JERLANE PEREIRA DA SILVA
(Coautora)
Gilberto Antônio Neves Pereira da Silva
(Orientador) [i]
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo geral realizar um estudo sobre a responsabilidade civil dos filhos em relação aos pais idosos, analisando os aspectos que configuram o abandono material e afetivo, utilizando como referência a Constituição Federal de 1988. Em seguida, por meio dos objetivos específicos, busca dialogar sobre a perspectiva legal do papel dos filhos em relação aos pais idosos, discutindo a partir do que está prescrito no ordenamento jurídico. O interesse pelo tema surgiu frente a recorrente e preocupante divulgação, pelas redes sociais e mídia televisiva, a respeito da situação de negligência que muitos idosos vivenciam. Nesse sentido, a relevância do estudo consiste na importância de se expor, à sociedade em geral, as condições em que se encontram os idosos, tanto os que vivem com a família, como aqueles que vivem sozinhos, muitas vezes sem o mínimo necessário para sobreviver e até mesmo sem autonomia para cuidar de si. Optou-se pela abordagem qualitativa, como metodologia de pesquisa para concretização do estudo, do tipo bibliográfico, documental. Concluiu-se que o afeto não consiste em obrigação legal, mas na estrutura familiar, a omissão e negligência do dever do cuidado, constitui infração, inclusive passível de responsabilização, prescrita pelo Código Civil Brasileiro.
Palavras-chave: Idoso, Abandono afetivo, Responsabilidade civil.
ABSTRACT: This work aims to carry out a study on the civil liability of descendant, in relation to elderly parents, from the analysis of aspects that represent material and emotional abandonment, with reference to the Federal Constitution of 1988. Then, through the specific objectives, discusses about the legal perspective of the role of descendants in relation to elderly parents, based on that proposed by the Brazilian legal system. The interest in the theme is justified by the recurring and worrying situation of neglect that many elderly people experience, disseminated by social networks and television media. In this context, the study is relevant because it exposes the living conditions of the elderly to society, both those who live with the family and those who live alone, often without the minimum necessary to survive or without autonomy to take care of themselves. The study opted for the qualitative approach, as a research methodology for carrying out the study, bibliographic, documentary type. It was concluded the affection does not represent a legal obligation, however, the omission and neglect of care in the family structure constitutes a legal infraction, subject to liability, prescribed by the Brazilian Civil Code.
Keywords: Elderly, Emotional abandonment, Civil liability.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A Família na perspectiva Legal. 2.1. A Entidade Familiar e a Constituição de 1988. 2.2. As famílias no Código Civil Brasileiro de 2002. 2.3. Entendimento do STF frente o reconhecimento da entidade familiar. 2.3.1. A família homoafetiva. 3. Responsabilidade Civil. 3.1. Conceito. 3.2. Espécies da reponsabilidade civil. 3.3. Pressupostos da responsabilidade subjetiva. 4. Responsabilidade Civil dos filhos frente aos pais idosos. 5. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Na concepção da esfera familiar, as figuras materna e paterna representam o alicerce principal, facilmente pode-se afirmar que os pais possuem um importante valor e, nesta composição social, os papéis desempenhados por cada membro alternam-se com o passar do tempo, colocando os integrantes da família em ciclo de necessidades específicas, onde por um período se precisa de cuidados e, em outros, se é o cuidador. É justamente nestas alternâncias de ciclos que filhos e pais trocam de lugar, e naturalmente se espera que a pessoa idosa seja acolhida e tratada com respeito e dignidade. A família possui grande papel nesta relação com os pais, especialmente na velhice, por se tratar de um período de fragilidade, em que existe uma necessidade maior de amparo e proteção.
Nesta busca por cuidado e proteção, fica evidente a responsabilidade dos filhos e demais familiares em relação aos seus idosos, na provisão do que seja necessário para que a a dignidade destes idosos seja conservada, como prever a regra constitucional no art. 229, que é objetiva: estabelece assim que da mesma forma que os pais tem o dever de cuidar dos filhos, quando estes são menores, os filhos maiores devem cuidar dos pais na sua velhice.
É a partir dessa visão que foi realizado o estudo, o qual versa sobre a responsabilidade civil dos filhos frente aos pais idosos. Percebe-se que o tema é atual e relevante para a ciência, tendo importância para a produção de evidências científicas sobre a situação de abandono material e emocional em que vivem os pais idosos, a fim de contribuir com ações e estratégias mais eficazes para o atendimento e cuidado dessa faixa etária. Com relevância social, ao conceber a oportunidade de entender o que diz os dispositivos legais, a jurisprudência, identifica os fatores sociodemográficos que levam os filhos a cometerem esse comportamento para com os pais, que tiveram o cuidado de criá-los e prover o necessário para o seu desenvolvimento.
Inicialmente é abordado o instituto da família, para que seja demonstrada a importância da mesma como relevância do idoso neste contexto. É apresentada a constituição de 1988 no trato da entidade familiar, as famílias no Código civil brasileiro e o Entendimento do STF, frente o reconhecimento desta entidade, ampliando o olhar também para a representação familiar homoafetiva. Em seguida foi analisada a responsabilidade civil, seu conceito, espécies e pressupostos. E por fim a responsabilidade civil dos filhos frente aos pais idosos.
De tal modo, o objetivo geral da pesquisa foi analisar a responsabilidade civil dos filhos em relação aos pais idosos, de acordo com a Constituição Federal de 1988, observando o abandono material e afetivo. Para os objetivos específicos o estudo propõe: levantar qual a responsabilidade civil dos filhos, em relação aos cuidados aos pais idosos; analisar a Constituição Federal e as demais normas infraconstitucionais em relação à responsabilidade material e emocional dos filhos para com os pais idosos.
2 A FAMÍLIA NA PERSPECTIVA LEGAL
2.1 A Entidade Familiar e a Constituição de 1988
De acordo com a Constituição Federal de 1988, artigo 226, a família possui o seguinte conceito: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
A forma de constituir família antes da Constituição Federal de 88 era a união exclusivamente entre homem e mulher, hierarquizada, matrimonial e patriarcal. No consenso de filiação, apenas a relação biológica não conferia legitimidade, seu reconhecimento estava atrelado ao critério que instituía a necessidade de a relação ser baseada em um casamento legítimo, assim, os filhos gerados fora do casamento eram reconhecidos como ilegítimos (SCAGLIONI, 2018).
A Constituição Federal de 1988 foi o grande marco dessas transformações, haja vista que consagrou a igualdade dos cônjuges e a dos filhos, reconheceu expressamente formas de famílias não fundadas no matrimônio, que passaram a ter igual proteção do Estado, fazendo surgir inúmeros tipos de entidades familiares (CALDERON, 2017).
O processo de mudanças foi necessário, repercutindo no meio jurisdicional, pois reconhece assim a pluralidade das novas famílias, ajudando na transição de aceitação das novas identidades familiares. Antes vista como uma maneira de obter poder, hoje a família tem uma nova roupagem e passa a ter a afetividade como pré-requisito, para que haja uma harmonia na família. O núcleo familiar é o fator que mais contribui para a formação do ser humano e para seu convívio em sociedade. Havendo um equilíbrio afetivo, a família torna-se um local totalmente favorável para o desenvolvimento da dignidade de uma pessoa.
Para afirmar então, que agora se concebe o pressuposto do afeto como um designador conceitual do termo família, o estudo recorre a decisão do Supremo Tribunal Federal, que agora reconhece o caráter afetivo como um importante referenciado para caracterizar um agrupamento de sujeitos numa entidade familiar:
[...] A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa [...] (ADI 4277, Relator (a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341 RTJ VOL-00219- PP-00212).
Nesta perspectiva, evidencia-se que a formação da entidade família transcende as barreiras jurídicas, à medida que envolve um leque de elementos subjetivos, representados por sentimentos variados e que constituem um aspecto complexo para uma delimitação de critérios, apenas calcados na estrutura jurídica. Com o passar dos anos ela veio a sofrer modificações tanto conceituais quanto comportamentais. A partir de então, a família é reconhecida através de seu comprometimento afetivo. Para Dias, é cabível afirmar que o afeto constituí a base para a preservação da entidade família e para o seu desenvolvimento em harmonia (DIAS, 2015, p. 21).
Para que esta tal união seja juridicamente reconhecida, deve ter uma certa continuidade; é necessário que seja pública e duradoura, para constituir um núcleo familiar. Outra inovação vinda com a Constituição Federal de 1988 foi a possível formação de famílias monoparentais, que são aquelas que possuem somente um dos entes formadores da família, ou a mãe ou o pai e os filhos, em seu art. 226, § 4º, temos: “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
No Brasil, além das novas entidades familiares que a Constituição de 1988 reconheceu, também começou a surgir uma pluralidade familiar que se mostrava às claras, vista por toda sociedade, e que precisava de proteção. Não somente a Constituição Federal de 1988 provocou estas modificações, o Código Civil de 1916 e de 2002 também trouxe muitas mudanças para o contexto conceitual de família. Atualmente, entidade familiar é entendido como manifestação social diversificada, é a união de interesses comuns derivados de afeto, busca de felicidade, do amor e da convivência, como é o caso da união sócio afetiva, do respeito, do desenvolvimento de cada integrante e do bem-estar.
2.2 As famílias no Código Civil Brasileiro de 2002
No início do século XX, durante a vigência do Código Civil de 1916, a instituição família era considerada uma verdadeira célula do Estado, o modelo familiar persistia conservador, e somente o matrimônio validava essa estrutura, necessitando sempre da aprovação do Estado (DRESCH, 2016). O casamento continuava assim como o único modelo de estrutura familiar passível de reconhecimento legal, continuou seguindo a perspectiva de critérios das legislações imperiais, mas abrangendo também os não católicos, desta forma passou-se a se reconhecer a legalidade do casamento civil, em 1861, também na união realizada por demais religiões.
Ao longo da história, não bastasse sua maior valorização pelos preceitos canônicos, mantidos até 1890, o casamento recebe mais um requisito apreciativo, o Decreto nº 181, de autoria de Rui Barbosa, institui validade apenas aqueles realizados pelas autoridades civis. Nesse contexto, para alguns doutrinadores, o casamento possui posição privilegiada em relação às demais formas de organização familiar, e, somente este conferia o status de legitimidade as uniões vigentes.
Segundo Baptista (2014), foi somente após a CF/88 que houve uma mudança na maneira como era feita a organização familiar, antes disso o casamento era uma forma de o Estado e a Igreja configurar a estrutura da família de acordo com o requisito legal que lhe interessava: única e exclusivamente sob a cerimônia solene do matrimônio, sendo este irrevogável, assim protegendo diretamente a tentativa de se conservar a moral.
Observa-se assim que o casamento era indissolúvel, um elo sagrado que não poderia ser quebrado. Dessa forma o referido decreto vigorou até a promulgação do Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071/16), aqui o homem era visto como o chefe da família, o único capaz de manter a casa, excluindo a mulher casada no rol dos indivíduos relativamente incapazes.
Dias (2015) enfatiza que a legislação civil consagra o casamento como o único instituto jurídico formador da família, dificultando, igualmente, a adoção e permitindo o reconhecimento de filhos apenas quando não adulterinos ou incestuosos. O reconhecimento da adoção como instrumento formador de relação de parentesco só foi regulamentado através da Lei nº 3.133/57, porém, até 1977, o filho adotado era passivo do direito apenas da metade da herança designada para os filhos legítimos, assim, fica evidente o critério da consanguinidade afetando a garantia de direito, outorgada pelo grau de parentesco constituído apenas pelo afeto.
O código civil de 1916 nstituiu o casamento como vínculo não passível de dissolução, considerando a seguir o “desquite”, modelo de separação que foi substituído depois pela chamada separação judicial, na polêmica Lei nº 6.515/77, a qual também criou a instituição do divórcio.
A isto se acrescenta as novas cartas constitucionais, de pouca valia para introduzir mudanças nas normas do diploma civil de 1916, mantendo-se a estrutura patriarcal, ainda admitindo o casamento como exclusivo formador da estrutura família, além do visível tratamento discriminatório aos filhos, que não foram gerados dentro do casamento, e também para aqueles adotados ou provindos de relações sem referências de companheirismo, ou seja, gerados sem a constatação de uma relação estável entre os pais, configurando assim relações sem cunho legal ou concubinato.
Apenas com a Lei nº 10.406, de 10/01/2002, o atual Código Civil, as primeiras mudanças significativas apareceram. Conhecido como Código Civil de 2002, proveu alterações significativas nos dispositivos referentes à família apontados no Código Civil de 1916, que perdurou por mais de oito décadas. Este anteprojeto foi concebido por uma comissão e quando aprovado deu origem a atual legislação, dezesseis anos mais tarde. O Brasil enfrentou ao longo desse período grandes mudanças demográficas e de ordem socioeconômica, assim como na política.
Desta forma, resta claro que a Constituição Federal de 1988 introduziu uma nova ordem no tocante ao Direito de família, desvinculada da ordem tradicional que imperava durante a vigência do Código Civil de 1916. O Código Civil de 2002 reforçou a nova ordem pela Constituição. A partir daí, é possível conceber uma análise do Direito de Família por esta nova perspectiva, seguindo em acordo com a pauta constitucional.
2.3 Entendimento do STF Frente o Reconhecimento da Entidade Familiar
É certo que cada mudança socioeconômica, cultural e política acarretou alterações nos paradigmas determinantes do modelo ideal de família. O conceito desta hoje baseia-se na concepção de família para a promoção do indivíduo, sua autonomia e pleno desenvolvimento da personalidade; família sem necessário casamento, pautada na igualdade entre os filhos e entre os genitores.Seria assim fica entendido que onde tiver um grupo de pessoas, em um lar, unidas por laços sanguíneos ou não, sendo o afeto seu elo, fica entendido a existência de uma família (FIÚZA; POLI, 2015).
Reforça-se a ideia de que não se protege o instituto da família, e sim a família como instrumento para o desenvolvimento da personalidade de seus membros, buscando assegurar a dignidade de cada um deles. Cada espécie de família receberá proteção e reconhecimento distinto, são algumas das espécies de famílias: a família informal, decorrente da união estável; monoparental, constituída por somente um dos genitores (pai ou mãe) e seus filhos; anaparental, formada somente pelos filhos, sem a figura dos pais; homoafetiva, constituída por pessoas do mesmo sexo; a família eudemonista, as quais são unidas por um vínculo afetivo; E as famílias pluriparentais ou multiparentais, que se caracterizam pela existência de múltiplos vínculos de filiação (TARTUCE, 2017, p. 234).
A jurisprudência brasileira, especialmente do Supremo Tribunal Federal (STF), vem exercendo papel de destaque na ampliação do conceito de família e suas espécies. Ao considerar as diferentes representações dos novos arranjos familiares, o Direito no Brasil não poderia se eximir de reconhecer essas famílias como uma instituição, teoricamente pautada nos mesmos direitos das que tradicionalmente foram concebidas ao longo da história, através de um modelo heteronormativo. Assim, o judiciário brasileiro obrigou-se a tomar posição a respeito dessas novas formações familiares.
2.3.1 A família homoafetiva
Nesse contexto de ampliação da perspectiva jurídica, o modelo homoafetivo foi, talvez, o exemplo de maior expressividade na transformação do Direito das Famílias Brasileiras, a partir do seu reconhecimento legal, conquistado pela autorização de se poder formalizar o casamento ou união afetiva também nas relações estruturadas pelo enlace homoafetivo, a estas agora, pode-se atribuir o reconhecimento de família, amparado pela legitimidade jurídica também, a saber:
— O Supremo Tribunal Federal equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Assim, a união homoafetiva foi reconhecida como um núcleo familiar como qualquer outro. O reconhecimento da união estável depende de prova da convivência duradoura, contínua e pública com o objetivo de constituir família. Não se pode reconhecer como união estável o relacionamento amoroso havido entre as partes quando ausente a demonstração da publicidade da relação e o propósito de constituição de uma família. (…) De acordo com a ADI 4277 do Eg. STF, o art. 1.723 do Código Civil deve ser interpretado conforme à Constituição Federal para excluir dele qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família (APELAÇÃO CÍVEL nº 002310-72.2012.815.0031, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça da Paraíba, Relator: Des. Saulo Henriques de Sá e Benevides, Julgado em 18/ 03/2014).
Dessa forma, os Tribunais Superiores se posicionam a favor dos novos arranjos familiares, ao reconhecer os mesmos dispositivos legais no amparo ao direito, concedidos aos parceiros na constituição familiar tradicional, para a parceria homoafetiva. Corroborando esta assertiva, toma-se alguns exemplos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) abaixo transcritas, e que aqui expõem pressuposto que iguala e reconhece a relação entre indivíduos do mesmo sexo, ao decidir:
AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO RESCISÓRIA. ACÓRDÃO DA ORIGEM QUE INDEFERIU PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO EM UNIÃO HOMOAFETIVA, ANTES DO JULGAMENTO DA ADI/STF 4277. ACÓRDÃO DA CORTE ESPECIAL DESTE TRIBUNAL, QUE NEGOU PROVIMENTO A AGRG NO ARE NO RE NO RESP, POR, NA NOVA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL, NÃO CABER O AGRAVO DO ART. 544 DO CPC, MAS TÃO SOMENTE AGRAVO REGIMENTAL. ACÓRDÃO RESCINDENDO QUE NÃO CONTÉM JULGAMENTO DO MÉRITO. AÇÃO RESCISÓRIA LIMINARMENTE INDEFERIDA PELA PRESIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. - O acórdão rescindendo não julgou o mérito, mas apenas negou provimento a agravo regimental, interposto em agravo regimental, em recurso extraordinário, no Recurso Especial, interposto, este último, contra acórdão do tribunal de origem, proferido antes do julgamento da ADI/STF 4277, que reconheceu a constitucionalidade da união estável homoafetiva, deixando, o tribunal de origem, de reconhecer pretensão do ora agravante ao recebimento do ministério da aeronáutica de pensão por morte de alegado companheiro homoafetivo. 2. – inexistente julgamento do mérito no acórdão que o agravante pretende rescindir, descabe a ação rescisória, cuja petição inicial foi, liminarmente, corretamente indeferida. 3. – agravo regimental improvido. (STJ; AgRg-AR 5.194; Proc. 2013/0144798-6; RJ; Corte Especial; Rel. Min. Sidnei Beneti; DJE 23/09/2013; Pág. 659).
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 6.160/2018 DO DISTRITO FEDERAL. RECONHECIMENTO COMO ENTIDADE FAMILIAR DE UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO PARA IMPLANTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE VALORIZAÇÃO DA FAMÍLIA NO DISTRITO FEDERAL. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÇÃO. PARCIAL PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. Inexistência de inconstitucionalidade formal. Dispositivo de lei distrital (art. 2, I) que disciplina entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre homem e mulher, por meio de casamento ou união estável. Disciplina semelhante à do art. 1.723, caput, do Código Civil, cuja constitucionalidade já foi examinada pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADI 4.277 e ADPF 132). 2. Inconstitucionalidade material e interpretação conforme. A única interpretação do artigo 2º, inciso I, que se mostra compatível com o texto constitucional é aquela que não exclua do conceito de entidade familiar, para fins de aplicação das políticas públicas previstas na Lei 6.160/2018, o reconhecimento de união estável contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo. 3. Ação Direta julgada PARCIALMENTE PROCEDENTE, para dar interpretação conforme à Constituição ao art. 2º, I, da Lei 6.160/2018 do Distrito Federal, nos termos acima especificados.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou parcialmente procedente o pedido para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 2º, I, da Lei 6.160/2018, no sentido de que não seja excluído do conceito de entidade familiar, para fins de aplicação de políticas públicas, o reconhecimento de união estável contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo, nos termos do voto do Relator. Plenário, Sessão Virtual de 6.9.2019 a 12.9.2019. (STJ; ADI 5971; Proc. Nº 360638/2019 - SFCONST/PGR; DF; Corte Especial; Rel. Min. Alexandre de Moraes; DJE 13/09/2019).
Acordando-se portanto que a atual jurisprudência brasileira cumpre seu dever, quando dispõe parecer favorável ao reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, é passível a compreensão também do seu dever em garantir que os princípios constitucionais do direito a igualdade, liberdade, dignidade estão sendo respeitados, bem como é também assegurar aos casais homoafetivos, que constituam família, todos os direitos que lhes são devidos. Nesse caso, convém ressaltaro papel relevante da jurisprudência no alcance de mudancas na abordagem deste tema e vè-se assim o judiciário como um agente que pode promover efetivas transformações nesse cenário social.
Embora não exista uma lei que preveja de forma expressiva a união homoafetiva no ordenamento jurídico brasileiro, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu esta modalidade de relação, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132. Isto representou um importante passo na luta pela garantia dos direitos dos casais homoafetivos, agora contemplando a possibilidade real de reconhecimento jurídico e social.
Assim, com o reconhecimento legal da sua formação, pela Corte Suprema Brasileira, a família homoparental, ou seja, aquela formada por indivíduos do mesmo sexo, requisita também o afeto como um dos seus elementos formadores imprescindíveis, deixando assim uma abertura para que o seu agrupamento, teoricamente, lhe conceda os mesmos direitos que os dados aos outros modelos de arranjos familiares, entre eles, a adoção.
Não se pode, porém, afirmar que seja fácil para os casais homoafetivos o ato de adotar. Ainda que tenhamos alguns avanços nesse caminho, preconceitos e mitos permeiam o imaginário popular, quando muitas vezes se é questionado a capacidade de casais homoafetivos adotarem, relacionando a possíveis influências que o adotando poderia absorver em relação à sua orientação sexual. Farias e Maia refutam esse improvável argumento de suposta influência ao defender:
O desenvolvimento da criança não depende do tipo de família, mas do vínculo que esses pais e mães vão estabelecer entre eles e a criança. Afeto, carinho, regras: essas coisas são mais importantes para uma criança crescer saudável do que a orientação sexual dos pais (FARIAS e MAIA, 2009. P.59).
Como o elemento afeto é passível de subjetividade, um dos impedimentos concretos para a adoção era o não reconhecimento da união homoafetiva, já que existe o pressuposto legal que requisita, de acordo com a Lei 8.069 em seu artigo 42 parágrafo 2º: “Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovando a estabilidade da família”.
A adoção por casal homoafetivo esbarra então na inexistência de uma lei que autorize a adoção por casais homoafetivos, no entanto também não existe uma proibição, o que beneficia a possibilidade da adoção por estes pares. Mais e mais os tribunais estão se colocando favoráveis aos princípios gerais do direito, seguindo o princípio de igualdade, o que coloca todos em suposta condição de adotar.
APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70013801592. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. Sétima Câmara Cível. Diário de Justiça Eletrônico, 05 de abril de 2006).
Na falta de uma legislatura que amplie os direitos de adoção, para a união homoafetiva, tem-se na jurisprudência brasileira um importante facilitador na garantia do respeito ao elemento primordial de constituição familiar que este trabalho enfocou: o afeto.
O termo ‘responsabilidade’ vem do verbo respondere, que significa no âmbito jurídico, que as pessoas devem responder pelos atos que praticam, assumindo os efeitos das suas atitudes; devem cumprir o que está determinado na Lei, caso contrário, terão de arcar com as consequências legais ou reparar os danos (CARVALHO, 2017, p. 13).
O sentido da responsabilidade está relacionado à noção de desvio de conduta, ou seja, alcançam as condutas que infrigem o direito de outros e por isso são danosas também. Portanto, configurado o dever de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico, surge a responsabilidade (FILHO, 2015, p.23).
Segundo Carvalho, ao se incorrer no delito, fica subtendido a agressão do interesse particular, infringindo a responsabilidade civil. Assim, a priori, se tem no agente do ilícito a responsabilidade de reparação, a fim de equilibrar as relações privadas. Com isso, pode-se observar que a ideia de responsabilidade é inerente ao direito, pois o direito existe onde é firmado um dever jurídico que assegure sua efetivação, tratando-se de ação e suas consequências, quando se viola um dever.
Filho aprofunda ainda mais a natureza jurídica do termo responsabilidade, quando contrapõe que essa Responsabilidade civil está paralelamente articulada ao dever jurídico de reparação de dano. Ao se violar um dever, prescreve-se sua recomposição, e assim se constituem uma relação que o autor enumera sequencialmente nomeando como dever jurídico originário, o primeiro a ser infringido, que posteriormente será percussor de outro, a saber, o dever posterior de indenizar.
Gonçalves (2015), endossa a assertiva anterior relatando que a partir do momento que uma ação traga prejuízo, no âmbito social, levanta-se assim, a noção da responsabilidade. Deve-se entender que esta responsabilidade nada mais é que a tentativa de se restaurar a relação do equilíbrio moral e patrimonial que o autor causou. Aqui se reforça o claro interesse no reestabelecimento da harmonia e do equilíbrio, que sofreram violação e dano, assim constituindo o princípio da responsabilidade civil. Nesse sentido Diniz (2015) enfatiza que a principal finalidade do estudo acerca da responsabilidade civil, é alcançar a restauração do equilíbrio violado pelo dano. O objetivo, portanto, é voltar ao status, reparando o prejuízo causado.
O próprio Código civil brasileiro prevê, o princípio da responsabilidade civil, ao determinar que por ação ou omissão de natureza voluntária, negligência ou imprudência, aquele que violar os direitos de outrem ou lhe causar dano, mesmo que apenas ofenda a sua moral, estará incorrendo em ato ilícito, assim infere-se o dever da reparação (art. 186 e 187).
3.2 Espécies da Responsabilidade Civil
A responsabilidade civil está juridicamente dividida em contratual e extracontratual, sendo esta última ainda classificada, de acordo com sua modalidade, em objetiva e subjetiva. Vale lembrar que mesmo existindo diferença entre as duas modalidades, a mesma não é absoluta, pois no Código Civil estão previstas regras que podem ser aplicadas a ambas, a saber nos artigos 393, 402 e 403 (FILHO, 2015). O autor ainda conceitua a responsabilidade civil contratual como aquela advinda da relação jurídica prescrita por uma obrigação antecedente, ou seja, quando uma das partes estão inadimplentes no contrato.
É cabível afirmar que na concepção de responsabilidade contratual, na teoria, já existe uma relação estabelecida previamente em torno de um bem, especificando deveres e direitos. Se a responsabilidade é extracontratual, entende-se não haver ligação entre o autor do dano e o ofendido. Somente após a prática ilícita é que nasce a relação de natureza obrigacional. Isto implica que o dever idenizatório está articulado a ofensa, surgindo daí a relação entre o obrigado e o titular de direito. (RIZZADO, 2011, p.42).
Nesse prisma, na responsabilidade contratual, em caso de quebra do contrato, o credor só deverá provar o inadimplemento da obrigação e os danos do mesmo, não sendo necessário este provar a culpa do devedor, o que difere da responsabilidade extracontratual, pois nesta no caso de o agente não apresentar um vínculo que configure o contrato, e havendo descumprimento do dever, este dentro dos requisitos essenciais para a configuração da responsabilidade civil, deve o agente reparar o dano.
Dessa forma, os Tribunais Superiores se posicionam conforme se vê na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), assegurando a reparação do dever da responsabilidade civil, mesmo que esta incorra de forma extracontratual, abaixo transcrita:
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRETENSÃO FUNDADA EM RELAÇÃO CONTRATUAL. PRESCRIÇÃO. PRAZO TRIENAL. PRAZO PRESCRICIONAL ÚNICO PARA REPARAÇÃO CIVIL ADVINDA DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO. O termo "reparação civil", constante do art. 206, § 3º, do Código Civil de 2002, deve ser interpretado de maneira ampla, alcançando tanto a responsabilidade contratual (arts. 389 a 405) como a extracontratual (arts. 927 a 954), ainda que decorrente de dano exclusivamente moral (art. 186, parte final) [...]. Recurso conhecido e improvido. Fortaleza, 08 de fevereiro de 2017 CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR TEODORO SILVA SANTOS Relator PROCURADOR (A) DE JUSTIÇA (TJ-CE - APL: 00365223520138060064 CE 0036522-35.2013.8.06.0064, Relator: TEODORO SILVA SANTOS, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 08/02/2017).
Neste contexto, entende-se que tal divisão doutrinária existe a fim de demonstrar o tipo de violação, ou seja, se o dever surge em razão de inadimplemento contratual, está configurada a responsabilidade civil contratual, ao mesmo tempo que a noção desse dever provém da infração ao direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima jã exista relação jurídica que o possibilite, temos então a responsabilidade extracontratual.
Assim, Assis Neto, Jesus e Melo (2016) definem que a responsabilidade civil extracontratual, deve apresentar como regra geral a comprovação de que o ato foi praticado passível da culpa, e continuam classificando a responsabilidade civil em duas divisões: civil extracontratual subjetiva e objetiva (NETO; JESUS; MELO, 2016).
Tartuce (2017, p. 479) enfatiza a assertiva, ao dispor que para a regra geral do ordenamento jurídico, é necessário que seja comprovada a culpa, e que só assim ao agente indenizador, será imputada a responsabilidade de reparação. Culpa esta acompanhada de dolo ocasionado com intenção de prejudicar, ou sob específicas restrições, quando o dolo em si é causado por imprudência, negligência ou imperícia.
Avaliando particularmente cada modalidade de responsabilidade tem-se a noção de que enquanto a extracontratual subjetiva constitui uma regra do ordenamento jurídico, a objetiva é a exceção, validando o disposto no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, no que fica estipulado que a reparação do dano é obrigatória, independente que seja ou não configurada a culpa, para os casos que se encontram especificados em lei, ou se a ação produzida pelo autor, julgado em questão, implique em riscos para os direitos de outrem. Com base neste dispositivo, depreende-se que se trata de modalidade de responsabilidade civil que não necessita da evidência ou comprovação de culpa, para que se possa pleitear indenização em face do agente responsável pelo dano (MELO, 2015).
Assim, a classificação é tradicional, pois, apresenta a objetiva como a responsabilidade que independe do pressuposto de culpa, o que resume que a mesma existindo ou não, terá nesse critério irrelevancia, pois ao final sempre haverá o dever de indenizar.
3.3 Pressupostos da Responsabilidade Subjetiva
A presença dos pressupostos da responsabilidade civil está definida nos seguintes termos: conduta humana, o dano ou prejuízo e o nexo causalidade. O primeiro pressuposto a ser visto é a conduta humana, também conhecida por alguns doutrinadores de ato. De acordo com Moraes, a conduta, é pressuposto da responsabilidade civil, essa conduta implica a responsabilização tanto na ação quanto a omissão (MORAES, 2017, p. 69).
Percebe-se, no conceito acima, que o comportamento poderá ser comissivo ou omissivo. O ato comissivo significa na prática, um ato que não deveria ser efetivado. Por outro lado, a omissão é o descumprimento de um dever de agir ou a não prática de um ato que deveria ser realizado. O autor segue, afirmando que o ato poderá ser lícito ou ilícito, sendo que a responsabilidade decorrerá de quando este for considerado ilícito, aqui prescrita a ideia de culpa, salientando que esta “É também o elemento central para a caracterização de atos ilícitos de acordo com o direito brasileiro” (MORAES, 2017, p.70).
Conforme observado, a ação é mais simples ao ser distinguida, visto que ela se manifesta no mundo real, sendo possível assim constatar verdadeiramente a prática de determinada conduta. Da outra face existe a omissão, de difícil visualização, tendo em conta que a omissão é deixar de fazer, portanto não aparece. Existe, porém, um pressuposto para o entendimento jurídico de omissão, porque sem esta diferenciação, existiria responsabilidade para tudo. Assim, não é apenas a alusão ao que se poderia fazer, mas a noção da obrigação do que se deveria fazer, o que significa se omitir de uma determinação legal ou profissional, quando para o entedimento jurídico se deveria agir.
Outro elemento essencial à caracterização da responsabilidade civil é o dano ou também chamado prejuízo, sem o qual, não haveria o que se indenizar. Nesse sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2017) afirmam em sua obra, que o dano é toda danificação a um bem juridicamente protegido, que possa causar um prejuízo no patrimônio ou até mesmo que não abranja materialmente, será então entendido como elemento da responsabilidade civil, e sendo também necessário que seja caracterizado, em suma, o elemento da responsabilidade é requisito essencial para imputação da responsabilidade, independente de que espécie este prejuízo seja.
É importante enfatizar que à configuração do dano ou prejuízo, também poderá decorrer da agressão a direitos ou interesses personalíssimos, isto é, a indenização não resulta somente dos danos ocasionados ao patrimônio econômico, mas também daqueles que atingem direitos inerentes a pessoa humana.
No que se refere à natureza jurídica da indenização por danos morais, tem-se que não existe unanimidade a respeito da mesma, partindo assim três correntes doutrinárias e jurisprudencial que Flávio Tartuce (2017), em seu material para concursos públicos volume 2, definiu como: 1ª Corrente, que prescreve indenização por danos morais, teria o mero intuito reparatório/compensatório, sem qualquer caráter disciplinador; 2ª Corrente: A indenização teria um caráter punitivo ou disciplinador; 3ª Corrente: Ao se idenizar por dano moral, insta-se primeiro a reparação e depois a disciplina, visando coibir novas condutas.
A corrente que mais se destaca no Brasil é justamente a 3ª, com caráter reparador, aqui aparece o caráter disciplinador apenas como acessório, exemplifica-se com o Recurso Especial nº 665.425/AM 30, neste, a partir de erro médico que deixou danos estéticos no paciente, evidenciando que a dor e o sofrimento não pode ser mensurado, insta-se imputar punição ao ofensor, sendo esta de caráter sancionatório e também educativo.
Conforme ensinamentos de Cavalieri Filho (2015) a partir disso, torna-se possível classificar o dano em duas modalidades: o dano material ou dito patrimonial e o dano moral ou extrapatrimonial, para o autor, o dano material consiste naquele que afeta diretamente o patrimônio da vítima, sendo os bens que componham este patrimônio pode ser composto tanto de bens corpóreos e incorpóreos. Por outro lado, en se tratando de dano moral, quando a lesão atinge direitos não sujeitos de valor econômico, ou seja, o dano moral é lesiona a concepção pessoal (seus direitos da personalidade) a saber, vida privada, intimidade, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.
O autor supracitado ainda discorre que o dano moral deve ser entendido a partir da perspectiva constitucional, restringindo-se o critério da violação do direito à dignidade, ampliando para o desrespeito aos direitos de personalidade, elementos que caracterizam a atribuição da pessoa humana.
Deve-se analisar o pressuposto condizente ao nexo de causalidade, para Tartuce, o nexo de causalidade, representa elemento imprescindível, para que se habilite a obrigação de ressarcir, o que de acordo com Tartuce, (2017, p. 586) resume como: “imaterial ou virtual da responsabilidade civil, constituindo a relação de causa e efeito entre a conduta culposa ou o risco criado e o dano suportado por alguém”.
É importante ressaltar que a conexão entre o prejuízo e a ação se denomina “nexo causal”, de forma que o fato lesivo necessitará ser oriundo da ação, de forma direta ou como consequência previsível. Assim, o que se entende por nexo causal seria uma relação essencial entre a ação do ato danoso e o evento que o tenha produzido, em suma, sua causa. Contudo, não será necessário que o dano resulte apenas de imediato ao fato que o produziu, somente precisará analisar que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido (DINIZ 2015, p.56).
Portanto, nexo de causalidade, é a ligação de causa e efeito entre a conduta e o resultado danoso, isto é, que a ação ou omissão seja causa cuja deriva o efeito dano.
4 Responsabilidade Civil dos Filhos Frente aos Pais Idosos
A relação familiar de pais e filhos são baseadas na subjetividade dos sentimentos como amor, carinho, respeito e também pelo dever do cuidado. Contudo, o vínculo existente pode ser abalado quando uma das partes descumpre com o seu dever, que, embora deva ser recíproco, é em inúmeros casos esquecido pelos descendentes, fazendo com que o abandono dos genitores seja uma triste realidade, que tanto os abala no campo do afeto, como psicologicamente e moralmente.
Trazendo o conceito de responsabilidade para a esfera civil, pode-se observar que se trata da aplicação direta de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, por ação praticada por ela mesma, ou pela pessoa que ela representa, pelo citado a ela pertecente ou por imposição legal (TARTUCE, 2017).
Ao se fazer um paralelo entre a responsabilidade civil e a obrigação do filho para com o pai idoso observa-se o que diz a Lei Maior de 1988 em seu artigo 230, onde é citado que a família, assim como o Estado, juntamente com a sociedade, têm obrigação de oferecer amparo as pessoas idosas, e de promover sua participação na comunidade, com isso contribuindo para sua dignidade e bem-estar, garantindo-lhes o direito à vida.
Portanto, entendeu o legislador que os filhos devem prover o sustento de seus pais e para isso, consagrou esse assunto no direito de família, para salvaguardar um direito, que em tese já está normatizado, pois deveria ser obrigação recíproca dos filhos cuidarem dos seus pais, provendo-lhes o necessário, seja material, emocional ou psicológico, uma vez que foram os pais que tiveram todo o trabalho de cuidar e zelar por esse filho até que ele atingisse a maturidade e pudesse suprir suas próprias necessidades, até mesmo constituir uma família.
O resguardo legal do direito a dignidade, incluindo o recebimento de cuidados necessários a sua saúde e proteção são aqui enumerados pelos dispositivos legais do ordenamento Jurídico Brasileiro, garantindo assim ao idoso o direito ao cuidado, e respectivamente aos filhos, o dever de exercer este cuidado: A obrigação dos filhos perante os pais idosos está alicerçada nos princípios constitucionais do Direito de Família e nos diplomas legais: Estatuto do Idosos – Lei nº 10.741/2003; Código Civil – artigos1694 a 1699; LOAS- Lei Orgânica de Assistência Social – Lei nº 8.742/1993; Política Nacional do Idoso - Lei nº 8.842/1994.
Nesse sentido, o Estatuto do Idoso também ratificou o que a Constituição Federal já havia disciplinado e prescreveu que principalmente à família compete a obrigação de garantir ao idoso uma efetiva garantia dos direitos: à vida, à saúde, à alimentação, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à educação, à cultura, à liberdade, à dignidade, ao respeito e ao convívio com a família e comunitário.
O legislador entende que os filhos têm o direito de pagar pensão alimentícia para os pais idosos, quando eles não possuírem os meios para a sua própria manutenção e subsistência. Convém mencionar que entra nessa pensão os recursos para remédios, assistência médica, pagamento de despesas básicas como água, luz, gás, telefone e até cuidadores ou empregados, se o idoso não puder viver sozinho.
O Estatuto do Idoso veio para reafirmar as normas constitucionais no sentido de que os filhos possuem responsabilidade com seus pais, como está assegurado no artigo 3º do referido estatuto já citado anteriormente. A lei ainda especula penalidade para os filhos que infringirem a responsabilidade para com os pais, como definido nos artigos 97, 98 e 99, citam que aquele que ignorar assistência ao idoso, quando seja possível prestá-la, desamparando a pessoa idosa confinada em hospitais, casas de saúde, ou asilos permanentes, está colocando assim, em risco, a integridade e saúde física ou mental deste idoso, pois o priva de alimentos e cuidados essenciais.
A questão da responsabilização de forma solidária está marcada pela redação do artigo 10º do Estatuto do Idoso, fica claro que além da obrigação familiar e do Estado, é obrigação de todos (sociedade) zelar pelo idoso. Subtende-se assim, a obrigação primária dos filhos na prestação de auxílio aos seus pais, se estes são de idade avançada, ou não tem meios de custear sua própria subsistência.
Nesse sentindo, o advento deste Estatuto tornou-se uma conquista de grande relevância, uma vez que junto com o crescimento da população idosa cresce também o abandono afetivo. No entanto, mesmo se dando um maior valor ao afeto na jurisprudência brasileira, asseguradas pelas garantias protetivas da Constituição Federal, Estatuto do Idoso e Código Civil, como o dever de cuidado, proteção, bem-estar e direito à vida, ainda é necessário uma conscientização social de respeito ao idoso, a sua valorização na sociedade e na família (FILHO, 2015).
Milhares de denúncias de violação dos direitos da pessoa idosa são feitas diariamente, os casos mais frequentes de violação desses direitos estão relacionados ao abandono familiar, sendo os mais comuns aqueles em que os filhos deixam os seus pais em asilos ou casas de saúde, não os visitam e nem se preocupam mais com o bem-estar (IBDFAM, 2016). Nessa vertente em 2012, a Ministra Fátima Nancy Andrighi, da 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça, teve entendimento diverso ao reconhecer que é devido indenização por abandono afetivo:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo daí a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.7. Recurso especial parcialmente provido (BRASIL, STJ, 2012)
Nesta decisão, a concepção de que amar é facultativo, cuidado é obrogação, a Ministra Nancy Andrighi argumenta: “Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos ” (SOUSA, 2012).
Por outro lado, Farias; Rosenvald (2015, p. 556) mantem posição contrária da Ministra, pois acreditam que é injustificável resolver a questão do afeto pela via de compensação monetária. Vê-se assim, que não há um entendimento entre os doutrinadores sobre a aplicação da ilicitude, se cabível ou não, no direito de família.
Em outra margem, Dias (2015, p. 98) afirma que o abandono afetivo pode incorrer em obrigação indenizatória, na perspectiva legal (CC 952, parágrafo único), já que afeta a auto estima em relação a determinado bem. Assim, pode-se conceber que abandono afetivo é ato ilícito, passível de indenização. Na ciência que existem muitas divergências sobre a matéria, faz-se necessário um olhar individual para cada caso, em particular.
Dessa forma diante de tantos apontamentos favoráveis e desfavoráveis em relação ao direito de receber indenização pelo abandono afetivo, resta aguardar que os Tribunais Superiores pacifiquem entendimento quanto à matéria.
O presente estudo teve como objetivo central analisar a responsabilidade civil dos filhos em relação aos pais idosos observando o abandono afetivo e material. Durante a pesquisa, observou-se que o afeto não é a obrigação que uma pessoa tem de amar a outra, todavia, a sua ausência afeta o idoso diretamente, e acarreta o descumprimento do dever de cuidado ignorado, que vai contra o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, princípio fundamental não só para o Direito de Família, mas para todo o Direito, amparado pela Constituição Federal.
É justamente nesta linha que se observou divergências doutrinárias quanto ao abandono afetivo. Existem posicionamentos contrários a possibilidade de responsabilização civil, por não caracterizar ato ilícito passível de indenização, além de existirem tribunais que apoiam a existência da obrigação dos filhos de amparar os pais na velhice, pautando-se em meios legais que permitem a responsabilização civil pela omissão e negligência do dever de cuidado, suprimindo os artigos 186 e 927, previsto no Código Civil.
Nesse contexto, discutiu-se a indenização por dano moral, como forma de compensação do sofrimento. Mesmo que não tenha legislação específica, há instrumentos normativos suficientes para embasamento teórico que responsabilize os filhos na etapa mais vunerável dos pais, a velhice. Por certo, embora não tenha um consenso doutrinário, vale destacar que a tendência dos juízes é a de cada vez mais reconhecer o afeto e a responsabilidade civil, decorrente do abandono afetivo, valorando o vínculo familiar e o afeto.
No entanto, para essa responsabilização, é necessário analisar caso a caso, para que se reconheçam presentes os requisitos da responsabilidade civil. Na mesma vertente, é necessária cautela para a aplicação do tema, pois insta-se que a reparação dos danos morais não se efetue por meio monetário, mas sim que estimule o convívio familiar entre pais e filhos, visando ainterrupção do dano, mesmo que antes tenha sido necessária uma punição.
Portanto, debruçando-se na importância do tema, emerge assim a necessidade de se analisar cada caso, considerando-se a pouca discussão a respeito da responsabilidade dos filhos perante aos pais idosos, pelos doutrinadores e jurisprudência brasileira, levando este estudo a alertar que a inexistência de uma opinião consolidada e unânime sobre o tema, juridicamente, não deve prejudicar o direito primeiro de que a vida inicie e termine de forma digna.
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Acadêmica de Bacharelado em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Mária Tatiana Florêncio Pereira de. Responsabilidade civil dos filhos frente aos pais idosos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 abr 2020, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54422/responsabilidade-civil-dos-filhos-frente-aos-pais-idosos. Acesso em: 23 dez 2024.
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