigo objetiva analisar as peculiaridades da usucapião de bens móveis extraordinários e ordinárias, tratando da discussão de possibilidade da usucapião extraordinário sobre bens oriundos de furto e roubo, já que tal instituto não exige a boa-fé e das possibilidades da usucapião ordinário que é aquele que consegue com justo título e boa-fé, analisando o entendimento da legislação brasileira acerca do tema, especificando sobre a possibilidade de usucapião de bem móvel proveniente de furto ou roubo, bem como seu conflito que o bem oriundo de práticas criminosas de não poder ser passível de posse.
Palavras chave: Posse. Usucapião de bem móvel.
ABSTRACT: This article aims to analyze the peculiarities of the adverse possession of extraordinary and ordinary movables, discussing the possibility of extraordinary adverse possession of goods derived from theft and theft, since such an institute does not require the good faith and the possibilities of ordinary adverse possession. one who achieves with fair title and good faith, analyzing the understanding of Brazilian law on the subject, specifying on the possibility of adverse possession of movable property arising from theft or theft, as well as its conflict that the good arising from criminal practices of not being able be liable to possession.
Keywords: Possession. Mobile adverse possession.
1 INTRODUÇÃO
Usucapião significa a definição de uma aquisição de forma do domínio da posse, uma vez preenchidos determinados pressupostos legais. Usucapião na forma extraordinária da aquisição de propriedade funda-se em posse prolongada, que transforma situação de fato em situação de Direito. Pode ocorrer tanto em bens móveis quanto em imóveis em decorrência da utilização do bem por determinado tempo, contínuo e incontestadamente, contudo, no presente estudo, o enfoque se dará a aquisição dos bens móveis.
Enfatizaremos a usucapião de bem móvel por meio de aquisição originária da propriedade de coisa móvel, de acordo com o artigo art. 1260 a 1262 do CC, pois aquele que usucapiu é o único proprietário da coisa desde a sua existência, de modo que a usucapião tem, por consequência, apagar os eventuais registros de proprietários anteriores.
Notamos que enquanto na usucapião ordinário há a tradição feita por quem não é o real proprietário, enganando o adquirente, na usucapião extraordinária a posse da coisa pode decorrer de qualquer meio, inclusive furto ou roubo, que é aquela que permite a aquisição da propriedade de uma coisa móvel pela posse contínua e incontestada por 5 anos.
2 POSSE
A posse significa que o sujeito exerce sobre determinado bem poderes inerentes à propriedade, é o direito no qual se funda a posse, e apesar do possuidor em algumas ocasiões não ser o proprietário este possui proteção ao direito, conforme também exposto no Código Civil em seu artigo 1.196: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.”
Clóvis Beviláqua (2003. p. 17), esclarece o seguinte sobre a posse:
Não há certamente, assunto, em todo o direito privado, que tenha mais irresistivelmente, cativado a imaginação dos juristas do que o da posse; mas também, dificilmente, se encontrará outro, que mais tenazmente, haja resistido a penetração da analise, as elucidações da doutrina.
Entretanto, existem duas teorias de posse que delimitam o direito, a primeira subjetiva sendo desenvolvida por Savigny, e a segunda, objetiva estudada por Ilhering.
2.1 Teoria da posse subjetiva e objetiva
Maria Helena Diniz (2011) entende que a teoria da posse subjetiva, obra de Savigny, deve existir dois elementos constitutivos para sua configuração, ou seja, apreensão física da coisa (corpus), que é elemento material do poder físico sobre a coisa, já o outro elemento seria o animus, que consiste na vontade de tê-la como própria.
Para configurar a posse da teoria objetiva, criada por Ilhering, consiste na mera conduta de dono, pouco importando na apreensão física da coisa e a vontade de ser o dono da mesma, bastando ter a coisa, mesmo sem ter a intenção de possuí-la, como por exemplo, comodato (FERREIRA, Ruy Barbosa Marinho 2019).
3 USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL - PROPRIEDADE
A usucapião obedece à função social da propriedade, conceito enraizado em na Constituição Federal, inserido no rol de direitos e garantias fundamentais, em detrimento daquele que abandonou a coisa ou a explora indevidamente. A aquisição de propriedade móvel esta prevista nos artigos 1260 a 1262 do Código Civil, nos seguintes termos:
Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade.
Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.
Art. 1.262. Aplica-se à usucapião das coisas móveis o disposto nos arts. 1.243 e 1.244
É comum associar a usucapião aos bens imóveis. Porém, o Código Civil possibilita a aquisição de bens móveis através do exercício contínuo da posse por certo lapso temporal, com o ânimo de ser dono, isto é, o direito real, que consiste no sujeito de usar, gozar, dispor e reaver determinado bem, ou seja, em termo mais genérico o sujeito tem exclusividade sobre a coisa contra tudo e todos, porém existem ressalvas a esses direitos, podendo ser citado como exemplo, quando a vontade do Estado se sobrepõe ao direito do particular, neste caso direito do proprietário, tornando assim, este direito.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2006, p. 64).
O direito de propriedade diz-se exclusivo ou excludente porque seu titular dispõe dos meios legais para impedir que qualquer outra pessoa, contra a vontade dele, possa desfrutar, ainda que minimamente, da coisa. Se um bem pertence a determinado sujeito, isso significa que ninguém pode, contra vontade do proprietário, extrair dele qualquer proveito, direto ou indireto, material ou moral. Claro que, concordando o titular do domínio com o uso ou fruição da coisa por outrem, não há nenhum desrespeito à natureza exclusiva de direito de propriedade. Mas a lei presume a exclusividade (CC, art. 1231), de modo a imputar ao não proprietário interessado em extrair do bem qualquer proveito o ônus de provar a declaração de vontade do titular do domínio autorizando-o.
Em conformidade com o Código Civil Brasileiro e para Ruy Barbosa Marinho (2019, p. 172/173), são requisitos da usucapião de bens móveis com posse de três anos (usucapião ordinária e comum):
a) Coisa hábil para prescrever;
b) Posse continua e pacifica;
c) Animus domini;
d) Justo título
e) Boa-fé;
f) Lapso do tempo.
O justo título de boa-fé é dispensado se a posse se prolongar por 5 anos (Usucapião Extraordinária).
Como ensina Silvio de Salvo Venosa (2004, p. 249), “embora a posse de bens móveis pressuponha a propriedade, podem ser objeto de usucapião diante da necessidade de possuidor comprovar e regularizar a propriedade desde que satisfeito certos requisitos”, como posse mansa, pacifica e ininterrupta, sem oposição e com ânimo de dono.
Para coisa hábil para prescrever o objeto de usucapião, é importante que a coisa esteja em comércio, não sendo usucapíveis, pois, as que estão fora do comércio, são consideradas as insuscetíveis de apropriação e as legalmente inalienáveis, ou seja, tudo que pode ser objeto de posse, como exposto no presente trabalho, não estando fora do comércio, é insuscetível de prescrição aquisitiva.
Ademais, tem exceções expressas na lei para a usucapião de coisas móveis, no caso de bens de valor recolhidos aos Cofres de Depósitos Públicos e não reclamados dentro do prazo de cinco anos (art. 2º do Decreto nº 22.468/33), e os objetos de ouro, platina, prata, pedras preciosas e o dinheiro depositados e abandonados em quaisquer estabelecimentos bancários, comerciais ou industriais e nas Caixas Econômicas, isso só acontece quando conta de depósito tiver ficado sem movimento e os objetos não houverem sido reclamados durante 30 anos, contados do depósito (art. 1º Lei nº 370/37).
Destarte, salvo as exceções legais, desde que o possuir o tenha como seu, de uma forma contínua e incontestável, durante 3 anos, com justo título e boa-fé, ou por 5 anos, estando dispensada a verificação de justo título e boa-fé, é possível adquirir e perder a propriedade de um bem móvel.
4 POSSE ORDINARIA E EXTRAORDINÁRIA DE BEM MÓVEL
O Código Civil Brasileiro prevê duas espécies de usucapião: a ordinária e a extraordinária. A ordinária se encontra no artigo 1.260 CC, o qual diz que o possuidor de coisa móvel, que a exercer com ânimo de dono, de forma contínua, mansa e pacífica durante três anos, com justo título e boa-fé, adquire a propriedade. No entanto, por outro lado, a extraordinária exige um lapso temporal de cinco anos e não tem o justo título, que é a instrumentalização do negócio jurídico, bem como a boa-fé como requisito subjetivo, nos termos do artigo 1.261 do Código Civil. Vejamos: Bens móveis Ordinária (Código Civil, artigo 1.260); Possuir coisa móvel como sua, continua e incontestadamente durante 3 anos; Justo título; Boa-fé. Extraordinária (Código Civil, artigo 1.261); Posse da coisa móvel por 5 anos; independente de título e boa-fé.
Ademais, para computar o tempo de posse, é possível somar a posse dos antecessores, ou seja, somar a posse do antigo possuidor, como por exemplo, de três anos, e com o novo possuidor com o tempo de dois anos, o qual poderá pleitear a usucapião extraordinária, desde que seja respeitada a continuidade da citada posse e que o novo possuidor exerça essa qualidade.
Insta esclarecer que, na usucapião, por ser modo originário de aquisição da propriedade, para a declaração da aquisição do bem pelo decurso do tempo e a inexistência de quaisquer eventuais ônus, o juiz terá que proferir uma sentença declaratória, retroagindo a data cuja posse se iniciou. Nesse sentido, o ônus deverão pertencer ao antigo proprietário, não atingindo, os que foram constituídos pelo atual possuidor. Daí em diante, todos os ônus constituídos subsistem em face de quem os constituiu.
5 Possibilidade de usucapião sobre bens objeto de furto ou roubo.
Na doutrina e na jurisprudência diz respeito à possibilidade de usucapião sobre bens objeto de furto ou roubo. O produto de furto ou roubo pode ter sua situação regularizada através da usucapião.
Segundo Silvio de Salvo Venosa (2010), trata-se de caso típico no qual, a não regularização do titular da documentação administrativa da coisa, e estiver irregular, pode conseguir a declaração de propriedade por meio da usucapião, na mesma situação em caso de comprovação de propriedade de animais, pois muitos de alto valor, como cavalos, cães, gado de alta linhagem possuem registro administrativo ou privado.
Alguns doutrinadores concordam e entende possível a usucapião extraordinária pelo ladrão ou assaltante, como se pode ver da opinião, a título de exemplo, de Dilvanir José da Costa, que:
Assim como o esbulhador do imóvel, que afasta o dono pela força, pode vir a usucapir, também o ladrão ou assaltante pode vir a adquirir por usucapião extraordinário, que sana todos os vícios da posse. Temos de separar o direito de propriedade sobre as coisas, mesmo furtadas ou roubadas, e seus modos de aquisição, tecnicamente, de outros aspectos do furto e do roubo. O autor do crime responde penalmente pelo fato na via própria. E pelo ilícito civil responderá também com perdas e danos perante a vítima do furto ou roubo, indenizando-lhe o valor do objeto subtraído, lucros cessantes etc. no prazo prescricional das ações pessoais. Mas o objeto furtado ou roubado passa a integrar o seu patrimônio ou de terceiro possuidor de boa ou de má fé, após cinco anos de posse contínua, pacífica e pública, que é essa a técnica dos modos de aquisição da propriedade. Antes da prescrição aquisitiva, cabe, obviamente, a ação real de busca e apreensão da coisa (COSTA, Dilvanir José da. p. 326).
No mesmo sentido para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2010, p. 362) acrescentam:
A controversa, todavia, é a possibilidade de o próprio autor do crime contra o patrimônio usucapir o veículo subtraído (furto ou roubo). a princípio, repugna ao estudioso tal possibilidade, eis que a má-fé não gera direito a favor de ninguém, todavia, duas razoes sustentam a admissibilidade da usucapião pelo ladrão: a) a usucapião extraordinária de bens imóveis e móveis não pede o requisito da boa-fé. assim, mesmo aquele que sabe que a coisa pertence a outrem, pode usucapir no prazo longo de cinco anos; b) o usucapião proveniente de aquisição violenta da posse é viável no tocante aos bens imóveis e o termo inicial da prescrição aquisitiva é o instante da cessação da violência (art. 1.208, cc). assim, também terminará a violência no momento posterior à prática do ilícito de subtração do veículo, daí iniciada a contagem do lustro legal.
No mesmo sentido, entendendo da mesma forma o tribunal do estado de Santa Catarina (2002):
CIVIL. USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL. FURTO. IRRELEVÂNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. Não impede o reconhecimento do usucapião o fato de o bem ter sido furtado, desde que preenchidos os requisitos dos artigos 618 ou 619 do código civil de 1916, correspondentes aos artigos 1260 e 1261 do novo código civil.
Comprova, todavia, a possibilidade de se adquirir a propriedade de bem móvel, proveniente de furto ou roubo através da usucapião, inclusive do que se extrai do mesmo julgado do Tribunal do Estado de São Paulo (2009), senão vejamos:
Ressalte-se ainda que a origem ilícita dos bens descritos na inicial não afasta a presunção de boa-fé, ademais, na "accessiopossessionis" pode o possuidor aproveitar ou descartar a posse do antecessor, de modo que a posse violenta ou clandestina do furtador não contamina necessariamente a do terceiro adquirente.
Ademais, podemos confirmar que o usucapião extraordinário, poderá ser intentada pelo próprio autor do crime de furto ou roubo, bastando a coisa ficar em sua posse pelo prazo de cinco anos de forma mansa e pacifica e incontestada, tendo em vista que não possui justo título e boa-fé, podendo ter o direito de propriedade reconhecido.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos que usucapião de bens móveis, tanto o extraordinário quanto o ordinário, para que seja reconhecido o domínio por meio de usucapião, é necessária que existam requisitos, o prazo de três anos juntamente com justo título e boa-fé e cinco anos sem justo titulo e boa-fé, sendo que ambas devem ser posses incontestadas, ininterruptas e mansas.
Observamos, que de acordo com o artigo 1.261 do Código Civil que “se a posse prolongar por cinco anos produzirá usucapião, independentemente de titulo ou boa fé”, a lei não exige posse justa, dispensada a boa-fé, admitindo-se os vícios conhecidos pelo possuidor, mas que não impedem a aquisição. Mas havendo justo título e boa-fé como na usucapião de bens imóveis é possível transferir o direito de propriedade, pois havendo justo titulo se presume a boa-fé e o prazo para usucapir é de 3 anos, apenas.
Para evitar manipulações e artifícios na prática de tão relevante instituto jurídico, a lei o cerca de requisitos técnicos que exigem perícia no seu trato, a exemplo da posse com animus domini que é a intenção do dono de ter como sua a coisa possuída, de ser realmente o titular do direito sobre a coisa.
Referências:
Apelação Cível nº 2002.020040-4, de São Francisco do Sul. Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben. CORREA, Rayza Colombo; SANTOS, Luis Gustavo dos. Usucapião de Bem Móvel – Posicionamento Jurisprudencial Acerca do Produto de Furto/Roubo. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.4, p. 805-819, 4º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.
Apelação nº 697516520098260000 SP 0069751-65.2009.8.26.000. Relator: Francisco Thomaz, 29ª câmara de Direito Privado. p. 6.
BEVILÁQUA; Clóvis, 1859-1944. Direito das coisas. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003, p. 17.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, volume 4. Editora Saraiva. São Paulo. 2006. p. 64.
COSTA, Dilvanir José da. Usucapião: doutrina e jurisprudência, in http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/524/r143-25.PDF?sequence=4, acesso em 11/11/2019, p. 326.
DINIZ; Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 4. Direito das coisas. 26ª edição, Editora Saraiva. São Paulo, 2011, p. 48.
FERREIRA; Ruy Barbosa Marinho. Usucapião na prática forense. 1ª edição, CL EDIJUR – Leme/SP – Edição 2019, p. 33.
FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson, in Direitos Reais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 6ª ed., 2010, fl. 362.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direitos Reais. São Paulo: Ed. Atlas, 2010, 10ª Ed.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil - Direitos Reais. V. 5,4. Ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 249.
Sou estudante em Direito na instituição Universidade Brasil de Bauru, atualmente sou estagiário na área de Direito Bancário, mais meu foco é atuar com legalização de imóveis e afins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Emerson da silva. Usucapião de bens móveis: extraordinário e ordinário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 abr 2020, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54403/usucapio-de-bens-mveis-extraordinrio-e-ordinrio. Acesso em: 23 dez 2024.
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