RESUMO: O estudo enfoca o exercício da ampla defesa e do contraditório nas medidas de proteção de acolhimento institucional. Atento a necessidade de deflagração judicial específica e estabelecimento do ponto de vista dos pais ou responsáveis legais nos processos, através do exercício da defesa. Sustenta a necessidade de superar entendimentos aptos a fragmentar direitos que deveriam ser protegidos pelo próprio processo de acolhimento institucional.
PALAVRAS-CHAVE: Medida de proteção. Acolhimento institucional. Ampla defesa. Contraditório.
ABSTRACT: The study focuses on the exercise of full defense and right to adversary proceedings at the protection mesures on institucional hosting.
Taking into account the need for specific judicial arrest and establishment of the point of view of the parents or legal guardians in the proceedings, through the exercise of the defense. It supports the need to overcome understandings capable of fragmenting rights that should be protected by the institutional reception process itself.
KEY WORDS: Protection mesure. Institucional hosting. Full defense. Right to adversary proceedings.
1. Introdução: o tema, a proposta e sua investigação.
O presente trabalho estuda a medida protetiva de acolhimento institucional de crianças e adolescentes, no específico do exercício da ampla defesa dentro de seu procedimento, problematizando a necessidade de propositura de uma demanda judicial própria e decorrente ciência dos pais e responsáveis quanto ao feito. Dentro desse campo de exploração, avalia-se a (in)autenticidade de alguns modos de aplicação das regras de regência da medida protetiva de acolhimento institucional.
A provocação seria: diante do atual tratamento legal do tema, há necessidade de promover demanda judicial específica para o processamento do acolhimento institucional e, como decorrência de tanto, dar ciência a pais ou responsáveis para exercerem sua defesa no processo?
A investigação tem caráter teórico associado a prática de aplicação dos institutos jurídicos, por se partilhar visão do direito indissociável da realidade. Daí se ter como ponto de partida a avaliação da dogmática alheio ao dogmatismo corriqueiro com o qual se marginalizam visões críticas, sem encerrar o assunto dentro da simples articulação das categorias jurídicas do texto legal em si[1]. Afinal, direito na ausência do real, é abstração a serviço de justificativas inautênticas.
Há análise descritiva e avaliação crítica da dogmática do acolhimento institucional e sua aplicação, observando a construção doutrinária do tema em vista a bibliografia mais comumente utilizada e facilmente acessível pela comunidade jurídica, optando-se pela exclusão de obras especificamente voltadas a preparação para concursos públicos.
Chama especial atenção que das 6 (seis) obras voltadas a avaliação do direito da criança e do adolescente, 5 (cinco) sejam os chamados estatutos da criança e do adolescente comentados, livros cuja metodologia é até certo ponto simplificada, com comentários artigo a artigo de uma determinada legislação, em muitas das vezes sem um maior aprofundamento e problematização dos temas em análise, tudo no intuito de oportunizar uma fonte de consulta mais prática, organizando compreensões sob forte caráter descritivo.
Não se nega que muitos desses livros possuam qualidades e abordem discussões de importância, contudo, será forçoso reconhecer que para fins de análise do acolhimento institucional há um déficit de problematização e questionamentos[2], para além de uma flagrante dissociação quanto a aspectos de caráter fático dentro da compreensão das regras estatutárias.
Como esquema de trabalho o estudo está dividido neste capítulo introdutório, no qual se pretende estabelecer a metodologia empregada, seguindo a capítulo com o traçado conceitual e assento dogmático do acolhimento institucional, descrevendo suas etapas e características essenciais. No terceiro e quarto capítulos, é delineada exposição analítica e crítica da dogmática do acolhimento institucional, observando suas variadas fontes de regulamentação. Não se tem pretensão de fazer exauriente dimensionamento histórico do tema, até pelo objetivo de proceder a uma discussão voltada a aplicação das regras em estudo, e não o esgotamento de uma revisão bibliográfica meramente descritiva. O quinto trecho aborda a discussão em si, com localização específica do problema no contexto das regras discutidas, indicativo da compreensão avaliada como mais adequada e cotejo com aspectos da realidade de fato.
A pretensão é demonstrar que a despeito de opiniões em contrário, a dogmática do acolhimento institucional já determina o estabelecimento de espaços para instalação do ponto de vista dos pais e responsáveis legais sob a forma de defesa, noção em total ajuste com peculiaridades de caráter fático dos vulneráveis a quem se destinam as medidas de proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente.
2. O acolhimento institucional e sua dogmática: anatomia do assunto.
Sob o ponto de vista estritamente textual, o acolhimento institucional está inserto como uma das medidas de proteção delineadas no Capítulo II do Título II da Parte Especial do ECA, com assento específico no inc. VII de seu art. 101: é providência instrumental de garantia a direitos violados ou sob ameaça de violação[3].
A primeira menção ao acolhimento institucional se dá já na definição do direito a convivência familiar e comunitária, no §1º do art. 19 do ECA. É o acolhimento institucional[4] instrumento protetivo a ser manejado em eventos de crise extrema na convivência familiar e comunitária, impondo restrições ao exercício do poder familiar[5].
A convivência familiar e comunitária está inserta no segmento dos direitos/garantias de caráter fundamental, detendo fundamentalidade tanto formal quanto material por proteger o sadio desenvolvimento da personalidade, e a integridade psíquica da criança e do adolescente[6]. A toda evidência, é via de mão dupla[7], atendendo tanto a criança ou adolescente, quanto a seus pais, responsáveis e parentes, posto que a convivência de uns, é intrínseca e logicamente ligada aos outros.
A gravidade dos eventos a justificar intervenção faz do acolhimento institucional integral e assegurado na Política Nacional de Assistência Social (PNAS) medida acondicionada nos serviços de proteção Social Especial de Alta Complexidade[8].
No §1º do art. 101 da norma estatutária estão elencadas as características essenciais do acolhimento institucional, sendo de se destacar seu caráter provisório, excepcional e transitório, meio para o retorno a convivência familiar, que não implica de privação a liberdade. Visa proteger e regular não somente a criança ou adolescente em situação de risco, mas o seu próprio núcleo familiar. É instrumento pelo qual se realiza intervenção da rede protetiva da criança e do adolescente com vistas a debelar evento de crise extrema na convivência familiar, sendo utilizável apenas e tão somente quando inexistente outra medida aplicável em paralelo com o exercício pleno do poder familiar.
Os demais parágrafos do artigo 101 – 2º a 12 º - formulam um panorama geral da forma de processamento e efetivação da medida de acolhimento institucional, prevendo a dinâmica das reavaliações, a formulação do plano individual de atendimento, a necessidade de expedição das guias de acolhimento institucional e o prosseguir face a avaliada inadequação de retorno a família de origem.
Também são de importância algumas das disposições constantes do art. 92 e 93 da regra estatutária, a traçar regras para o desempenho das atividades das entidades de acolhimento e o procedimental para acolhimento emergencial, sem decisão judicial prévia a determinar a medida.
Mesmo em acolhimentos realizados face situações de urgência, não se retira a reserva de jurisdição para determinação da medida[9], que uma vez operacionalizada deverá ser comunicada ao Juízo da Infância e Juventude em 24 (vinte e quatro) horas, passar por vista do Ministério Público para avaliar possibilidade imediata de reintegração familiar, a qual, caso inviável, aciona o proceder comum as medidas acolhimento institucional advindas de decisão judicial prévia, na fórmula do §2º do art. 101.
É justamente nos efeitos seguintes a este estágio – com acolhimento institucional já efetivado, seja com determinação judicial prévia ou referendo judicial posterior – que remanesce a discussão do presente estudo, a qual se fará de modo mais detido em tópico próprio. No momento, é de rigor seguir ao roteiro procedimental hoje delineado no texto estatutário.
Com a retirada da criança ou adolescente do convívio familiar, a medida toma forma com expedição de guia própria e início das estratégias de mais profunda compreensão do caso pela equipe interventora, com formulação do plano individual de atendimento – parágrafos 3º a 6º do art. 101 –, tudo no intuito de executar estratégias de busca pela reinserção familiar através do fortalecimento dos vínculos e melhora nas condições justificantes da intervenção. Frustradas as rotinas para possibilitar a reintegração à família de origem, cabe a equipe de entidade de acolhimento elaborar relatório a ser remetido ao Ministério Público, a quem caberá promover ajuizamento de demanda para suspensão ou destituição do poder familiar, da tutela ou guarda – parágrafos 9º e 10º.
De modo expresso, o procedimental previsto após efetivado o acolhimento dialoga com a figura do juiz, promotor de justiça e equipes interventoras somente com a perspectiva de proteção a criança ou adolescente envolvida em situação de risco. A família de origem, nesse particular colocada como um ente passivo, a receber as intervenções positivas no sentido de melhora de suas condições, mas sem um papel específico quanto ao processo judicial em curso.
As regras do ECA quanto à matéria foram substancialmente modificadas nos últimos tempos e têm destacada influência e orientação do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, complementando-se ainda por regulamentos do Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público, sendo de rigor analisar essas normas.
Ainda, mesmo não sendo da pretensão do presente trabalho investigar profundamente o histórico de construção legislativa, é de importância avaliar a evolução das regras postas sob análise em razão de suas substanciais alterações ao longo dos últimos tempos.
3.O tempo e as fontes que regem o acolhimento institucional: de quando e onde vieram as regras?
Na redação original do ECA, datada de 1990, o acolhimento institucional ou familiar e seu procedimento de realização se articulava apenas com uma regra geral quanto a prevalência da família natural – caput do art. 19 -; definição de princípios das entidades de acolhimento e condição de guardião de seu dirigente – art. 92[10] -; autorização para acolhimento emergencial – art. 93, caput –; regra geral de aplicação das medidas de proteção - art. 100, caput - definição de critérios da medida de proteção de acolhimento – parágrafo único do art. 101.
O capítulo III do Título VI do ECA, ao elencar procedimentos[11] específicos apenas o faz para perda ou suspensão do poder familiar – art. 155 a 163 -; destituição de tutela – art. 164 -; colocação em família substituta – art. 165 a 170 –; apuração de ato infracional – art. 171 a 190 –; infiltração de agentes de polícia para investigação de crimes contra dignidade sexual – art. 190-A a 190-E -; apuração de irregularidade em entidade de atendimento – art. 191 a 193 -; apuração de infração administrativa – art. 194 a 197 -; habilitação de pretendentes à adoção – 197-A a 197-F. Não há previsão de um procedimento próprio para o desenrolar das medidas protetivas de acolhimento institucional.
Toda a definição quanto a possibilidades de acolhimento, sua disciplina e propósitos de aplicação, bem como o desenrolar de atos seguintes a retirada, remanescia em conjunto sintético de normas a articular conceitos genéricos e expressões de forte teor principiológico, sem estabelecer procedimento específico a seguir. Havia um patente déficit de regulamentação no tema.
Quase 10 (dez) anos após a edição e promulgação do estatuto, a lei de nº 12.010/09 – Lei Nacional de Adoção - inicia processo de reforma no texto no tocante a matéria, com substancial acréscimo a melhor definir e organizar o acolhimento institucional. Mais adequado seria chama-la Lei de Convivência Familiar[12] já que em verdade, as alterações realizadas restaram por tornar o procedimento de adoção mais rigoroso e estabelecer melhores termos para o acolhimento institucional, firmando a tônica de que a colocação em família substituta é a última das medidas a ser buscada na tutela dos interesses do acolhido.[13] Cabe destacar suas mudanças artigo a artigo.
Ao art. 19 – regra base da convivência familiar e comunitária – foram acrescidos os parágrafos primeiro, segundo e terceiro, inaugurando o conjunto de limitadores temporais das medidas protetivas de acolhimento, passando a prever a reavaliação semestral, prazo máximo de acolhimento institucional em até 2 (dois) anos e prevalência da manutenção dos vínculos de origem.
No art. 92 houve reestruturação redacional das normas-princípio, tornando expressa a noção de reintegração familiar e família extensa, inserindo 5 (cinco) novos parágrafos a melhor definir responsabilidades e deveres das entidades de acolhimento, com previsão de prazo mínimo para remessa de relatório circunstanciado. Ao caput do art. 93 se deu nova redação, acrescendo parágrafo único para melhor articular o acolhimento emergencial, sem determinação judicial prévia, mas vinculado aos critérios e procedimentos decorrentes do controle pelo juízo da infância e juventude.
Ao art. 100 foi acrescido parágrafo único, com 12 (doze) princípios a reger a aplicação das medidas específicas de proteção; ao tempo que no art. 101 houve substituição de seu parágrafo único por 12 (doze) novos parágrafos, definindo uma espécie de procedimento para a tramitação do acolhimento institucional. Destaque-se a inclusão dos instrumentos de controle pelo Conselho Nacional de Justiça, com expedição da guia de acolhimento, além da edição do plano individual de atendimento, definindo de modo expresso o caráter judicial e contencioso da medida.
Esse texto passaria por novo aperfeiçoamento alguns anos depois, por intermédio das Leis de nº 13.257/16 – Estatuto da Primeira Infância - e 13.509/17. De especial simbologia a reforma realizada pelo EPI no caput do art. 19 com retirada da estigmatizante[14] expressão ambiente livre de presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes, bem como o ajuste redacional de seu §3º e do inciso IV do art. 101 substituindo a expressão orientação e auxílio por proteção, apoio e promoção. Há verdadeiro deslocamento conceitual de uma noção punitiva para uma perspectiva protetiva, a observar a questão do uso de entorpecentes como tema de saúde pública.
Coube a Lei de nº 13.509/17 proceder a ajuste nas balizas temporais da institucionalização, no intuito de acelerar a definição quanto a reinserção familiar ou início das estratégias de colocação em família substituta. Daí vem nova alteração dos parágrafos 1º e 2º do art. 19 do ECA, reduzindo o prazo de reavaliação de 6 (seis) para 3 (três) meses e o limite temporal para permanência do acolhido em entidade de 2 (dois) anos para 18 (dezoito) meses.
Mesmo depois de todo o extenso aperfeiçoamento legislativo da última década, não se estabeleceu um procedimento específico para a aplicação e processamento da medida de proteção de acolhimento institucional, permanecendo sem qualquer acréscimo o Capítulo III do Título VI da norma estatutária.
O acervo normativo não remanesce exclusivamente no texto da regra estatutária. Há essencial influência de outros instrumentos, sendo de especial se destacar o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, as Orientações Técnicas dos Conselhos Nacionais da Criança e do Adolescente e de Assistência Social, a resolução de nº 71 do CNMP, a Instrução Normativa de nº 02 e Provimento de nº 32 do CNJ.
Especial destaque para o Plano Nacional, marco de ruptura na cultura de institucionalização a reger a execução das políticas públicas voltadas a convivência familiar no Brasil. O documento fomenta o fortalecimento das práticas de preservação dos vínculos familiares e comunitários, com preservação do papel do poder público como ente a atuar em preservação aos interesses de toda a família[15].
O documento é datado do ano de 2006, claramente inspira muitas das mudanças que se viriam realizar por intermédio da Lei Nacional de Adoção no ano de 2010, sistematizando obrigações e ações do sistema de proteção em prioridade a preservação da família de origem[16], restringindo o pedido de providências, preservando a ampla defesa e contraditório, bem como (re)estabelecendo uma melhor coordenação e definição nos papeis do Judiciário e do Ministério Público[17].
Os atos de regulamentação dos Conselhos Nacionais do Ministério Público e da Justiça são editados entre os anos de 2010 a 2013, avançam na indicação das etapas de atuação de suas carreiras dentro da rotina do acolhimento institucional, em última análise, elucidam e acrescentam ao procedimento estabelecido nos parágrafos 2º a 12º do art. 101 do ECA.
A Resolução 71 do CNMP impõe ao Promotor zelar pelo prazo de reavaliação (art. 3º) e indica pela formalização judicial em ação própria para o decorrer do acolhimento (art. 4º); a seu turno, o Provimento de nº 32 do CNJ estabelece o roteiro de realização das chamadas audiências concentradas, ato judicial sugestionado ao Magistrado como momento para reavaliar as medidas em curso com participação dos atores da rede de proteção.
Seja a previsão de uma audiência para reavaliação, com ampla participação dos envolvidos nas gestões do acolhimento, ou indicativo pela propositura de ação própria por parte do Ministério Público, são noções aferíveis diante de alguns dos conceitos e características definidas no texto estatutário, porém, não há especificação minudente e com a imperiosidade afeta ao texto legal quanto a realização dessas etapas.
Há deslocamento do campo de regulamentação específica da matéria, com a lei sendo complementada por outros instrumentos normativos, situação que, se não está vedada, não labora no melhor da segurança jurídica.
A legislação sob análise é recente, o ECA é de 1990, as alterações da Lei Nacional de Adoção datam de 2009, ou seja, tem-se em observação uma legislação com menos de 10 (dez) anos de aplicação por parte do sistema de justiça, ainda em franco processo de amadurecimento e demandando continuada avaliação e estudo.
4.O aperfeiçoamento das regras do acolhimento institucional: posicionando a reintegração familiar.
O regramento sob análise está em evidenciado processo de aperfeiçoamento legislativo, muitas de suas conceituações e percepções carecem da formação de consensos interpretativos na comunidade jurídica, e mesmo do estabelecimento de regras mais seguras e coordenadas com a complexa realidade de fatos que se busca regular. Isso se infere não somente da condição temporal das regras avaliadas, cujo texto não ultrapassa sequer 1 (uma) década, mas da própria noção de incompletude legislativa na definição de suas etapas e atos judiciais.
A toda evidência, o atual estágio de conformidade legislativa de processamento da medida de acolhimento institucional previu etapas e atos sempre dentro da perspectiva interventora, estabelecendo quanto aos pais e responsáveis papel passivo e a rigor extraprocessual, resguardando os rigorismos e formalidades à avaliação mais grave que justifique medidas de ablação do poder familiar – destituição e suspensão.
A família de origem tem definição expressa de seus direitos, como se pode notar da garantia do contraditório e ampla defesa – parte final do §2º do art. 101 – princípios da intervenção mínima, proporcionalidade e atualidade, prevalência da família, oitiva obrigatória e participação, todos constantes dos incisos VII, VIII, X e XII do art. 100. É induvidosa e de especial importância a perspectiva de uma atividade voltada sempre a reintegração familiar como proposta fundamental da intervenção, com o escalonamento de etapas e atividades aptas a alcançar esse propósito.
A colocação do ponto de vista familiar face o processo judicial, contudo, não é estabelecida e configurada de modo minudente. Não se firmou de modo expresso um procedimento específico ou etapas dentro do procedimento posto, com atos determinados e uma programação certa para o exercício da ampla defesa e do contraditório[18]. O acolhimento institucional termina posicionado como a antessala das demandas extremas de suspensão ou destituição do poder familiar, da guarda ou da tutela, sendo que a todos esses meios se prescreve e reconhece um papel mais ativo da família – ali na condição de ré – no sentido de mensurar a (im)pertinência do afastamento[19].
O conjunto normativo aqui indicado não se coordena de modo adequado com características previstas na definição do próprio acolhimento institucional, dando azo a produção de compreensões inautênticas quanto ao proceder desta medida de proteção. O quanto estabelecido de procedimento para a medida protetiva de acolhimento institucional, dialogou de modo específico e direto apenas com as perspectivas interventoras que buscam debelar a crise na convivência familiar e comunitária e tutelar a criança ou adolescente em situação de risco.
É essencial avaliar de modo mais detido uma conformação procedimental apta a associar a perceptiva protetiva ao exercício efetivo da defesa e do contraditório e participação efetiva da família de origem nos termos do processo de acolhimento institucional.
Como se pretende demonstrar tal perspectiva não é fruto de mera compreensão distanciada da disciplina específica do tema, ou firmada somente com uma avaliação geral acerca do direito de defesa, ao revés, é de definições específicas constantes nos mesmos artigos 93 e 101 do ECA, bem como demais regramentos correlatos, que se pode perceber a necessidade de processar as medidas protetivas de acolhimento institucional por meio de ação própria com consequente citação e específico exercício de defesa dos familiares despojados da convivência familiar.
5.Isolando o problema: encontrando o espaço da defesa no processo.
A caracterização essencial do acolhimento institucional consta no §2º do art. 101 da norma estatutária, com os seguintes elementos: (a) afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar; (b) competência exclusiva da autoridade judiciária; (c) deflagração de procedimento judicial contencioso; (d) garantia de ampla defesa e contraditório aos pais ou responsáveis legais.
Tais características são comuns a medida decorrente de determinação judicial ou operacionalizada em caráter de urgência, sem decisão prévia do juízo competente, assim se compreende tanto pela parte inicial do próprio §2º - sem prejuízo da tomada de medidas emergenciais para proteção de vítimas de violência ou abuso sexual –, mas também pelo texto do parágrafo único do art. 93, a definir que, realizado o afastamento em caráter emergencial, será comunicado o Juízo da Infância e Juventude, realizada oitiva do Ministério Público e avaliação imediata da possibilidade reintegração familiar. Caso não recomendável a pronta reintegração haverá encaminhamento a programa de acolhimento familiar, institucional ou família substituta, observado o §2º do art. 101 desta Lei.
Toda e qualquer medida de proteção de acolhimento institucional, seja por cumprimento de decisão judicial ou decorrente de situação emergencial, está circunscrita as noções elementares do §2º do art. 101 do ECA.
Não há maiores controvérsias quanto a reserva de jurisdição ou se tratar de evento no qual há afastamento de criança ou adolescente do convívio familiar, remanesce discussão e necessidade de estudo quanto a seu caráter judicial contencioso e extensão da ampla defesa e contraditório dos pais ou representantes legais.
É que há quem argumente ser dispensável a propositura de procedimento judicial contencioso, por parte do Ministério Público ou legítimo interessado, como resultado direto do acolhimento institucional, nem mesmo se prestando a indicar a necessidade, de que em tais casos, houvesse sequer citação ou qualquer tipo de notificação dos pais ou responsáveis para conhecer do feito e quanto a ele se manifestar.
Questão que deve ser colocada para fins de reflexão consiste em saber se, para a determinação do afastamento da família de origem, mediante aplicação das medidas de acolhimento institucional ou familiar - que, como já visto, somente poderá se dar mediante ordem judicial -, a lei impõe, à luz do disposto no art. 101, §2º, parte final do ECA, a imediata instauração, em qualquer hipótese, pelo membro do Ministério Público, de procedimento judicial contencioso.
A resposta deve ser negativa. A deflagração imediata deste procedimento somente se faz necessária e urgente quanto à vista dos elementos apurados, restar verificada a oposição dos pais ou responsáveis legais à aplicação da medida, caso em que o membro do Parquet deverá estar munido de todas as informações necessárias à formação de seu convencimento. Frise-se que a lei não fica prazo para a instauração deste processo, sendo possível e recomendável, ao Ministério Público, em não havendo oposição dos pais ao acolhimento, aguardar a vinda dos relatórios institucionais, a que se refere o §1º do art. 19 do ECA para, então, avaliar as providências de caráter judicial mais adequadas à espécie[20].
Em sentido bastante similar, Nucci argumenta que a deflagração de procedimento judicial contencioso, teria como referência as medidas de suspensão ou destituição do poder familiar, guarda ou tutela[21], em avaliação bastante restrita e um tanto descontextualizada da regra estatutária.
Sem pretensão de encerrar uma revisão bibliográfica sobre o tema, é sintomático que esta controvérsia não seja abordada em boa parte dos livros, nos quais o acolhimento institucional é abordado com um traçado descritivo de seus elementos e características, pouco articuladas com o sistema normativo do ECA como um todo ou com a perspectiva prática de sua aplicação. Assim nos comentários de Eduardo Rezende de Melo[22], nos Estatutos da Criança e do Adolescente comentados de Válter Kenji Ishida[23], Paulo Lépore, Luciano Rossato e Rogério Sanches[24] e Paulo Henrique Aranda Fuller[25].
A compreensão mais adequada do tema seria pela propositura de demanda própria para o processamento do acolhimento institucional, ou, ao menos, formalização de ato para ciência formal da medida de proteção, dando espaço ao exercício da defesa. Assim se observa tanto por justificantes de ordem dogmática quanto factuais, as quais se passa a abordar.
5.1 Justificantes de ordem dogmática: em busca da compreensão adequada perdida.
O acolhimento institucional pode ser resultado de uma decisão judicial – aplicação isolada do art. 101, inv. VII do ECA -, caso em que a lógica indicaria por uma dedução antecedente. Corriqueiramente, o legitimado para pedidos de aplicação de medida de proteção de acolhimento institucional os cumula a busca e apreensão, suspensão ou destituição de poder familiar, guarda ou tutela. A associação do pedido de medida de proteção a outros pedidos termina por ordenar adequadamente a judicialização, formando uma demanda específica com necessária notificação de réus para exercerem defesa.
Distinta é a hipótese dos acolhimentos decorrentes de situações emergenciais – aplicação do art. 93 do ECA – em que, a efetivação inicial da retirada da criança e do adolescente é alheia a uma decisão judicial que a determine. Nessas hipóteses, há quem compreenda que efetivado o acolhimento institucional, é de se seguir a expedição de guia de acolhimento, sem dedução judicial específica ou ato a cientificar pais ou responsáveis legais.
É preciso atentar para o diálogo entre as disposições afetas ao acolhimento emergencial e o determinado por decisão judicial, com tudo quanto disciplinado no §2º do art. 101. Mesmo a medida de proteção de acolhimento institucional emergencial deve tomar curso com a deflagração de processo judicial contencioso.
A regra acolhe a possibilidade de medidas emergenciais para proteção de vítimas de violência ou abuso sexual, inclusive com afastamento do agressor da moradia comum – art. 130 –, sendo expressa ao indicar que, havendo afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar, tal determinação é de competência exclusiva da autoridade judiciária.
Realização da medida de acolhimento por autoridade distinta do Juiz, deverá ser por este referendada a posteriori, decorrendo de pronto consequência lógica indissociável:
[...] a deflagração, a pedido do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, de procedimento judicial contencioso no qual se garanta aos pais ou ao responsável legal o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Três premissas essenciais se colocam: (1) competência exclusiva da autoridade judiciária para sua determinação; (2) a necessidade de deflagração de procedimento contencioso por quem detenha legitimidade para tanto; (3) a participação de pais ou responsável legal exercendo defesa.
O procedimento de caráter judicial contencioso a ser deflagrado pelo Ministério Público ou [...] quem tenha legítimo interesse, naturalmente conduz a formação de processo judicial com polos opostos – autor e réu –, e exercício regular de defesa por meio de conhecimento ao processo (citação) e posterior manifestação defensiva (resposta/contestação).
Há partes e um conflito – no caso, entre o legitimado a pleitear o acolhimento e o pai/mãe ou responsável de quem foi retirada a criança – instalando-se assim a tônica de litigiosidade, da qual inescapável a necessária observação aos meios e possibilidades de exercício da defesa.
O caráter contencioso diz com a forma de jurisdição a ser exercida, em dicotomia a chamada jurisdição voluntária. Sem pretender imiscuir na controvérsia das características desses tipos de jurisdição, na contenciosa se dá trato a disputa por partes distintas, instalando-se conflito, litígio e disputa a ser solucionada por intervenção imperativa e substitutiva do Poder Judiciário. A instalação de conflito na jurisdição contenciosa é característica para a qual há absoluto consenso doutrinário[26].
Não é pouco que o texto estatutário tenha expresso a natureza da jurisdição exercida. Tal destaque conduz inafastável caracterização de conflito, litigiosidade, tornando indispensável a participação de todos os envolvidos para a formação do conjunto de decisões do processo. É superação do paradigma histórico a concentrar sob a figura do então chamado “Juiz de menores” amplo poder de retirada e entrega de crianças ou adolescentes em condição de risco.
Toda medida de proteção de acolhimento institucional, por mais que labore no interesse da criança ou do adolescente a ser protegido e se volte às intervenções em benefício à família de origem, instala evidente dissenso entre o exercício do poder familiar no aspecto da convivência familiar e a restrição a esse direito pela retirada com fins de proteção. Se presente a nota da contenciosidade, é indispensável a propositura de demanda própria – deflagrar – por quem detenha o legítimo interesse na tutela protetiva.
Nem mesmo a eventual condição de aceite a intervenção por parte da família de origem deve orientar a deflagração ou não de demanda própria. Não há uma única regra no texto estatutário que autorize esta compreensão, inexistindo qualquer mecânica procedimental a tornar desnecessária adequada judicialização de intervenção judicial restritiva a direito. Tanto assim o é, que o reconhecimento do pedido no processo civil não traduz qualquer prescindibilidade de formalização da demanda.
Acaso houvesse aceite de parte da família de origem com o afastamento da convivência familiar, a moldura jurídica do ECA para tal fato poderia vir a ser a concordância com medida de colocação em família substituta, hipótese com previsão na norma estatutária do art. 166, em nada se confundindo com tudo quanto delineado no art. 102 e parágrafos.
O informe das equipes responsáveis pelo acolhimento emergencial ao Juízo não pode ser compreendido como a deflagração da parte de quem tenha legítimo interesse. Tanto revelaria sobreposição do dever de informar do art. 93, com o dever de deflagrar procedimento judicial contencioso do §2º do art. 101. Importaria também em (com)fundir os papeis do Conselho Tutelar, agentes responsáveis pelo acolhimento emergencial, Ministério Público ou legítimo interessado. Acolher tal entendimento torna sem sentido a remissão do art. 93 ao §2º do art. 101.
É importante destacar que o próprio ECA é categórico em censurar flexibilização dessas regras de regência. Quando autorizando flexibilização em procedimentos, com vistas a alcançar maior agilidade e efetividade, a norma estatutária o fez em expresso no art. 153, segundo o qual se a medida judicial a ser adotada não corresponder a procedimento previsto nesta ou em outra lei, a autoridade judiciária poderá investigar os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias, ouvido o Ministério Público. Esta regra se viu aperfeiçoar com o acréscimo de um parágrafo único por intermédio da Lei de nº 12.010/09, passando a indicar de modo expresso que o disposto neste artigo não se aplica para o fim de afastamento da criança ou do adolescente de sua família de origem e em outros procedimentos necessariamente contenciosos.
Dito em outros termos: não bastasse a natureza específica das características com que delineada a medida de proteção em estudo – processo judicial contencioso com deflagração de ação própria e exercício da ampla defesa – há previsão específica afastando flexibilizações na matéria[27].
Não é demais indicar que esse raciocínio é acolhido pela Resolução 71/2011 do CNMP – que dispõe sobre a atuação dos Membros do Ministério Público no acolhimento institucional -, cujo art. 4º é prescreve ao Promotor a necessidade de verificar se estão presentes os elementos mínimos para o ajuizamento da ação judicial contenciosa em face dos pais ou responsáveis legais quando recebendo vista dos autos judiciais referentes à situação de crianças e adolescentes acolhidos [...] sem que haja ação proposta, reputando tal providencia como forma de garantir o direito ao exercício do contraditório e ampla defesa, após o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar, na forma prevista no art. 101, §2º do ECA.
A atuação do Ministério Público se viu coordenada a todas as premissas acima indicadas: deflagração de demanda específica quando havendo acolhimento sem decisão judicial antecedente, como modo de garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Mesmo que se admitisse a hipótese de não deflagração de demanda própria, seria essencial compreender pela realização de ato para dar ciência à parte da formação de um processo judicial de acolhimento institucional. Aí como decorrência da amplitude de defesa e exercício do contraditório de que fala a parte final do §2º do art. 101, bem como do princípio da oitiva obrigatória e participação evidenciado no inc. XII do art. 100.
Em sede infraconstitucional o CPC tem princípios expressos nos artigos 7º e 9º a definir, respectivamente, ser assegurada paridade de tratamento dentro do processo, bem como proscrever ao juiz decisão pautada em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. Nem mesmo o inc. I do parágrafo único do art. 9º do CPC15 poderia tornar admissível o percorrer do feito sem conhecimento dos envolvidos, pois tal regra permite tão somente uma decisão ao arrepio do conhecimento da parte, e não o processamento de todo um feito.
Esse regramento dá contornos de maior eficiência ao exercício do contraditório como garantia da influência e não surpresa, características essenciais do CPC vigente desde o ano de 2015. O contraditório se remodela da mera garantia formal de bilateralidade em audiência, para a possibilidade de influência no processo, não basta se fazer presente no feito enquanto parte, há de se assegurar meios e fórmulas com quem participar da formação do convencimento[28].
Essas garantias de atuação no processo são prerrogativas de caráter fundamental, com específico assento constitucional a par do inc. LV do art. 5º da CF/88 onde se assegura: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Há amparo também em previsão da Convenção dos Direitos da Criança,[29] a indicar nos itens 1 e 2 de seu artigo 9º, que a separação dos filhos de seus pais, contra a vontade deles, terá as seguintes características: (1) decisão de autoridade competente; (2) possibilidade de revisão judicial; (3) necessidade da medida para o superior interesse da criança; (4) possibilidade de participação das partes interessadas nas deliberações dando os seus pontos de vista.
A adequada avaliação do contexto normativo do ECA privilegia o traço excepcional, precário e transitório do acolhimento. Nessa visão, dar conhecimento do procedimento de institucionalização aos que se vêm privados da convivência familiar é mola mestra caracterização sistemática da medida, que tem por propostas fundamentais a garantia da segurança da criança e do adolescente, em conjunto ao fortalecimento dos vínculos familiares de origem.
A própria dogmática conduz a necessidade de pleno e efetivo conhecimento do processo por parte dos familiares, bem como da melhor adequação do processamento da medida através da deflagração de uma demanda própria. Mas não bastasse a avaliação dessas justificantes de caráter dogmático, é cabível trabalhar também justificantes de ordem factual a demonstrar a pertinência de tudo quanto defendido.
5.2 Justificantes de ordem factual: o grito de alerta da realidade e o direito para além da abstração.
Uma intervenção do sistema de justiça, materializada por meio de um processo judicial, é elemento da realidade que não se encerra em si mesmo, nem se comunica apenas com vetores de caráter estritamente jurídico. Processos judiciais não são apenas abstrações materializadas em folhas de papel, ou armazenadas em sistemas eletrônicos, eles influem de modo determinante na construção da história de vida e direcionamento da realidade das pessoas que dele participam.
Estabelecer essa compreensão é tão mais pertinente quanto se esteja em discussão a convivência familiar no contexto do acolhimento institucional, pois a intervenção é paradigmática e determinante na modificação das próprias relações que visa regulamentar.
O acolhimento institucional, ao passo em que instala o início de estratégias de fortalecimento e melhoria das condições gerais do núcleo familiar de origem, estabelece uma espécie de período de prova quanto à conduta e modo de atuação dos pais ou responsáveis legais face a retirada, podendo resultar, inclusive, em propositura de medidas ainda mais extremas, como a suspensão ou destituição do poder familiar, guarda ou tutela. Há uma duplicidade de sentidos no proceder do acolhimento institucional, a família não é apenas sujeito de estratégias de apoio, mas também está sob avaliação do poder público.
Em nada aproveita a uma boa compreensão da realidade, estabelecer com pessoas em condição de vulnerabilidade, projeções de atuação dentro dos parâmetros tradicionais de família, pelos quais a relação com os filhos é desenvolvida sempre na convivência isolada de sua moradia e com o desempenho e esforço imediato pelo atendimento a todas as necessidades e estabelecimento de todas as condições.
Há famílias que pura e simplesmente não dispõem de condições mínimas com que confirmar as premissas costumeiras de felicidade, organização e proximidade entre seus entes, para essas o acolhimento é também uma gestão de proteção e apoio, e certo está que assim seja por expressa previsão da norma estatutária.
É essencial superar uma compreensão vetusta, pela qual a atitude de algumas famílias de não adotarem de imediato uma busca pela reintegração familiar seja sinônimo de negligência, abandono, falta de afeto e responsabilidade. Além de todas as dificuldades estruturais a complexidade emocional das crises na convivência familiar conduzem a internalização de um sentimento de culpa, impotência e incompetência, muitas vezes associado a compreensão de que as intervenções da rede de proteção concedem espaço seguro, garantia de escola, direito a saúde, alimentação e lazer[30], direitos que em algumas situações estão em violação por motivos alheios aos pais ou representantes legais.
Em um contexto social de desigualdade e déficit de cidadania como o brasileiro, não é raro que as estratégias advindas do acolhimento institucional sejam as primeiras medidas de apoio socioassistencial a acolher núcleos familiares em situação de vulnerabilidade. Não são raras as situações em que pais aderem as estratégias de retirada como forma de debelar crise grave quanto a qual necessitam auxílio, como casos drogadição, falência absoluta das condições materiais ou mães vítimas de violência doméstica. Assim se naturaliza na percepção geral do cidadão vulnerável a ideia de que o procedimento no qual envolvido lhe faz um bem, lhe concede um beneplácito, sem instalar por automático a consciência de suas possíveis consequências mais drásticas.
O acolhimento institucional é a antessala das medidas extremas de suspensão ou destituição de poder familiar, guarda ou tutela. Nesses procedimentos não remanesce dúvida quanto a necessidade de formalização processual específica, com os consequentes meios de notificação para conhecimento por parte dos réus, exercício da defesa e instrução confirmatória de seus elementos.
Estabelecer a importância dos processos desde o início é essencial para dotar a intervenção estatal de clareza e eficiência, aqueles a quem se dirige a intervenção devem compreendê-la desde seu nascedouro. Acaso remanesça somente no momento de deflagração das ações de suspensão ou destituição os referenciais de gravidade e exercício efetivo do ponto de vista dentro do processo, se estaria ignorando o intenso efeito do tempo sob as relações estabelecidas para com o evento de acolhimento.
É absolutamente revelador e sintomático observar pais ou representantes legais que somente passam a se manifestar pela reinserção familiar e aderir mais rapidamente a orientações das equipes de apoio, após serem citados para defenderem-se de ações de suspensão ou destituição de poder familiar, guarda e tutela. Como tais demandas tomam curso em período temporal distinto, não raro o desenrolar do acolhimento institucional acaba se revelando como elemento a artificializar e sedimentar distanciamento emocional e afetivo entre os envolvidos, reféns da incompreensão exata da situação vivenciada.
A medida protetiva de acolhimento institucional deve incutir nos envolvidos a exata dimensão de seus significados dentro das estruturas comuns aos processos judiciais, tais referencias não podem estar a cargo das intervenções de caráter socioassistencial da rede de proteção e apoio. O que denota a condição de processo é a realização dos atos que lhe são próprios por parte de quem diretamente se associa a esses elementos: é ao Ministério Público ou legitimado quem cabe dizer dos justificantes da formação de um processo, ao Judiciário cabe a condução, a Defesa cabe a orientação jurídica e estabelecimento da perspectiva defensiva.
E não há motivos para avaliar essas colocações como forma condescendente ou esvaziada de juridicidade com que avaliar o tema, pois tal compreender dialoga com um dos princípios das medidas de proteção, pelo qual vige a responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam seus deveres para com a criança e o adolescente. (inc. IX do art. 100 do ECA).
Essas premissas de caráter fático confirmam as avaliações expostas quanto a dogmática sob a perspectiva de uma efetivação socialmente adequada e relevante do direito em estudo. Não se trata apenas de uma perspectiva a melhor se comunicar com a natureza do processo – do que muito se falou na avaliação dogmática – mas também, e talvez principalmente, modo de compreender o direito plasmado nessas medidas diante da realidade das pessoas que pretende regular, e não como uma categoria jurídica isolada do mundo.
Daí a compreensão defendida, pela necessidade de dedução judicial específica para aplicação da medida de proteção, com consequente ciência dos envolvidos através das fórmulas processuais próprias, assegurando sua manifestação no processo com estabelecimento de seu ponto de vista. É o modo de cumprir o quanto estabelecido pelo ECA, com melhores chances de alcance às premissas estatutárias de modificação das condições de fato dos envolvidos na busca pela melhoria da convivência familiar.
6.Conclusões: direito que não se encerra no limite dos tribunais.
A investigação do presente trabalho se dirigiu a uma compreensão do caráter judicial contencioso do procedimento pelo qual se dá o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar, por meio das medidas de proteção de acolhimento institucional, tudo como modo de firmar os espaços para o ponto de vista dos pais e representantes legais.
De pronto se firmou a compreensão pela convivência familiar como direito dotado de fundamentalidade, titularizado tanto pela criança e adolescente quanto por seus pais ou representantes legais; a seu passo, a medida de proteção de acolhimento institucional se localiza como de preservação não só do acolhido, mas da própria família de origem[31]. Este processo haverá de ser necessariamente contencioso, pautado no contraditório e com espaço para estabelecimento da ampla defesa.
Avaliando o acolhimento institucional como evento a influir de modo significativo na convivência familiar, foi possível observar suas características essenciais e fontes de regulamentação, que não se esgotam no texto do estatuto da criança e do adolescente, havendo influência do PNFC e OT do CONANDA e CNAS, bem como Provimento 32, Instrução Normativa 02 e Resolução 07 do CNJ e CNMP.
Daí se nota estar em franco amadurecimento a dogmática do tema, que iniciou processo de estabelecimento específico de etapas e atos a partir de 2009, com a Lei Nacional de Adoção, tendo passado por alterações de importância ainda no ano de 2017. Esse contexto de formação normativa estabelece a temática como nova, ainda carecendo de melhor análise e experimentação, caminhando para o estabelecimento dos consensos na comunidade jurídica.
A par da ausência de previsão de um procedimento específico foi possível indicar um escalonamento de etapas da intervenção, com a necessária expedição de guia para controle da população acolhida, início de trabalho específico para o fortalecimento dos vínculos e das condições estruturais visando a reintegração familiar e eventual desdobramento pelo afastamento dos poderes afetos a condição de pai, mãe ou responsável legal.
Aí se observou a construção de um esquema geral de processamento no qual, por mais que estejam assentadas premissas e estratégias voltadas ao retorno a família de origem, vige compreensão pela desnecessidade de etapas de dedução judicial específica pelo acolhimento institucional e exercício da defesa com posicionamento de ponto de vista dos pais ou responsáveis legais dentro do processo. Nesse particular, se demonstrou como a doutrina dos direitos da criança e do adolescente naturaliza essa compreensão, não controvertendo o tema, ou simplesmente aderindo a uma visão inautêntica do regramento.
É o próprio texto normativo que assenta as premissas de necessidade cientificação e do início de um processo a impor a medida de proteção restritiva ao exercício da convivência familiar, como meios essenciais de preservação a ampla defesa, o contraditório e o caráter contencioso do processo. Pensar em oposto é raciocínio dissonante a uma avaliação harmônica de toda a dogmática do tema, para além de inautêntico face elementos fáticos e sociais peculiares aos vulneráveis costumeiramente envolvidos nessas medidas.
O acolhimento institucional se inclina para uma projeção, pretendendo sanar a precarização e deterioração da convivência em primeiro momento avaliada como inadequada. Essa estrutura já desafia a formatação comum dos processos judiciais, que por costume avaliam fatos já ocorridos ou ao menos com alto grau de estabilidade. Este é um dos motivos pelos quais tantas categorias absolutamente elementares do processo civil, como propositura de petição inicial e cientificação para integrar o feito, não estão especificamente delineadas dentro de etapas expressamente estabelecidas de um procedimento.
Esvaziar a carga de juridicidade do acolhimento institucional, como se este evento se coordenasse apenas na perspectiva de promoção e auxílio a família e aos acolhidos, opera verdadeira confusão conceitual entre a medida de proteção e o exercício de políticas de caráter sócio assistencial, desfocando o papel do próprio sistema de justiça, impedindo seu exato dimensionamento e colocação na intervenção estatal. Mecânicas de raciocínio pelas quais formam-se meios de proteção fragmentários, observando apenas uma das vertentes dos fatos regulados são extremamente comuns na sistemática socioeducativa[32], mas também se apresentam no contexto protetivo, onde se impõem maiores obstáculos, em razão do viés ainda mais demarcado de proteção a criança ou adolescente.
Não é autêntico construir uma idealização da aplicação do estatuto da criança e do adolescente como um ato de absoluta bondade, acolhimento e beneplácito, ignorando que suas estratégias e instrumentos protetivos também possuem a faceta de restrição a direitos de terceiros.
Ao tolher espaços de influência e participação dos pais ou responsáveis legais há uma interdição da construção dialética do melhor interesse da criança e do adolescente, que estaria confinada à figura do Juiz, do Promotor de Justiça e das equipes da rede de proteção. Há uma avaliação contraditória dos direitos de acolhidos e seus pais ou responsáveis, dando espaço a uma subjetividade inautêntica frente a dogmática, credora de uma melhor compreensão da realidade, pela qual o judiciário arbitra o melhor interesse da criança e do adolescente na ausência do ponto de vista da família de origem[33].
Não estabelecer de modo claro e específico a tônica de judicialidade e significado de gravidade das medidas de proteção para além de importar em desprestígio ao direito posto, é linha de raciocínio que transita da ingenuidade a irresponsabilidade, ignorando a necessidade de uma compreensão do processo e da própria realidade como um elemento a justificar, orientar e demonstrar sua mais adequada conformação.
E não se tem por adequado compreender que a família de origem participa do feito através do contato com as equipes de intervenção e entidades de acolhimento, pois as fórmulas, estratégias e avaliações são essencialmente distintas da dinâmica de um processo judicial.
É necessário superar compreensões pautadas em excessiva abstração teórica sobre a realidade, afastadas de um olhar social e valorativo aos fatos que se pretende regular, fomentando uma fragmentação da ideia de direitos humanos por uma confiança ingênua no ordenamento jurídico, fomentadora da naturalização da violência concreta aos direitos que deveria preservar[34].
Tudo isso se coordena ao necessário estabelecimento do significado desses processos na vida dos envolvidos, como forma de bem estabelecer sua importância e gravidade, projetando seus efeitos, contribuindo assim para a melhor compreensão e responsabilização dos titulares do poder familiar e gestores da convivência familiar. Essa avaliação um exercício de aplicação do texto legal eficiente na realidade dos vulneráveis, evitando percepções idealizadas da realidade social, escapando a tendência mundial de criminalização da pobreza e culpabilização das vítimas por sua própria exclusão[35].
O estudo buscou demonstrar que a própria dogmática do acolhimento institucional conduz a necessidade de seu processamento por meio de uma dedução judicial própria, deflagrada pelo Ministério Público ou quem tenha legítimo interesse; disso decorre a necessária formalização da relação processual com a ciência dos pais ou responsáveis legais para exercerem sua defesa, trazendo aos autos o seu ponto de vista. Por se tratar de uma visão adequada diante do atual conjunto de regras a disciplinar o tema, com diálogo confirmatório frente a peculiaridades fáticas dos envolvidos, é esta a visão que se avalia como autêntica para o problema levantado.
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[1] ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência. São Paulo: Saraiva Jus, 2019, p. 53
[2] Por escapar a proposta essencial do trabalho, não se pretende aprofundar a temática da construção doutrinária dos direitos da criança e do adolescente na comunidade jurídica, mas não é demais apontar que com dados do Ranking Universitário da Folha de São Paulo podem ser indicadas como as mais bem avaliadas instituições de ensino jurídico da Bahia: Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Salvador (UNIFACS), Faculdade Baiana de Direito e Gestão, Universidade Católica de Salvador (UCSAL) e Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), respectivamente 27ª, 46ª, 77ª, 83ª e 128ª colocadas no ranking nacional. Observando sua grade curricular, é sintomático que o Direito da Criança e do Adolescente não seja disciplina obrigatória em nenhuma delas. https://ruf.folha.uol.com.br/2018/ranking-de-cursos/direito/
[3] TAVARES Patrícia Silveira. Medidas de proteção. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Saraiva jus, 2019, p. 769.
[4] O escopo do presente estudo é analisar o acolhimento institucional, mas é de rigor indicar que a seu lado se tem também o acolhimento familiar, medida de proteção de espécie similar, a ser utilizada nos mesmos casos extremos mas com desenvolvimento e efetivação fora das chamadas entidades de acolhimento ou abrigos.
[5] TAVARES Patrícia Silveira. Medidas de proteção. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Saraiva jus, 2019, p. 780
[6] LOPES, Emília. Os filhos do estado: a institucionalização de crianças e adolescentes à luz do direito fundamental à convivência familiar e comunitária. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2016, p. 169.
[7] LOPES, Emília. Os filhos do estado: a institucionalização de crianças e adolescentes à luz do direito fundamental à convivência familiar e comunitária. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2016, p. 172.
[8] MELO, Eduardo Rezende de. Art. 101. In: CURY, Munir; SILVEIRA, Mayra; VERONESES, Josiane Rose Petry. Estatuto da criança e do adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 703.
[9] CUNHA, Rogério Sanches; LÉPORE, Paulo Eduardo; ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da criança e do adolescente: comentado artigo por artigo. São Paulo: Saraiva jus, 2019, p. 342
[10] Na redação originária os hoje chamados programas de acolhimento familiar ou institucional eram chamados programas de abrigo, ao longo desse trecho, se fará uso da expressão atual do estatuto – acolhimento – para fazer o debate geral da temática, ainda que se articulando com as regras atuais e as já alteradas. Sobre o aperfeiçoamento do texto diz a doutrina: A mudança de “abrigo” para acolhimento institucional é justificável na medida em que este é o gênero, do qual aquele é espécie, sendo as demais: casa de passagem, casa-lar e república todas oferecidas e monitoradas pela rede de atendimento municipal. Trata-se de mudança preconizada pelo Plano Nacional. (CUNHA, Rogério Sanches; LÉPORE, Paulo Eduardo; ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da criança e do adolescente: comentado artigo por artigo. São Paulo: Saraiva jus, 2019, p. 357)
[11] Não se confundem os conceitos de processo e procedimento, cabendo ao último a condição de roteiro de aplicação das etapas dentro de uma determinada demanda judicial, em outros termos: […] procedimento é um conjunto de atos organizados tendentes a produção de um ato final. Além de uma organização de atos, procedimento define também as diversas posições jurídicas de que os diversos sujeitos do procedimento serão titulares. DIDIER JR, Freddie. Curso de direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. Salvador: Jus Podem, 2019, p. 339.
[12] Não por menos indica o art. 1º da menciona lei:
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente.
§ 1o A intervenção estatal, em observância ao disposto no caput do art. 226 da Constituição Federal, será prioritariamente voltada à orientação, apoio e promoção social da família natural, junto à qual a criança e o adolescente devem permanecer, ressalvada absoluta impossibilidade, demonstrada por decisão judicial fundamentada.
§ 2o Na impossibilidade de permanência na família natural, a criança e o adolescente serão colocados sob adoção, tutela ou guarda, observadas as regras e princípios contidos na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e na Constituição Federal.
[13] CUNHA, Rogério Sanches; LÉPORE, Paulo Eduardo; ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da criança e do adolescente: comentado artigo por artigo. São Paulo: Saraiva jus, 2019, p. 160.
[14] Há, contudo, quem credite a mudança a um exercício de hipocrisia, enxerto a revelar a imensa dificuldade de superação dos paradigmas estigmatizantes e punitivistas com que se avaliam e interpretam as questões afetas ao direito da criança e do adolescente. A hipocrisia neste País atinge níveis elevados. A Lei 13.257/2016 removeu. Ser direito da criança ser criada em ambiente “livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”, substituindo por “ambiente que garanta seu desenvolvimento integral”. O que era objetivo se tornou subjetivo. Mais um golpe na adoção, pois, se, antes, filhos de drogados eram retirados de sua guarda para serem colocados em famílias substitutas, hoje, com essa redação, pode-se interpretar que, mesmo morando com drogaditos, o infante está auferindo “desenvolvimento integral”. NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da criança e do adolescente comentado: em busca da constituição federal das crianças e dos adolescentes. São Paulo: Editora Forense, 2018, p. 80.
[15] CUNHA, Rogério Sanches; LÉPORE, Paulo Eduardo; ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da criança e do adolescente: comentado artigo por artigo. São Paulo: Saraiva jus, 2019, p. 355
[16] MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Direito fundamental a convivência familiar. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Saraiva jus, 2019, p. 164
[17] ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. Salvador: Juspodvm, 2019, p. 87.
[18] NESRALA, Daniele Bellettato. Sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes: técnicas de governança como instrumento de acesso à justiça pela via dos direitos. Belo Horizonte: Editoa D’Placido, 2019, p. 158.
[19] D’ANDREA, Giuliano. Temas controvertidos sobre o poder familiar: da impossibilidade de suspensão e destituição do poder familiar de pais adolescentes absolutamente incapazes e da restituição do poder familiar. In: RÉ, Aluísio Iunes Monti Ruggeri; REIS, Gustavo Augusto Soares dos. Temas aprofundados de defensoria pública volume 2. Salvador: Jus Podem, 2014, p. 892
[20] TAVARES Patrícia Silveira. Medidas de proteção. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Saraiva jus, 2019, p. 788-789.
[21] NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da criança e do adolescente comentado: em busca da constituição federal das crianças e dos adolescentes. São Paulo: Editora Forense, 2018, p.400.
[22] MELO, Eduardo Rezende de. Art. 101. In: CURY, Munir; SILVEIRA, Mayra; VERONESES, Josiane Rose Petry. Estatuto da criança e do adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 691.
[23] ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. Salvador: Juspodvm, 2019, p. 331 a 337.
[24] CUNHA, Rogério Sanches; LÉPORE, Paulo Eduardo; ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da criança e do adolescente: comentado artigo por artigo. São Paulo: Saraiva jus, 2019, p. 357 a 359
[25] FULLER, Paulo Henrique Aranda. Estatuto da criança e do adolescente comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 250.
[26] DIDIER JR, Freddie. Curso de direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. Salvador: Jus Podem, 2019, p. 232.
[27] NESRALA, Daniele Bellettato. Sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes: técnicas de governança como instrumento de acesso à justiça pela via dos direitos. Belo Horizonte: Editoa D’Placido, 2019, p. 158.
[28] BAHIA, Alexandre Melo Franco; JÚNIOR, Humberto Theodoro; NUNES, Dierle; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. São Paulo: Editora Forense, 2016, p. 111 a 156.
[29] Assim informa o Decreto 99.710/90 da Presidência da República em seu art. 1°: A Convenção sobre os Direitos da Criança, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.
[30] MOREIRA, Maria Ignez Costa. Os impasses entre o acolhimento institucional e o direito à convivência familiar. Psicologia & Sociedade, PUC-MG, Belo Horizonte/MG, vol. 26, n.spe2. 2014. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-71822014000600004&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em 28 fev. 2019
[31] CONSELHO NACIONAL DA CRIANÇA E ADOLESCENTE; CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília, 2009, p. 69-70.
[32]Se, por um lado, os atores do sistema socioeducativo mostram convicção ao defender a implementação dos direitos da criança e do adolescente enquanto sujeitos merecedores de proteção integral, por outro, não raro defendem, na prática, justamente a violação destes direitos, em discurso nitidamente esquizofrênico. BARBOSA, Daniele Rinaldi. Desafios da atuação do defensor pública da infância e juventude: divergência de discursos entre teoria e prática na seara infracional. In: Temas aprofundados de defensoria pública volume 2. Salvador: Jus Podvm, 2014, p. 905. Como já se teve oportunidade de afirmar anteriormente são situações que fomentam um discurso de falta no qual falta um discurso, falecem as garantias, se rebaixam direitos. FIALHO, Pedro de Souza. O discurso de bondade das autoridades por trás da medida socioeducativa. http://www.justificando.com/2016/05/04/o-discurso-de-bondade-das-autoridades-por-tras-da-medida-socioeducativa/
[33] NESRALA, Daniele Bellettato. Sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes: técnicas de governança como instrumento de acesso à justiça pela via dos direitos. Belo Horizonte: Editoa D’Placido, 2019, p. 166.
[34] BIZZOTTO, Alexandre. A inversão ideológica do discurso garantista: a subversão da finalidade das normas constitucionais de conteúdo limitativo para a ampliação do sistema penal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2009, p. 205.
[35] SOUZA, Jessé. Subcidadania brasileira: para entender o país além do jeitinho. Rio de Janeiro: Leya, 2018. E-book. ISBN 978-85-441-0728-7. Acesso em 04 jan. 2019
Especialista em Direito Público pela FAINOR. Bacharel em Direito pela UESC. Defensor Público do Estado da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FIALHO, Pedro de Souza. Acolhimento institucional: espaços para o ponto de vista dos pais e responsáveis legais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 maio 2020, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54540/acolhimento-institucional-espaos-para-o-ponto-de-vista-dos-pais-e-responsveis-legais. Acesso em: 23 dez 2024.
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