RESUMO: O presente trabalho trata do nexo de causalidade como um dos requisitos essenciais ao cumprimento da responsabilidade indenizatória do Estado, por dano produzido a terceiros, em decorrência de uma ação estatal, ainda que sem culpa da Administração, presumindo-se que o Estado deve sempre se posicionar em função do bem comum. O objetivo do estudo é, portanto, mostrar que o nexo de causalidade e o dano são requisitos básicos para fixar a Responsabilidade Patrimonial do Estado ou retirá-la. Trata-se de um trabalho fundamentado em pesquisa bibliográfica em doutrinadores que abordam este tema como Alvim (1980), Cahali (1988), Flores (1971), Mendes (2007), Siqueira (2007) e alguns outros. À luz desses teóricos, procurou-se esclarecer sobre a importância e imprescindibilidade da existência de um ‘nexo de causalidade’ para que o Estado seja responsabilizado pela reparação de um prejuízo sofrido por um indivíduo,
Palavras-chave: Nexo de causalidade. Responsabilidade do Estado. Reparação de prejuízo.
ABSTRACT: This work deals with causation as an essential requirement to fulfill the responsibility of the state indemnity for damage caused to third parties as a result of state action, though no fault of Directors, assuming that the state should always position in the common good. The objective is therefore to show that the causation and damage are basic requirements to secure the financial liability of the State or remove it. It is a work based on bibliographical research scholars addressing this theme as Alvim (1980), Cahali (1988), Flores (1971), Mendes (2007), Smith (2007) and some others. In light of these theorists, we tried to clarify the importance and indispensability of the existence of a 'causal link' to which the State is liable for compensation for damage suffered by an individual,
Keywords - Causation. State responsibility. Repair of damage.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2. Conceituando nexo de causalidade. 2.1. Fundamento da Responsabilidade Estatal. 2.2. Evolução Histórica da Responsabilidade Patrimonial do Estado. 3. Responsabilidade do estado pela função jurisdicional. 3.1. Flexibilização da coisa julgada. 3.2. Os excludentes ou atenuantes da responsabilidade do Estado. 3.2.1. Força maior. 3.2.2. Culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. 3.2.3. Culpa concorrente da vítima ou de terceiro. 3.3. Dano reparável. 3.4. Responsabilidade civil. 3.4.1. Eficácia da Responsabilidade Civil. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Analisa-se, neste artigo, o nexo de causalidade como um dos requisitos essenciais ao cumprimento da responsabilidade do Estado, como um elo entre a atividade estatal e o dano produzido a terceiros (SIQUEIRA, 2007).
O objetivo do estudo é, portanto, mostrar que o nexo de causalidade e o dano são requisitos básicos para fixar a Responsabilidade Patrimonial do Estado ou retirá-la. Trata-se de um trabalho fundamentado em pesquisa bibliográfica em doutrinadores que abordam este tema como Alvim (1980), Cahali (1988), Flores (1971), Mendes (2007), Siqueira (2007) e alguns outros.
Nesse sentido, esclarece-se sobre a importância e imprescindibilidade da existência de um ‘nexo de causalidade’ para que o Estado seja responsabilizado pela reparação de um prejuízo sofrido por um indivíduo, em decorrência de uma ação estatal, ainda que sem culpa da Administração, presumindo-se que o Estado deve sempre se posicionar em função do bem comum.
O nexo causal e as excludentes de responsabilidade é um tema de grande relevância no âmbito da Teoria da Responsabilidade, porquanto, para que se possa imputar ao Estado a responsabilização objetiva, por ação ou omissão, exige do operador jurídico, a verificação da existência do nexo entre a conduta estatal e o resultado danoso e a não ocorrência de fatores que possam eximir-lhe de culpa (BACELAR FILHO, 2005).
A comprovação de existência de nexo causal, na responsabilização objetiva do Estado e, nessa perspectiva, o estudo do nexo causal, especialmente no âmbito da responsabilidade extracontratual do Estado, é visto como um dos aspectos que mais carecem de estudos, especialmente no que diz respeito à imputação de uma obrigação indenizatória contra o Estado, após a comprovação da existência de nexo entre a conduta e o dano assume. Nesse sentido, Cahali (1996, , p. 42-43) afirma a doutrina e da jurisprudência mais atualizadas têm se mostrado coerentes “na perquirição da responsabilidade objetiva do Estado, [...] ao darem ênfase ao elemento concreto da causalidade entre dano injusto sofrido pelo particular e atividade comissiva ou omissiva do ente público.”
Ressalta-se, portanto que o estudo do nexo causal é significativamente relevante para a responsabilidade subjetiva ou objetiva. No que diz respeito à responsabilização estatal, o dano deve decorrer, necessariamente, de uma ação ou omissão estatal, o que exige a constatação da ocorrência de um nexo causal, o qual precisa ser efetivamente demonstrado e, conforme as premissas teóricas do nexo, poderá ser definida, ou não, a responsabilidade do Estado. Dessa forma, constata-se a existência de uma flexibilidade na definição da responsabilidade, a partir da comprovação da existência de nexo causal e da análise dos pressupostos teóricos geradores de prejuízos a terceiros.
Nessa perspectiva, o presente estudo apresenta, inicialmente, os conceitos de nexo de causalidade e fundamenta, à luz da doutrina, a Responsabilidade do Estado perante prejuízos sofridos por alguém, em decorrência de atividade comissiva ou omissiva do ente público.
A seguir, conceitua-se a responsabilidade do Estado perante danos causados a terceiros, descrevendo a sua evolução histórica e sua inclusão nas normas constitucionais atuais. Faz-se, ainda, uma abordagem sobre a flexibilização da coisa julgada, os excludentes ou atenuantes da responsabilidade do Estado, dentre os quais a força maior, a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro e a culpa concorrente da vítima ou de terceiro. Finaliza-se este item apresentando-se as condições em que pode ocorrer a reparação de um dano.
Ao final do estudo, apresentam-se algumas considerações sobre o instituto que foi objeto deste trabalho e algumas recomendações que foram consideradas pertinentes.
2 CONCEITUANDO NEXO DE CAUSALIDADE
O termo ‘nexo’ refere-se a um vínculo, ligação, união; enquanto ‘causalidade’ reporta-se a uma relação de causa e efeito. Entendendo-se, então, por Nexo de Causalidade “o vínculo, o elo entre a atividade estatal e o dano produzido ao terceiro” (SIQUEIRA, 2007).
A relação de causalidade, nexo causal, ou nexo de causalidade é uma teoria do direito penal segundo a qual verifica-se o vínculo entre a conduta do agente e o resultado ilícito. Nessa relação, busca-se o nexo existente entre a conduta perpetrada pelo agente e o resultado típico. Seu objetivo é saber se uma determinada conduta é ou não causa de um determinado resultado.
O nexo de causalidade é, portanto, um elo imprescindível entre o dano reclamado e o posicionamento do Estado, cuja responsabilidade, segundo Cahali (1988, p. 376), “[...] desvinculada de qualquer fator subjetivo, pode, por isso, ser afirmada independentemente de demonstração de culpa [...]”. Nessa perspectiva, o Estado é um conciliador dos interesses de toda a sociedade, favorecendo, sempre, a reparação dos prejuízos sofridos pelos indivíduos sendo essa a sua principal responsabilidade.
A relação de causalidade pode, portanto, ser definida como o vínculo entre um dano sofrido por alguém e a atuação do Estado, no sentido de reparar-lhe os prejuízos sofridos. Na hipótese existência de nexo de causalidade, o Estado, por sua personalidade jurídica, responderá pelo prejuízo causado à vítima, com direito de regresso contra o agente causador. Nessa perspectiva, o Estado indenizará à vítima e, posteriormente, ingressará com ação regressiva contra o causador do dano.
Entretanto, o Estado só poderá responder pelo dano, em casos de dolo ou culpa do agente, quando existir o nexo causal. O dano, para ser reparável, precisa ser certo, especial, anormal, ferir a uma situação protegida pelo sistema jurídico brasileiro, além de possuir um valor economicamente apreciável.
O Estado, para realizar suas funções, desmembra-se em órgãos e organismos e utiliza instrumentos complexos, além dos seus agentes. Ao desempenhar suas atividades, porém, o Estado pode causar danos aos seus administrados, definidos como uma responsabilidade extracontratual do Estado, que impõe a obrigação de reparar danos causados a terceiros, decorrentes de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos.
Na definição do nexo de causalidade, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 130.764, assentou que a teoria adotada é a do dano direto e imediato, também denominada ‘Teoria da Interrupção do Nexo Causal’, que só admite o nexo de causalidade, quando o dano é o efeito de uma causa, geradora de um dano direto e imediato, ou, em alguns casos “de um dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva” (ALVIM, 1980, p. 370).
Caso inexista o nexo de causalidade, ou no caso de ocorrer exclusão de responsabilidade, o ônus da prova caberá ao Poder Público.
A relação de causalidade é o vínculo entre o dano produzido e a atuação do Estado. Na hipótese da demonstração da existência de tal vínculo, o Estado, que possui personalidade jurídica, responde pelo prejuízo causado à vítima, com direito de regresso contra o agente causador. O Estado indenizará a vítima e posteriormente poderá ingressar com ação regressiva contra o causador do dano. Quando não existir o nexo causal, o Estado não responde pelo dano em casos de dolo ou culpa do agente.
Ressalta-se, entretanto, que a responsabilidade do Estado não se resume à simples noção de que esse sempre responderá pelos danos, diretos ou indiretos, relacionados à atuação da Administração Pública, independentemente de culpa, como pode sugerir uma leitura apressada da norma contida no parágrafo 6º. do artigo 37 da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Por isso, tornam-se relevantes algumas ponderações a respeito dos desdobramentos e elementos contidos no conceito da responsabilidade do Estado, a fim de facilitar a correta aplicação desse conceito e de evitar aquilo que o Ministro Gilmar Mendes chama de “apropriações indevidas de recursos da sociedade brasileira” (MENDES, 2007), por meio de uma ilegítima utilização dos instrumentos normativos destinados à proteção da cidadania.
Segundo ensinamento de Clóvis Beviláqua, o fundamento da responsabilidade Estado é o princípio de justiça segundo qual toda lesão de direito ou dano devem ser reparados, de modo que “o Estado, tendo por função principal realizar o direito, não pode chamar a si o privilégio de contrariar, no seu interesse, esse princípio de justiça" (BRASIL, 1916, p. 215).
Três foram os períodos de desenvolvimento da responsabilidade do Estado. Inicialmente, o Período da Irresponsabilidade do Estado, que teve seu apogeu nos países absolutistas nos quais a figura do soberano era sagrada e intocável, não sujeito a qualquer tipo de responsabilização.
A seguir, veio o Período Civilista, conhecido também como intermediário ou misto, dosava a ideia de responsabilidade com a de irresponsabilidade, fazendo distinção entre os atos de império e os atos de gestão nos quais era definida a noção de culpa civil.
Com a vigência do Período Publicista, afastou-se a responsabilidade do Estado das regras do direito comum, entre elas a teoria do ilícito civil, mais ligada à culpa, dando origem ao conceito de risco, que resultou na Teoria do Risco, ou Teoria Objetiva, fundada na ideia de que os danos causados ao particular, pela atuação do Estado, devem ser socializados porque ocorreram em momentos de busca de benefícios para a coletividade. Assim, na medida em que a atuação estatal favorece benefícios para toda a sociedade, consequentemente, deve haver uma distribuição igualitária dos ônus e encargos sofridos na busca dos benefícios sociais, atendendo ao ‘princípio da igualdade de ônus e encargos sociais’ referidos por Di Pietro (2002).
Foi a partir da construção da ideia de Estado Democrático de Direito, que submeteu o Estado à lei constitucional e reconheceu a existência de determinados direitos fundamentais, como garantia de defesa contra os abusos do Poder Estatal, que despontou a tendência de se prever a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados aos particulares (DIAS, 2004).
O direito brasileiro não passou pelo Período da Irresponsabilidade do Estado, porquanto a Constituição do Império de 1824 e a Constituição Federal de 1891 não previam a hipótese de responsabilidade do próprio Imperador ou do Estado, considerando, apenas, a responsabilidade dos funcionários por seus atos culposos o que já delineava as ideias do Período da Civilista (MENDES, 2007).
Desde a Constituição Federal de 1946, o Brasil adotou a Teoria do Risco Administrativo, também chamada de Teoria do Risco Criado ou, ainda, de Teoria da Responsabilidade Objetiva, atualmente fundada no parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 (FLORES, 1971). Assim, o foco da Responsabilidade do Estado deixou de ser a culpa do funcionário e passou a ser a verificação do ‘nexo de causalidade’ entre a ação ou omissão e o dano ou lesão sofrida pelo terceiro.
Siqueira (2007) define ‘nexo’ como vínculo, ligação, união; enquanto ‘causalidade’ é a relação de causa e efeito. Assim, o nexo de causalidade é “o vínculo, o elo entre a atividade estatal e o dano produzido ao terceiro" (SIQUEIRA, 2007). É imprescindível, portanto, a existência desse elo entre o dano reclamado e a atividade ou omissão do Estado. Nessa perspectiva,
[...] a responsabilidade da Administração Pública, desvinculada de qualquer fator subjetivo, pode, por isso, ser afirmada independentemente de demonstração de culpa - mas está sempre submetida como é óbvio, à demonstração de que, foi o serviço público que causou o dano sofrido pelo autor (CAHALI, 1988, p. 376).
Assim, a culpabilização do serviço público, pelo dano causado a terceiros é, justamente, o objeto gerador da responsabilidade do Estado, pois segundo o Ministro Gilmar Mendes (2007, p. 797), em decorrência da amplitude do conceito de responsabilidade objetiva e a superficialidade ou benevolência na verificação do nexo de causalidade, algumas decisões têm transformado o Estado num “pródigo e autofágico segurador universal”, com reflexos negativos para toda a sociedade.
É preciso, portanto, que seja confirmada a real existência de nexo entre o dano sofrido pelo terceiro e a ação, ou a omissão culposa, causada pelo não cumprimento do dever de agir, bem como a constatação da ocorrência de possíveis excludentes de responsabilidade, pois, do contrário, estar-se-á subvertendo a intenção do legislador constituinte, tornando a inspiradora idéia de Justiça Social numa fonte de locupletamento ilícito (MENDES, 2007).
A Teoria do Risco Administrativo, ao contrário da Teoria do Risco Integral, admite a prova das excludentes de responsabilidade, ou seja, culpa da vítima – ou de terceiro – força maior ou caso fortuito, por terem o condão de desfazer, romper, o liame causal imprescindível à responsabilização do Estado.
Percebe-se que a Responsabilidade Estatal no estágio doutrinário e jurisprudencial que se encontra não carece de revisões, porquanto acata o sentimento comum de Justiça Social, consubstanciado na idéia da socialização dos prejuízos decorrentes da atividade, ou inatividade culposa do Estado, supostamente ocorrida em momentos de busca do bem comum. Entretanto, a sua aplicação precisa ser aperfeiçoada no que se refere à averiguação da ocorrência do nexo de causalidade, evitando-se que se confundam as “meras correlações com a causalidade”. Além disso, é preciso que se faça, de forma mais eficiente, a comprovação da inexistência de quaisquer excludentes de responsabilidade (FREITAS, 2006).
Diante dessas breves considerações, pode-se perceber que o estudo da Responsabilidade do Estado é um assunto complexo, que exige detida reflexão, pois o descuido numa situação concreta poderá impor um injusto ônus ao prejudicado ou a sociedade, caso o pedido indenizatório seja julgado improcedente ou procedente, respectivamente, subvertendo-se, com isso, a intenção inicial de Justiça Social (HARADA, 2000).
A responsabilidade estatal por condutas geradoras de danos, seja por atos lícitos ou ilícitos, seja pelo comportamento do Executivo, Legislativo ou Judiciário, é imputada ao Estado, que possui personalidade jurídica e nunca, à Administração Pública. A Responsabilidade Patrimonial do Estado é vivenciada em dois aspectos: (a) contratual, no qual existe uma cláusula contratual que vincula o Estado à reparação patrimonial; (b) extracontratual, no qual o Estado tem a obrigação de reparar, em face do próprio sistema jurídico, comportamentos comissivos ou omissivos, lícitos ou ilícitos.
O nexo de causalidade é um aspecto novo que vem se ajuntar ao conjunto das teorias da responsabilidade brasileira. Ele foi referido, pela primeira vez, no artigo 194 da Constituição de 1946, em substituição à teoria subjetiva, baseada na culpa civil, em recorrência à teoria objetiva, fundamentada no nexo de causalidade entre o dano produzido e a atuação estatal com a finalidade reparatória desse dano. Nesse sentido, a responsabilidade direta do ente estatal passou a ser reconhecida como fator este conservado pela Constituição Federal de 1967 e pela Emenda Constitucional n. º 01 de 1969, ou Constituição Federal de 1969, e ainda pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 37º, § 6º, atribuindo o direito estatal em ação regressiva contra o agente causador do dano, nos casos de dolo ou culpa.
2.1 Fundamento da Responsabilidade Estatal
A Responsabilidade do Estado é a obrigação atribuída ao Poder Público para ressarcir os danos causados a terceiros, por seus agentes, quando no exercício de suas atribuições. Assim, segundo a Constituição Federal de 1988:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (BRASIL, 1988, artigo 37, § 6º.).
Só será indenizável o dano causado pelo agente público, sendo essa uma expressão bastante ampla, que abrange os agentes políticos, os servidores públicos e os particulares, em colaboração com o Estado.
Agentes políticos são os agentes públicos que não mantém com o Estado um vínculo de natureza profissional embora exerçam função de governabilidade. Não titularizam cargos, empregos ou funções, mas exercem mandato. Dentre eles, estão os Senadores; Deputados, Presidente e outros.
Os servidores públicos são os agentes públicos que mantêm com o Estado vínculo de natureza profissional.
Funcionário público é o servidor que titulariza cargo público, ingressa via concurso, é nomeado em caráter efetivo (permanente) e está sujeito ao regime estatutário.
Empregado público é o servidor que titulariza emprego púbico, ingressa via concurso e sujeita-se ao regime celetista (não é o mesmo da iniciativa privada), regime adotado pelas empresas públicas e sociedades de economia mista que exerçam atividade econômica.
Contratado temporário é o servidor que não titulariza cargo nem emprego, mas exerce função por tempo determinado, para atender situação de excepcional interesse publico. Não ingressa por concurso, pois não há tempo hábil. Ex: Funcionário para combater epidemia de dengue. Nesse caso, “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” (BRASIL, 1988, artigo 37, IX).
Particulares em colaboração com o Estado: estes também não têm vínculo de natureza profissional com o Estado e são contratados por delegação, como concessionários e permissionários, ou por nomeação, aqueles que prestam serviço militar obrigatório; os jurados; os mesários em eleição. São chamados de agentes honoríficos, pois se considera uma honra a sua colaboração com o Estado.
Juízes e Promotores têm aspectos semelhantes com os funcionários públicos, pois titularizam cargo, e com os agentes políticos, uma vez que exercem funções de governabilidade, como o Ministério Público, que pode fiscalizar outros poderes. Assim, são agentes políticos, que titularizam cargos públicos, exercendo funções de governabilidade. Para Meirelles (1995), estes são agentes políticos.
Para Meirelles (1995), não é possível a propositura de ação diretamente contra o agente. Deve-se propor contra o Estado e este se for condenado entra com ação regressiva contra o funcionário.
Mello (1996) considera possível a propositura de ação contra o Estado e/ou contra o agente, de acordo com a vontade de quem experimentou prejuízos. Não se pode, porém, esquecer que a responsabilidade do agente é subjetiva e a do Estado é objetiva. Se a vítima perder contra o agente, pode propor contra o Estado, pois a causa de pedir é diferente.
A vantagem de propor ação contra o Estado é ter a certeza de que receberá, pois não se pode alegar insolvência do Estado. Entretanto, quando se propõe contra o agente, a execução é mais rápida. Em outras fases: É melhor demonstrar as várias posições existentes sobre a possibilidade de o Estado fazer denunciação da lide ao causador do dano, visto que tem direito de regresso decorrente de lei.
Para Meirelles (1995) e Mello (1996) são de opinião que não cabe denunciação da lide, pois o Estado responde de forma objetiva e o agente de forma subjetiva. Tendo em vista que os fundamentos são diferentes, não é possível que Estado e agente ocuparem o pólo passivo da ação.
Di Pietro (2002) afirma ser possível a denunciação da lide quando o Estado e o agente puderem ser responsabilizados pelo mesmo fundamento, pela culpa por um mesmo prejuízo. Quando a ação for fundada em culpa anônima não poderá ocorrer a denunciação da lide.
Os Tribunais em São Paulo não acatam a denunciação da lide, se ela introduzir no processo um fundamento fático novo, uma interpretação restritiva definida no Código de Processo Civil (BRASIL, 1973, artigo 70, III).
O Tribunal alega que se a Fazenda Pública fizesse a denunciação da lide, estaria introduzindo um fundamento fático que não está sendo discutido até então (a culpa do funcionário) e aquele processo, que teria uma solução rápida, iria demorar bem mais, pois haveria produção de provas da culpa, prejudicando assim a vítima. Outro argumento do Tribunal de São Paulo é que a Fazenda Pública participaria de duas ações, numa tendo que alegar que não houve culpa ou houve caso fortuito ou força maior e na outra, alegaria a culpa do funcionário. Assim, tudo o que a Fazenda Pública provar em seu favor, na ação principal, estará provando contra na denunciação da lei.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) admite a denunciação por economia processual, afirmando que a lei não faz qualquer restrição e que, pelo princípio da eventualidade, o Estado pode assumir posições antagônicas, apresentando mais de uma defesa na eventualidade da primeira não ser acolhida.
No caso de culpa concorrente entre a vitima e o Estado, cada um responderá por sua parte. A praxe é o Juiz reduzir pela metade a indenização pleiteada pela vitima, mas pode conceder uma indenização maior para um do que para o outro, dependendo do caso concreto.
O dano indenizável tem que ser certo, especial e anormal.
Dano certo: É aquele real, concreto, já configurado. Não é possível acionar o Estado por danos virtuais (aqueles que estão para acontecer).
Dano especial: É aquele individualizado, que se diferencia do dano geral. Não é possível acionar o Estado por falta de segurança, por falta de condições mínimas de saúde.
Dano anormal: É aquele que ultrapassa os limites, parâmetros, as dificuldades da vida em sociedade.
Segundo Mello (1996), o Estado, mesmo não sendo o gerador imediato do dano, entra decisivamente em sua linha de causação, nos estes casos em que o dano esteja relacionado a um comportamento positivo do Estado. Meirelles (1995) explica que a Constituição Federal de 1988, artigo 37, § 6º, estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independente da prova de culpa na produção do dano. Nesse sentido, foi adotado o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa, decorrente de ação lesiva dos agentes públicos e seus delegados.
A responsabilidade do Estado baseia-se no princípio da igualdade de situação dos indivíduos perante os encargos públicos, nas atividades lícitas, e no princípio da legalidade, nas atividades ilícitas. A responsabilidade é regida por normas de Direito Público e assegura o respeito aos direitos básicos do indivíduo, diante da atuação da Administração Pública.
Nesse sentido, Gasparini (1993) afirma que, nos atos lícitos, a responsabilidade estatal está fundamentada no princípio da distribuição igualitária dos ônus e encargos a que estão sujeitos os administrados. Nesse sentido, se um ato estatal, ainda que seja de interesse público, vier a causas dano a alguma pessoa, toda a comunidade deve ser responsabilizada e responder pelo ato indenizatório, que será recolhido em forma de tributos recolhidos de todos, inclusive do prejudicado.
Gasparini (op. cit.) explicita, ainda, que no caso dos atos ilícitos (descumprimento da lei), o fundamento é a própria violação da legalidade, como ocorre quando o Estado se apossa de área particular, em nome do interesse público, acontecendo o esbulho e, por ter praticado ato ilícito, obriga-se a ressarcir ao proprietário espoliado, que, neste caso é a vítima do dano. Observe-se que o agente público, autor do ato ou comportamento ilícito, é obrigado a recompor o patrimônio público, desfalcado com o ressarcimento dos prejuízos sofridos pela vítima.
2.2 Evolução Histórica da Responsabilidade Patrimonial do Estado
A Administração Pública vivenciou diferentes fases na teoria da responsabilidade, nas quais foram adotadas três teorias, quais sejam: a teoria da irresponsabilidade estatal; a teoria civilista e a teoria publicista. No Brasil, a evolução da responsabilidade estatal passou pela fase da irresponsabilidade, seguindo-se a civilista e, finalmente, assumiu as definições no plano do direito público.
A Teoria da Irresponsabilidade do Estado foi vivenciada nos Estados Absolutistas, eximindo o Estado da obrigação de indenizar os prejuízos gerados aos administrados, pelos seus agentes, no desempenho de suas funções.
Sobre isso, Di Pietro (2002) assevera que essa teoria repousava na ideia de soberania, pela qual o Estado dispõe de autoridade incontestável perante o súdito; ele exerce a tutela do direito, não podendo, por isso, agir contra ele; daí os princípios de que o Rei não pode errar e de que aquilo que agrada ao Príncipe possui força de lei. Dessa forma, qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível do súdito, o que desrespeitaria a sua soberania.
A teoria da irresponsabilidade do Estado (Hegeliana ou Feudal) foi trazida para o Brasil-Colônia, entretanto, foi negada e combatida por muitos juristas e legisladores, que não concordavam que o administrado assumisse sozinho os danos originários da ação ou omissão estatal.
Para Oliveira (1995), no período Imperial, a responsabilidade patrimonial do Estado se caracterizou pelas disposições normativas referentes à responsabilidade civil do Estado, e foi normatizada na Carta Magna Brasileira de 1824, em seu artigo 179, inciso 29, que determinava a responsabilidade dos empregados públicos, em face dos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções, exceto o Imperador (artigo 99), a quem era atribuído o privilégio da irresponsabilidade.
As Cartas Magnas de 1824 e 1891 previam a responsabilidade do funcionário, nas hipóteses de abusos ou omissões, apesar de não definirem a responsabilidade estatal. A esse respeito Di Pietro (2002) afirma que, nessa fase, havia leis ordinárias que previam a responsabilidade do Estado e que foram acatadas pela jurisprudência em solidariedade aos funcionários, nos casos de danos causados por estrada de ferro, por colocação de linhas telegráficas, pelos serviços de correio.
O Código Civil Brasileiro, Lei n.º 3.071, de 1º de janeiro de 1916, em seu artigo 15, dispunha que
As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo direito regressivo contra os causadores do dano.
O termo ‘modo contrário ao direito’, utilizado nesse artigo, possibilita a ideia de culpa ou dolo do funcionário, logo, exigindo do administrado tal comprovação (responsabilidade subjetiva). Entretanto, a Constituição de 1934, no seu artigo 171, estabeleceu que os funcionários são responsáveis, solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer danos originários de negligência, omissão ou abuso no exercício de suas funções.
Esse aspecto foi preservado na Constituição de 1937, retirando, apenas, os dois parágrafos do texto constitucional anterior, que definia o funcionário como ‘litisconsorte’ e que autorizava a execução regressiva contra o funcionário causador do dano.
A Constituição de 1946, no artigo 194, determinou que as pessoas jurídicas de direito público interno eram civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causassem a terceiros, estipulando a ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tivesse havido culpa destes. O elemento culpa só é previsto para assegurar a ação regressiva.
A teoria subjetiva fundada na culpa civil foi substituída, na Constituição de 1946, pela teoria da responsabilidade objetiva, onde a responsabilidade do Estado é direta, baseada na relação de causalidade entre o dano sofrido pelo administrado e a atuação da Administração Pública causadora do dano. A Constituição de 1967 repetiu a determinação da Constituição Federal de 1946, seguindo a mesma linha da Emenda Constitucional n.º 01, de 1969, conhecida como Constituição Federal de 1969.
Di Pietro (2002), ao analisar essas mudanças, concluiu que, a partir da Constituição de 1946, ficou consagrada a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, dispositivo que só exigiu culpa ou dolo para o direito de regresso contra o funcionário, para não fazer essa mesma exigência para as pessoas jurídicas. A doutrinadora citada refere que, no dispositivo constitucional, estão compreendidas duas regras: a da responsabilidade objetiva do Estado e a da responsabilidade subjetiva do funcionário.
A Constituição Federal de 1988, por sua vez, estabeleceu, no artigo 37, § 6º: que:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
A obrigação de reparar o dano pelo Estado, entretanto, só existe quando ficar comprovada a existência do nexo de causalidade entre o dano sofrido e o ato da administração, independente de culpa do servidor. Ressalta-se, ainda, que nem todos os danos oportunizam a responsabilidade do Estado.
Nos atos lícitos, o Estado é responsabilizado quando houver imputação, nexo de causalidade e o dano for certo, não eventual e possível, bem como anormal e especial. Os atos ilícitos são fundamentados no princípio da legalidade, bastando o preenchimento dos requisitos da imputabilidade e do nexo de causalidade para que, todos os danos certos, não eventuais e possíveis sejam indenizados. Além disso, existem circunstâncias nas quais o Estado atua com extrema potencialidade de risco. Por isso, se houver danos, o Estado responderá por eles, como é o caso de paiol de munição do exército ou usina nuclear.
A responsabilidade objetiva do Estado define a substituição da responsabilidade individual do servidor pela responsabilização do Poder Público, por essa ação ou omissão. As causas excludentes ou atenuantes, como a força maior, culpa exclusiva ou concorrente da vítima ou de terceiros são utilizadas pelo Estado como forma de eximir-se ou diminuir sua responsabilidade sobre o dano que lhe é imputado.
A responsabilidade do Estado por seus atos tem sido motivo de preocupação para os diversos segmentos sociais. Ela surgiu desde a instituição dos Estados Nacionais e evoluiu até o momento em que o Estado passou ser considerado como o ente organizador de uma determinada sociedade, confundindo-se com seu próprio Chefe, incorporando a si crenças, religião e política.
A responsabilidade, no direito brasileiro, é divida em três esferas que, analisadas superficialmente, possuem independência de instâncias: penal, administrativa e civil.
Na visão finalista, a responsabilidade penal prescinde a adequação da conduta do agente causador que, além de típica, deve ser ilícita e culpável, integrando o conceito analítico de crime. A responsabilidade Administrativa vincula ilícitos administrativos praticados pelos servidores públicos e pelos agentes sujeitos às regras definidas na legislação própria e apresenta como elementos básicos a ação ou omissão contrária à lei, dano, dolo ou culpa.
Para Di Pietro (2002, p. 579):
Não há, com relação ao ilícito administrativo, a mesma tipicidade que caracteriza o ilícito penal. A maior parte das infrações não são definidas com precisão, limitando-se a lei, em regra, a falar de cumprimento dos deveres, falta de exação no cumprimento do dever, insubordinação grave, procedimento irregular, incontinência pública; poucas são as infrações definidas como o abandono de cargo ou ilícitos que correspondem a crimes ou contravenções. Isso significa que a administração possui certa margem de apreciação no enquadramento da falta dentre os ilícitos previstos em lei.
A responsabilidade civil foi definida, inicialmente, na Constituição de 1988, caracterizando-se como uma sugerida pelo Poder Constituinte Originário, assegurado um direito de resposta proporcional ao agravo, definindo, ainda, indenização por dano material, moral ou a imagem.
A responsabilidade civil também está prevista em lei, posto que todo aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Assim dispõe o artigo 186, do Código Civil de 2002: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Assim, a responsabilidade civil traz consigo uma obrigação de indenizar, em virtude de um ato praticado e revestido de caráter ilícito. Entretanto, para que essa obrigação seja configurada é preciso que se conte com os seguintes elementos: o ato ilícito (ação ou omissão), a culpa, o dano e o nexo de causalidade. Vê-se, portanto, que as responsabilidades civil, penal e administrativa são independentes, havendo, entretanto, casos em que a sentença penal condenatória cria obrigação de indenizar, uma vez que são efeitos da condenação tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, conforme previsto no artigo 91, I, do Código Penal (MENDES, 2011).
Mendes (op. cit.) explicita, ainda, que apesar da independência das instâncias, quando um servidor público for condenado no juízo criminal, o juízo civil e o superior hierárquico na esfera administrativa não poderão decidir de forma diversa, uma vez que a responsabilidade civil independe da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato ou sobre quem seja o seu autor quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
O artigo 935, do Código Civil (BRASIL, 2002), regulamenta essa matéria da seguinte forma: “a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.”
Também é estabelecido, no artigo 386, incisos I e IV, do Código de Processo Penal (BRASIL 1987), o juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça estar provada a inexistência do fato e/ou estar provado que o réu não concorreu para a infração penal.
A sentença penal absolutória, por falta de provas quanto ao fato, quanto à autoria ou que reconhecem ou dirimem uma justificativa, como as causas de exclusão da ilicitude, não possuem reflexo na ação indenizatória, repercutindo, apenas, nas decisões que provarem a inexistência do fato ou não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal (MENDES, 2011).
3 Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional
A responsabilidade do chamado Estado-juiz é um dos temas mais debatidos na atualidade, o que, certamente, decorre da crise da legitimidade e da eficácia das leis no mundo contemporâneo, ocasionando uma grande preocupação com o fortalecimento do Poder Judiciário. O Estado Democrático de Direito, fundamentado em uma estrutura constitucional, impede que qualquer ato emanado pelo Estado possa fugir do Princípio Constitucional da Legalidade.
Sobre isso, Canotilho (1993, p.388) explica: “essa vinculação jurídica à constituição implica dizer que a proteção jurídica do cidadão não é apenas pelo juiz, mas também contra o juiz, dado que este detém poderes públicos e é vinculado aos direitos fundamentais.”
A opinião de Bobbio (1992, p.43) a esse respeito, o regime democrático impõe, não somente ao cidadão, mas também ao Estado, assumir obrigações e responsabilidades, respondendo por erros e omissões. Dessa forma, o poder se mostra “contrário à liberdade, em se tratando de estado, ao arbítrio. Ter poder significa ter menos liberdades.”
São três os posicionamentos sobre a responsabilidade do Estado, por atos jurisdicionais: o ato jurisdicional, por si só, não pode acarretar responsabilidade; dependendo de cada caso, tanto o juiz como o Estado poderão ser responsabilizados; e, somente o Estado será responsabilizado por ato jurisdicional, pois este pertence, com exclusividade, ao exercício da jurisdição.
Para um melhor entendimento da responsabilidade do Estado pelos seus atos jurisdicionais, passa-se, a seguir, a analisar a falibilidade humana, a previsão legal, a independência dos juízes e a coisa.
3.1 Flexibilização da coisa julgada
A Coisa julgada é a qualidade conferida à sentença judicial contra a qual não cabem mais recursos, passando a ser vista como imutável e indiscutível. Assim, a imutabilidade da coisa julgada tem sido questionada como principal argumento da irresponsabilidade do Estado, no que diz respeito à sua função jurisdicional. Sua origem remota ao direito romano (res judicata facit jus), sendo justificada, principalmente, por razões de ordem prática: pacificação social e certeza do final do processo. Na perspectiva atual, seu principal objetivo é promover a segurança jurídica e impedir a perpetuação dos litígios. O instituto da coisa julgada está presente em praticamente todos os sistemas de direito ocidentais.
No Brasil, a coisa julgada é considerada a decisão judicial para a qual não há mais possibilidade de se solicitar recurso. De acordo com o artigo 6º, §3º, da Lei de Introdução do Código Civil, a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, ou caso julgado, entendida como uma decisão judicial de que já não caiba recurso.
Segundo Theodoro Júnior (2005, p. 569),
Para todo recurso a lei estipula prazo certo e precluso, de sorte que, vencido o termo legal, sem manifestação do vencido, ou depois de decididos todos os recursos interpostos, sem possibilidade de novas imputações, a sentença torna-se imutável.
A Constituição da República (BRASIL,1988), refere-se à coisa julgada, no seu artigo 5º, XXXVI, uma vez que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. O Código de Processo Civil, no artigo 467, também conceitua coisa julgada material como a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário, regulamentando de forma concisa a disciplina.
Os defensores da irresponsabilidade do Estado pela função jurisdicional explicitam que o ordenamento jurídico, em razão do efeito especial das decisões judiciais, define a coisa julgada como imutável. Em sentido oposto, Dias (2004) explica a fragilidade da coisa julgada, como argumento de irresponsabilidade do Estado pelos seus atos jurisdicionais. Para o autor citado,
A uma primeira vista o argumento descrito traz certo conforto, mas pode ser facilmente combatido. Primeiro porque todos os sistemas jurídicos contemporâneos, inclusive o brasileiro, possuem mecanismos processuais que permitem rescindir e revisar a sentença revestida da qualidade de coisa julgada, justamente pela possibilidade de encerrar a sentença erro de fato ou de direito, mesmo submetida a diversos graus de jurisdição, quando impugnadas por recurso. Esses mecanismos são a ação rescisória para a sentença proferida nos processos civil e trabalhista e a revisão criminal para a sentença proferida no processo penal (DIAS, 2004, p. 165).
Entende-se, por essa concepção, que a coisa julgada ode ser vista como um obstáculo superável. Questão interessante é aquela em que uma pessoa é presa cautelarmente, através da decretação da prisão preventiva ou temporária e, através de recurso, há uma sentença absolutória. Em tal caso a coisa julgada é uma causa de preservação, pois mesmo sem o trânsito em julgado poderá o prejudicado impetrar ação de reparação contra o Estado-juiz pelo ato de privação de sua liberdade, não havendo nenhuma ofensa a coisa julgada.
Outro argumento seria a possibilidade do juiz, valendo-se do seu poder geral de cautela, deferir um pedido liminar, impondo uma obrigação a uma das partes, sem que seja atribuído ao recurso efeito suspensivo. Se houver prejuízo durante o cumprimento da liminar, até que a mesma seja revertida, poderá haver responsabilização do Estado pelo ato praticado pelo juiz.
Assim, adotando-se a Teoria da Responsabilidade Objetiva, que independe de dolo ou culpa, o Estado deve reparar o dano causado aos seus administrados. Vale ressaltar, entretanto que, não raras vezes, algumas sentenças são proferidas sem qualquer tipo de fundamento plausível, criando um fragrante desrespeito ao Princípio da Fundamentação das Decisões.
Para Dias (2004, p.166),
[...] a demora na prestação jurisdicional, tão combatida pela Constituição, pelos Tribunais Superiores e pelo Conselho Nacional de Justiça. Caracteriza-se pelo seu mau funcionamento do serviço público, situação de ineficiência estatal qualificada no direito francês como denegação de justiça (déni de justice). Nessa hipótese, a condenação do Estado no pagamento de indenização pelos prejuízos causados pela prestação da atividade jurisdicional, seja pela indolência ou obtusidade do juiz (agente público decisor), seja pela negligência do Estado em prover adequadamente de recursos materiais e pessoais os órgãos jurisdicionais, tudo a revelar atos estatais omissivos, não implicaria em qualquer modificação da sentença passada em julgado.
Apesar de a ideia doThe king can do no wrong ter sido, há muito tempo, superada, ainda há quem considere que a coisa julgada gera a irresponsabilidade do Estado, num autêntico afastamento em relação às modernas concepções de direito e justiça, no contexto de uma sociedade democrática de direito, onde as leis protegem os administrados contra os atos do administrador, ideia deve ser respeitada plenamente, sob pena de romper com estado democrático de direito.
Vê-se, portanto, que não há motivo para não responsabilizar o Estado pela função jurisdicional, o que deixa bastante claro que a teoria da irresponsabilidade não mais se aplica ao atual ordenamento jurídico brasileiro. O argumento da coisa julgada apresenta limitações, não sendo absoluto como quase tudo no Direito
Dessa forma, a Teoria da Irresponsabilidade dos Atos não acatada pela Constituição de 1988, suscitando a responsabilização do Estado pelos seus atos jurisdicionais, porquanto a Teoria da Irresponsabilidade já não se adequa ao Estado Democrático de Direito. Entretanto, não se pode negar a grande dificuldade que se enfrenta, na prática, no sentido de responsabilizar o Estado pelos atos judiciais principalmente, pelo Poder Judiciário.
Entretanto, é notório que o ordenamento jurídico pátrio acata a flexibilização da coisa julgada em circunstâncias pré-determinadas, considerando-se que, apesar de se ter que enfrentar grandes dificuldades, sua aplicação prática já pode ser visualizada.
Em relação à reparação do prejuízo causado pela Administração Pública a terceiros, através de seus agentes, essa pode ser realizada amigavelmente ou através de ação indenizatória. A Constituição Federal (BRASIL, 1988, artigo 37, § 6º), determina que, uma vez imputado o dano ao Estado e sendo este julgado responsável, delineia-se a obrigação de indenizar à vítima. Cabe-lhe, entretanto, o direito de impetrar uma ação regressiva contra o servidor que tiver agido com culpa ou dolo.
Verifica-se, que, nessa perspectiva, a pessoa jurídica é o Estado e não, a Administração Pública. Segundo Cahali (1988), a indenização reclamada por aquele que se sente prejudicado precisa ser visto como consequência direta ou indireta da atividade ou omissão do Poder Público:
A responsabilidade da Administração Pública, desvinculada de qualquer fator subjetivo, pode, por isso, ser afirmada independentemente de demonstração de culpa - mas está sempre submetida, como é óbvio, à demonstração de que, foi o serviço público que causou o dano sofrido pelo autor (CAHALI, 1988, p. 376).
O doutrinador aqui citado explicita que a causa geradora do dano poderá ser representada por uma atividade lícita, normal, da Administração Pública, como também por ato anormal, ilícito, de seus agentes. Entretanto, para que seja definida a responsabilidade civil do Estado, é imprescindível a existência de um nexo causal entre o dano e a atividade, ou omissão da Administração Pública, ou do nexo com o ato do funcionário, mesmo que lícito ou regular. Sendo comprovada a existência do nexo causal, a ocorrência do dano em virtude de uma atividade indevida, ou omissão da Administração Pública, ou de seus funcionários, pode-se definir a responsabilização do Estado e seu dever de indenizar (RT, 484:68, 539:174).
3.2 Os excludentes ou atenuantes da responsabilidade do Estado
Ao ser imputado um dano ao Estado, ele pode alegar a existência de causas excludentes, que poderão eximi-lo da responsabilidade ou atenuá-la. Nessa perspectiva, poderá ser alegada a ocorrência exclusiva ou concorrente de força maior, além da culpa exclusiva ou concorrente da vítima ou de terceiro. Também será descartada a sua responsabilidade quando não se visualizar a relação de nexo entre o prejuízo e a ação estatal.
A força maior é um acontecimento externo, estranho à vontade humana, imprevisível e inevitável. Para elucidar a ocorrência de força maior, Oliveira (1995) relata casos como as águas do Rio Ribeira (SP) que atingiram 10 metros acima do nível normal do rio, deixando, aproximadamente, 400 famílias desabrigadas e muitos prejuízos. Segundo o teórico citado, em 1937 aconteceu a maior enchente da história do município, atingindo 14 metros acima do nível normal. Outro relato refere-se a uma ocorrência em Cuiabá, onde o rio alcançou 9,60 metros acima do normal, ocasionando desabrigo à população ribeirinha.
Em ambos os casos, não se visualizou a obstrução ou insuficiência de vazão das galerias coletoras de águas pluviais, favorecendo ao administrado o direito de requerer do Estado, indenização que lhe ajude a minorar as consequências do evento. Não existindo meios para evitar o que já se tornou previsível, o Poder Público libera-se da obrigação de recompor o patrimônio do cidadão, por se tratar de um fenômeno inevitável. Assim, Oliveira (1995, p. 45) afirma que “a força maior, quando é a única causa ensejadora do dano, libera sempre e integralmente o erário. Mas se a culpa do poder público concorreu com a força maior na realização do prejuízo, a vítima tem sempre direito a uma reparação.”
3.2.2 Culpa exclusiva da vítima ou de terceiro
A culpa exclusiva da vítima ou de terceiro ocorre quando a vítima ou o terceiro é o próprio causador do prejuízo e não o Estado, não existindo a relação causa e efeito entre o dano e a ação estatal. Encontra-se respaldo para essa exclusão de responsabilidade na jurisprudência, in verbis:
Para a obtenção de indenização da Fazenda Pública basta que o autor da ação demonstre o nexo causal entre o fato lesivo imputável à Administração e o dano, sem que reste comprovado que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso (TJSP - 7ª C - Ap. - Rel. Leite Cintra - J. 23.6.93 - JTJ - LEX 148/75 apud OLIVEIRA, 1995, p. 48).
Ocorrendo culpa exclusiva da vítima que sofreu o dano, deixa de existir o imprescindível nexo causal justificador da atribuição da responsabilidade objetiva do Estado (STF - 1ª T - RE - Rel. Moreira Alves - J. 25.5.93 - JTJ - LEX 145/274 apud STOCO, 1997, p. 379).
3.2.3 Culpa concorrente da vítima ou de terceiro
A culpa concorrente da vítima ou de terceiro não é motivo suficiente para comprovar a ausência do nexo causal entre a atuação do Estado e o dano ocorrido. Assim, nessa hipótese, fica autorizada a redução do valor da indenização a ser paga pelo Estado, como se confirma no seguinte julgado, in verbis:
Responsabilidade civil - Fazenda Pública - Vítima que veio a ser tombada na galeria de águas pluviais - falta de sinalização evidenciando perigo - vítima que tinha consciência do perigo a que se expunha, mas mesmo assim, se arriscou a passar no local - consequência de culpa - indenização devida pela metade (CAHALI, 1982, p. 393).
Considera-se como caso fortuito um evento interno; acidente decorrente do próprio serviço, imprevisível, o qual não teve a participação do Estado ou do homem. Não é considerado como causa que possa eximir ou diminuir a responsabilidade do Estado, como foi manifestado por Mello (1996, p. 597), ao afirmar que:
[...] o caso fortuito não é utilmente invocável pois, sendo um acidente cuja raiz é tecnicamente desconhecida, não elide o nexo entre o comportamento defeituoso do Estado e o dano assim produzido. O porquê da incorreta atuação do Estado não interfere com o dano objetivo relevante, a saber: ter agido de modo a produzir a lesão sofrida por outrem [...].
Na mesma direção é a opinião de Stoco (1997, p. 383): “[...] sendo o caso fortuito um acidente decorrente de causa desconhecida, não tem o condão de elidir o nexo entre o comportamento defeituoso do Estado e o dano produzido.”
Vale, ainda, apresentar a opinião de Di Pietro (2002, p. 415), segundo o qual:
[...] já na hipótese de caso fortuito, em que o dano seja decorrente de ato humano, de falha da administração, não ocorre a mesma exclusão; quando se rompe, por exemplo, uma adutora ou um cabo elétrico, causando dano a terceiros, não se pode falar em força maior [...].
Também é definido como fato excludente de responsabilização ao Estado, o Concurso de Causas ou Concausa, quando um dano decorre de mais de uma causa, só podendo o Estado ser responsabilizado quando, efetivamente, tiver colaborado para o seu desfecho.
Uma constatação de concorrência da responsabilidade objetiva e subjetiva pode ser visualizada na seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, citada por Stoco (1997, p. 379):
Responsabilidade objetiva do Município, provado o nexo de causa e efeito, pela explosão em pedreira de sua propriedade, que vitimou um menor a 500 m de distância. Ocorrência também de responsabilidade subjetiva, em virtude de culpa da Administração Pública (TJRS - 3ª C - Ap. Rel. Galeno Lacerda - RT 575/227).
No caso de comprovação da inexistência do nexo causal entre o dano gerado e a atividade da Administração Pública, o Estado será poupado da responsabilidade estatal de indenizar a vítima, não sendo obrigado a indenizar, por não ter sido o causador do dano. Demonstradas também as causas excludentes, pode-se eximir ou atenuar a obrigação do Estado pelo dano produzido.
A reparação está diretamente relacionada e dependente da comprovação do nexo causal e da conduta do agente ou do aparato administrativo, observadas as causas mitigadoras ou excludentes (BACELLAR FILHO, 2005). Entretanto, nem todos os danos são reparáveis.
A responsabilização por atos lícitos está fundamentada no princípio da legalidade, segundo o qual devem ser ressarcidos os danos que, além de serem certos, não eventuais e possíveis, também sejam caracterizados como anormais e especiais, havendo, comprovadamente, a existência de nexo de causalidade entre uma atividade comissiva ou omissiva do ente público e o dano a este imputado. Isso é definido na atual teoria da Responsabilidade Patrimonial por todos os atos ilícitos, lícitos e em alguns casos por Risco Integral.
Segundo a responsabilidade por atos ilícitos, todos os danos certos, possíveis e não eventuais, são indenizáveis, enquanto na teoria do Risco Integral ou Excepcional, todos os danos são indenizáveis, tendo em vista a própria atividade do Estado, com alta potencialidade de risco que, em alguns casos não pode ser favorecida por excludentes ou atenuantes.
Para Gasparini (1993) um dano só é reparável pela Administração Pública causadora do evento danoso, se for certo, especial, anormal, referente a uma situação protegida pelo direito e capaz de ser quantificado em um valor economicamente apreciável.
Um dano certo é aquele possível, real, efeito de atividade comissiva ou omissiva do ente público, presente e não eventual. O dano especial é aquele individualizado, referido à vítima, pois, em geral, configura ônus comum à vida em sociedade.
O dano anormal é excedente aos inconvenientes naturais dos serviços e encargos decorrentes do viver em sociedade, que se refere a uma situação protegida pelo direito, incidente sobre uma atividade lícita e de valor economicamente apreciável, visto que não tem sentido a indenização de dano de valor econômico irrisório. O dano que não apresentar, ao mesmo tempo, essas características não é reparável pelo Poder Público que lhe deu causa (GASPARINI, 1993).
Para Meirelles (1995, p. 565),
A indenização do dano deve abranger o que a vítima efetivamente perdeu, o que despendeu e o que deixou de ganhar em conseqüência direta e imediata do ato lesivo da Administração, ou seja, o dano emergente e os lucros cessantes, bem como honorários advocatícios, correção monetária e juros de mora, se houver atraso no pagamento.
A liquidação desses prejuízos será realizada conforme os preceitos comuns (BRASIL, 2002, artigos 1.059 a 1.064; BRASIL, 1973, artigos. 603 a 611). Liquidados os danos ou fixados na própria sentença condenatória, o que é sempre conveniente para evitar as delongas da execução, segue-se a requisição do pagamento devido pela Fazenda Pública (BRASIL, 1973, artigos 730 e 731; BRASIL, 1988, artigo 100).
O não atendimento a essa sentença autoriza o sequestro da quantia necessária, depois de ouvido o chefe do Ministério Público e, se frustrada essa providência, o caso será de intervenção federal na entidade devedora, por descumprimento da ordem ou decisão judicial (MEIRELLES, 1995).
Na hipótese de não existir verba para o cumprimento da condenação, o ilustre autor leciona que a autoridade competente do Executivo, ou o dirigente da autarquia, deverá providenciar imediatamente a obtenção de crédito especial para o pagamento devido, sob pena de incidir pessoalmente no crime de desobediência à ordem legal (BRASIL, artigo 330), sem prejuízo da providência constitucional (MEIRELLES, 1995).
A responsabilidade do Estado, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, referidos pela Constituição Federal (BRASIL, 1988) é a de natureza civil, contrapondo-se à responsabilidade criminal. Dessa forma, o Poder Público e suas concessionárias, permissionárias e autorizadas devem respondem por perdas e danos por ação ou omissão de seus agentes, de conformidade com a teoria do risco administrativo, isto é, sem indagação de culpa.
O Código Civil de 1916 (BRASIL, 1916, artigo 15) prescrevia, em relação às responsabilidades do Poder Público:
Art. 15. As pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao Direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores de dano.
A expressão civilmente responsáveis, empregada no artigo aqui citado, aponta a obrigação de indenização por perdas e danos, não indicando, entretanto, a existência de responsabilização penal, que só pode se referir a um agente pessoal. Inicialmente, esse artigo 15 foi objeto de calorosas discussões doutrinárias e jurisprudenciais quanto ao acolhimento da teoria subjetivista ou da teoria objetivista, em virtude da previsão de conduta contrária ao Direito ou afrontosa ao dever legal.
Posteriormente, passou-se entender que o citado dispositivo se fundamentava na teoria da culpa, até que a Constituição Federal de 1946, em seu artigo 194, passou a acolher, expressamente, a teoria objetiva do risco administrativo, definindo, assim que o conteúdo da indenização passaria a ser matéria regulada pelo Código Civil.
Nessa perspectiva, o Código Civil de 2002 harmoniza-se perfeitamente com a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, consagrada pela Constituição Federal (BRASIL, 1988, artigo 43), segundo a qual:
As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes culpa ou dolo.
Assim, a responsabilidade do Estado passa a ser objetiva exigindo-se, apenas a existência de nexo causal, ou seja, de uma a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano que se pretende indenizar. Embora o texto não o diga expressamente, ficou claro que o dano decorrente de omissão do agente público também acarreta a responsabilidade civil objetiva do Estado, merecendo, contudo, exame cuidadoso de cada caso concreto, conforme jurisprudência acatada nos tribunais brasileiros.
Essa responsabilização civil refere-se a dano emergente e lucros cessantes, conforme o Código Civil (BRASIL, 2002, artigos 402 e 404), pelo qual deve ser indenizado o credor doe dano efetivamente verificado, pelo qual houve diminuição do seu patrimônio, privação de um ganho que deixou de auferir, ou do qual foi privado, em razão do comportamento comissivo ou omissivo do agente público ou daquele que faz as suas vezes.
Assim, o Código Civil (BRASIL, 2002, artigos 402) refere-se às perdas e danos e ao que, razoavelmente, deixou de lucrar. Essa última expressão configura a exigência de indenização dos lucros cessantes. Não são indenizáveis, entretanto, os lucros imaginários, sob pena de propiciar locupletamento ilícito ao credor. Além disso, a indenização deve incluir os juros moratórios, os honorários advocatícios arbitrados pelo juiz e a atualização monetária, segundo pronunciamento pacífico dos tribunais brasileiros.
A indenização não se limita, entretanto, aos danos materiais, pois abrange, também, os danos de natureza moral, por expressa disposição do inciso V, do artigo 5º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
A maior dificuldade referente aos danos morais está na fixação do quantum da indenização, em virtude da ausências de normas para aferição objetiva desses danos. A doutrina e jurisprudência, gradativamente, estão construindo parâmetros adequados para esse tipo de indenização, levando-se em conta a gravidade do dano moral infringido, a formação da vítima, a quantificação do dano material e a situação patrimonial do ofensor, esta última inaplicável em relação ao Estado.
3.4 Responsabilidade civil
A responsabilidade civil consiste na responsabilização pela reparação de danos injustos, resultantes de violação de um dever geral de cuidado, com a finalidade de recomposição do equilíbrio violado.
3.4.1 Eficácia da Responsabilidade Civil
Para que se configure a responsabilidade civil é imprescindível a existência de culpa, em que o autor da conduta não planejou prejudicar a alguém, embora isso tenha ocorrido pela falta de cuidado, ou a prática de um dolo, resultante de uma conduta intencional.
Para a fixação do quantum a ser indenizado, o juiz considera a culpa, mas a extensão do dano (BRASIL, 2002, artigo 944, § único), havendo, entretanto, a possibilidade de reduzir a indenização recorrendo à cláusula geral da equidade. Assim, se houver desproporção entre o dano e o grau de culpa, o juiz poderá, recorrer ao princípio da equidade, reduzir a indenização. Esse artigo, segundo o Conselho da Justiça Federal (CJF, En 46), tem de ser interpretado restritivamente, só sendo aplicado para reduzir a indenização, mas não, para fixação da mesma.
A possibilidade de redução do montante da indenização, em face do grau de culpa do agente, estabelecida no parágrafo único do art. 944 do Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da reparação integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva. O art. 944, § único, excepciona, portanto, o princípio da reparação, segundo o qual, ao causar uma lesão deve haver a reparação do dano por inteiro.
Atualmente, a noção de culpa é normativa e não, psicológica, devendo-se olhar o padrão objetivo de conduta conforme os standards. Conforme o artigo 927 do Código Civil (BRASIL, 2002), há ilícitos em que não há culpa.
Abuso de direito: para que se configure o abuso de direito, nos termos preceituados pelo Código Civil de 2002, é necessária a existência de uma conduta que exceda um direito correspondente a determinada pessoa, com a finalidade de que esta atue no exercício irregular de um direito. A regra geral, que deveria ser observada, nos remete à razão de que cada direito tem de ser exercitado em obediência ao seu espírito peculiar, sem desvio de finalidade ou de sua inafastável função social. Entretanto, não existe direito absoluto em no ordenamento jurídico brasileiro, posto que o exercício de qualquer direito deve se conformar com os fins sociais e econômicos inerentes ao mesmo, bem como se balizar com o princípio da boa-fé. Diante disso, para se proceder à caracterização do abuso de direito, deve-se tentar identificar o seu motivo legítimo.
O exercício do direito subjetivo ou o potestativo de modo desproporcional, fere a boa-fé objetiva, porquanto o direito é exercido de forma distorcida, a ponto de violar a finalidade para a qual este direito fora concedido pelo ordenamento (CJF, En 37). A ilicitude ocorrerá devido à falta de legitimidade, o ofensor viola materialmente os limites éticos do ordenamento jurídico (é ilícito na finalidade, mas lícito na origem). No abuso do direito, o juiz é quem diz o que é ilícito, tem cláusula geral que deve ser preenchida pela jurisprudência (Resp. 466.667/SP).
O dano é a lesão ao bem protegido pelo ordenamento jurídico, entretanto, pode haver ato ilícito sem dano. O dano pode ser patrimonial ou extrapatrimonial. Dano patrimonial é a lesão a um interesse econômico, interesse pecuniário (BRASIL, 2002, artigo 402). Divide-se em dano emergente e lucro cessante. O dano emergente refere-se a prejuízos efetivamente sofridos pela vítima, causando-lhe o decréscimo patrimonial (BRASIL, 2002, artigo 402).
Lucro cessante ou lucros frustrados refere-se àquilo que a vítima deixou de auferir razoavelmente (certamente). É, portanto, tudo o que a vítima deixou de ganhar, também chamado de lucro frustrado (BRASIL, 2002, artigo 402).
Segundo o art. 947 (BRASIL, 2002), deve-se buscar, inicialmente, a recomposição à situação primitiva. Quando há cláusula penal, não há necessidade de provar o dano, pois o prejuízo já foi pré-estimado (BRASIL, 2002, 1ª parte, artigo 402). O lucro cessante somente será concedido se for comprovado que, se não houvesse ocorrido o dano, certamente, haveria um ganho econômico.
A Teoria da perda de uma chance é uma subclasse do dano emergente (BRASIL, 2002, artigo 402). Consiste em uma oportunidade dissipada, em razão da prática de um dano injusto, de uma possibilidade de se obter futura vantagem ou de evitar um prejuízo (Resp. 788.459). É o meio caminho entre dano emergente e lucro cessante. O benefício não era certo, era aleatório, mas havia uma chance e esta tinha um valor econômico. O valor da indenização deve ser menor que o do lucro cessante. O juiz calcula com base na razoabilidade ou probabilidade, dessa forma, ele faz uma proporcionalidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste estudo, no sentido de definir o nexo de causalidade e o dano como requisitos básicos para fixar a Responsabilidade Patrimonial do Estado ou retirá-la, foi plenamente alcançado, uma vez que foram descritas, à luz dos doutrinadores que abordam este tema, como Alvim (1980), Cahali (1988), Flores (1971), Gasparini (1993), Meirelles (1995), Mendes (2007), Siqueira (2007) e alguns outros, a necessidade da existência do nexo causal entre a conduta estatal e o dano, sendo esse um aspecto imprescindível para qualquer demanda indenizatória movida contra o Estado.no âmbito da sua responsabilidade extracontratual.
Apesar das divagações efetivadas sobre o tema, numa descrição historicoconceitual sobre o tema, reconhece-se, ainda, a necessidade de maior aprofundamento e problematização sobre a responsabilidade objetiva do Estado.
Constatou-se que, diante da complexidade ou da concorrência de causas envolvendo a relação de causa e efeito, a existência, ou não, do nexo causal, deve ser definida, para que se possa estabelecer até que ponto a Administração deverá, efetivamente, arcar com responsabilidade, pelo prejuízo causado a alguém..
Uma vez configurado o nexo causal, o Estado somente se eximirá da obrigação indenizatória se forem constatadas as excludentes do nexo causal: fato da vítima; fato de terceiro; força maior e caso fortuito. A correta aplicação das excludentes, de modo razoável e proporcional, é fundamental para a adequada incidência do regime objetivo de responsabilização estatal.
A responsabilização do Estado pela indenização de prejuízos a terceiros é normatizada no artigo 37, § 6º. da Constituição da República Federativa do Brasil, ao estabelecer que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
A responsabilidade objetiva fixada pelo texto constitucional exige, como requisito para que o Estado responda pelo dano que lhe for imputado, a fixação do nexo causal entre o dano produzido e a atividade funcional desempenhada pelo agente estatal. Assim, é o Estado e não, a Administração Pública, que responderá pela indenização ou ressarcimento, por ser ele o detentor de personalidade jurídica, devendo, assim, recompor o patrimônio lesado, tendo o direito de reembolso daquilo que despendeu, por meio da ação regressiva contra o agente causador do dano, nos casos de dolo ou culpa daquele.
O Estado poderá, pela comprovação de causas excludentes, atenuar ou eximir-se totalmente de suas responsabilidades sobre o dano. Nessa perspectiva, consideram-se causas excludentes, a força maior exclusiva ou concorrente e a culpa exclusiva ou concorrente da vítima ou de terceiro. É evidente que pode acontecer dano suscetível de reparação estatal, não apenas na ação como na omissão, a qual poderá estar presente em qualquer dos três Poderes do Estado.
Conclui-se, portanto, que o nexo causal e o dano indenizável são requisitos essenciais para ensejar a Responsabilidade Patrimonial do Estado, cabendo à vítima, simplesmente, demonstrar que o comportamento estatal foi a causa única ou concorrente do dano. Dessa forma, a relação de causa e efeito será indispensável para imputar ao Estado a obrigação de ressarcir ou indenizar àquele que se sente prejudicado.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, FRANCISCO WILLIAM PINHEIRO. O nexo de causalidade e a responsabilidade do Estado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 abr 2020, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54417/o-nexo-de-causalidade-e-a-responsabilidade-do-estado. Acesso em: 22 nov 2024.
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