GABRIELLA RODRIGUES RIBEIRO MEDEIROS [1]
(coautora)
JOÃO SANTOS DA COSTA [2]
(orientador)
RESUMO[3]: Essa pesquisa tem como tema central o estudo dos efeitos da destituição do poder familiar no âmbito do direito sucessório, e tem como objetivo geral analisar a impossibilidade ou possibilidade de haver a sucessão legítima por ascendentes e descendentes mesmo diante da destituição do poder familiar. Quanto à metodologia, consiste em uma pesquisa exploratória, pois exige do pesquisador que esteja familiarizado com o tema, ainda, possui natureza qualitativa, pois há a coleta de informações que examinam e descrevem o tema, utilizando opiniões, impressões e pontos de vista. No referencial teórico foram abordados os seguintes temas: extinção, perda e suspensão do poder familiar, assim como vocação hereditária e a perda da capacidade sucessória. A análise foi realizada através de levantamentos bibliográficos, estudo legislativo e de artigos científicos voltados para o tema, que possui bastante importância para o meio jurídico, pois não há previsão expressa em lei acerca do tema, logo, tem-se como resultado a possibilidade de haver sucessão legítima após a destituição do poder familiar, tendo em vista que não há o rompimento do vínculo de parentesco - fato determinante da existência de direito a sucessão - entre os descendentes e ascendentes.
Palavras-chave: de cujus, herança, genitor, descendentes, sucessão legítima.
ABSTRACT: This research has as its central theme the study of the effects of the dismissal of family power within the scope of inheritance law, and its general objective is to analyze the impossibility or possibility of having legitimate succession by ascendants and descendants even in the face of the destitution of family power. As for the methodology, it consists of exploratory research, as it requires the researcher to be familiar with the theme, yet it has a qualitative nature, as there is the collection of information that examines and describes the theme, using opinions, impressions and points of view. In the theoretical framework, the following topics were addressed: extinction, loss and suspension of family power, as well as hereditary vocation and loss of succession. The analysis was carried out through bibliographic surveys, legislative study and scientific articles focused on the theme, which is very important for the legal environment, as there is no express provision in the law on the subject, therefore, the result is the possibility of there is a legitimate succession after the removal of family power, considering that there is no disruption of the kinship bond - a determining factor for the existence of the right to succession - between descendants and ascendants.
Keywords: de cujus, inheritance, parent, descendants, legitimate succession.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Poder familiar no Brasil. 2.1 Análise conceitual e características do poder familiar. 2.2 Princípios gerais e específicos do direito de família. 2.3 Extinção, perda e suspensão do poder familiar. 3. Sucessão legítima no Brasil. 3.1 Direito fundamental à herança e princípios específicos do direito sucessório. 3.2 Vocação hereditária na sucessão legítima. 3.3 Perda da capacidade sucessória: deserdação e indignidade. 4. Poder familiar como causa da perda da capacidade sucessória ou vocação hereditária. 4.1 Hipóteses de perda do poder familiar. 4.2 Perda da capacidade sucessória em decorrência da destituição do poder familiar. 5. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O poder familiar é entendido como um conjunto de direitos e deveres que os pais têm, igualmente, perante os seus filhos. Desse modo, afirma Maria Helena Diniz (2010, p. 564) que este poder deve ser exercido por ambos os pais, em condição de igualdade, para cumprir com os encargos legais, com interesse na proteção do menor. É importante frisar que este poder pode ser extinto, tanto por causas naturais, como por sentença judicial.
De outro lado, tem-se o direito sucessório, que visa regulamentar a transferência do patrimônio do de cujus, que pode ser por meio de testamento ou na falta deste, conforme a vontade do legislador. Assim, divide-se a sucessão em testamentária e legítima, sendo a última a mais incidente no Brasil, pois poucas pessoas se utilizam do testamento, seja pela ausência de conhecimento, seja pela ausência de patrimônio ou por ter conhecimento que a lei assegurará os direitos dos seus herdeiros.
Dentro desse cenário, será abordado como a destituição do poder familiar por sentença judicial poderá interferir no direito sucessório, no que diz respeito à sucessão legítima. Tendo em vista que pode haver o afastamento de um dos pais ou de ambos em relação ao filho, faz-se necessário que seja observado se há a quebra de vínculo e caso haja, se esta impedirá o filho de ser herdeiro desse pai ou mãe que foi destituído do seu poder familiar. Desta forma, delineou-se como objetivo entender como o direito de família pode afetar no direito sucessório, e, para isso, é necessário revisar a bibliografia sobre o Direito Civil nestas áreas.
2 PODER FAMILIAR NO BRASIL
2.1 Análise conceitual e características do poder familiar
O poder familiar é um instituto que está presente no direito de família e originou-se a partir da adoção da Constituição Federal de 1988, bem como do Código Civil de 2002 em substituição à expressão ‘pátrio poder’ existente no Código Civil de 1916. Além da mudança nominal, houve mudanças significativas no que diz respeito ao detentor desse poder familiar assim como na forma de aplicação. Anteriormente, apenas o chefe da família possuía o poder familiar e o exercia de forma imoderada sobre os filhos. Com a nova abordagem constitucional, o pátrio-poder passou a ser chamado de poder familiar ou autoridade parental, além disso, tanto o pai quanto a mãe passaram a ter esse poder, mas este, no entanto, não é exercido sobre os filhos, e sim, para os filhos.
Nesse sentido, para MALUF (2016) o poder familiar consiste em um conjunto de direitos e obrigações designadas igualmente aos pais para que possam garantir o desenvolvimento e potencialidade dos filhos menores, de modo que os interesses destes sejam sempre resguardados. Dessa forma, pode-se observar a ponderação de Patrícia Ramos:
A concepção do poder familiar é instrumental e democrática, funcionalizada para a promoção e desenvolvimento da personalidade do filho, visando à sua educação e criação de forma participativa, com respeito à sua individualidade e integridade biopsíquica, e, sobretudo, pautada no afeto. (RAMOS, 2016, EBOOK)
Depreende-se que esse instituto tem como principal finalidade garantir a efetivação dos direitos dos menores, exigindo daqueles que o detêm a realização dos encargos estabelecidos em lei, assegurando-lhes dignidade, proteção, bem como lhes proporcionando um futuro adequado.
Com base no artigo 227 da Constituição Federal vigente:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Dessa forma, verifica-se que é responsabilidade tanto da família, quanto da sociedade e do Estado assegurar com total prevalência os direitos fundamentais garantidores da dignidade dos menores, quais sejam: garantir a proteção, educação, saúde, lazer, dentre outros, para que possam crescer em um ambiente harmonioso, seguro e digno. Portanto, se os pais não cumprirem com seu múnus cabe ao Estado e a sociedade intervir e garantir os direitos dos menores.
Para Dimas Messias Carvalho (2019) o poder familiar possui como características a irrenunciabilidade, indisponibilidade, imprescritibilidade, incompatibilidade com a tutela, a relação de autoridade e, além disso, constitui um múnus público. No que tange à irrenunciabilidade podemos dizer que não é garantido aos pais abrir mão desse poder-dever, pois é imprescindível no crescimento e desenvolvimento dos filhos, assim como também não é possível transferir a outrem a título gratuito ou oneroso, por fazer parte da posição exercida pelos genitores, portanto, não pode ser alienado. Ainda, não há possibilidade de esse encargo prescrever pelo simples fato de não ser exercido, ocorrendo a perda apenas nos casos previstos em lei. Outrossim, é incompatível com a tutela, uma vez que esta somente poderá ser designada quando houver a perda ou suspensão do poder familiar. Há também a relação de autoridade, posto que os pais têm o poder de mandar e os filhos o dever de obedecer. Além disso, constitui múnus público, pois consiste em uma forma de função que corresponde a um cargo privado fixado pelo Estado, no qual normatiza seu exercício, dessa forma, é um direito-função e um poder-dever.
Da mesma forma, dispõe Maria Berenice Dias: “O poder familiar é irrenunciável, intransferível, inalienável e imprescritível. Decorre tanto da paternidade natural como da filiação legal e da socioafetiva”. (DIAS, 2017, p. 783). Desse modo, verifica-se que o poder familiar não pode ser objeto de negociação, como também não pode ser renunciado, ou seja, aquele que o detém deve arcar com o ônus e bônus que dele decorre.
2.2 Princípios gerais e específicos do direito de família
Os princípios, para a sociedade jurídica, são considerados como sendo um conjunto de padrões de condutas presentes de forma explícita ou implícita no ordenamento. Para Dias (2016, p. 67), estes são mandamentos elementares do sistema, ou seja, os princípios têm essencial função no direito, e descumpri-los seria como ofender todo o sistema. Dessa forma, serão abordados alguns princípios norteadores do direito de família.
A priori, temos o princípio da dignidade da pessoa humana que é considerado como o norteador do Estado Democrático de Direito conforme o artigo 1º inciso III, da Constituição Federal de 1988, sendo, portanto, base para inúmeros ramos jurídicos, inclusive o direito de família. Tal princípio tem como objetivo ser o suporte para o avanço da família, de forma que seja possível o desenvolvimento saudável e a convivência mais harmônica da entidade familiar, trazendo um valor fundamental de respeito à existência humana. Ainda, segundo DIAS (2016, p.75):
A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares - o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum -, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas.
Desta forma, ao tratar de poder familiar, o princípio supramencionado é indispensável, pois cabe aos pais orientar os seus filhos da forma mais adequada quanto à convivência e a importância dos preceitos da família. Além disso, outro princípio de suma importância no direito de família é o da afetividade, que tem como objetivo analisar o relacionamento entre pais e filhos e de certo modo tentar manter a criança no núcleo familiar no qual nasceu. No entanto, se verificado que não há essa afetividade, o sistema buscará por meios legais alguma forma de inserir a criança ou adolescente em uma família substituta, mas sempre analisando as melhores oportunidades e condições para eles. Deste modo, o princípio da afetividade remete-se, principalmente, a uma relação harmoniosa e ao respeito simultâneo entre os membros de uma entidade familiar. E assim, nota-se como este é ligado intimamente ao princípio da solidariedade familiar, representando a afetividade capaz de unir os membros de uma mesma família e que, de acordo com Stolze (2014, p. 95) “(...) especialmente, concretiza uma especial forma de responsabilidade social aplicada à relação familiar”.
Assim, nota-se que tem como base o amparo e o auxílio moral e material entre todos os membros da entidade familiar, ainda sendo justificativa, por exemplo, para a prestação de alimentos. Neste sentido, em relação ao poder familiar, esses preceitos referem-se à união e solidariedade entre os membros da família, em prol do bem comum.
Outro princípio do direito de família é o chamado princípio da função social da família, no qual a família possui um papel muito importante de forma geral e é considerada pela Constituição Federal de 1988 como sendo a base da sociedade, de modo que através dela será possível identificar a personalidade sociocultural de cada indivíduo. Ainda, analisa Stolze (2011, p. 98) que a principal função social da família e sua caracterização são os anseios e pretensões, e esta família é o meio social que busca a felicidade do outro e não apenas um fim em si mesmo. Desse modo, temos que a função social da família é buscar a realização dos sonhos e anseios, em prol da felicidade dos filhos.
Por fim, temos o princípio da plena proteção das crianças e adolescentes. Esta norma está diretamente ligada aos interesses das crianças e adolescentes, sendo dever dos integrantes da família assegurar educação, saúde, alimentação, assim como os demais direitos pertencentes a eles. Para Lôbo (2011, p. 77), tal preceito não se trata de uma recomendação ética, e sim do critério nas relações da criança e do adolescente com seus pais, família, sociedade e o Estado.
Esta normatização pode ser observada no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Código Civil e na Constituição Federal de 1988 de forma explícita. Além disso, tal regra está familiarmente relacionada ao princípio da convivência familiar, que possui como finalidade zelar pela permanência dos menores no seio familiar, garantindo que estes tenham a oportunidade de crescer no seu ambiente natural.
De outro modo, explica que o afastamento só deve ocorrer em últimas hipóteses, quando não for possível a restauração do ambiente familiar e quando os pais descumprirem com seus deveres legais, de forma que seja insustentável a permanência da prole. No entanto, não pode ser motivo de separação a condição financeira, com a finalidade de proteger as famílias de baixa renda para que não percam o poder familiar ou a guarda dos menores, ou seja, garantindo a convivência familiar entre eles. Contudo, é necessário que sejam instauradas medidas que auxiliem essas famílias para garantir a sua subsistência.
2.3 Extinção, perda e suspensão do poder familiar
Há no ordenamento três tipos de extinção, quais sejam: por ato voluntário, por ato natural e por sentença judicial. As causas da extinção desse instituto vêm arroladas no artigo 1.635 do Código Civil, que são: pela morte dos pais ou do filho, pela emancipação, pela maioridade, pela adoção e por decisão judicial conforme dispõe o artigo 1.638 do mesmo diploma legal. Consiste em um rol taxativo, logo, só haverá possibilidade de o poder familiar ser extinto nessas hipóteses supramencionadas. Ainda, para Maluf (2016) é importante frisar que a extinção não tem a capacidade de romper laços de parentesco entre os pais destituídos e seu filho, uma vez que ela apenas retira o direito de administrar os bens e a vida do menor.
Para Nader (2016) é válido acentuar que com a morte de um dos genitores ao sobrevivente pertencerá o poder familiar com exclusividade, no entanto, se a morte dos genitores for simultânea ou se após a morte de um, o outro vier a falecer posteriormente, os menores ficarão sob o regime de tutela mais adequado aos seus interesses. Como esse instituto serve para garantir os direitos dos filhos enquanto menores, não há que se falar em poder familiar quando estes alcançarem a maioridade, pois já estarão aptos para exercer os atos da vida civil, porém não desobriga os pais do dever alimentício, salvo se os filhos possuírem renda. Do mesmo modo ocorre com a emancipação, pois esta se iguala à maioridade para todos os efeitos.
Além disso, no que concerne à adoção, cessará para os pais biológicos o poder familiar quando houver a entrega do filho, sendo transferido para os pais adotantes esse poder-dever. Há, portanto, o rompimento jurídico entre genitores e sua prole, permanecendo o vínculo apenas para o impedimento matrimonial.
A perda ou destituição do poder familiar refere-se à penalidade permanente que é imposta aos genitores que, intencionalmente, incidirem em alguma das hipóteses previstas no artigo 1.638 do Código Civil. Dessa forma, aduz Paulo Lôbo:
Por sua gravidade, a perda da autoridade parental somente deve ser decidida quando o fato que a ensejar for de tal magnitude que ponha em perigo permanente a segurança e a dignidade do filho. A perda depende sempre de ato judicial. A suspensão da autoridade parental ou a adoção de medidas eficazes devem ser preferidas à perda, quando houver possibilidade de recomposição ulterior dos laços de afetividade. A perda é imposta no melhor interesse do filho, se sua decretação lhe trouxer prejuízo, deve ser evitada. (LÔBO, 2019, s.p.)
Nesse diapasão, tem-se o entendimento de que antes de aplicar a perda do poder familiar é importante analisar a possibilidade da aplicação de penalidades mais brandas e de caráter temporário, como por exemplo, a suspensão, já que a perda é a penalidade mais severa desse instituto e com caráter permanente, não sendo admitido que retorne ao status anterior.
Em relação à suspensão do poder familiar, esta ocorre quando os pais cometem faltas leves para com seus filhos. E por ser uma medida de caráter temporário, é sujeita a revisão, ou seja, quando os fatores que a provocaram forem superados será revista. Por conta do princípio da maior proteção, a destituição deste poder por qualquer motivo não seria justa. Por conta disso, Venosa (2017) afirma que a suspensão não é tão gravosa quanto à destituição ou perda, pois quando encerram os motivos que lhe deram causa, o poder familiar é restabelecido. Assim, após cessar a causa que a motivou, o poder familiar volta ao pai ou à mãe que foi temporariamente impedido, uma vez que foi excluído apenas o exercício e não o direito. Como a lei não estabelece limite compete ao julgador analisar o que é conveniente ao interesse do menor. Desta forma, a suspensão do poder familiar é sanção aplicada aos pais, porém não tem o intuito de punir e sim de proteger o menor. Destarte, a suspensão do poder familiar ocorrerá nas hipóteses do artigo 1.637, que estabelece:
Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. (Grifo nosso).
O pedido de suspensão poderá ser formulado por algum familiar, pelo Ministério Público, ou de ofício, e, o juiz suspenderá pelo tempo que achar necessário sendo adotadas as medidas necessárias. Desse modo, quando ocorrer a suspensão pelas causas do artigo supracitado, o genitor perderá todos os direitos que tiver em relação ao filho, inclusive o usufruto legal. Ainda, consiste em uma medida menos grave do que a destituição ou perda, pois uma vez cessados os motivos que deram causa poderá ser restabelecido o poder paternal. No entanto, a suspensão está ligada aos atributos de dever de sustento, guarda e educação dos filhos, assim como à obrigação de cumprir e fazer cumprir determinações judiciais no interesse dos menores.
Cumpre salientar que, em relação às causas do artigo mencionado, o abuso de autoridade está relacionado a exigir sacrifícios desnecessários à prole, que os cause constrangimento. Ainda, afirma Nader (2016, p. 579) “Se a condenação se deu pela prática de atos contrários à moral ou aos bons costumes, o efeito não será de suspensão, mas de perda do poder familiar, pois a conduta reprovável se enquadraria no art. 1.638, III, que impõe a destituição”. Por fim, é forçoso constatar que a suspensão é uma medida sancionatória que tem o intuito de proteger os filhos por conta de uma atitude reprovável dos pais, no entanto, por possuir caráter temporário, a estes retornará o poder familiar quando as causas que levaram a suspensão forem superadas.
3 SUCESSÃO LEGÍTIMA NO BRASIL
3.1 Direito fundamental à herança e princípios específicos do direito sucessório
Considera-se a sucessão legítima como um instituto que resguarda os direitos sucessórios dos familiares do de cujus após o seu falecimento, e é esta garantia que traz o fortalecimento da propriedade privada, gerando renda, tendo em vista que há bens a serem transmitidos aos herdeiros. Dessa forma, a herança é um direito fundamental e está elencado no artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal de 1988, que consiste no conjunto de bens deixados pela pessoa que faleceu.
Ainda, na apuração da herança, a separação ocorre da seguinte forma: inicialmente tem-se a meação, ou seja, a parte que é devida ao cônjuge sobrevivente ou companheiro em decorrência do regime patrimonial, e tratando-se de cônjuge sobrevivente, deve ser observado o regime que foi adotado no casamento. Em seguida, os bens que restaram serão atribuídos aos sucessores legítimos ou testamentários. Maria Helena Diniz (2014, p. 42) afirma que a herança é transmitida desde o falecimento do de cujus e não na transcrição da partilha feita no inventário, além de ser oferecida a quem possa adquiri-la.
Cumpre salientar que a Constituição vigente não trata da sucessão em geral, e sim da herança, garantindo constitucionalmente o direito dos herdeiros. Desta forma, verifica-se que o direito do herdeiro é garantido por lei, e não por vontade do testador, assim a sua vontade deve ser resguardada até o momento que não afete o direito garantido aos herdeiros, devendo sempre manter-se em conformidade com os princípios específicos do direito sucessório, que serão tratados em seguida.
O princípio norteador do direito sucessório chama-se saisine. Tal preceito refere-se ao droit de saisine, ou seja, ao momento em que é aberta a sucessão, a transmissão do domínio e da posse da herança se dará de forma imediata e automática aos sucessores testamentários e legítimos. É forçoso constatar que a palavra “saisine” deriva do verbo saisir, e no campo do direito sucessório tem como concepção a “posse”, no sentindo de posse instantânea dos bens do falecido.
Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem o seguinte entendimento, que equivale ao exposto acima: “Em observância ao princípio da saisine, corolário da premissa de que inexiste direito sem o respectivo titular, a herança, compreendida como sendo o acervo de bens, obrigações e direitos, transmite-se, como um todo, imediata e indistintamente aos herdeiros.” (STJ, 2011, on-line).
Desta forma, este princípio tem como fundamento a transmissão imediata dos bens do falecido, assim que aberta a sucessão, sendo assim intimamente ligado ao direito de herança. Ainda, por este princípio o legatário que sobrevive ao falecido, mesmo que por um instante, herda deste os bens deixados e vai transmiti-los aos seus sucessores, no caso de falecer em seguida. Assim, consiste em preceito essencial ao direito sucessório, com a finalidade de impossibilitar que o patrimônio do de cujus permaneça sem um titular até a cessão aos herdeiros legítimos e testamentários.
Outro princípio referente ao direito sucessório é chamado de “respeito à vontade manifesta”, também conhecido como favor testamenti, é tratado por Pablo Stolze (2017, p. 1368) como um dos mais importantes do direito sucessório, pois, está ligado a manifestação de vontade com o que o falecido iria querer para seu patrimônio. Desse modo, este princípio deve se sobressair no caso de irregularidades testamentárias comuns ou de mudanças posteriores de situação de fato, se verificada posteriormente, e for possível identificar o desejo do testador. Portanto, este fundamento é inerente ao direito à herança, pois, em caso de testamento, deve ser acatado o que está presente no mesmo, a fim de respeitar as decisões do testador.
3.2 Vocação hereditária na sucessão legítima
A priori, vocação hereditária é entendida como o chamamento da pessoa legítima a suceder os bens do de cujus. Tal instituto ocorre por disposição legal, na qual os herdeiros são chamados segundo a ordem de vocação hereditária, ou pode haver por meio do testamento, caso tenha. A regra é a legitimidade passiva, a exceção é a ilegitimidade, isto é, para o direito sucessório vige a ideia de que todas as pessoas são legitimadas para suceder, salvo as afastadas por lei. Desse modo, segundo o preceito legal do artigo 1.798, do Código Civil vigente, são legitimadas “as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. Portanto, é protegido o direito do nascituro, preservado a partir da concepção e a eficácia da vocação, dependendo do seu nascimento. Portanto, afirma Tartuce (2013, p. 23) que o nascituro (conceptus) é chamado a suceder, mas só terá seu direito sucessório definido e consolidado com o nascimento com vida, isto é, momento que adquire a personalidade civil.
No que tange à vocação hereditária, o artigo 1.829 do mesmo diploma legal, apresenta a ordem a ser seguida, sendo que na sucessão legítima em primeiro lugar estão os descendentes, ou seja, aqueles compreendidos como filhos, netos, bisnetos e assim sucessivamente, não importando a natureza da filiação, podendo ser adotivo ou não, no entanto, não são os únicos beneficiados nesse primeiro momento, pois concorrem com o cônjuge ou companheiro. Logo após, vem os ascendentes, que também concorrem com o cônjuge ou companheiro. Em seguida, o cônjuge sobrevivente ou companheiro. E por fim, os colaterais.
Em relação à união estável, o companheiro ocupa posição semelhante ao cônjuge sobrevivente. Por certo tempo houve uma divergência em relação ao direito de herdar do companheiro em união estável, por conta disso, o Supremo Tribunal Federal – STF por meio do Recurso Extraordinário 646.721, entendeu que o artigo 1.790 do Código Civil é inconstitucional, e que a aplicação do artigo 1.829 do mesmo Código abrange tanto o casamento quanto a união estável. Portanto, a Constituição Federal de 1988 não equipara de forma expressa a união estável e o casamento, mas o STF entendeu que devem, sim, ser equiparados e que companheiro em união estável é herdeiro legítimo do falecido, e possui direitos tanto quanto cônjuge sobrevivente em casamento.
3.3 Perda da capacidade sucessória: deserdação e indignidade
Como já visto, pelo princípio de saisine, a herança deve ser transmitida no momento da abertura da sucessão, porém, tal fato pode não ocorrer devido à exclusão do herdeiro do direito de herdar, que ocorre em três casos, quais sejam: quando o mesmo renuncia o seu direito de herdar, por deserdação e por indignidade.
O instituto da deserdação é uma forma de perda da capacidade sucessória alheia a vontade do herdeiro, tratado como uma sanção civil aplicada pelo autor da herança através de cláusula testamentária ao herdeiro necessário (descendente, ascendente, cônjuge ou companheiro), que objetiva afastá-lo da sucessão legítima por ato criticável ao autor da herança. Além disso, as hipóteses de deserdação são previstas em lei, não podendo o autor da herança criar nova modalidade. Como mencionado por Stolze (2017), só é possível se falar em deserdação quando os fatos tiverem ocorrido antes da celebração do testamento. Dessa forma, as hipóteses de deserdação estão previstas nos artigos 1.962 e 1.963 do Código Civil vigente, nos quais autorizam a deserdação dos ascendentes por seus descendentes e vice-versa nos casos de ofensa física, injúria grave, relações ilícitas bem como em casos de desamparo. Diferencia-se entre os artigos que haverá deserdação dos descendentes por seus ascendentes em relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto e desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade; e dos ascendentes por seus descendentes em relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou neto, ou com marido ou companheiro da filha ou neta e abandono do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.
Frisa-se, por fim, que a deserdação só poderá ocorrer com expressa declaração de causa, devendo ficar claro e evidente a situação que ensejou a deserdação. Ainda, ao herdeiro instituído ou àquele a quem aproveite a deserdação, se responsabiliza a provar a veracidade alegada pelo autor da herança, extinguindo-se esse direito no prazo de 4 (quatro) anos a contar da abertura do testamento.
Em contrapartida, o instituto da indignidade tem natureza punitiva, que afasta da sucessão quem tenha cometido ato grave, reprovado pela sociedade contra a integridade física, moral ou psicológica, bem como contra a vida do de cujus. E, portanto, por se tratar de uma medida sancionatória, deve ser analisada cautelosamente. Além disso, para haver a exclusão por indignidade, pressupõe-se que o herdeiro ou legatário envolvido em algumas das hipóteses previstas em lei, não tenha sido reabilitado pelo autor da herança e, por fim, tenha uma sentença declaratória de indignidade. Como descrito, é necessário que haja ato lesivo contra o falecido, e tais atos estão previstos taxativamente no rol do artigo 1.814, do Código Civil brasileiro, sendo os casos:
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Na hipótese tratada no inciso I, não é necessário que o herdeiro seja autor do crime, a mera participação como coautor ou partícipe já é suficiente para a sua exclusão. Existe ainda, entendimento acerca da condenação na esfera cível e penal. Quanto a isso, analisa Carlos Roberto Gonçalves:
Desse modo, enquanto tais aspectos fáticos não estiverem definidos na esfera criminal, as ações cível e penal correrão independente e autonomamente (...) No entanto, se já proferida sentença criminal condenatória, é porque se reconheceu o dolo ou a culpa do causador do dano, não podendo ser reexaminada a questão cível. Assim, a sentença criminal condenatória, com trânsito em julgado, sempre faz coisa julgada no cível. (GONÇALVES, 2017, p. 116)
Dessa forma, é notório que podem ter duas ações, uma na criminal e outra na cível, e enquanto não houver trânsito em julgado na penal, as duas podem seguir de forma autônoma. No entanto, caso haja trânsito em julgado de sentença criminal condenatória, prevalecerá a decisão da esfera penal, isto é, a culpabilidade valerá na esfera cível. Quanto ao inciso II do aludido artigo, trata-se da denunciação caluniosa do falecido em juízo e da prática de crimes contra a honra, de seu cônjuge ou companheiro. Vale ressaltar que para gerar efeitos na sucessão, é necessário que a denunciação caluniosa tenha sido proferida em juízo. Já o inciso III do artigo supracitado consiste em casos em que o herdeiro tenha se utilizado de violência física ou moral para se beneficiar da última vontade do falecido, no qual deverá ser excluído por medida judicial. Portanto, quando o referido artigo cita “meios fraudulentos” compreende toda situação que o de cujus tenha sido ludibriado ou enganado pelo herdeiro, a fim de impedir a sua livre manifestação de vontade.
Ainda, acerca dos dois institutos, aduz Cristiano Chaves de Farias:
(...) a indignidade e a deserdação se aproximam, a partir de pontos de interseção: ostentam uma natureza sancionatória comum, destinando-se a punir quem se comportou mal para em relação ao autor da herança, privando o recebimento do patrimônio, como se morto fosse. (...) em ambos os casos, deflagra-se uma sucessão por representação, com a convocação dos descendentes do indigno ou do deserdado para sucederem em seu lugar. (FARIAS, 2017, p. 159)
Por fim, desse modo, cumpre ressaltar que ambos possuem uma afinidade entre si, onde se aproximam em alguns pontos, como: ambos possuem caráter punitivo e ambos consideram o indigno e o deserdado como se morto fosse, adotando a sucessão por representação. Dessa forma, dispõe o artigo 1.816 do Código Civil, no qual alude que “são pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão”. Logo, como os efeitos da exclusão são pessoais, o herdeiro indigno não receberá, mas seus descendentes receberão a herança que seria dele.
4 PODER FAMILIAR COMO CAUSA DA PERDA DA CAPACIDADE SUCESSÓRIA OU VOCAÇÃO HEREDITÁRIA
4.1 Hipóteses de perda do poder familiar
A perda do poder familiar é caracterizada como uma punição permanente direcionada judicialmente aos genitores, concomitantemente, ou apenas a um deles. Pela dimensão de sua gravidade, somente ocorrerá quando o fato que a ensejar colocar em risco a segurança e a dignidade dos filhos, ou seja, quando incidirem em alguma das hipóteses descritas no rol exemplificativo do artigo 1.638 do Código Civil, que aduz:
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção.
Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que:
I – praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar: a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;
b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão;
II – praticar contra filho, filha ou outro descendente:
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;
b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão.
Dessa forma, perderá o poder familiar os genitores que castigarem imoderadamente o filho, uma vez que seria maldade manter os menores sob o poder de uma pessoa violenta que oprime com punições e maus-tratos. Logo, quando se fala em castigar imoderadamente, subentende-se que seria possível aos pais castigar fisicamente os filhos, desde que de forma moderada, no entanto, o artigo supracitado deve ser observado em consonância com os princípios constitucionais, não sendo esta, portanto, a melhor interpretação a ser feita. Conforme aduz Paulo Lôbo:
O Código Civil, ao incluir a vedação ao castigo imoderado, admite implicitamente o castigo moderado. O castigo pode ser físico ou psíquico ou de privação de situações de prazer. Sob o ponto de vista estritamente constitucional não há fundamento jurídico para o castigo físico ou psíquico, ainda que “moderado”, pois não deixa de consistir em violência à integridade física do filho, que é direito fundamental inviolável da pessoa humana. (LÔBO, 2011, p. 308-309)
Com base no artigo 227 da Constituição Federal, tem-se que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar com total prioridade os direitos à dignidade e ao respeito, logo, devem mantê-los afastados de qualquer violência, crueldade ou opressão.
Desse modo, também perderão o poder familiar aqueles que deixarem o filho em abandono, que pode ser de forma material, quando prejudica a saúde e sobrevivência, bem como pode ser de forma moral e intelectual, quando implica em descuido com a educação e moralidade do menor. Além disso, no artigo 227 da Constituição Federal também é garantido o direito das crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária, logo, com o abandono, há a privação do filho a esse direito. Ainda, vale ressaltar que com base no artigo 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente não se caracteriza motivo suficiente para perda do poder familiar a simples ausência e/ou carência de recursos materiais, é necessário que haja o descuido intencional por parte dos detentores desse poder.
Para Álvaro Villaça (2019), não é indicado que os filhos encontrem-se em ambiente promíscuo e inadequado, com comportamento imoral e vida desregrada dos genitores, uma vez que esses maus exemplos podem prejudicar a formação moral da prole que é facilmente influenciável, portanto, é imprescindível que os pais mantenham um postura digna e honrada. Logo, aquele que praticar atos contrários à moral e aos bons costumes perderá o poder familiar.
O inciso IV do artigo supratranscrito trata-se de uma hipótese de perda do poder familiar que inexistia no Código Civil de 1916, assim sendo, é uma inovação que tem como finalidade impedir que os pais repitam demasiadamente a conduta que acarreta a suspensão desse poder. De igual forma, perderá o poder familiar àquele que realizar a entrega irregular de criança a terceiro sem o devido procedimento legal, geralmente acontece quando os pais biológicos entregam a criança, comumente recém-nascida, diretamente a quem pretende adotar sem a devida verificação do procedimento de adoção e sem a observância do cadastro nacional de pessoas habilitadas. Entretanto, a norma não impede a adoção “intuitu personae” ou ação dirigida, dado que o principal objetivo é a proteção da criança e do adolescente e com a criação do vínculo com a família adotiva torna-se mais dificultoso para os menores a separação.
Ainda, através da lei nº 17.715/2018 foi inserido no artigo supracitado do Código Civil o parágrafo único que trouxe mais algumas hipóteses onde haverá a perda do poder familiar, tais como: praticar crime contra outro titular do poder familiar bem como praticar crimes contra os filhos ou outros descendentes. Essas novas hipóteses foram introduzidas pelo legislador com o objetivo de cessar a violência doméstica, a discriminação e o menosprezo à mulher, bem como de proteger a dignidade sexual da prole. Dessa forma, verifica-se a preocupação do legislador em garantir um lar seguro e harmonioso, fazendo com que sempre prevaleça o melhor interesse da criança e do adolescente, assim como também a devida segurança dos seus direitos, cabendo aos pais atentar-se para suas obrigações que são determinadas pelo nosso ordenamento.
4.2 Perda da capacidade sucessória em decorrência da destituição do poder familiar
A destituição do poder familiar por si só não possui o condão de romper o vínculo de parentesco existente entre os pais e os filhos, desse modo, permanece as obrigações e deveres decorrentes desse vínculo. Assim menciona Maria Berenice Dias:
A perda do poder familiar não rompe o vínculo de parentesco. Porém, destituído o genitor do poder familiar, não dá para admitir que conserve o direito sucessório com relação ao filho. No entanto, o filho permanece com direito à herança do pai. Ainda que esta distinção não esteja na lei, atende a elementar regra de conteúdo ético. (DIAS, 2016, p. 794).
O direito sucessório dos filhos em relação aos pais é decorrente do estado de filiação-paternidade/maternidade. Nesse sentido, é de suma importância verificar que a destituição não se confunde com a quebra do vínculo parental, pois na primeira situação ocorre somente a perda da autoridade sobre os filhos, mantendo, porém, o nome da família dos genitores, havendo, portanto, apenas uma averbação no registro civil que os pais foram destituídos do poder familiar.
Já a quebra do vínculo parental somente ocorrerá quando a criança ou adolescente for adotado por outra família, conforme aduz o artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”.
Desse modo, enquanto não for adotado o vínculo será mantido e igualmente o direito à sucessão para o filho, todavia, quando for adotado, passará a ter novo vínculo de parentesco e sucessão com os adotantes.
Dessa forma, aduz os irmãos Pelegrini:
Extinto o poder familiar por qualquer causa, exceto adoção, subsiste o direito sucessório. Pense-se, v.g., em uma pessoa que alcance a maioridade. Esta extingue o poder familiar, não, porém, o estado de filiação-paternidade/maternidade. O filho maior conserva, como ninguém ignora, seu direitos sucessórios. O mesmo ocorre com a destituição do poder familiar. (PELEGRINI; PELEGRINI, 2017, p. 1).
Destarte, devido à ausência de norma regulamentadora acerca do assunto, entende-se que se houver a destituição, mas ainda não tiver ocorrido a adoção, continuará mantida a relação jurídica de parentesco entre eles e permanecerão os direitos sucessórios do filho, tendo em vista que este é herdeiro necessário. No entanto, não permanecerão os direitos sucessórios dos pais em relação aos filhos.
Isso ocorre com o objetivo de assegurar os direitos sucessórios da criança ou adolescente, tendo em vista que não deram causa à destituição do poder familiar dos pais, desse modo, não poderiam ser ainda mais lesados pelo descuido dos seus genitores. Quanto aos genitores acredita-se que não possuem direito à herança, pois seria injusto e até indigno aqueles que se mostraram inaptos para educar e criar seus filhos, vir a herdar algum patrimônio destes, visto que seria o mesmo que dar uma recompensa àqueles que fizeram mal a outrem, ao invés de puni-los.
Não há o que se negar que o sistema jurídico preocupa-se com o direito-dever de proteção e cuidado dos pais perante a prole. E, embora a legislação seja omissa em relação às consequências sucessórias da destituição do poder familiar o que se tem entendido é que para proteção das crianças e adolescentes, estas poderão herdar dos pais destituídos enquanto houver o vínculo de parentesco, após a adoção, o poder familiar é transmitido aos pais adotantes, e assim será criado um novo vínculo, passando a não ter mais direito sobre a herança dos pais destituídos.
5 CONCLUSÃO
O presente estudo teve como objetivo primordial averiguar a possibilidade ou impossibilidade de haver a sucessão legítima após destituição do poder familiar, analisando a relação ascendentes-descendentes e vice-versa.
No primeiro capítulo foi abordado sobre o poder familiar no Brasil, fazendo estudo conceitual e de suas características, abordando também os princípios gerais e específicos que resguardam o direito de família. Além disso, no primeiro capítulo também foi possível analisar as formas de extinção, de perda e suspensão do poder familiar, de modo que foi necessário para o entendimento desse instituto de forma mais ampla.
No segundo capítulo buscamos estudar a sucessão legítima no Brasil, a importância da herança como direito fundamental bem como os princípios específicos que conservam o direito sucessório. Ainda, neste mesmo capítulo realizamos o estudo do instituto da vocação hereditária presente na sucessão legítima, bem como os institutos da deserdação e indignidade, caracterizados como formas de perda da capacidade sucessória.
Por fim, no último capítulo, fez-se necessário a abordagem das hipóteses existentes de perda do poder familiar e como a destituição do poder familiar acarretaria a perda da capacidade sucessória. Ao longo das pesquisas, foi possível observar que apenas a destituição do poder familiar não acarreta a perda da capacidade sucessória dos filhos, no entanto, em relação aos genitores destituídos, entende-se que por uma questão de ética não seria possível conservar o direito sucessório, tendo em vista que a destituição do poder familiar ocorreu por sua culpa.
Dessa forma, temos que apenas a destituição não rompe o vínculo de parentesco existente entre pais e filhos, portanto, os filhos continuam sendo herdeiros necessários, e consequentemente, terão direito à herança. No entanto, se esse filho for adotado por uma nova família, haverá o rompimento desse vínculo e este filho criará novos vínculos de parentesco e sucessórios com os adotantes.
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[1] Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail: [email protected].
[2] Orientador, Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Mestre em Direito pela PUCRS e Doutorando em Ciências Criminais pela PUCRS. E-mail: [email protected].
[3] Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA
Bacharelanda do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Caroene Alane Pinheiro. A (im) possibilidade de sucessão legítima após a destituição do poder familiar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 abr 2020, 04:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54452/a-im-possibilidade-de-sucesso-legtima-aps-a-destituio-do-poder-familiar. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
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