RAFAELLEN DA SILVA TEIXEIRA COSTA[1]
(coautor)
GEORGE BARBOSA JALES DE CARVALHO[2]
(Orientador)
RESUMO[3]: O presente artigo tem como objetivo apresentar considerações acerca da possibilidade da penhora parcial do salário nas ações de improbidade administrativa como forma de ressarcir o erário público, através da análise de posicionamentos jurisprudenciais sobre o tema da lei de improbidade administrativa e a aplicação dos princípios constitucionais administrativos. Em vista do cenário atual, o tema é de indiscutível relevância no meio social e jurídico. O artigo foi desenvolvido com abordagem dedutiva, através de revisão bibliográfica e analise jurisprudencial do tema, concluindo pela possibilidade da penhora parcial do salário nas ações de improbidade administrativa, desde que assegurado ao individuo o mínimo existencial para a sobrevivência digna.
Palavras-chave: Direito Administrativo, Processo Civil, Mínimo Existencial, Erário Público, Improbidade.
ABSTRACT: This article aims to present considerations about the possibility of partial garnishment of wages in actions of administrative improbity as a way to compensate the public purse, through the analysis of jurisprudential positions on the theme of the law of administrative improbity and the application of the principles administrative constitutional requirements. In view of the current scenario, the theme is of indisputable relevance in the social and legal environment. The article was developed with a deductive approach, through bibliographic review and jurisprudential analysis of the theme, concluding by the possibility of partial attachment of the salary in actions of administrative improbity, provided that the individual is guaranteed the minimum existential for dignified survival.
Keywords: Administrative Law, Civil Procedure, Minimum Existential, Public Treasury, Improbity.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da improbidade administrativa. 2.1. Conceito de improbidade administrativa. 2.2. Da improbidade administrativa e o princípio da moralidade. 2.3. Atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito. 2.4. Atos evidenciadores de enriquecimento ilícito. 2.5. Atos de improbidade administrativa que causam prejuízos ao erário. 3. Da impenhorabilidade do salário. 3.1. Noções acerca do instituto da penhora. 3.1. Noções acerca do instituto da penhora. 3.2. Reflexos sobre impenhorabilidade do salário (sentido genérico). 4. Penhora do salário nas ações de improbidade administrativa. 4.1. Da possibilidade da penhora do salário. 4.2. A (im)penhorabilidade do salário levando em conta os fundamentos legais e constitucionais. 4.3. Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e a relativização da (im)penhorabilidade do salário. 4.4. Da penhora parcial do salário como forma de ressarcir o erário público. 5. Conclusão. 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
No âmbito da administração pública o agente público ao praticar um ato ilícito de forma desonesta no cumprimento de suas funções, seja porque usou destas para adquirir vantagem econômica para si ou terceiros ou desviou recursos financeiros para enriquecimento próprio, prejudicando a União, incorre em ato de improbidade administrativa previsto na lei n° 8.429 de 02 de junho de 1992.
A improbidade administrativa, é amparada pela Constituição Federal da República de 1988, uma vez que, em seu art. 37, §4º, estabelece as sanções possíveis ao agente público, tais sanções também estão previstas na Lei 8.429 de 1992. Ao incorrer em improbidade administrativa, surge a necessidade de, além da punição àquele que o comete, o total ressarcimento do dano ao erário público. Assim, tendo em vista o instituto jurídico da penhora, e considerando os dispositivos processuais acerca da impenhorabilidade, é importante saber em quais bens poderá recair tal responsabilidade caso o agente não cumpra as determinações legais.
Nesse sentido, é levantado o seguinte questionamento: É possível a penhora parcial do salário do agente condenado a ressarcir o erário público em uma ação de improbidade administrativa? O presente artigo cinge-se, então, em analisar através dos princípios constitucionais administrativos, da lei de improbidade administrativa, e dos posicionamentos dos tribunais sobre a possibilidade da penhora parcial do salário do agente público condenado na ação de improbidade administrativa, sem incorrer em conduta invasiva e prejudicial para aquele, com o intuito de ressarcir, portanto, o erário publico.
O tema é de indiscutível relevância no âmbito jurídico e social em razão da grande incidência de casos de improbidade administrativa e a busca por efetividade processual, bem como a aplicação dos princípios constitucionais. Para tanto, por metodologia dedutiva serão discutidos ao longo do artigo conceitos e posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da improbidade administrativa, da impenhorabilidade, e especificamente da penhora parcial do salário em ações de improbidade administrativa.
No primeiro capítulo foram abordadas considerações acerca da improbidade administrativa, destacando a conceituação, a correlação entre os princípios da moralidade e a probidade, bem como considerações acerca dos atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito, atos evidenciadores de enriquecimento sem justificativa e atos de improbidade administrativa que causam prejuízos ao erário. No segundo capítulo, é dado o prosseguimento com a conceituação e considerações acerca da impenhorabilidade do salário, destacando as noções do instituto da penhora e os reflexos sobre a impenhorabilidade do salário, em sentido genérico.
E por fim, a penhora nas ações de improbidade administrativa, abordando quanto à possibilidade da penhora do salário, a impenhorabilidade do salário levando em conta os fundamentos legais e constitucionais, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e a relativização da impenhorabilidade demonstrando a possibilidade da penhora parcial do salário como forma de ressarcir o erário público.
2 DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
2.1 Do Conceito de Improbidade Administrativa
Em que pese a sua previsão no ordenamento jurídico por meio da Constituição Federal de 1988 e da Lei infraconstitucional nº 8.429/1992, não há pela legislação uma definição taxativa do conceito de improbidade administrativa, estabelecendo somente em seu artigo 1º da mencionada Legislação específica, de forma bastante aberta, que tal ocorrência desses atos será punida na forma da lei.
A doutrina, então, se encarrega de conceituar a improbidade administrativa. Cabe então, verificar o que alude o ilustre doutrinador Marçal Justen Filho em relação à definição de improbidade administrativa em sua obra de Direito Administrativo:
A improbidade administrativa consiste na ação ou omissão, no exercício da função pública, caracterizada por danosidade ou reprovabilidade extraordinária, que acarreta a imposição de sanções civis, administrativas e penais, de modo cumulativo ou não, tal como definido em lei (JUSTEN FILHO, 2016, p. 931).
Assim sendo, esclarece-se que a probidade do latim probitate, relaciona-se à honra e à honestidade, o que é contrário à improbidade, que traduz a má qualidade, imoralidade, desonestidade. A improbidade administrativa pode ser configurada através de condutas inadequadas, seja por desonestidade, descaso ou outro comportamento impróprio ao exercício da função pública, merecedoras das sanções previstas no referido texto legal.
Vale lembrar, que a Lei de Improbidade Administrativa adveio como concretização do que foi estabelecido no artigo 37, § 4º da Constituição Federal de 1988, pelo qual dispõe que os atos de improbidade administrativa importarão à suspensão dos direitos políticos, à perda da função pública, à indisponibilidade dos bens e ao ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei.
Ademais, a Lei de Improbidade, nº 8.429/1992, determina as condutas praticadas por agentes públicos e também por particulares que nelas tomem parte. A definição de tais condutas é dada pelo artigo 9º, quanto aos que importam enriquecimento ilícito; pelo artigo 10 os que causam prejuízo ao erário; os que decorrem de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário previstos no artigo 10-A, acrescentado pela Lei Complementar nº 157/16; e os que atentam contra os princípios da Administração Pública dispostos no artigo 11.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro destaca que embora a lei fale em ato de improbidade, tem-se que entender que o vocábulo ato não é utilizado, nesses dispositivos, no sentido de ato administrativo, pois, o ato de improbidade pode corresponder a um ato administrativo, a uma omissão, a uma conduta (DI PIETRO, 2017).
Nesse sentido, a ilustre doutrinadora estabelece que:
Esse ato tem que ser praticado no exercício de função pública, considerada a expressão em seu sentido mais amplo, de modo que abranja as três funções do Estado; mesmo quando praticado por terceiro, que não se enquadre no conceito de agente público, o ato tem que ter algum reflexo sobre uma função pública exercida por agente público. Difícil conceber ato de improbidade praticado por terceiro que não esteja em relação de cumplicidade com agente público. Embora a lei, nos três dispositivos, tenha elencado um rol de atos de improbidade, não se trata de enumeração taxativa, mas meramente exemplificativa (DI PIETRO, 2017, p. 990).
Nessa esteira, percebe-se que ainda que o ato não se enquadre em uma das hipóteses previstas expressamente nos vários incisos dos três dispositivos, poderá ocorrer improbidade sancionada pela lei, desde que enquadrada no caput dos artigos 9, 10 ou 11.
O tema em questão encontra-se cotidianamente inserido na sociedade, em vista de inúmeros casos de corrupção registrados ao longo do tempo, destacando-se, desta forma, para a necessidade de interpretação e aplicação da Lei 8.429/1992, considerada um dos principais instrumentos no combate à corrupção administrativa.
Conceituada então a Improbidade Administrativa, não menos importante é destacar àqueles que sofrem a sua aplicação. A legislação, diferentemente do conceito, faz menção dos sujeitos a quem se recai, sendo o agente público, servidor ou não, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas na legislação.
Destaque-se ainda que, o artigo 3º também estende a aplicação da Lei, no que couber, àquele que mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. Nessa esteira, para ocorrer o ato de improbidade disciplinado pela Lei nº 8.429/92, são necessários três elementos: o sujeito ativo, o sujeito passivo e a ocorrência de um dos atos danosos previstos na lei como ato de improbidade.
2.2 Da Improbidade Administrativa e o Principio da Moralidade
A probidade constitui um dos mais fortes parâmetros de concretização do principio da moralidade administrativa (MARRARA, 2012, p.166). Assim, a moralidade como probidade exige do administrador a boa-fé na prática de suas condutas, impondo desta forma que o agente exerça a função pública no interesse de apenas concretizar os interesses públicos primários.
José Antonio Lisboa Neiva ao tratar sobre o princípio da probidade na obra Improbidade Administrativa: legislação comentada, destaca que existe orientação doutrinária no sentido de que a probidade administrativa seria sinônimo de moralidade administrativa, ou estaria inserida neste principio, de que sua violação consistiria numa imoralidade qualificada (NEIVA, 2013).
O autor coloca em questão se a probidade administrativa seria uma espécie do gênero moralidade administrativa ou de que teria um conteúdo mais amplo que a própria moralidade, considerando que a legislação infraconstitucional integradora do comando constitucional do parágrafo 4º do art. 37, estipulou como violação a probidade ato que, atentando contra os princípios da administração pública, violasse além do dever de honestidade, imparcialidade e lealdade as instituições, a própria legalidade.
Em sua obra de Direito Administrativo, a nobre doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro aduz:
Não é fácil estabelecer distinção entre moralidade administrativa e probidade administrativa. A rigor, pode-se dizer que são expressões que significam a mesma coisa, tendo em vista que ambas se relacionam com a ideia de honestidade na Administração Pública. Quando se exige probidade ou moralidade administrativa, isso significa que não basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com observância da lei; é preciso também a observância de princípios éticos, de lealdade, de boa-fé, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública (DI PIETRO, 2017, p. 1070).
Dessa maneira, o entendimento doutrinário destaca a probidade como subprincípio da moralidade que busca estimular a gestão pública profissional, já que a probidade tem como principal destinatário o agente público, de forma que possa diferenciar meros erros de administração e hipóteses de má-gestão, puníveis em esfera disciplinar e os atos de improbidade propriamente ditos. Para o ilustre doutrinador Thiago Marrara, a improbidade administrativa não é mero erro de administração. Improbidade é o ato de má administração marcado pela desonestidade de quem o pratica, desse modo, esclarece:
Ainda que um ato de improbidade possa constituir uma infração disciplinar, o contrário nem sempre é verdadeiro. A improbidade é marcada pelo desvio intencional do agente público, seja para se enriquecer indevidamente, seja para causar dano ao Erário, seja para simplesmente violar os princípios que regem a Administração Pública (MARRARA, 2012, p.168).
Neste sentido, é importante verificar, em cada caso concreto a existência de dolo em sentido estrito, para ser caracterizada a Improbidade Administrativa, pois, o Superior Tribunal de Justiça, já se posicionou nesse contexto entendendo que “não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário municipal, mas, a inabilidade do administrador, não cabe às punições previstas na Lei 8.429/1992. A lei alcança o administrador desonesto, não o inábil” (STJ, REsp nº213.994/MG).
Neste ínterim, em vista das explanações, é de se observar que a probidade administrativa e a moralidade administrativa estão intimamente ligadas em virtude da ética pública e da boa administração, de maneira que a atuação do administrador deve também seguir a legalidade e boa-fé.
2.3 Atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito
As condutas definidas como contrárias à probidade administrativa, conforme Lei nº 8.429/92, são divididas em três espécies distintas. São eles os atos que importam enriquecimento ilícito, atos que causam prejuízo ao erário e atos que atentam contra os princípios da administração pública. Estes atos de improbidade se desenvolvem com base em três espécies de ilícitos, os quais possuem uma origem comum, qual seja a violação aos princípios que regem a atividade pública.
A lei traz um rol meramente exemplificativo dos atos de improbidade administrativa. Em relação à estrutura do ato de enriquecimento ilícito por improbidade, presente no artigo 9º da mencionada lei, esta resulta de quatro elementos, quais sejam: a percepção de vantagens patrimoniais; ausência de fato lícito gerador da vantagem seja interno ou externo, conduta administrativa proibida; conexão causa entre a conduta e a vantagem e; o elo entre a conduta do agente público e a vantagem patrimonial.
Nessa esteira, o artigo 9º da Lei de Improbidade Administrativa trata da conduta de improbidade decorrente do enriquecimento ilícito do agente, constituindo-se em uma “derivação lógica e consequência inevitável dos atos de corrupção”. Para José Antonio Lisboa Neiva, em sua obra sobre Improbidade Administrativa, ato ímprobo por enriquecimento ilícito do agente é, por excelência, a conduta que melhor se ajusta à ideia de ausência de caráter, deslealdade à instituição e desonestidade que envolve o conceito de improbidade (NEIVA, 2013).
Importante mencionar, que para a caracterização do ato de improbidade a que se refere o artigo 9º, prescinde que tenha ocorrido dano ao patrimônio da pessoa jurídica da qual faz parte o agente, na medida em que o juízo de reprovabilidade incide na própria conduta de receber vantagem ilícita em razão de sua posição, como agente público que teria atribuição para a ação ou omissão desejada pelo terceiro.
Nesse sentido, destaca a nobre doutrinadora Maria Sylvia Zanella de Pietro:
O fato de uma pessoa enriquecer ilicitamente no exercício de função pública pode não acarretar necessariamente dano ao patrimônio econômico-financeiro; por exemplo, se uma pessoa receber propina para praticar um ato que realmente é de sua competência ou para dispensar uma licitação quando esta era obrigatória, esses atos podem não ocasionar prejuízo ao erário e ainda assim propiciar enriquecimento ilícito. Nesse caso, também, é o patrimônio moral que está sendo lesado (DI PIETRO, 2017, p.993).
Para configurar determinada conduta à tipologia do artigo 9º da Lei de Improbidade, faz-se necessário que tenha ocorrido o enriquecimento ilícito do agente ou que este tenha agido visando ao enriquecimento de terceiros, de tal feita, se houver vantagem diversa da patrimonial, adéqua-se nos outros dispositivos da Lei.
A Lei de Improbidade Administrativa elenca em seu art. 9º, doze incisos (I a XII) com os atos ensejadores de enriquecimento ilícito, entretanto, também deixou claro que os incisos não são exaustivos. Verifica-se através do advérbio “notadamente” utilizado, que traz o significado de especialmente, sem que exclua qualquer outra conduta que se amolde no caput do artigo analisado. Desta feita, não se pode exigir do legislador que este preveja todas as condutas que poderiam ocorrer em virtude de um enriquecimento indevido de agente público para realização de seus atos funcionais.
2.4 Atos evidenciadores de enriquecimento sem justificativa
Considerando que o enriquecimento ilícito se dá com a aquisição de vantagens patrimoniais de maneira indevida pelo agente que aufere tais vantagens em razão do exercício do cargo, função, mandato, emprego ou atividades, seja ele servidor ou não, contra a administração pública.
Dentre os atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito, elencados na Lei, destaca-se o inciso VII do supramencionado artigo 9º em que há a situação jurídica que faz presumir a improbidade e o enriquecimento sem justa causa. O aludido inciso refere-se à aquisição, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público.
Quanto ao tema, sábias são as palavras do ilustre doutrinador José Antônio Lisboa Neiva:
Não se cuida, como deixa transparecer a literalidade, do simples descompasso entre valores dos bens adquiridos com os rendimentos percebidos no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública. Deseja o legislador combater, na verdade, é a aquisição de bens com base em rendimentos ilícitos percebidos em razão de tais atividades (NEIVA, 2014, p.91).
Nesse caso, não há que se falar que a simples variação patrimonial do agente em descompasso com rendimentos recebidos da Administração Pública, pois, esta não constitui imediatamente uma irregularidade, considerando que tal variação pode advir de doações ou mesmo de uma herança.
Entretanto, em consonância com as palavras de José Antonio Lisboa Neiva (2014, p. 92) pode sim, haver um liame que demonstre ter ocorrido o enriquecimento em virtude do exercício da atividade pública, até mesmo em decorrência da ausência de qualquer justificativa idônea para ter aumentado o patrimônio consideravelmente após atuação como agente público.
Sobre o tema, vale conferir decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:
Ação Civil Pública. Improbidade Administrativa.” Evolução patrimonial incompatível com os vencimentos de servidora pública no período em que foi nomeada Chefe de Tesouraria da Prefeitura Municipal de Cardoso. Operações financeiras não justificadas pela ex-servidora. Afastadas as sanções administrativas em razão da prescrição prevista no art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa. Sentença reformada nessa parte. Ressarcimento ao erário devido. Recurso parcialmente provido (TJSP, AC 0733368.5/7-00) (grifo nosso).
Nesse diapasão, vale ressaltar que o agente público no ato do início do seu vínculo com a administração assina um termo de declaração de bens para concorrer a cargo, função ou emprego da administração pública. Este termo tem como finalidade controlar a evolução dos bens dos agentes, verificando se os bens são proporcionais às percepções financeiras, e em casos de desproporcionalidade, verificar a possibilidade de configuração de atos de enriquecimento sem justa causa contra a administração.
2.5 Atos de improbidade administrativa que causam prejuízos ao erário
O artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa disciplina a improbidade administrativa que causa lesão ao erário, com perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta lei. O dispositivo prevê, ao lado da ação ou omissão dolosa, que a caracterização da improbidade por lesão ao erário poderia decorrer de condutas culposas, consentindo a doutrina dominante com uma improbidade baseada na culpa, nas hipóteses do artigo 10.
Para Jose Antônio Lisboa Neiva (2014, p.101), admitir tal ponto de vista é aceitar que o legislador infraconstitucional tem a liberdade para, em integração do art. 37 da Constituição Federal, dizer o que é improbidade de modo destoante com o seu conceito histórico e assimilado quando da elaboração do texto constitucional.
Como mencionado alhures, o termo improbidade advém de má qualidade e imoralidade, relevando aquele que não procede bem, que age indignamente, sendo então, atributo daquele que é ímprobo, ou seja, violador de regras legais e morais. Assim, entende-se que a conceituação exige dolo, sendo difícil imaginar deslealdade, desonestidade e corrupção por negligencia, imperícia e imprudência. O dano ao erário constitui elemento objetivo do tipo de improbidade administrativa em questão, conforme expressamente exigido pelo caput do artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa.
Em relação ao elemento subjetivo na caracterização dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízos ao erário, cabe verificar o disposto na seguinte jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATO ÍMPROBO QUE CAUSA LESÃO AO ERÁRIO E ATENTA CONTRA OS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO OU CULPA GRAVE DOS AGENTES PÚBLICOS. AUSÊNCIA DE PROVA. IMPROBIDADE NÃO COMPROVADA. IMPUTAÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO A TERCEIRO. NECESSIDADE DE CONFIGURAÇÃO DO ATO ÍMPROBO POR AGENTE PÚBLICO. NÃO CONFIGURADA A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, EVENTUAL PREJUÍZO AO ERÁRIO DEVE SER OBJETO DE AÇÃO DE RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO NAS SANÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PREVISTAS NO ART. 37, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL[1] E NO ART. 12 DA LEI 8.429/92[2]. PREQUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS DISPOSITIVOS. ENFRENTAMENTO NAS RAZÕES DE DECIDIR. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A configuração de ato de improbidade administrativa exige a presença de elemento subjetivo, a saber, dolo ou culpa grave. 2. Ausente a prova do elemento subjetivo, afastada está a improbidade administrativa. 3. A responsabilização de terceiro depende da prática de um efetivo ato de improbidade administrativa por agente público. Nos termos da jurisprudência do STJ. 4.. Não configurado ato ímprobo, eventual prejuízo causado ao erário deve ser, em tese, objeto de ação de ressarcimento; não podendo ensejar as sanções de improbidade administrativa previstas no art. 37, § 4º, da Constituição Federal e no art. 12 da Lei nº. 8.429/92. 5. Prequestionamento de dispositivos constitucionais e legais que não foram violados, cujas matérias foram enfrentadas nas razões de decidir. (TJ-RN - AC: 20170113811 RN, Relator: Desembargadora MARIA ZENEIDE BEZERRA., Data de Julgamento: 26/03/2019, 2ª Câmara Cível).
Conforme verificado, há também o entendimento de que a configuração de ato de improbidade administrativa exige a presença de elemento subjetivo, qual seja, dolo ou culpa grave. Como exposto no caso, estando ausente a prova do elemento subjetivo, afastada está a improbidade administrativa.
Em relação à configuração de atos de improbidade administrativa que importam prejuízo ao erário publico, cabe verificar o que alude o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça abaixo transcrito:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IRREGULAR PREENCHIMENTO DE CHEQUES. ORDENADOR DE DESPESA. ATO QUE CAUSOU LESÃO AO ERÁRIO. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ELEMENTO SUBJETIVO CULPOSO. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. 1. O Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, inclusive no tocante à moldura fática que fundamentou a condenação pela prática de ato de improbidade administrativa. 2. Segundo o arcabouço fático delineado pela instância de origem, restaram claramente demonstrados o prejuízo ao erário e a culpa no preenchimento irregular de cheques que foram posteriormente utilizados para enriquecimento ilícito de terceiros e na omissão quanto às providências necessárias para sanar as ilegalidades. Tal circunstância é suficiente para configurar o ato de improbidade capitulado no art. 10 da Lei nº 8.429/1992. 3. A condenação pela prática de ato administrativa que causa lesão ao erário depende, além da comprovação de prejuízo efetivo ao patrimônio público, da existência ação ou omissão do agente público capaz de causar, ainda que involuntariamente, resultado danoso ao patrimônio público, o qual poderia ter sido evitado caso tivesse empregado a diligência devida pelo seu dever de ofício, tal como verificado no caso dos autos. 4. Para acolher as alegações de que os cheques foram devidamente preenchidos ou de que as irregularidades não chegaram a conhecimento do acusado, seria necessário o reexame do acervo probatório constante dos autos, providência vedada pela teor da Súmula 7/STJ. 5. O dissídio jurisprudencial não foi comprovado na forma exigida pelos arts. 541, parágrafo único, do CPC/73 e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. Com efeito, a parte recorrente apontou como paradigma julgado que não tem similitude fática com a matéria ora apreciada, tendo em vista que as conclusões dos acórdãos confrontados estão amparadas tão somente nas peculiaridades de cada um dos casos. 6. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp: 941061 MG 2016/0165530-0, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 05/06/2018, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/06/2018)
Como se pode extrair, para que haja o cabimento do ato de improbidade capitulado no artigo 10 da Lei nº 8.429/1992, deve ser além da comprovação de prejuízo efetivo ao patrimônio público, a existência ação ou omissão do agente público capaz de causar, ainda que involuntariamente, resultado danoso ao patrimônio público, o qual poderia ter sido evitado caso tivesse empregado a diligência devida pelo seu dever de ofício, tal como verificado no caso mencionado.
3 DA IMPENHORABILIDADE DO SALÁRIO
3.1 Noções acerca do instituto da penhora
A penhora é um instituto do Direito Processual Civil em fase de execução, sendo o ato pelo qual os bens do executado serão apreendidos para empregá-los de forma a satisfazer a demanda executiva. Assim, conforme dispõe a legislação, depois de efetivada a citação do executado e não tendo logrado êxito no adimplemento da dívida no prazo estabelecido em lei de três dias, não resta outra forma senão a apreensão dos bens do mesmo para satisfazer o crédito do exequente. Até a penhora, a responsabilidade patrimonial é ampla, de forma que todos os seus bens podem responder pela demanda imposta.
Em princípio, todos os bens do executado são passiveis de penhora, respondendo aquele com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas no artigo 789 do Código de Processo Civil que são considerados impenhoráveis ou inalienáveis. Há várias modalidades de penhora, e considerando a forma que se procederá para efetivá-la, ela poderá ser tanto por auto, termo, como também por meio eletrônico, e os bens sobre os quais a constrição irá recair podem ser móveis, imóveis, créditos, ações e cotas de sociedades empresárias, estabelecimento comercial, industrial ou agrícola percentual de faturamento de empresa, dentre outros.
3.2 Reflexos sobre a impenhorabilidade do salário (sentido genérico)
O artigo 833 do Novo Código de Processo Civil, repetindo o texto presente no antigo código, estabelece um rol com diversas impenhorabilidades:
Art. 833. São impenhoráveis:
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;
VI - o seguro de vida;
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra (BRASIL, 2015).
Esse rol designa as situações nas quais não é permitida a penhora, por força da lei. Porém o mesmo artigo ressalva algumas situações em seu parágrafo segundo, e uma delas é a possibilidade de a penhora recair sobre o salário do executado. A exceção prevista na parte final do parágrafo 2º do artigo 833 do código de processo civil trata da regra de impenhorabilidade de salário em que não se abrange as importâncias que ultrapassarem o limite de cinquenta salários mínimos mensais.
Para o ilustre doutrinador Freddie Didier Junior (2017, p. 811), “exatamente por tratar-se de uma técnica de restrição a um direito fundamental, é preciso que sua aplicação se submeta ao método da ponderação, a partir da análise das circunstâncias do caso concreto.” Assim, as regras de impenhorabilidade devem ser aplicadas em consonância com a aplicação das normas de direitos fundamentais.
4 PENHORA NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
4.1 Da possibilidade da penhora do salário
Tendo em vista o instituto da Penhora, estuda-se nesse caso a penhora do salário nas ações de improbidade administrativa. O Código de Processo Civil de 2015 retirou a expressão “absolutamente” que antes constava, no texto do CPC/1973, passando a constar apenas “são impenhoráveis” o que permite uma certa flexibilização no momento da aplicação do instituto.
Em que pese dita impenhorabilidade do salário, como mencionado alhures, há perfeita possibilidade de penhora do salário considerando os institutos trazidos pelo § 2º do artigo 833. O que se pode constatar é que o salário não é mais integralmente impenhorável, independentemente da natureza do crédito, embora o limite de 50 salários mínimos continue sendo desproporcional, tendo em vista que muitas famílias conseguem subsistir com até menos de quatro salários mínimos mensais, bem como a finalidade da impenhorabilidade é a preservação da sobrevivência digna, do “mínimo existencial” garantido constitucionalmente.
Nessa esteira observa-se que é dada margem à possibilidade de penhora desde que observados requisitos legais e constitucionais acerca do mínimo existencial. Apesar da subjetividade do termo “mínimo existencial”, este pode ser definido como o conjunto de bens e utilidades indispensáveis para uma vida humana digna.
Salienta-se que há entendimentos jurisprudenciais, que serão explanados a seguir, que demonstram que a regra geral de impenhorabilidade de vencimentos pode ser excepcionada a fim de garantir a efetividade da tutela jurisdicional, desde que observado percentual capaz de assegurar a dignidade do devedor e de sua família. Em relação aos casos de improbidade administrativa, a penhora do salário como uma sanção representa valioso instrumento para assegurar-se a probidade administrativa por parte de todos a quantos se acha entregue a condução dos negócios públicos.
4.2 A (im)penhorabilidade do salário levando em conta os fundamentos legais e constitucionais
A (im)penhorabilidade do salário evidencia problemática tanto jurídica quanto social, considerando os valores protegidos, bem como qual patamar a proteção desses valores pode se impor à efetividade processual. É tema pelo qual incidem divergências jurisprudenciais.
Anteriormente, a Corte flexibilizava a regra somente no caso de penhora realizada para o pagamento de verbas alimentícias, tal entendimento ainda prevaleceu, após a entrada em vigor do novo Código, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é de que o salário, soldo ou remuneração são impenhoráveis, sendo essa regra excepcionada unicamente quando se tratar de penhora para pagamento de prestação alimentícia. Assim cabe verificar a ementa do seguinte julgado:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. IMPENHORABILIDADE. 1. "O entendimento do STJ é de que o salário, soldo ou remuneração são impenhoráveis, nos termos do art. 649, IV, do CPC/1973, sendo essa regra excepcionada unicamente quando se tratar de penhora para pagamento de prestação alimentícia." (AgInt no REsp 1579345/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 30/06/2017) 2. O exame da pretensão recursal sob a alegação de que o próprio contrato firmado com a FHE autoriza a consignação em folha de pagamento, tal como colocada, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório, bem como de cláusulas contratuais, providências vedadas em recurso especial, consoante os óbices previstos nas Súmulas 5 e 7 do STJ. 3. Pelos mesmos motivos, segue obstado o recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional, sendo certo que não foram atendidas as exigências dos arts. 1.029, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1116479/RJ, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 10/11/2017)
No mesmo sentido encontra-se o julgado da Segunda Turma:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MILITAR. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Documento: 88201996 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 03/10/2018 Página 3 de 4 Superior Tribunal de Justiça CONTRATO DE MÚTUO. INADIMPLEMENTO. CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. IMPENHORABILIDADE DE SOLDO. ART. 649, IV, DO CPC/1973. 1. O acórdão de origem não destoa da jurisprudência firmada no STJ de que salário, soldo ou remuneração são impenhoráveis, nos termos do art. 649, IV, do CPC/1973, sendo essa regra excepcionada unicamente quando se tratar de penhora para pagamento de prestação alimentícia. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1122901/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe 08/03/2018)
A outro ponto, a Terceira Turma decidiu que havendo controvérsia em torno da possibilidade de serem penhorados valores depositados na conta salário do executado, que percebe remuneração mensal de elevado montante, a regra geral da impenhorabilidade dos valores depositados na conta bancária em que o executado recebe a sua remuneração, situação abarcada pelo art. 649, IV, do CPC/73, pode ser excepcionada quando o montante do bloqueio se revele razoável em relação à remuneração por ele percebida, não afrontando a dignidade ou a subsistência do devedor e de sua família.
No mesmo sentido, asseverou julgado da Quarta Turma e que quanto à impenhorabilidade preconizada no art. 649, IV, do CPC/73 a egrégia Corte adotou o entendimento de que a referida impenhorabilidade comporta exceções, como a que permite a penhora nos casos de dívida alimentar, expressamente prevista no parágrafo 2º do mesmo artigo, ou nos casos de empréstimo consignado, limitando o bloqueio a 30% (trinta por cento) do valor percebido a título de vencimentos, soldos ou salários.
Nesse diapasão, verifica-se que a impenhorabilidade pode ocorrer em virtude das condições de cada caso concreto. Assim, é necessário que sejam observados os aspectos legais e constitucionais para que ao tempo que exista efetividade processual, seja ressarcido o erário publico sem adentrar ao mínimo existencial do indivíduo.
4.3 Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e a relativização da im(penhorabilidade)
Em que pese a existência de julgados em sentido diverso, recentemente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça evoluiu para admitir a flexibilização da regra da impenhorabilidade também no caso de dívida não alimentar, desde que esteja comprovado nos autos que o bloqueio de parte da remuneração não prejudica a subsistência do devedor.
Em 14 de novembro de 2017 a Relatora Ministra Nancy Andrighi da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em julgamento decidiu pela relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais para satisfação de crédito não alimentar, quando não houver comprometimento de valores que garantam a subsistência digna. Cabe verificar o disposto na ementa:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE PERCENTUAL DE SALÁRIO. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. 1. Ação ajuizada em 25/05/2015. Recurso especial concluso ao gabinete em 25/08/2016. Julgamento: CPC/73. 2. O propósito recursal é definir se, na hipótese, é possível a penhora de 30% (trinta por cento) do salário do recorrente para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 3. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. Precedentes. 4. Na espécie, em tendo a Corte local expressamente reconhecido que a constrição de percentual de salário do recorrente não comprometeria a sua subsistência digna, inviável mostra-se a alteração do julgado, uma vez que, para tal mister, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, inviável a esta Corte em virtude do óbice da Súmula 7/STJ. 5. Recurso especial conhecido e não provido. (STJ - REsp: 1658069 GO 2016/0015806-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 14/11/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/11/2017)
O voto da ministra relatora, de tal forma, relativizou a regra do inciso IV do artigo 833 do CPC, em nome dos princípios da efetividade e da razoabilidade, de modo que o direito à satisfação executiva também deve ser ponderado na interpretação à regra da impenhorabilidade. Desta feita, tem-se que o entendimento jurisprudencial do STJ possibilitou a penhora de salário de valores inferiores a 50 (cinquenta) salários mínimos.
Acerca da penhora nas ações de improbidade administrativa, há recente decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais seguindo a mesma linha de pensamento, pelo qual reconhece a existência de uma exceção implícita à regra geral da impenhorabilidade para o caso em que a penhora de parte dos vencimentos do devedor não é capaz de atingir a dignidade ou a subsistência do devedor e de sua família, ressaltando a necessidade de ser ressarcido o erário público. É o que se expõe a seguir:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - DANO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO - RESSARCIMENTO AO ERÁRIO - PENHORA MENSAL DE SUBSÍDIO - POSSIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 14, § 3º, DA LEI 4.717/65 - MICROSSISTEMA PROCESSUAL DA TUTELA COLETIVA - RELATIVIZAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 833, IV, DO CPC
1. A impenhorabilidade das verbas salariais (CPC, art. 833, IV) não é oponível em caso de condenação ao ressarcimento ao erário em razão da prática de ato de improbidade administrativa lesivo ao patrimônio público. Aplicação analógica do art. 14, § 3º, da Lei n. 4.717/65, em razão do microssistema processual da tutela coletiva. 2. Agente político que voltou a perceber significativa remuneração dos próprios cofres públicos que lesou, evidenciando-se o nítido interesse público da medida postulada pelo órgão ministerial.
3. Possibilidade de bloqueio mensal de 30% (trinta por cento) do subsídio do devedor, montante que não comprometerá a sua subsistência.
4. Recurso provido. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0105.04.124192-5/003, Relator(a): Des.(a) Áurea Brasil, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/07/2018, publicação da súmula em 31/07/2018)
Neste ínterim, revela-se necessária a intervenção do Poder Judiciário para que a luz do devido processo legal, bem como das circunstâncias de cada caso concreto, conhecendo a realidade do devedor, possa afirmar se a penhora de sua verba remuneratória, ainda que aquém do limite de 50 (cinquenta) salários mínimos mensais, prejudicará a sua subsistência ou não, oportunidade na qual definirá se é possível realizá-la de forma a garantir a satisfação do crédito.
Em relação ao tema, cabe verificar as sabias palavras do ilustre doutrinador processualista Fredie Didier Jr:
É possível penhorar parcela desse rendimento, mesmo que não exceda a cinquenta salários mínimos. Restringir a penhorabilidade de toda a “verba salarial” ou apenas permiti-la no que exceder cinquenta salários mínimos, mesmo quando a penhora de uma parcela desse montante não comprometa a manutenção do executado, pode caracterizar-se como aplicação inconstitucional da regra, pois prestigia apenas o direito fundamental do executado, em detrimento do direito fundamental do exequente (DIDIER JR, 2017, p. 923).
Em suma, e utilizando como exemplo as aludidas decisões, nota-se a necessidade de buscar equilibrar os direitos fundamentais em conflito no caso, de forma a assegurar a garantia do mínimo existencial e da dignidade do devedor, sem desassistir a efetividade do processo e a satisfação do crédito pleiteado. Assim, além das decisões jurisprudenciais se adequarem melhor ao sentido teleológico da norma, a natureza jurídica da impenhorabilidade se revela mais compatível com a sua relativização do quem com o seu entendimento em termos absolutos.
4.4 Da penhora parcial do salário como forma de ressarcir o erário público
Ressarcir o erário é buscar recuperá-lo do prejuízo sofrido por conta da prática de algum ato ilícito por parte de um agente, assim, considerando a possibilidade da penhora parcial do salário, esta torna-se uma medida de suma importância quando se trata de uma forma à ser utilizada para ressarcir o erário público de danos causados por agente que incorreu em atos de improbidade administrativa.
Em que pese o ressarcimento ao erário possa ser dados por meio de outras hipóteses, como a penhora de imóveis, veículos ou de valores existentes em conta bancária que não tenham natureza salarial, deve-se destacar que em não tendo possibilidade de serem utilizados tais meios, a penhora parcial do salário, respeitado o mínimo existencial, é perfeitamente cabível. Desta feita, diante das divergências jurisprudenciais, nota-se que é mais compatível o entendimento favorável à penhora parcial do salário.
Em sua obra Manual de Improbidade Administrativa, o ilustre doutrinador Daniel Amorim (2018, p.32) destaca que “não basta a existência de normas de combate à improbidade administrativa se a respectiva efetivação não for adequada.” Assim sendo, o manuseio do arsenal jurídico, complexo e heterogêneo, é igualmente fundamental para a prevenção e a punição daqueles que atentarem contra os valores consagrados no ordenamento jurídico.
Como se sabe, a corrupção é um crime extremamente racional, sendo que a sua prática visa sempre lucro e prestígio. A penhora parcial do salário é, portanto, um mecanismo imprescindível de combate às infrações de colarinho branco, cuja meta é o ganho ilícito por meio do prejuízo para o Erário, para que possa prevenir o lucro indevido e recuperar o dinheiro público desviado.
O presente artigo, através da análise dos recentes julgados, no que tange a penhora parcial do salário e a busca pela efetividade processual, constatou-se pela relativização da regra de impenhorabilidade prevista no artigo 833 § 2º do CPC/2015, pois, tal interpretação melhor se harmoniza com os entendimentos jurisprudências em relação ao tema, de forma que, não afetando o mínimo existencial do individuo e sua dignidade, a penhora possa recair sobre percentual de vencimentos ou outras verbas de natureza alimentar, a fim de assegurar a efetividade ao ressarcimento do Erário público no âmbito das ações de improbidade administrativa, através da penhora parcial do salário.
A Lei nº 8.429/92 representa valioso instrumento para garantir a probidade administrativa por parte dos agentes públicos, garantindo-se, assim, a incolumidade do patrimônio público e o respeito aos princípios da administração, mediante a punição dos culpados e o ressarcimento ao erário.
Considerando, então, os princípios constitucionais administrativos, a lei de improbidade administrativa, a garantia do mínimo existencial ao agente e os posicionamentos jurisprudenciais, conclui-se que é totalmente possível a penhora parcial do salário do agente condenado a ressarcir o erário público em uma ação de improbidade administrativa.
REFERÊNCIAS
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_______. Lei nº 13.105. Dispõe sobre o Código de Processo Civil, de 16 de março de 2015.
_______. Lei nº 8.429. Dispõe sobre a improbidade administrativa, de 02 de junho de 1992.
_______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.658.069/GO. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, 14 de novembro de 2017. Diário Oficial da União. Brasília. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/523916311/recurso-especial-resp1658069-go-2016-0015806-6. Acesso em: 11 abr. 2020.
_______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo interno no agravo em recurso especial: AgInt no AREsp 941061 MG 2016/0165530-0. Relator: Ministro Sérgio Kukina. Brasília. 05 de junho de 2018. Diário da Justiça Eletrônica. Brasília. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/595910860/agravo-interno-no-agravo-em-recurso-especial-agint-no-aresp-941061-mg-2016-0165530-0?ref=serp. Acesso em: 11 de abr. 2020.
_______. Superior Tribunal de Justiça. EREsp 1.330.567/RS, 2ª Seção. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, 10 de dezembro de 2014. Diário Oficial da União. Brasília. Disponível em: http://diario.tjrr.jus.br/dpj/dpj-20171127.pdf. Acesso em: 30 de mar. 2020.
_______. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 1116479/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma. Brasília, 24 de outubro de 2017. Diário da Justiça Eletrônico. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/520279166/agravo-interno-no-agravo-em-recurso-especial-agint-no-aresp-1116479-rj-2017-0136934-2. Acesso em: 05 de abr. 2020.
_______. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp: 1122901 RJ 2017/0148693-2. Relator: Ministro Og Fernandes, Brasília. 27 de fevereiro de 2018, Diário da justiça Eletrônico. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/559897617/agravo-interno-no-agravo-em-recurso-especial-agint-no-aresp-1122901-rj-2017-0148693-2/inteiro-teor-559897627?ref=serp. Acesso em: 02 de abr. 2020.
_______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1514931/DF, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma. Brasília, 25 de outubro de 2016. Diário da Justiça Eletrônico. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/449434432/recurso-especial-resp-1518169-df-2015-0046046-7?ref=amp. Acesso em: 29 de mar. 2020.
_______. Tribunal de Justiça - RN. Apelação cível: AC 20170113811 RN. Relator: Desembargadora Maria Zeneide Bezerra. Natal, 26 de maço de 2019. Disponível em: https://tj-rn.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/691969646/apelacao-civel-ac-20170113811-rn?ref=serp. Acesso em: 11 de abr. 2020.
_______. Tribunal de Justiça – RJ. PL: 00031654220088190011 RJ. Relator: Mônica Maria Costa Di Piero. Cabo Frio-RJ. 04 de julho de 2017. Disponível em: https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/516424446/apelacao-apl-31654220088190011-rio-de-janeiro-cabo-frio-2-vara-civel/inteiro-teor-516424455?ref=serp. Acesso em: 10 de abr. 2020.
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[1] Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: [email protected].
[2] Orientador Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Mestre em Direito pela PUC-RS. E-mail: [email protected].
[3] Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Teresina-PI, 11 de maio de 2020.
Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho , Teresina - PI.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, ALEXIA AMORIM. A penhora parcial do salário nas ações de improbidade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54548/a-penhora-parcial-do-salrio-nas-aes-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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