1. Introdução
A preocupação com a celeridade processual no âmbito da prestação jurisdicional efetiva e em tempo razoável possui previsão, entre outros dispositivos, no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal e nos artigos 3º, 4º, 6º, 8º, 139, inciso II, e 685, parágrafo único, todos do Código de Processo Civil). Aliás, o acesso à justiça foi garantido no inciso XXXV do artigo 5º da Carta Magna de 1988. Dizem as normas citadas:
Constituição Federal
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Código de Processo Civil
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
II - velar pela duração razoável do processo;
Art. 685. Admitido o processamento, a oposição será apensada aos autos e tramitará simultaneamente à ação originária, sendo ambas julgadas pela mesma sentença.
Parágrafo único. Se a oposição for proposta após o início da audiência de instrução, o juiz suspenderá o curso do processo ao fim da produção das provas, salvo se concluir que a unidade da instrução atende melhor ao princípio da duração razoável do processo.
No entanto, em que pese os inegáveis esforços de todos os Poderes e Funções Essenciais à Justiça no que tange à redução da morosidade, o cenário atual brasileiro ainda precisa avançar nesse quesito.
A par disso, qual seria a contribuição tecnológica da Lei Federal nº 13.994/2020 na resolução deste problema de congestionamento dos serviços judiciários?
É o que se pretende analisar, sem o condão de esgotar o tema.
2. A tecnologia a serviço do Poder Judiciário e da sociedade
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o relatório anual denominado “Justiça em Números”, de 2019, apontou que as despesas totais do Poder Judiciário alcançaram a quantia de R$ 93.725.289.276 (noventa e três bilhões, setecentos e vinte e cinco milhões, duzentos e oitenta e nove mil reais e duzentos e setenta e seis reais)[1].
Por esse mesmo relatório, o tempo de tramitação de um processo judicial no âmbito dos Juizados Especiais foi resumido da seguinte maneira: Conhecimento nos Juizados Especiais (1 ano e 6 meses), Execução Extrajudicial nos Juizados Especiais (1 ano e 5 meses), Execução Judicial nos Juizados Especiais (1 ano e 5 meses) e Turmas Recursais (1 ano e 1 mês).
Nesse cenário, é possível verificar que a estrutura inicialmente projetada para o atendimento dos Juizados Especiais, em que pese sensíveis investimentos bilionários do Poder Judiciário, não consegue atingir a desejada celeridade e razoável duração do processo.
Volvendo os olhos para o caso em análise, cumpre transcrever a norma objeto da discussão:
LEI Nº 13.994, DE 24 DE ABRIL DE 2020
Altera a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para possibilitar a conciliação não presencial no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis.
Art. 2º Os arts. 22 e 23 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações:
“Art.22.
§ 1º Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz togado mediante sentença com eficácia de título executivo.
§ 2º É cabível a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes.” (NR)
“Art. 23. Se o demandado não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o Juiz togado proferirá sentença.” (NR)
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 24 de abril de 2020; 199o da Independência e 132o da República.
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Luiz Pontel de Souza
Nesse toar, o artigo 22, parágrafo 2º, da Lei Federal nº 9.099/1995 passou a permitir a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado Especial mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes.
Inegavelmente, trata-se de um sensível avanço no que tange à busca pela prometida celeridade, razoável duração do processo e economia. A partir de agora, processos poderão ser findados mediante audiências realizadas por aplicativos e sistemas diversos, a exemplo de Skype, WhatsApp, Facetime, Facebook Messenger, Instagram, Zoom, Google Hangouts, entre outros fornecidos pelo Poder Judiciário.
Imagine-se que a audiência, antes agendada com meses de antecedência devido às próprias limitações de espaço físico nos fóruns, poderá ser antecipada em função das facilidades de acomodação das partes, advogados e sujeitos processuais no ambiente virtual.
Igualmente, os envolvidos sequer precisarão se deslocar até o fórum, considerando a possibilidade de resolverem as pendências processuais de suas casas ou do próprio escritório. Os magistrados e serventuários em geral, em especial, também não necessitarão estar no ambiente físico forense, pois diante das tecnologias às suas disposições, poderão acompanhar todos os atos do processo remotamente, bastando uma conexão eficiente e segura através de aplicativos e sistemas de imagem e som em tempo real.
Trata-se, como visto, de um avanço inegável. Uma porta que se abre para o futuro da prestação jurisdicional. A tecnologia, já presente na vida cotidiana das pessoas, principalmente nas redes sociais, agora passará a se tornar realidade num ambiente antes formal e resistente às mudanças: o Poder Judiciário.
A perspectiva que se abre é das melhores possíveis. Medidas que vão ao encontro da promessa constitucional de entregar a justiça efetiva aos cidadãos, sem as amarras obsoletas e arcaicas que impeçam o avançar rumo ao futuro tecnológico.
Por pertinente ao contexto, a incansável lição de Rui Barbosa se aplica, pois já questionava o mal da morosidade:
Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente[2].
E continua Rui Barbosa em sua aula sempre atual:
Ponho exemplo, senhores. Nada se leva em menos conta, na judicatura, a uma boa fé de ofício que o vezo da tardança nos despachos e sentenças. Os códigos se cansam em debalde em o punir. Mas a geral habitualidade e a convivência geral o entretêm, inocentam e universalizam. Destarte se incrementa e desmanda ele em proporções incalculáveis, chegando as causas a contar a idade por lustros, ou décadas, em vez de anos[3].
Noutras palavras, se já não existia espaço para a lentidão na prestação jurisdicional na época de Rui Barbosa, hoje – numa sociedade pós-moderna atenta aos ditames da tecnologia e da rapidez das necessidades humanas – é que, decididamente, não há.
4.Conclusão
Frente ao exposto, é importante que se tenha uma maior atenção aos desdobramentos da aplicação do artigo 22, parágrafo 2º, da Lei Federal nº 9.099/1995 no âmbito dos Juizados Especiais.
As medidas tecnológicas trazidas pela novel legislação (Lei Federal nº 13.994/2020) poderão facilitar – e muito – a prestação jurisdicional. Não há caminho de volta ao passado anacrônico das meras formalidades. A sociedade exige a mudança. O Poder Judiciário precisa se modernizar. As Funções Essenciais à Justiça também. E não há como se negar que a tecnologia é uma ferramenta fundamental nesse processo de grandes e urgentes transformações.
5. Referências bibliográficas
BARBOSA, Rui. Oração aos moços/O dever do advogado. Campinas: Russel Editores, 2004.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 14 abr. 2020.
_____. CPC. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 14 abr. 2020.
_____. Lei Federal nº 13.994/2020. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13994.htm>. Acesso em: 13 mai. 2020.
_____. Conselho Nacional de Justiça CNJ. Justiça em Números – 2029. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf>. Acesso em: 13 mai. 2020.
[1] Conselho Nacional de Justiça CNJ. Justiça em Números – 2029. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf>. Acesso em: 13 mai. 2020.
[2] In Oração aos moços/O dever do advogado. Campinas: Russel Editores, 2004, p. 47.
[3] Op Cit. p. 46-47.
Procurador do Estado de Alagoas. Advogado. Consultor Jurídico. Ex-Conselheiro do Conselho Estadual de Segurança Pública de Alagoas. Ex-Membro de Comissões e Cursos de Formação de Concursos Públicos em Alagoas. Ex-Membro do Grupo Estadual de Fomento, Formulação, Articulação e Monitoramento de Políticas Públicas em Alagoas. Ex-Técnico Judiciário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Ex-Estagiário da Justiça Federal em Alagoas. Ex-Estagiário da Procuradoria Regional do Trabalho em Alagoas. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALHEIROS, Elder Soares da Silva. Impactos tecnológicos da Lei Federal nº 13.994/2020 no âmbito dos Juizados Especiais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 maio 2020, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54538/impactos-tecnolgicos-da-lei-federal-n-13-994-2020-no-mbito-dos-juizados-especiais. Acesso em: 23 dez 2024.
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