Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Brasil, como complementação dos créditos necessários para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Soncini de Oliveira Guena e Prof. Ma. Marcia Kazume Pereira Sato.
RESUMO: A situação de vida dos detentos que integram o sistema carcerário brasileiro em geral é algo pouco refletido e discutido. Sabe-se que em decorrência da superlotação e a falta de politicas publicas, o ambiente prisional é degradante, entretanto alguns indivíduos sofrem duplamente os problemas vividos, são eles, os detentos LGBT. Com uma sociedade permeada pela homofobia, o retrato da intolerância se assevera no contexto prisional, em um ambiente hostil e predominantemente machista. A homofobia e a ausência de politicas públicas eficazes frente aos direitos dos grupos LGBT fazem com que os gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis sejam vistos como pessoas não merecedoras de respeito, sendo os maiores alvos dos atentados contra a dignidade no ambiente prisional. Diante disso, o objetivo do presente trabalho é a reflexão da situação de vulnerabilidade desses indivíduos, e a posição do Poder Publico frente aos direitos dessa classe, em busca da redução da vulnerabilidade e melhora da qualidade de vida para um cumprimento de pena com dignidade.
PALAVRAS-CHAVE: Sistema Prisional; Detento LGBT; Vulnerabilidade; Homofobia.
ABSTRACT: The life situation of the detainees who are part of the Brazilian prison system in general is little reflected and discussed. It is known that due to overcrowding and lack of public policies, the prison environment is degrading, however some individuals suffer doubly the problems experienced, they are LGBT detainees. With a society permeated by homophobia, the portrait of intolerance is asserted in the prison context, in a hostile and predominantly chauvinistic environment. Homophobia and the lack of effective public policies regarding LGBT rights make gay, lesbian, bisexual, transgender and transvestites seen as undeserving, being the main targets of attacks on dignity in the prison environment. Given this, the objective of this paper is to reflect on the vulnerability situation of these individuals, and the position of the Public Power regarding the rights of this class, seeking to reduce vulnerability and improve the quality of life for a sentence with dignity.
KEYWORDS: Prison system; LGBT detainee; Vulnerability; Homophobia.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONCEITO DE VULNERABILIDADE. 3. SEXO, GENERO, SEXUALIDADE. 4. REFLEXOS DA CULTURA MACHISTA E HOMOFÓBICA NA ESFERA PRISIONAL. 5. ALAS LGBT E AS POSSIVEIS SOLUÇOES A SEREM ADOTADAS PARA A REDUÇÃO DA VULNERABILIDADE. 6. CONSIDERAÇOES FINAIS.
O presente artigo tem como motivação o documentário “A Liga- Homofobia no Presídio” que se passa na Penitenciária “Desembargador Flósculo da Nóbrega”, mais conhecida como Presídio do Róger, uma unidade prisional localizada em João Pessoa, capital do estado brasileiro da Paraíba. Liderada por duas facções, o ambiente é de extrema rivalidade, e em meio disso, detentos LGBT eram abusados e submetidos a situações degradantes, até a criação da “Primeira Ala LGBT do Brasil”.
Partindo da premissa de quem o único direito que deve ser privado em situação de reclusão é o da liberdade, é extremamente importante discutir a qualidade de vida dessas pessoas, para um cumprimento de pena com dignidade.
A metodologia empregada consistiu em pesquisa bibliográfica, para levantamento de dados. Por se tratar de um tema pouco discutido, muitas das informações trazidas são relatos de vivências dos próprios detentos, relatados em documentários, entrevistas e artigos, há também dados numéricos trazidos do Levantamento Nacional de Informações Penitenciarias (INFOPEN).
No que diz respeito às condições de vida de gays, travestis e transexuais em situação de privação de liberdade, a Resolução Conjunta nº 1 de 15 de abril de 2014, estabelece critérios para o acolhimento de LGBT no sistema penitenciário brasileiro, preconiza que eles tenham direito a local de convivência específico, levando em consideração a sua segurança e especial vulnerabilidade.
LGBT presos, muitas vezes enfrentam desafios adicionais em relação aos prisioneiros heterossexuais. Em um relatório divulgado pela Organização Internacional de Direitos Humanos, eles estão entre os mais vulneráveis da população prisional, algo em torno de 67% dos presos LGBT foram agredidos enquanto estavam presos. Portanto, é importante discutir, existem politicas públicas efetivas sendo aplicadas para lidar com esses indivíduos? E, se existem elas são realmente eficazes na melhora da qualidade de vida desses detentos?
Inicialmente será explanado o conceito de vulnerabilidade, em seguida as classificações quanto à classe LGBT e as demais discussões sobre a situação e qualidade de vida desses indivíduos no cárcere.
2. CONCEITO DE VULNERABILIDADE
O termo vulnerabilidade se difundiu na década de 80, originário dos estudos de Direitos Humanos no campo da saúde publica, para tratar da epidemia da AIDS. O vírus atingia grupos de forma diversa e a incidência maior ou menor da doença era ligada com o contexto econômico- social dos grupos que estavam mais ou menos vulneráveis a contraírem a epidemia. Assim, a vulnerabilidade estava relacionada a fatores sociais, econômicos, politico e culturais que caracterizavam a condições de vida de uma pessoa ou grupo.
Vislumbra-se que o conceito de vulnerabilidade se desdobra em vários sentidos, no contexto social, o mesmo se refere á fragilidade, possibilidade de ser ofendido ou atingido. Desta forma, todos os indivíduos são sujeitos à vulnerabilidade, pois todos podem ser ofendidos ou atingidos de alguma forma e que não há a possibilidade se manter ileso as situações que independem da capacidade de escolha humana. Sendo assim, a vulnerabilidade seria uma característica latente de qualquer ser humano. Na esfera Penal, o termo vulnerabilidade é utilizado para caracterizar aquele que não pode oferecer resistência, como quando se tratar de vítima de estupro com menos de 14 anos, onde configura o crime de estupro de vulnerável disposto no artigo 217-A do Código Penal Brasileiro. Outro exemplo são os que por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato ilícito, por isso encontrasse em estado de vulnerabilidade. No âmbito das relações afetivas e familiar, a mulher não é considerada vulnerável, entretanto nas relações de violência doméstica, sim, crime previsto Na Lei N° 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.
Nessa concepção, é possível compreender que o conceito de vulnerabilidade possui uma flexibilidade, onde é moldado de acordo com condições econômicas, meio social em que vive o individuo. Pensando deste modo, um mesmo individuo, vivendo em circunstancias distintas, pode adquirir “capas” de vulnerabilidade, conceito trazido pela pesquisadora e cientista Florência Luna, em seu artigo “Vulnerabilidad: la metáfora de las capas”, estudo no campo da bioética
A vulnerabilidade deveria ser pensada mediante a ideia de capas. A metáfora das capas nos da ideia de algo mais “flexível”, algo que pode ser múltiplo e diferente, e que pode ser removido de um em um, capa por capa. Não há uma “solida e única vulnerabilidade” que acabe a categoria, pode haver diferentes vulnerabilidade, diferentes capas operando. Essas capas podem sobrepor e algumas podem estar relacionadas com problemas de consentimento informado, enquanto outros terão circunstancias sociais. (LUNA, 2008).
Na situação atual do sistema prisional os presos são colocados em situação extrema de vulnerabilidade, com violação aos direitos humanos e ausência de políticas públicas as penitenciarias se tornaram verdadeiros depósitos humanos, a superlotação, violência e doenças são os pontos que marcam o sistema, descaracterizando o verdadeiro sentido para o qual foi criado e consagrado em nosso Direito Penal.
Nesse ambiente, precário, caótico e degradante os reflexos da homofobia se potencializam. As diversas orientações sexuais não são respeitadas, assim como a identidade de gênero, tornando a figura do detento LGBT mais frágeis, adquirindo uma dupla vulnerabilidade, em prisões masculinas. O preconceito que já é vivido em situações na vida em liberdade é elevado a outros níveis, se tratando de um ambiente predominantemente masculinizado e machista. Nesses casos o direito privado não é apenas o de liberdade, e sim de direitos fundamentais, como o de se expressarem da forma em que se identificam, os colocando além de tudo, em uma prisão psicológica.
A fim de compreender a população que compõe e possibilita este trabalho,
faz-se necessário um breve percurso sobre algumas categorias que os constituem enquanto sujeitos, no que diz respeito à distinção entre identidade de gênero e sexualidade. A orientação sexual é compreendida como a capacidade de cada pessoa de sentir atração afetiva e/ou sexual por indivíduos que diferem do seu gênero, que possuem o mesmo gênero que o seu ou ainda que possuam mais de um gênero, de forma a estabelecer relações íntimas e sexuais com essas pessoas (TORRES, 2011).
No entanto, a sociedade moderna ainda se apropria da sexualidade como forma de controle e regulação social e estabelece como sequência natural e lógica de que, o corpo (sexo), macho e fêmea, determina o gênero, masculino ou feminino, e uma forma de desejo especificamente dirigida ao sexo oposto, de modo a instituir e manter o modelo heteronormativo como hegemônico (LOURO, 2013).
Contudo, existem corpos que transgridem essa lógica, situações em quem se estabelece uma inadequação de identidade de gênero ao corpo biológico de nascimento, esse é o caso da população que constitui esta pesquisa, travestis, transexuais e homossexuais que transgrediram a lógica sexo-gênero-sexualidade.
Homossexualidade refere-se à característica, condição ou qualidade de um ser que sente atração física, estética e/ou emocional por outro ser do mesmo sexo ou gênero. Nesse universo de diversidades também são incorporados conceitos como: identidade de gênero, sexualidade, orientação sexual e expressão de gênero, que não serão discutidos a fundo por não se tratar do eixo principal deste artigo.
Na década de 1990, GLS era a sigla que definia os espaços, os serviços e os eventos para a comunidade gay. Entretanto, por ser excludente e ignorar diversas outras orientações sexuais e identidades de gênero, a Associação Brasileira LGBT (ABGLT) atualizou a nomenclatura para LGBT, para representar lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. A sigla também carrega o movimento que luta pelos direitos desses grupos sociais, contra a discriminação, o preconceito e a homofobia. Assim, é possível afirmar que, ao se tratar de sexualidade, é necessário pensar no plural, compreender as possíveis e múltiplas formas de se relacionar sexo, gênero, identidade de gênero e orientação sexual, não se limitando ao sexo biológico como fator determinante.
A Resolução Conjunta n° 1 de 15 de Abril de 2014 do Conselho Nacional de Politica Criminal e Penitenciaria (CNPCP) estabelece em seu artigo 1° algumas definições e parâmetros:
Art. 1º Estabelecer os parâmetros de acolhimento de LGBT em privação de liberdade no Brasil.
Parágrafo único. Para efeitos desta Resolução, entende-se por LGBT a população composta por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, considerando-se:
I - Lésbicas: denominação específica para mulheres que se relacionam afetiva e sexualmente com outras mulheres;
II - Gays: denominação específica para homens que se relacionam afetiva e sexualmente com outros homens;
III - Bissexuais: pessoas que se relacionam afetiva e sexualmente com ambos os sexos;
IV - Travestis: pessoas que pertencem ao sexo masculino na dimensão fisiológica, mas que socialmente se apresentam no gênero feminino, sem rejeitar o sexo biológico; e
V - Transexuais: pessoas que são psicologicamente de um sexo e anatomicamente de outro, rejeitando o próprio órgão sexual biológico.
4. REFLEXOS DA CULTURA MACHISTA E HOMOFÓBICA NA ESFERA PRISIONAL
Em um contexto permeado pelo machismo, que vem intrínseco da sociedade patriarcal em que vivemos, o preconceito se assevera. Na ideologia do crime existe a ideia de que o homem dever ser “macho” para ser respeitado em meio aos criminosos, o padrão heteronormativo é uma tática de sobrevivência nas relações de poder informais existentes no interior das prisões.
Homofobia consiste na intolerância, discriminação ou qualquer manifestação de repudio a homossexualidade e a homoafetividade, a repulsa pelas diferentes orientações sexuais representa um desrespeito às liberdades básicas conferidas pela Constituição e pela Declaração Universal dos direitos Humanos.
Neste ano, o Supremo Tribunal Federal, julgou que a descriminalização por orientação sexual ou identidade de gênero, fosse considerado crime, sendo punido pela Lei de Racismo (7716/89), um crime inafiançável e imprescritível segundo o texto constitucional, com pena de um a cinco anos de prisão e, em alguns casos, multa.
Em um cenário de caos em que se encontra o sistema prisional brasileiro, esses indivíduos são duplamente encarcerados. Uma das regras básicas entre os criminosos é a exclusão total daqueles que não se enquadram nos padrões impostos pela sociedade. Os homossexuais são proibidos de ter qualquer contato com alimentos e de utilizar os mesmos utensílios que os outros detentos, pois segundo eles, seriam formas de transmissão de doenças, mais um estereótipo enraizado, de que todo homossexual é portador de alguma doença sexualmente transmissível.
Nós cumprimos duas sentenças aqui: uma imposta pelo juiz e outra imposta pelos prisioneiros. Nós não temos valor para eles. Ninguém presta atenção para a palavra de um homossexual. Eles nos deixam falar com eles até certo ponto. Nenhum deles beberia do meu copo (O Brasil Atrás das Grades: Abusos Entre os Presos, da ONG Human Rights Watch, em 1997).
Outro ponto relevante sobre a realidade da classe LGBT nos interiores das prisões é a condição desses indivíduos como moeda de troca. Os homossexuais são frequentemente obrigados a realizar as tarefas domésticas, como cozinhar, lavar as roupas dos demais detentos e fazer as limpezas no interior das celas, que seriam “obrigações” destinadas às mulheres fora do ambiente prisional, mais um produto da cultura machista. Também são obrigados a inserir objetos, celulares ou drogas no canal anal para receberem algum “direito” ou regalia concedidos pelos detentos “superiores” na hierarquia no cárcere. Bianca, uma transexual que viveu por muito tempo com os demais detentos antes da implementação da ala LGBT, conta que teve que fazer coisas que nunca imaginou fazer, para mostrar lealdade aos detentos lideres do presidio.
Como se sabe, os abusos sexuais também permeiam esses indivíduos, que por possuírem características mais afeminadas, em meio á um aglomerado de homens, são os mais vulneráveis á esses abusos, sendo obrigados a usarem o sexo como forma de sobrevivência dentro das celas. Por serem mais expostos a práticas sexuais muitas vezes abusivas e sem proteção, são suscetíveis a contrair doenças sexualmente transmissíveis como, HIV, hepatite, sífilis, entre outras.
Eu era obrigada a ter relação sexual com todos os homens das celas, em sequência. Todos eles rindo, zombando e batendo em mim. Era ameaçada de morte se contasse aos carcereiros. Cheguei a ser leiloada entre os presos. Um deles me ‘vendeu’ em troca de 10 maços de cigarro, um suco e um pacote de biscoitos. Fiquei calada até o dia em que não aguentei mais. Cheguei a sofrer 21 estupros em um dia. Peguei hepatite e sífilis. Achei que iria morrer. Sem falar que eu tinha de fazer faxina na cela e lavar a roupa de todos. Era a primeira a acordar e a última a dormir (KIEFER, 2014).
Outra questão é a descriminalização por parte dos próprios funcionários das unidades prisionais, internas relatam que são cotidianamente submetidas a humilhações e agressões físicas por carcereiros, que se recusam inclusive a respeitar o nome social das mesmas, um dos direitos das travestis e das mulheres trans, validada na resolução federal de abril de 2014.
5. ALAS LGBT E AS POSSÍVEIS SOLUÇÕES A SEREM ADOTADAS PARA A REDUÇÃO DA VULNERABILIDADE
Desde 2014 existe uma resolução conjunta, assinada pelo CNPCP e pelo Conselho Nacional de Combate a Descriminalização (CNCD/LGBT) onde se encontram os critérios para o acolhimento de pessoas LGBT em privação de liberdade, com previsão de espaços de vivencias específicos, lugares capazes de proteger a integridade física e psicológica da população LGBT encarcerada.
A criação da resolução foi uma grande vitória para a população, pois implementa mudanças importantes no tratamento das pessoas LGBT no sistema carcerário brasileiro, de acordo com o disposto na Constituição Federal, decretos e convenções.
No artigo primeiro estão estabelecidas as pessoas para quais as normas previstas são destinadas, o entendimento do que se considera grupo LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Entretanto, a definição dada pelo Estado, nem sempre é alinhada a como o individuo realmente se autodetermina.
Em seu segundo artigo a resolução garante que os travestis e transexuais encarcerados, deverão ter o direito de ser chamados pelo seu nome social, de acordo com sua identidade de gênero.
O terceiro artigo é um ponto importante a ser discutido, nele é estabelecida a criação de espaços de vivencias específicos e exclusivos para travestis e gays encarcerados em prisões masculinas, a partir da expressa manifestação de vontade, temos aqui então, a implementação das Alas LGBT.
A politica pública que vem sendo mais adotada no Brasil como um todo, é realmente a criação de celas, alas ou pavilhões especiais para a população LGBT. Paraíba, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Sul são os estados que já colocaram em pratica a medida, que vem sendo difundida as poucos ao restante dos estados Brasileiros.
O INFOPEN registrou em junho de 2014, a existência de 10 estabelecimentos prisionais com ala e 54 com celas exclusivas para presos LGBT, espalhados por 17 Estados e no Distrito Federal.
O mesmo tipo de violência que acontece contra essas pessoas nas ruas também é verificado aqui dentro. E essa foi a forma que encontramos para não contribuirmos mais com a violação de direitos humanos contra gays e travestis (DINIZ, 2013).
Apesar da previsão de que LGBT possam cumprir suas penas em Alas separadas, não há dados concretos disponíveis pelo INFOPEN se os mesmos cumprem as penas dessa forma ou não, sendo difícil saber se a legislação é posta em prática para que se possa oferecer uma melhor vida em cárcere a essas pessoas. O INFOPEN é hoje a maior fonte de dados e informações sobre a população carcerária no Brasil, que é constituído por informações levantadas de cada estado e cedidas diretamente das unidades prisionais.
Toda via as alas e celas destinadas exclusivamente a detentos LGBT são objeto de controvérsia, pois é necessária uma segregação para garantir uma segurança á integridade física desses indivíduos e também é possível que o acesso as atividades prisionais acabem sendo reduzidos, tendo em vista que esses detentos não podem frequentar ambientes comuns da unidade, juntamente com os demais, portanto é importante que os direitos básicos sejam garantidos, de maneira que essa alocação fortaleça a proteção e não reforce a privação de direitos.
Para Toni Reis, da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a criação de alas separadas nos presídios não é o ideal, mas pode ser uma medida válida para resolver um problema imediato, segundo ele essas pessoas não deviam ser segregadas, mas por causa de toda violência, essa é a forma de preservá-las.
A prática adotada pelas instituições antes da resolução era do isolamento solitário, onde o detento em situação de ameaça era colocado em uma cela individual por vinte e duas horas a mais por dia, entretanto a prática foi denunciada, pois violava vários direitos fundamentais, podendo se tornar uma forma de tortura, entretanto, ainda é adotada em algumas penitenciarias que não possuem outros meios de garantir sua proteção.
No documentário “A Liga- Homofobia no Presídio” que se passa na Penitenciária “Desembargador Flósculo da Nóbrega” é bem relatado os pontos negativos e positivos da criação das alas especiais, é notório a satisfação dos detentos da ala LGBT em relação às mudanças e melhora na qualidade de vida.
A Resolução garante a pessoa travesti ou transexual em privação de liberdade, a não obrigatoriedade do uso de roupas femininas e masculinas, conforme o gênero e a manutenção de cabelos compridos, garantindo seus caracteres secundários de acordo com sua identidade de gênero, um ponto de extrema importância, pois o corte do cabelo a partir do momento em que esses detentos adentravam no ambiente prisional era usado como uma forma de punição, assim como a manutenção do tratamento hormonal, acesso e continuidade a formação educacional e auxilio reclusão aos dependentes, ao cônjuge ou companheiro, como determina os artigos da supramencionada resolução 01/2014 do CNPCP:
Art. 5º - À pessoa travesti ou transexual em privação de liberdade serão facultados o uso de roupas femininas ou masculinas, conforme o gênero, e a manutenção de cabelos compridos, se o tiver, garantindo seus caracteres secundários de acordo com sua identidade de gênero.
Art. 6º - É garantido o direito à visita íntima para a população LGBT em situação de privação de liberdade, nos termos da Portaria MJ nº 1.190/2008 e na Resolução CNPCP nº 4, de 29 de junho de 2011.
Art. 7º - É garantida à população LGBT em situação de privação de liberdade a atenção integral à saúde, atendidos os parâmetros da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBT e da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional - PNAISP.
Parágrafo único - À pessoa travesti mulher ou homem transexual em privação de liberdade, serão garantidos a manutenção do seu tratamento hormonal e o acompanhamento de saúde específico.
Art. 8º - A transferência compulsória entre celas e alas ou quaisquer outros castigos ou sanções em razão da condição de pessoa LGBT são considerados tratamentos desumanos e degradantes.
Art. 9º - Será garantido à pessoa LGBT, em igualdade de condições, o acesso e a continuidade da sua formação educacional e profissional sob a responsabilidade do Estado.
Art. 10 - O Estado deverá garantir a capacitação continuada aos profissionais dos estabelecimentos penais considerando a perspectiva dos direitos humanos e os princípios de igualdade e não-discriminação, inclusive em relação à orientação sexual e identidade de gênero.
Art. 11 - Será garantido à pessoa LGBT, em igualdade de condições, o benefício do auxílio-reclusão aos dependentes do segurado recluso, inclusive ao cônjuge ou companheiro do mesmo sexo.
A resolução CNPCP nº 4 de 29 de junho de 2011, regula outro direito fundamental da pessoa presa LGBT, o direito à visita intima, os detentos mostravam grande insatisfação pela falta das visitas, tendo em vista que eles possuem as mesmas necessidades sexuais dos detentos que se enquadram no padrão heteronormativo, sendo assim outro avanço, conforme dispõe seu artigo primeiro:
Art. 1º - A visita íntima é entendida como a recepção pela pessoa presa, nacional ou estrangeira, homem ou mulher, de cônjuge ou outro parceiro ou parceira, no estabelecimento prisional em que estiver recolhido, em ambiente reservado, cuja privacidade e inviolabilidade sejam asseguradas às relações heteroafetivas e homoafetivas.
Apesar desse e de outros direitos garantidos por lei colocados em prática, mesmo que de maneira pouco expressiva, os homossexuais e transexuais privados de liberdade, no Brasil, ainda sofrem e muito com o preconceito e a discriminação.
Para tanto, há de se criar ferramentas para mudar esse quadro e resolver a situação carcerária, para que eles possam cumprir suas penas dignamente para a devida ressocialização.
Apesar de a resolução 01/ 2014 do CNPCP estabelecer diversos direitos a essa população, é necessários destacar que muitos deles ainda não são efetivamente colocados em prática como o direito à visita íntima, lazer e o preconceito por parte da diretoria dos presídios e dos agentes penitenciários ainda colocam esses indivíduos em situação de vulnerabilidade, pois apesar de estarem em espaços exclusivos, continuam sem voz ativa no contexto prisional.
Foram criadas politicas públicas voltada a essa população, entretanto existe um longo caminho até a real redução do preconceito e convivência pacífica com os detentos em geral, pois simplesmente a alocação dos grupos LGBT para essas celas ou alas especiais, não pode ser a única maneira adotada pelo Estado, considerando que, infelizmente todo o sistema esta cercado pela homofobia.
Vislumbra-se que as resoluções tentam garantir um tratamento igualitário aos detentos, um passo importante na tentativa de estabelecer a igualdade entre os tutelados pelo Estado, estejam eles nos padrões impostos pela sociedade ou não.
Ante ao exposto, conclui-se primordial a atuação do Estado nas questões prisionais no Brasil para o cumprimento de penas mais justas e atendimento aos direitos e garantias fundamentais, para a melhoria da qualidade de vida de todas as vidas dentro dos presídios. Ações efetivas relacionadas à conscientização contra homofobia, melhora na estrutura e preparo dos agentes penitenciários, seriam medidas que atenuariam alguns dos problemas existentes. É notório que os indivíduos mais propensos a serem violentados sexualmente, intimidados a realizarem atividades domesticas, colocados na linha de frente em caso de rebelião, pertencem ao grupo LGBT.
Vestindo uma dupla capa de vulnerabilidade, estando a mercê do Estado e submissos aos outros detentos poderosos na hierarquia informal das cadeias, presos que se enquadram na sigla LGBT, necessitam de maior estrutura em relação aos demais para que possam viver privados de liberdade de maneira digna e livre de constrangimentos. Apesar da existência de algumas politicas públicas direcionadas especialmente a essas pessoas, no atual contexto em que se encontra nosso sistema prisional, a solução mais eficaz para a preservação da vida e da dignidade nesses detentos, são as alas especiais para os integrantes do movimento, que, apesar de aumentar ainda mais a segregação, segue sendo a maneira mais viável, até que a sociedade em geral, seja liberta dos pensamentos arcaicos e preconceituosos, para que a mudança se reflita no ambiente prisional.
REFERÊNCIAS
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BARIFOUSE, R. STF aprova a criminalização da homofobia. BBC News Brasil, São Paulo, 13 jun. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47206924>. Acesso em: 05 set. 2019
BRASIL. Congresso. Senado. Resolução Conjunta n° 1 de 15 de Abril de 2014 do Conselho Nacional de Politica Criminal e Penitenciaria. Disponível em: <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/cnpcp/resolucoes/2014/ResoluoConjuntaCNCDeCNPCPLGBT.pdf>. Acesso em: 28 set. 2019.
BRASIL. Congresso. Senado. Resolução nº 4 de 29 de junho de 2011 do Conselho Nacional de Politica Criminal e Penitenciária. Disponível em: <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/cnpcp/resolucoes/2011/resolucaono4de29dejunhode2011.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2019
KIEFER, S. Homossexuais contam abusos que sofriam em prisões sem separação. Estado de Minas, Minas Gerais, 25 nov. 2014. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2014/11/25/interna_gerais,593189/uma-questao-de-respeito.shtml>. Acesso em: 29 set. 2019.
LUNA, F. Vulnerabilidad: la metáfora de las capas. In: Jurisprudência Argentina, IV, fascículo nº 1, pp.60-67, 2008. Disponível em: <http://www.saludcapital.gov.co/Capacitaciones%20%20Comit%20de%20tica%20para%20la%20Investigacin/6%20Sesi%C3%B3n%2016%20julio%202014/Luna_F[1]._Vulnerabilidad_la_metafora_de_las_capas.pdf>. Acesso em: 13 out. 2019.
SEBASTIEN. J. B, CORRENTI, M. Enfrentamento das vulnerabilidades de pessoas LGBT privadas de liberdade. In: Simpósio Jean-Jacques Gautier, 2015. Genebra, Suíça. Disponível em: <https://apt.ch/content/files_res/report-jjg-symposium-2015-pt.pdf>. Acesso em: 06 out. 2019.
graduanda no curso de Direito pela Universidade Brasil, Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, Nathalia Pinato de. A vulnerabilidade do detento LGBT no sistema prisional brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 abr 2020, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54405/a-vulnerabilidade-do-detento-lgbt-no-sistema-prisional-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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