Resumo: este artigo trata da impossibilidade de se manter e de se impor medida socioeducativa de internação a adolescentes, enquanto perdurar a situação de calamidade pública nos estados e no DF em decorrência da pandemia causada pelo novo Corona Vírus (COVID-19). Será feita uma argumentação em torno da jurisprudência brasileira e dos diplomas internacionais de direitos humanos, bem como da legislação pátria, como forma de embasar as ideias expostas. Discorre que o melhor interesse da criança / adolescente deve ser colocado como prioridade, ressaltando, ainda, que as medidas socioeducativas não possuem caráter punitivo, como se fossem penas, mas sim caráter pedagógico. Conclui no sentido de que as medidas socioeducativas em meio aberto ou de internação domiciliar se demonstram como uma melhor opção neste momento crítico vivido no país.
Palavras-chave: COVID. Pandemia. Internação. Adolescente.
Abstract: this paper will talk about the impossibility to keep and to impose the socio-educative penalty of internment on adolescents, while the situation of public calamity on states and Federal District caused by Corona Virus (COVID-19) stands. This paper will do an argumentation considering Jurisprudence, International Documents of Human Rights and brazilian legislation, with the objective to sustain the ideas that were discussed. Must be said that the best interest of children and adolescents should be put as the main priority, remembering that the socio-educative penalties don’t have the nature of prison penalty, but a pedagogic one. Consequently, the socio-educative penalties that do not harm freedom or permit the domiciliary internment are considered the best option to this moment faced by the country.
Keywords: COVID. Pandemic. Internment. Adolescent.
Sumário: Introdução. 1. A medida socioeducativa de internação. 1.1. Previsão no ordenamento jurídico pátrio. 1.2. Previsão na esfera internacional e aplicação nos processos brasileiros. 2. A crise do sistema socioeducativo. 3. A pandemia em decorrência do COVID-19 (Corona Vírus). 4. Impossibilidade de ocorrência de internações socioeducativas durante a pandemia. 5. Conclusão. 6. Referências.
Introdução
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) adota a teoria da Proteção Integral, no sentido de que toda criança e adolescente, nos termos do art.227 da Constituição Federal (CRFB), são verdadeiros sujeitos de direito. Nesse sentido, deve o Estado, a família e a sociedade assegurarem a essas pessoas todos os direitos previstos no ordenamento jurídico nacional e internacional com absoluta prioridade. Essa posição jurídica adquirida pelos infantes brasileiros adveio após a superação da visão de que eles seriam meros objetos de tutela, tão difundida à época do Código de Melo Matos (1927) e o Código de Menores de 1979.
Dessa forma, a tutela do princípio do melhor interesse da criança e adolescente deve prevalecer independentemente da circunstância, inclusive em relação à aplicação de medidas socioeducativas a adolescentes em conflito com a lei[1].
Por isso, considerando que o Brasil vive uma pandemia declarada pela incidência do COVID-19 e que o sistema socioeducativo brasileiro possui um quadro de superlotação[2], será feita uma análise doutrinária, legal e jurisprudencial a fim de embasar o argumento da impossibilidade de se manter e de se aplicar medida socioeducativa de internação a adolescentes, enquanto a pandemia perdurar. Isso porque, sendo medida de caráter pedagógico e que (pelo menos em tese) não se assemelha com uma sanção penal, a imposição de internação a jovens é um fator de preocupação, tendo em vista as chances reais de o vírus espalhar-se pelo sistema socioeducativo de forma rápida e grave.
1. A medida socioeducativa de internação
1.1. Previsão no ordenamento jurídico pátrio
Prevista no ECA em seu art. 112, inciso VI, a internação em estabelecimento educacional é a medida socioeducativa mais gravosa existente em nosso ordenamento jurídico: há privação da liberdade do adolescente, razão pela qual o art. 121 do ECA determina que sejam considerados os princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Ainda, nos termos da Lei 12.594/12 (que institui o SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) em seu art. 35, incisos II e V, reforça-se que deve haver excepcionalidade e brevidade na imposição de qualquer medida socioeducativa. Isso porque se um dos objetivos na aplicação da medida socioeducativa é a integração social do adolescente (art. 1º, §2º, inciso II, Lei do SINASE), então necessariamente aquela deverá sempre contribuir para esse fim (levando-se em consideração as circunstâncias vividas pela sociedade, como quadros de pandemia).
Frisa-se que a imposição da medida de internação é tão gravosa que as situações que permitem sua ocorrência encontram-se taxativamente no art. 122, ECA. São elas[3]:
I – ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa;
II – reiterado cometimento de outras infrações graves[4] e
III – reiterado descumprimento injustificado de medida socioeducativa anteriormente imposta.
Por isso, conforme doutrina[5],
A medida de internação somente deve ser aplicada em último caso. Trata-se do princípio da excepcionalidade, proclamado na lei e na Constituição Federal. Deve ser evitada a qualquer custo, visto mostrar-se excessivamente danosa à pessoa em desenvolvimento e pouco eficaz enquanto estratégia pedagógica.
Ao revés dos juízos locais, que costumam olvidar o caráter de exceção da medida, banalizando seu manejo, o STJ, no corpo das mais diversificadas decisões proferidas sempre buscou reafirmar a este caráter de ultima ratio do regime sócio-educativo extremo.
Assim sendo, é muito clara a posição do legislador constituinte e infraconstitucional brasileiro, no sentido de que a internação deve ser aplicada com cuidado, reflexão e, acima de tudo, considerando o melhor interesse do adolescente.
1.2. Previsão na esfera internacional e aplicação nos processos brasileiros
Na órbita internacional, as Regras de Beijing[6] (regras mínimas das Nações Unidas para a administração da justiça, da infância e da juventude) tem incidência sobre os jovens infratores (regra 2.1), estes considerados como aqueles a quem se tenha imputado o cometimento de uma infração ou que sejam considerados culpados do cometimento de uma infração (regra 2.2, alínea “c”).
Todo o sistema judiciário a incidir sobre essas pessoas devem levar em conta seu bem-estar e garantir que qualquer decisão em relação será sempre proporcional às circunstâncias do infrator e da infração (regra 5.1). Por isso, é permitida a internação do adolescente, mas desde que seja o último recurso possível e pelo período mais breve possível (regra 19.1).
Frisa-se que, nos termos do art. 3º, item 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, todas as ações relativas às crianças[7], inclusive aquelas que advenham dos tribunais, devem considerar, primordialmente, o melhor interesse daquelas.
Não prosperam argumentos no sentido de que a legislação internacional não possui aplicação cogente no Brasil[8] por uma suposta falta de previsão legal, eis que segundo RAMOS[9]
A supremacia da Constituição consiste na sua qualidade de norma superior, que representa o pressuposto de validade de todas as demais normas do ordenamento jurídico. Essa qualidade (superioridade) é fruto de dois critérios: o material e o formal.
(...) na seara dos direitos humanos também sofre as consequências da internacionalização dos direitos humanos. A ideia de supremacia da Constituição deve ser compatibilizada com a proteção internacional dos direitos humanos, fazendo nascer o respeito à interpretação internacionalista dos direitos humanos.
Portanto, também sob a ótima internacional, é absolutamente vedado que se imponha ou se mantenha uma medida socioeducativa de internação a um adolescente tão somente pela gravidade do ato praticado.
2. A crise do sistema socioeducativo
Criadas para serem locais em que adolescentes internados praticam atividades como estudar e obter formação técnica, as entidades que realizam programa de internação são, muitas vezes, verdadeiro pesadelo para esses jovens e os profissionais que lá trabalham.
A superlotação, falta de estrutura e o risco iminente de “rebeliões”[10] fazem parte do cotidiano dessas instituições, o que levou, inclusive, o STF a manifestar-se sobre a situação.
No Habeas Corpus (HC) 143988, o Ministro Edson Fachin determinou que a Unidade de Internação Regional Norte (Uninorte), localizada em Linhares (ES) mantivesse sua lotação em até 119% da capacidade total[11]. Em relação aos adolescentes que estivessem ocupando vagas além dessa lotação, eles deveriam ser transferidos para outras unidades que não estivessem com índices tão críticos de lotação. Subsidiariamente, deveriam ser colocados em programa de meio aberto ou, ainda, internação domiciliar.
Salta aos olhos que a lotação máxima fixada pelo ministro tenha sido de 119%, ou seja, já acima da capacidade normal que, por questões lógicas, é de 100%. Isso, por si só, já caracterizaria uma ilicitude nas medidas de internação pois, como dito exaustivamente, medida socioeducativa não é pena, tal como a sanção imposta no Direito Penal.
Esse caso demonstra o quanto o sistema socioeducativo brasileiro é sucateado e violador de direitos humanos. Em um caso que gerou até mesmo Nota Pública por parte do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA[12], três adolescentes foram mortos no interior do Centro de Atendimento Socioeducativo de Pernambuco (Case), em Vitória de Santo Antão, no dia 2 de abril de 2017 durante uma rebelião.
Mais recentemente, o Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP realizou um levantamento acerca dos programas de internação e semiliberdade no Brasil[13], indicando a existência de superlotação, falta de pessoal suficiente, ausência de manutenção nas estruturas das unidades e más condições de trabalho para os servidores existentes.
Portanto, é fácil visualizar que qualquer problema relativo a doenças, principalmente as respiratórias, cujo contágio é extremamente rápido e fácil[14], tem chances reais de causar graves problemas no sistema socioeducativo brasileiro. Não são oferecidas condições mínimas aos adolescentes para que estes possam manter medidas de higiene adequadas, tampouco instalações aptas a evitar contato com pessoas infectadas. Impossível falar em distanciamento diante de um local superlotado.
3. A pandemia em decorrência do COVID-19 (Corona Vírus)
Em dezembro 2019 surgia o primeiro caso, conforme a Organização Mundial da Saúde - OMS, de uma doença até então desconhecida pela humanidade. Era uma síndrome respiratória, com sintomas parecidos com outras, como a MERS - Síndrome Respiratória do Oriente Médio.
Após estudos científicos, verificou-se que o vírus é do tipo SARS-COV-2 (coronavírus de síndrome respiratória aguda grave 2). Nas semanas seguintes, os casos de contágio pela doença difundiram-se pelo mundo rapidamente, sendo um efeito colateral da facilidade de deslocamento a nível mundial hoje vivida.
Em fevereiro de 2020, o Brasil registrou o primeiro caso da doença e, no mês seguinte, o Governo Federal informou que havia transmissão comunitária do vírus.
Desde então, medidas de isolamento social têm se espalhado pelo país, conforme recomendação da OMS, com os Entes Federativos agindo, na medida do possível, para tentar conter o atual quadro de pandemia (como a realização de compra de respiradores, abertura de leitos, inauguração de hospitais de campanha, dentre outras situações). Isso porque, até o dia 23/04/20, o Brasil contava com 45.757 casos de pessoas contaminadas pelo COVID-19, com 2.906 óbitos[15]. Os números são crescentes e demandam atenção redobrada, haja vista a necessidade de se evitar o colapso do sistema de saúde pelo excesso de procura simultânea.
Em que pese haver profusão em meios de comunicação de informações no sentido de que a doença, na maioria dos casos, causa sintomas gripais, há preocupação pois ela também causa em número considerável de pacientes[16] consequências graves, como insuficiência respiratória e, até mesmo, óbito. A situação agrava-se por ser essa doença de fácil contágio, advindo daí a importância do isolamento social como medida para reduzir os índices de novos casos.
4. Impossibilidade de ocorrência de internações socioeducativas durante a pandemia
Conforme mencionado, há uma profusão no país de medidas de isolamento social, em que pese uma parte da população (embasada por manifestações de determinados políticos) insistirem na desnecessidade de tal providência.
No entanto, conforme exposto até aqui, demonstrou-se o quadro de superlotação do sistema socioeducativo brasileiro. Diante disso, questiona-se: como pode ser possível manter a segurança dos adolescentes em cumprimento da medida de internação, bem como dos profissionais que trabalham em tais instituições, no quadro atual de saúde pública?
Em 17 de março de 2020, o CNJ emitiu a Recomendação nº 62, de maneira a recomendar medidas para evitar a propagação do Corona Vírus no âmbito do sistema penal e socioeducativo. Em decorrência do escopo deste trabalho, interessa-nos análise do conteúdo do art. 2º da Recomendação:
Art. 2º Recomendar aos magistrados competentes para a fase de conhecimento na apuração de atos infracionais nas Varas da Infância e da Juventude a adoção de providências com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, a aplicação preferencial de medidas socioeducativas em meio aberto e a revisão das decisões que determinaram a internação provisória, notadamente em relação a adolescentes:
I – gestantes, lactantes, mães ou responsáveis por criança de até doze anos de idade ou por pessoa com deficiência, assim como indígenas, adolescentes com deficiência e demais adolescentes que se enquadrem em grupos de risco;
II – que estejam internados provisoriamente em unidades socioeducativas com ocupação superior à capacidade, considerando os parâmetros das decisões proferidas pelo STF no HC no 143.988/ES;
III – que estejam internados em unidades socioeducativas que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento, estejam sob ordem de interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão do sistema de jurisdição internacional, ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus.
Além desse dispositivo, importante também o art. 3º:
Art. 3º Recomendar aos magistrados com competência para a execução de medidas socioeducativas a adoção de providências com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, especialmente:
I – a reavaliação de medidas socioeducativas de internação e semiliberdade, para fins de eventual substituição por medida em meio aberto, suspensão ou remissão, sobretudo daquelas: a) aplicadas a adolescentes gestantes, lactantes, mães ou responsáveis por criança de até 12 anos de idade ou por pessoa com deficiência, assim como indígenas, adolescentes com deficiência e demais adolescentes que se enquadrem em grupo de risco; b) executadas em unidades socioeducativas com ocupação superior à capacidade, considerando os parâmetros das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus no 143.988/ES; e c) executadas em unidades socioeducativas que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento, estejam sob ordem de interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão do sistema de jurisdição internacional, ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus;
II – a reavaliação das decisões que determinaram a aplicação de internação-sanção, prevista no art. 122, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pois bem. Fica muito claro pela posição do CNJ que há efetivamente uma predileção por medidas socioeducativas em meio aberto, ou mesmo o cumprimento de internação domiciliar. Não é segredo que o sistema socioeducativo em muito se parece com o sistema penal pelas estruturas precárias e superlotadas. E mesmo que não haja superlotação, o sistema socioeducativo não tem condições de evitar que o Corona Vírus se propague, dada a arquitetura das instituições de internação: a disposição dos adolescentes em celas, próximas umas das outras, quase sempre sem ventilação e iluminação adequadas.
Nesse aspecto, entendemos que deve ser feita uma interpretação constitucional e convencional da Recomendação n° 62 do CNJ, no sentido de ser vedado que se imponham ou se mantenham as medidas socioeducativas de internação no sistema nacional.
Diferentemente do Direito Penal, em que uma sanção imposta tem fins de prevenção e reprovação da conduta do agente (art. 59, CP), a medida socioeducativa tem fins educativos, de cunho social, com o objetivo de retirar o adolescente em conflito com a lei da situação de risco em que ele se encontrava. A manutenção ou decretação de medidas de internação nesse momento de pandemia vai de encontro a esses fins, pois terá como único objetivo manter esses jovens “presos” e isolados de seus familiares.
Argumentos no sentido de que muitos adolescentes estão internados por terem cometido atos graves parte de um pressuposto dogmático totalmente equivocado. Isso porque esse tipo de narrativa ignora justamente a natureza jurídica da internação, que não é de pena. Ou seja: o adolescente (pelo menos em tese) não é internado como reprimenda pela sua conduta; é internado porque a medida socioeducativa em questão é a ideal para que ele seja orientado, receba educação formal, alimentação, dentre outros direitos, tudo visando o seu bem estar.
Naturalmente, não se ignora que a pessoa[17] que sofreu o ato infracional do adolescente merece reparação. No entanto, o próprio ECA trouxe medidas adequadas para isso, como o art. 116 que prevê a reparação do dano caso o ato infracional tenha implicações patrimoniais. A reparação daquele que sofreu o ato infracional jamais dar-se-á por intermédio da internação do adolescente em conflito com a lei.
Também não prospera argumentar que se deve manter os adolescentes internados em nome do interesse público. Esse argumento cai por terra rapidamente ao se verificar que o art. 227, CRFB e o art. 3º, item 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança são claros e expressos ao dizer que o interesse dos adolescentes é prioridade total do Estado, da família e da sociedade.[18]
Nesse sentido, todos os adolescentes em cumprimento de internação devem ser colocados em medidas de meio aberto, havendo acompanhamento por profissional habilitado (liberdade assistida – art. 118, ECA) nos casos necessários. Em situações mais críticas, deve-se impor a internação domiciliar.
Pode-se argumentar que diversos adolescentes não têm uma residência apropriada, como aqueles que moram em “barracos” e palafitas e que, por isso, não cumpririam adequadamente as soluções propostas. Contudo, esse tipo de raciocínio equivale à mesma visão simplista (e preconceituosa) acerca da “necessidade” de se prender preventivamente pessoas em situação de rua que delinquem, pelo risco de não serem mais encontradas. Essa criminalização da pobreza não pode subsistir em um ambiente de proteção total dos direitos das crianças e dos adolescentes (RHC 39580 – STJ).
5. Conclusão
Por intermédio deste trabalho, propôs-se uma análise acerca da necessidade de tutela dos direitos dos adolescentes que cumprem medida de internação. A situação do Brasil (e do mundo) em decorrência do Corona Vírus é grave, merecendo reflexões e debates que fogem da normalidade.
Em que pese, num primeiro momento, parecer “radical” impedir que se imponha e se mantenha a internação socioeducativa durante a pandemia, sob uma análise constitucional e convencional conclui-se que essa é a melhor opção. O sistema socioeducativo corresponde a um estado de coisas inconstitucionais, com uma incapacidade generalizada de os Entes Federativos manterem instalações adequadas para os adolescentes e os profissionais que lá atuam. A internação, que era para ser um período de formação, reflexão e crescimento pessoal e espiritual dos jovens é, há muito tempo, simplesmente um simulacro do cárcere destinado a adultos.
Essa condição se agrava em decorrência da pandemia vivida atualmente, pois basta um único caso da doença nessas instituições para que haja uma disseminação rápida entre as pessoas que ali estão.
Referências
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Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP. Levantamento do CNMP indica que há superlotação em unidades de atendimento socioeducativo no Brasil. Disponível em <https://www.cnmp.mp.br/portal/todas-as-noticias/12528-levantamento-do-cnmp-indica-que-ha-superlotacao-em-unidades-de-atendimento-socioeducativo-no-brasil>, acesso em 21/4/20.
Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP. Panorama da Execução dos Programas Socioeducativos de Internação e Semiliberdade nos Estados Brasileiros. Brasília, 2019. Disponível em < https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2019/programas-socioeducativos_nos-estados-brasileiros.pdf>, acesso em 22/04/20.
El País. Últimas notícias sobre o coronavírus no Brasil e no mundo. El País. Publicado em 23/04/20 15:56. Disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-04-23/ao-vivo-ultimas-noticias-sobre-o-coronavirus-no-brasil-e-no-mundo.html>, acesso em 23/04/20.
FRASSETO. Flávio Américo. Ato infracional, medida sócio-educativa e processo: a nova jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In Estudos – Revista Igualdade, nº XXXIII. Disponível em <http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-689.html>, acesso em 21/4/20.
Organização dos Estados Americanos. Comunicado de Imprensa: CIDH manifesta preocupação pelas contínuas mortes de adolescentes em centros socioeducativos no Brasil. Publicado em 27/06/20. Disponível em < https://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2018/138.asp>, acesso em 20/04/20.
RAMOS. André Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 5ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, pag. 486/487.
Redação RBA. Sistema socioeducativo no Brasil segue ‘modelo de cadeia’, diz presidente da CIDH. RBA-Rede Brasil Atual. Publicado em 23/03/17 15:15. Disponível em < https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2017/03/sistema-socioeducatioeducativo-no-brasil-segue-modelo-de-cadeia-diz-presidente-da-cidh/>, acesso em 18/04/20.
____. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>, acesso em 21/04/20.
____. DECRETO Nº 99.710, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1990. Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm>, acesso em 20/04/20.
____. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>, acesso em 21/04/20.
____. Recomendação nº 62, de 17 de março de 2020 do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em < https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/03/62-Recomenda%C3%A7%C3%A3o.pdf>, acesso em 22/04/20.
____. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude - Regras de Beijing. Disponível em <http://www.crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1074>,acesso em 20/04/20.
[1] Ressalta-se que em relação às crianças (pessoas com até 12 anos de idade incompletos) não se aplica medida de segurança, mas apenas medida de proteção, nos termos do art. 98 c/c art. 112, ECA.
[2] Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP. Levantamento do CNMP indica que há superlotação em unidades de atendimento socioeducativo no Brasil. Disponível em <https://www.cnmp.mp.br/portal/todas-as-noticias/12528-levantamento-do-cnmp-indica-que-ha-superlotacao-em-unidades-de-atendimento-socioeducativo-no-brasil>, acesso em 21/4/20.
[3] ____. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>, acesso em 21/04/20.
[4] Por interpretação sistemática, verifica-se que essas outras infrações de natureza grave não são aquelas praticadas com violência ou grave ameaça à pessoa, pois, se assim o fosse, o caso seria enquadrado no inciso I. No entanto, o que é “infração grave”? Certamente uma expressão genérica, vaga, desse tipo em nada contribui para a segurança jurídica nos processos que apuram ato infracional (mormente se for considerado que o princípio da legalidade penal, que dispõe que as leis penais não devem conter vagueza, também se aplica à esfera socioeducativa - Lei do SINASE, art. 35, inciso I – o adolescente não pode receber tratamento mais gravoso que o adulto).
[5] FRASSETO. Flávio Américo. Ato infracional, medida sócio-educativa e processo: a nova jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In Estudos – Revista Igualdade, nº XXXIII. Disponível em <http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-689.html>, acesso em 21/4/20.
[6] Elaborado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1985.
[7] Ao contrário da órbita nacional que, pelo ECA, faz a distinção entre criança (pessoa com até 12 anos incompletos) e adolescente (pessoa com idade entre 12 e 18 anos incompletos), a órbita internacional dispõe que criança é toda pessoa com idade até 18 anos (art. 1º, Convenção Sobre os Direitos da Criança).
[8] Basta lembrar das vozes contrárias à Resolução 213/15 do CNJ, que regulamentou as audiências de custódia, no sentido de que elas seriam incabíveis por não possuir previsão em lei. Ocorre que tais audiências estão previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH – art. 7º, item 5), o qual o Brasil deve obediência, pela corrente doutrinária majoritária, desde 1992, dada a edição do Decreto 678.
[9] RAMOS. André Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 5ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, pag. 486/487.
[10] Fazemos questão de frisar que a palavra “rebelião” é colocada entre aspas pois deveria ser impensável que um local que serviria para auxiliar na formação do adolescente em conflito com a lei seja palco de atos de violência. Porém, infelizmente, essa é a realidade brasileira: instituições de internação que parecem presídios para quem ainda não completou 18 anos (ou 21 anos, em determinados casos).
[11] Após essa decisão, o Ministro estendeu os seus efeitos para mais quatro unidades da Federação: Rio de Janeiro; Ceará; Pernambuco e Bahia, o que demonstra que o problema é nacional, não apenas localizado.
[12] Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA. Nota Pública. Disponível em <https://www.direitosdacrianca.gov.br/documentos/notas-publicas-dos-conanda/nota-publica-sobre-o-sinase-pernambuco-06-04-2017>, acesso em 22/4/20.
[13]Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP. Disponível em <https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2019/programas-socioeducativos_nos-estados-brasileiros.pdf>, acesso em 22/4/20.
[14] Basta, por exemplo, levar as mãos contaminadas à boca ou aos olhos para a pessoa infectar-se.
[15] El País. Últimas notícias sobre o coronavírus no Brasil e no mundo. El País. Publicado em 23/04/20 15:56. Disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-04-23/ao-vivo-ultimas-noticias-sobre-o-coronavirus-no-brasil-e-no-mundo.html>, acesso em 23/04/20.
[16] O chamado “grupo de risco” é composto por pessoas que têm maior probabilidade de desenvolver os sintomas mais graves da doença, como aquelas que tenham doença preexistente (como diabetes, hipertensão e asma).
[17] Evita-se usar o termo “vítima” pela sua forte conotação de natureza penal.
[18] Essa prioridade na tutela do interesse do adolescente diz respeito a todos eles, inclusive os que cumprem medida socioeducativa de internação. Objetivar uma separação entre adolescentes que nunca praticaram ato infracional e adolescentes em conflito com a lei é ressuscitar a odiosa lógica do Código de Menores, criando adolescentes de “segunda categoria”.
Pós-Graduando em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Rio Grande do Sul - PUCRS. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO. Ex-aluno da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, WILSON MACENA DA. Da impossibilidade de ser mantida ou de ser imposta a medida socioeducativa de internação durante a pandemia de Covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 maio 2020, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54475/da-impossibilidade-de-ser-mantida-ou-de-ser-imposta-a-medida-socioeducativa-de-internao-durante-a-pandemia-de-covid-19. Acesso em: 23 dez 2024.
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