RESUMO: O objetivo deste artigo é investigar em que medida se relaciona o aval, a cessão civil de crédito e endosso nos diferentes títulos de crédito. Para isto, aplicou-se o método dedutivo, com as técnicas de pesquisa documental e bibliográfica, através da análise das do Código Civil de 2002 e do Decreto nº 57.663/66, a Lei Uniforme de Genebra. Primeiramente, foi estudado o aval e suas especificidades relacionadas aos diferentes títulos de crédito; posteriormente, verificaram-se os efeitos da cessão civil de crédito; e, ao final, restou demonstrado o endosso e suas características na transmissão da propriedade dos títulos de crédito. Com a análise realizada, é possível perceber as diferenças entre os diferentes institutos e a aplicação aos diversos títulos de crédito.
Palavras-chave: Aval. Cessão civil de créditos. Endosso. Títulos de crédito. Lei Uniforme de Genebra.
SUMÁRIO: 1) INTRODUÇÃO. 2) AVAL: GARANTIAS E SUAS CARACTERÍSTICAS. 3) A UTILIZAÇÃO DA CESSÃO CIVIL DE CRÉDITOS E SEUS EFEITOS. 4) CIRCULAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO POR ENDOSSO. 5) CONCLUSÕES. 6) REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO.
Este artigo trata a respeito do aval, da cessão civil de crédito e do endosso aplicados aos títulos de crédito, no âmbito do direito cambiário e as diferenças de acordo com a legislação aplicável.
Atualmente, a regulamentação jurídica está concentrada no Código Civil de 2002 e na Lei Uniforme de Genebra, internalizada através do Decreto nº 57.663/66. A aplicação das normas será feita de acordo com o princípio da especialidade, prevalecendo à lei específica na antinomia de normas. As letras de câmbio e as notas promissórias são regidas pelo decreto nº 57.663/66; enquanto o cheque é regido pela Lei nº 7.357/85 e a duplicata pela Lei 5.474/68.
De tal modo, este artigo foi estruturado em três seções, iniciando pela análise do aval, suas características e diferenças de acordo com a legislação de regência; para, em seguida, desenvolver a matéria relacionada à Cessão Civil de Créditos; focando na questão do endosso, seus efeitos e características; objetivando concluir como são aplicados estes institutos jurídicos e os títulos de crédito envolvidos.
2) AVAL: GARANTIAS E SUAS CARACTERÍSTICAS.
O aval é uma garantia prestada ao pagamento do débito em nome do avalizado, geralmente o emitente ou endossante, através de um ato de vontade onde se obriga perante o credor e presta garantia perante um dos devedores (NEGRÃO, 2017, p. 151). O aval é uma declaração de vontade cambial, prestado na própria cártula, com obrigação solidária em relação ao avalizado, sem benefícios de ordem na execução.
Para os títulos de crédito que não se submetem a LUG ou a leis especiais, é vedado o aval parcial, bem como o aval póstumo, dado após o vencimento, tem os mesmos efeitos daquele dado antes, nos termos do art. 897, § Ú e art. 900 do CC/02[1], caso da duplicata. Lado outro, se considerarmos as letras de câmbio e a nota promissória, reguladas na LUG, são possíveis o aval parcial, escrito na própria letra, indicando o valor que é garantido, conforme art. 30 e 47 da LUG[2]. No cheque é cabível o aval parcial, conforme art. 29 da Lei 7.357/85[3].
Em geral, o aval decorre de ato de mera liberalidade, declaração de vontade onde o avalista garante a dívida do avalizado, a título gratuito. Não obstante, dependendo do caso concreto, podem-se perquirir os fundamentos jurídicos para o lançamento do aval, conforme entendimento do STJ:
(...) 7. Tratando-se, como no particular, de aval prestado por sociedade empresária, não se pode presumir que a garantia cambiária tenha sido concedida como ato de mera liberalidade, devendo-se apurar as circunstâncias que ensejaram sua concessão.
8. De fato, é bastante comum que as relações negociais travadas no âmbito empresarial envolvam a prestação de garantias em contrapartida a algum outro ato praticado (ou a ser praticado) pelo avalizado ou por terceiros interessados.
9. Conforme anota respeitável doutrina, ainda que não exista contraprestação direta pelo aval, há situações em que a garantia foi prestada com o objetivo de auferir algum ganho, mesmo que intangível, como ocorre na hipótese de aval prestado em benefício de sociedades do mesmo grupo econômico ou para viabilizar operações junto a parceiros comerciais, hipóteses nas quais não se pode considerar tal obrigação como a título gratuito.
(STJ – REsp 1829790/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 22/11/2019)
Ainda, o aval pode ser simultâneo ou sucessivo. Este é aquele aval dado a um avalista, o aval do aval, tendo o avalista do avalista o direito de regresso em face do avalizado; enquanto aqueles, simultâneos, são os avais prestados por várias pessoas em face do mesmo devedor, sendo os avalistas solidários civis entre si, regidos pelos arts. 275-285 do CC/02.
Dessa forma, o aval, como garantia prestada para débito de terceiro, é um instrumento cambial que possibilita maior possibilidade do credor receber o valor dado em crédito. A legislação aplicável e o modelo de aval variarão de acordo com o título de crédito avalizado, já que deverá ser realizada a ciência em relação à legislação aplicável.
3) A UTILIZAÇÃO DA CESSÃO CIVIL DE CRÉDITOS E SEUS EFEITOS.
A cessão civil de crédito é um negócio jurídico não cambial que faz circular o título de crédito. O cedente responde pela existência da dívida, não por seu adimplemento, podendo defender-se contra o cessionário utilizando matérias relativas à relação jurídica desenvolvida.
Títulos de crédito podem ser nominativos, quando o credor é identificado na própria cártula, obrigando a circulação pela tradição com negócio jurídico cambial correlacionado, ou ao portador, onde não identifica o credor, transferível por mera tradição. Os títulos nominativos à ordem circularão por mera tradição acompanhada do endosso. Já aqueles não à ordem tem sua circulação feita através da tradição, através da cessão civil de crédito, já que nestes títulos não será permitido o endosso (COELHO, 2016, p. 134).
Assim, quando o título de crédito, regido pelo Código Civil, for à ordem, a sua aquisição, por modo diferente do endosso, terá os efeitos da cessão civil de crédito, nos termos do art. 919 do CCB/02. Na mesma medida, o devedor pode alegar exceções pessoais em face do cessionário de boa-fé.
A disciplina jurídica, entre o direito cambiário e o civil, variará de acordo com o instituto jurídico utilizado, sabendo que a cessão civil de crédito será regulada de acordo com as regras do Código Civil, afastando as regras específicas do direito cambiário. O STJ tem julgado sobre este rito diferenciado:
(...) 1. Com a circulação o título de crédito adquire abstração e autonomia, desvinculando-se do negócio jurídico subjacente, impedindo a oposição de exceções pessoais a terceiros endossatários de boa-fé, como a ausência ou a interrupção da prestação de serviços ou a entrega das mercadorias. 2. Aplicação das normas próprias do direito cambiário, relativas ao endosso e à circulação dos títulos, que são estranhas à disciplina da cessão civil de crédito. (STJ – AgInt no REsp 1796923/MT, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 27/02/2020)
Na forma exposta, a cessão civil de créditos é um negócio jurídico bilateral, podendo ser celebrado fora da cártula, podendo ser parcial e conferindo direitos derivados, na mesma medida de quem os cedeu, respondendo apenas pela existência do crédito, sem reponsabilidade quanto ao pagamento, admitindo que o devedor oponha contra o cessionário as exceções que possuía em face do cedente[4].
4. CIRCULAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO POR ENDOSSO.
Ato eminentemente cambiário, o endosso possibilita a circulação jurídica do título de crédito. Via de regra, os títulos de crédito típicos, como a nota promissória, letra de câmbio, duplicata e cheque circulam através do endosso, por se presumir a cláusula à ordem em sua cártula (CRUZ, 2018, p. 612).
Neste tipo de circulação do título, o endossante garante não só a existência da dívida, mas também assume a responsabilidade solidária por seu adimplemento. Contudo, o endosso produzirá efeitos de cessão civil de crédito quando: i) for praticado após o protesto por falta de pagamento ou do prazo legal para sua extração[5]; ou ii) pela realização de endosso em letra de câmbio ou nota promissória com cláusula não à ordem[6].
O endosso produz dois efeitos principais: i) transferência da titularidade do crédito; e ii) transforma o endossante em codevedor do título, por se obrigar pelo seu pagamento, por ser considerado devedor indireto. Excepcionalmente, o endosso pode conferir “cláusula sem garantia”, hipótese expressa na qual o endossante estará desobrigado pela responsabilidade do pagamento constante do título (CRUZ, 2018, p. 613).
Em homenagem ao princípio da cartularidade, a regra é que o endosso seja prestado no verso do título; porém, caso seja feito no anverso, além da assinatura do endossante deverá conter menção expressa de que se trata de endosso. O endosso deve ser completo, abranger todo o crédito e não subordinado a nenhuma condição[7]. Será em branco quando não indicar o beneficiário, que pode ser transferido por mera tradição; classificado em preto na hipótese de haver indicação expressa do beneficiário da cártula, só podendo circular por novo endosso.
A circulação por endosso deve ser feita antes do protesto por falta de pagamento ou do prazo para fazê-lo. Caso realizado após este prazo terá efeitos de cessão civil de créditos, sendo chamado de endosso póstumo ou tardio (CRUZ, 2018, p. 616).
Como exposto, o endosso é ato unilateral que deve ser feito no próprio título à ordem, acarretando a responsabilização do endossante pelo pagamento e pela existência do crédito, bem como haverá a inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, pela autonomia da circulação do título, transferindo-se sem nenhum dos vícios dos negócios jurídicos anteriores.
5. CONCLUSÃO.
Com a explanação realizada, é possível perceber a diferença entre as legislações aplicáveis de acordo com os títulos de crédito. Nota promissória e letras de câmbio tem regramento no Decreto 57.663/66, a Lei Uniforme de Genebra, enquanto o cheque e a duplicata possuem leis próprias, as de nº 7.357/85 e a de nº 5.474/68, respectivamente. Supletivamente, serão regidos pelas disposições atinentes ao Código Civil de 2002.
Assim, para entendimento dos títulos de crédito é necessário identificar qual sua disciplina normativa, para perceber quais serão os efeitos e características do aval, da cessão civil de crédito e do endosso. Em relação aos dois últimos, ambos transferem a propriedade do título, fazendo com que haja sua circulação jurídica, embora operem efeitos distintos e específicos de acordo com a espécie e o tempo em que foram realizados.
REFERÊNCIAS.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 04 de abril de 2020.
________. Decreto nº 57.663, de 24 de janeiro de 1966. Promulga as Convenções para adoção de uma Lei Uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 31 jan. 1966.
________. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jan. 2002.
________. Lei nº 7.357, de 02 de setembro de 1985. Dispõe sobre o cheque e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 03 set. 1985.
________. Lei nº 5.474, de 18 de julho de 1968. Dispõe sôbre as Duplicatas, e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 25 jul. 1968.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 28. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
CRUZ, André Santa. Direito Empresarial. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.
NEGRÃO, Ricardo. Direito empresarial: estudo unificado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
[1] CC/02: Art. 897. O pagamento de título de crédito, que contenha obrigação de pagar soma determinada, pode ser garantido por aval.
Parágrafo único. É vedado o aval parcial.
Art. 900. O aval posterior ao vencimento produz os mesmos efeitos do anteriormente dado.
[2] Decreto nº 57.663/66: Art. 30. O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval.
Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra.
Art. 47. Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador.
O portador tem o direito de acionar todas estas pessoas individualmente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram.
O mesmo direito possui qualquer dos signatários de uma letra quando a tenha pago.
A ação intentada contra um dos coobrigados não impede acionar os outros, mesmo os posteriores àquele que foi acionado em primeiro lugar.
[3] Lei 7.357/85: Art. 29 O pagamento do cheque pode ser garantido, no todo ou em parte, por aval prestado por terceiro, exceto o sacado, ou mesmo por signatário do título.
[4] CC/02: Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente.
[5] LUG: Art. 20. O endosso posterior ao vencimento tem os mesmos efeitos que o endosso anterior. Todavia, o endosso posterior ao protesto por falta de pagamento, ou feito depois de expirado o prazo fixado para se fazer o protesto, produz apenas os efeitos de uma cessão ordinária de créditos.
Salvo prova em contrário, presume-se que um endosso sem data foi feito antes de expirado o prazo fixado para se fazer o protesto.
[6] LUG: Art. 11. Toda letra de câmbio, mesmo que não envolva expressamente a cláusula à ordem, é transmissível por via de endosso.
Quando o sacador tiver inserido na letra as palavras "não à ordem", ou uma expressão equivalente, a letra só é transmissível pela forma e com os efeitos de uma cessão ordinária de créditos.
[7] LUG: Art. 12. O endosso deve ser puro e simples. Qualquer condição a que ele seja subordinado considera-se como não escrita.
O endosso parcial é nulo.
O endosso ao portador vale como endosso em branco.
CC/02: Art. 912. Considera-se não escrita no endosso qualquer condição a que o subordine o endossante.
Parágrafo único. É nulo o endosso parcial.
Procurador da Fazenda Nacional. Pós-graduado em Direito Tributário e em Direito Processual Civil. Bacharel em direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VICENTE FéRRER DE ALBUQUERQUE JúNIOR, . Aval, cessão civil de crédito e endosso dos títulos de crédito. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 maio 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54481/aval-cesso-civil-de-crdito-e-endosso-dos-ttulos-de-crdito. Acesso em: 23 dez 2024.
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