RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar a representação social, a partir do conceito de identidade com o foco na luta histórica do negro pelo reconhecimento e representatividade. Toma-se como ponto de partida da pesquisa os processos de exclusão social e as lutas de representação. A metodologia empregada foi a qualitativa, em uma busca dedutiva da bibliografia da identidade de forma ampla e, a partir disso, ter como resultado o debate teórico sobre os sistemas sociais de Niklas Luhman, bem como a raça, as classes sociais e a realidade cotidiana, que apontam uma densa desigualdade no trabalho, na educação e na representatividade.
Palavras-chave: Identidade. Identificação. Negro. Representação. Sistemas Sociais.
ABSTRACT: This article aims to analyze social representation, based on the concept of identity with a focus on the black struggle of history for recognition and representativeness. Social exclusion processes and representation struggles are taken as the starting point of the research. The methodology used was qualitative, in a deductive search for the bibliography of identity in a broad way and, from that, to have as a result the theoretical debate about Niklas Luhman's social systems, as well as race, social classes and everyday reality, which point to a dense inequality in work, education and representation.
Inicialmente, insta salientar as relações históricas de poder. Em razão disso, o objetivo deste artigo é abarcar o diálogo em torno da representatividade e, em particular, o acesso à universidade, ao trabalho e à política, que está diretamente ligada à construção de novos discursos teóricos sobre raça e seus efeitos social e racial.
Dessa forma, está-se diante do seguinte problema jurídico: como a supressão da identidade contribuiu para exclusão social e de representatividade?
Nesse sentido, exibe-se como hipótese que a identidade passou a ser definida como atos ligados ao contexto social, à vida cotidiana, sua autoidentificação, ou pertencimento. Contudo, a luta dos negros e os dados oficiais revelam uma desigualdade de representatividade sistêmica entre negros e brancos.
Metodologicamente, desenvolveu-se por meio de uma análise qualitativa pelo método dedutivo descritivo, considerando conceitos de raça, representatividade, identificação.
Nesse sentido, o trabalho foi dividido da seguinte maneira: em um primeiro momento, uma abordagem histórica da construção da identidade do negro, a identificação como representatividade social e, por fim, a raça como classe social, demonstrando que as pessoas de cor preta ou parda têm rigorosas desvantagens em relação às pessoas de cor branca, no que tange às extensões dos indicadores apresentados de acesso ao trabalho, à educação e à representação política.
Inicialmente, é importante ressaltar a história dos povos que foram sequestrados, apanhados, tirados de suas raízes, transportados e aprisionados aos países do continente americano, o Brasil incluso, sem saber o destino e o pretexto. É nesse contexto histórico que podemos identificar a identidade negra no Brasil, em um país que não houve debate sobre a identidade “amarela” e a identidade “branca”, justamente porque a história não é sequer similar aos portadores da pigmentação escura (MUNANGA, 2005).
E a identidade? Como ela pode ser vista? É a ideia que um sujeito faz de si mesmo, de seu “eu”, ou seja, nenhuma identidade é edificada no isolamento. Ao oposto, é ajustada no percorrer de toda vida com diálogo, influenciado pelo exterior e interior, com os sujeitos do seu convívio. Portanto, a identidade pessoal e a identidade social são desenvolvidas em um movimento pelo qual passa o processo identitário e, por isso, diz respeito, também, à construção da identidade negra (GOMES, 2002).
Para Luhman, esse conceito coletivo tem significados e níveis de análise diferentes, observando o resultado da precisão aparente sem fundamentação. O autor ressalta, ainda, que:
“Teoria dos sistemas” é hoje um conceito coletivo para significados e níveis de análise diferentes. A palavra não se refere a um sentido claro. Se o conceito de sistema for adotado na análise sociológica sem nenhum esclarecimento, resultará uma precisão aparente, sem fundamentação. Assim surgem controvérsias, nas quais somente se pode supor, ou tirar conclusões com base na respectiva argumentação, que os envolvidos têm ideias diferentes quando falam de sistema (LUHMAN, 2016, p. 17).
Um sistema pode ser apontado de complexo no momento que detém mais probabilidades e, assim, torna-se complexo quando não alcança respostas imediatas para todas as interconexões entre os elementos e que essas probabilidades possam se realizar. É neste prisma que o sistema de Luhman dialoga com o acesso dos negros aos postos de representatividade.
Diante disso, representatividade em uma sociedade complexa é poder e aqueles que atuam e lutam deixarem de ser representados, ou seja, não existe mais representação, só existe luta e atitude (FOUCAULT, 1979). A luta por representatividade é um processo simbólico, que emerge relações de saber e poder, e a falta dela converge à exclusão social. Mas como não ser excluído socialmente tendo a imagem estereotipada como subalterno nas relações sociais? (FERNANDES, 2016).
A construção social da identidade do negro faz parte de um sistema complexo, envolvendo subjetividades de processos simbólicos (MEDEIROS, 2003). A cor da pele cria uma dicotomia de construção de uma identidade de exclusão. Em um pequeno comparativo, no ano de 2019, jovens brancos, negros e pardos que ingressaram no mercado de trabalho nas mesmas ocupações, os negros e pardos tiveram menores rendimentos (MARTINS, 2019).
Além disso, outro desafio é o acesso ao trabalho e a oportunidade ao negro. Geralmente, o negro mora na periferia, ou em favelas, e muitas empresas não pagam auxílio-transporte ou exigem que o empregado tenha veículo próprio para exercício das atividades (MARTINS, 2019).
Ora, o processo de exclusão vai desde o acesso ao trabalho, perpassa pela oferta de oportunidades, continua na forma de exclusão e termina na disparidade de rendimento. Tais fatores influenciam diretamente na construção da identidade do negro brasileiro. A identidade negra é composta pela articulação entre o individual e o social, entre o passado e o presente, e são agrupadas, ao mesmo tempo em que integram a dinâmica do sujeito e do coletivo (GOMES, 2002).
Tais fatores denotam o que Luhman demonstrava, por meio dos sistemas, onde o jovem negro é integrado à alteridade de um grupo social, que naturaliza as diferencias, reforça as desigualdades, em um pertencimento de um mesmo paradigma.
[...] Também para aquilo que nós, antecipadamente, chamamos de “mudança de paradigma”, pode ser suficiente uma orientação aproximada... [...] Uma tradição transmitida da antiguidade e mais remota do que o emprego conceitual do termo “sistema” teria falado de totalidade comporta de partes (LUHMAN, 2016, p. 20-21).
A mudança de paradigma, inicia na indagação: quem precisa de identidade? quem precisa de representatividade? (HALL, 2008).
A identidade é formada por diferentes identificações ou posições que utilizamos para "viver", em um conjunto de histórias e experiências únicas como sujeitos individuais. Para Hall (2008), nossas identidades são, em resumo, formadas culturalmente. Em contraposto, a homogeneização é descobrir que radicalmente não se é diferente de tudo ou de si mesmo. Mas cada um dos “outros” tem parte de um “eu”, também. Forma-se um ponto de vista, segundo o qual todos estão lá, forma-se um grupo social concreto, ao qual “nós” não pertencemos (TODOROV, 2003).
Este processo de formação de grupos sociais é marcado pela legitimação de narrativas e de valores morais. Tem como arcabouço a predominância pela culturalidade europeia, em espaço-tempo de formação: superior/submisso, dominante/dominado (FERREIRA, 2011).
O espaço histórico de centralidade do predomínio do superior/dominante face ao submisso/dominado aconteceu em um primeiro momento com o índio. Um efeito desta compressão espaço-tempo é a tendência à homogeneização cultural, e a catequização foi a retorica utilizada (HALL, 2006). O avanço mercantil teve como resultado o tráfico de negros de aproximadamente três séculos e estes viabilizaram a ideia europeia de progresso, cultura e civilização (AZEVEDO, 1987).
A civilidade inventada ou produzida pela cultura, demarcou territórios e fronteiras, estabeleceu a lógica de comportamento e instaurou o racismo como pressuposto de pacificação do arredio negro, como forma de colocá-lo no seu lugar (SODRÉ, 2005). Diante disso, nota-se que o domínio é complexo, denota atos simbólicos e sistêmicos de manutenção da civilidade.
Assim, Luhman (2016, p. 42) acrescenta que a “Complexidade é aquele ponto de vista que talvez expresse da maneira mais intensiva as experiências com problemas na pesquisa sistêmica recente. Nessa função catalizadora de experiências, esse ponto de vista é empregado frequentemente sem definição”.
Nesse sentido, Luhman demonstra a complexidade como a multiplicidade, o entrelaçamento e a contínua interação da infinidade de sistemas (MORAIS, 2004). Acresce-se à análise, a multiplicidade de narrativas e parâmetros comunicacionais em um único discurso de verdade europeia. Os colonizadores produziram uma alocução de supremacia e que o modelo dominante advém da cultura e dos valores morais. Enquanto isso, fomenta-se entre dominados que, pelo esforço, sua condição de dominados poderia ser mudada, desde que as práticas e as representações fossem da cultura dominante (SANTOS, 2005).
Ainda, Bourdieu (1994) observa que nos universos sociais em que o dominante deve mudar constantemente para conservar, eles necessariamente tendem a se dividir, especialmente em períodos de rápida transformação dos modos de reprodução, demonstrando a complexidade defendida por Luhman, conforme se vê da citação abaixo.
Dans des univers sociaux où les dominants doivent sans cesse changer pour conserver, ils tendent nécessairement à se diviser, surtout dans les périodes de transformation rapide des modes de reproduction, selon le degré de reconversion de leurs stratégies de reproduction les agents ou les groupes les mieux pourvus des espèces de capital permettant de recourir aux nouveaux instruments de reproduction, donc les plus enclins et les plus aptes à entreprendre une reconversion, s'opposent à ceux qui sont les plus liés à l'espèce de capital menacée[1].
Assim, para Bourdieu (1994), é de acordo com o grau de reconversão de suas estratégias de reprodução que os agentes ou os grupos mais bem providos dos tipos de capital permitem o recurso a novos instrumentos de reprodução. Portanto, os mais inclinados e mais aptos a empreender uma reconversão opõem-se aos que estão mais ligados às espécies de capital ameaçado.
Formam-se classes sociais imergidas em uma estrutura de poder, com espaços sociais e papeis a serem exercidos. Assim, as diferentes formas de dominação estruturam o que seria capital cultural, social e simbólico (CALVACANTI, 2010).
O território brasileiro, no período do Império, era fértil para a estruturação de diferentes capitais, embasados na cultura europeia, o topo da cadeia de dominação. Esses diferentes capitais levam em conta a cultura da pele branca, historicamente ligados à classe dominante da sociedade. A hierarquia estrutural, remontada no discurso do universalismo da culturalização, para homogeneização dos sujeitos (SANTOS, 2009) não se apresentava como dominador, mas sim como a verdade instituída por Deus e logo foi alterada para “quem se esforça consegue chegar”.
Para Luhman, reflete que a realidade deve partir do princípio de que nem tudo permanece como é:
Toda teoria dos Sistemas referente à realidade deve partir do princípio de que nem tudo permanece como é. Existem alterações; existe nos sistemas uma sensibilização especial para alterações e, assim, para alguns sistemas existe tempo, no sentido de um conceito agregado para as alterações (LUHMAN, 2016, p. 62).
A mudança do discurso foi desencadeada pela alforria e tomou lugar para meritocracia. A luta do negro deveria ser braçal, na lida diária com seus afazeres e, com muito esforço, este chegaria a ser tão rico quanto aquele que antes o açoitava. Na Nova República, o negro cidadão com suas subjetividades não é pauta, pelo contrário, a respeitabilidade advinha da reprodução do outro. A representatividade foi negada e, somente em 1909, foi eleito o primeiro deputado federal filho de pai e mãe negros, o pernambucano Manoel da Motta Moreira Lopes, conduzido ao Parlamento pela mobilização de negros (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2018).
Mesmo após mais de cem anos, a Câmara dos Deputados divulgou que, na eleição de 2014, 102 (20%) dos 513 deputados federais eleitos se declararam pretos ou pardos. Em 2018, esse número subiu para 125 deputados federais, chegado à marca de 24,3%, demonstrando o déficit em representatividade (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2018).
Em tese, após tantos anos, não seria plausível o impulsionamento das subjetividades, com a edificação de uma identidade negra e seu consequente reconhecimento de direitos e oportunidades iguais?
A resposta para tais questionamentos passam pela era da sociedade de consumo e a negação da diferença. O negro, ainda, é visto como mão de obra para as atividades de força e que tem dificuldades de encarar um mercado competitivo por falta de esforço próprio. Além disso, é importante ressaltar que no século 21, denota-se que todos são iguais e que a raça em nada impede para a colocação dos sujeitos (JUNIOR, 2009).
Diante disso, mesmo com um passado de exclusão social, o debate atual gira em torno da negação da existência de raça. Contudo, esse discurso é negar o passado histórico de dominação, é rejeitar a identidade e se furtar da importância da reparação do legado de exclusão cultura, social e político.
A exclusão racial do antes escravizado causou a este um deslocamento do negro do seu lugar no mundo, o que Hall (2006) chama de “crise de identidade”, denotando suas incertezas culturais e sociais.
A identidade passou a ser definida como atos ligados ao contexto social, à vida cotidiana, sua autoidentificação ou pertencimento. Refuta-se, assim, que o cultivo discursivo do olhar estereotipado deixou de ser identitário, prima-se pela identificação (ZUBARAN, 2012). Em uma análise dos sistemas de Luhman, a identificação, como problema a ser resolvido, tem uma orientação funcional se direciona, por isso, uma interconexão indissolúvel com a raça.
Nesse contexto, Luhman acrescenta que:
Problemas são problemas somente se não puderem ser isolados, trabalhados e resolvidos parte por parte. É isso, precisamente, que constitui sua problemática. Portanto, só existem problemas como sistemas de problemas (ou como problemas de sistemas). Toda orientação funcional se direciona, por isso, a uma interconexão indissolúvel (LUHMAN, 2016, p. 73).
Desse modo, a identificação para Brubaker (2001) é um artifício de intercâmbio de conexão de categorias pré-existentes, como sexo, raça. Afasta-se a forma simplificada de recorte racial, baseado no estereótipo e a imagem dos grupos envolvidos.
As cotas raciais que são auferidas pela imagem como ação afirmativa é uma demonstração de como discurso estereotipado pode provocar o ódio racial. Após 15 anos da Lei Federal de Cotas, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que a medida visa o enfrentamento das desigualdades e o bem estar social. Mas alerta que essas medidas devem ser ampliadas e aprimoradas (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2019).
O IBGE (2019) demonstra que, assim como no total da população brasileira, as pessoas de cor ou raça preta ou parda constituem, ainda, a maior parte da força de trabalho no país, correspondendo a 25,2% a mais do que a população de cor ou raça branca na força de trabalho, que totalizava 46,1 milhões. Contudo, quanto à população subutilizada, correspondeu a 66,1% da força de trabalho, em 2018, de pessoas pretas e pardas.
Diante disso, realizar a identificação apenas pela imagem/fenótipo, pode-se levar a uma nova exclusão social, deixando de lado os avanços das ações afirmativas e conduzindo ao problema da identidade social.
Nesse sentido, Luhman traz que “estas questões nos conduzem ao problema da “identidade social”, dos componentes sociais da autodescrição dos sistemas psíquicos. Com a distinção entre autopoiese, e auto-observação/autodescrição temos em mãos um recurso para enfrentar o problema” (LUHMAN, 2016, p. 299).
A identidade dos componentes sociais da autodescrição remonta à autoidentificação, de contexto social, de vida cotidiana e de pertencimento.
4 RAÇA COMO CLASSE SOCIAL
Diferentemente da identidade, a raça é a divisão clássica de grupos humanos, verificada pelos elementos e características físicas hereditários como: cor de pele, formato de cabelo, tamanho da cabeça e formas faciais (MAIO, 1996).
Já as classes sociais são divididas pela teoria marxista e a teoria liberal. Para Max, as classes são divididas em dominante e dominada. A dominante é detetora dos bens de produção, dominando economia, cultura e modos de comportamento, sendo mantidas pela força de trabalho vendida pelas classes dominadas que precisam garantir sua sobrevivência (MARX, 1986).
Luhman acrescenta:
Pode-se, naturalmente, elaborar o conceito de mundo de modo bem diverso, por exemplo, como totalidade do que é nocivo à salvação fora do próprio grupo ou como contraposto do (então necessariamente extramundano) sujeito. [...] Sob essa perspectiva, o conceito de mundo não designa uma totalidade material objetiva (por mais abrangente e total que ela venha a ser), nem uma universitas rerum, que não possa ser pensada livre de diferença (LUHMAN, 2016, p. 235).
Em contrassenso, e demonstrando a ligação dos sistemas de Luhman às teorias das classes sociais, a visão liberal de classe social é realizada conforme o modelo socioeconômico societário. Denota-se a classificação socioeconômica dos sujeitos, onde a classe alta, com elevado poder aquisitivo, a classe média com ganhos razoáveis e a classe baixa com rendimentos baixos (KASSAR, 1998).
É nesse modelo liberal de classe social, em que se travam os embates em torno da representatividade, que perpassa no acesso à educação e termina nos postos de trabalho. O IBGE (2019) divulgou que, no ensino superior, reside a menor taxa de ingresso da população preta ou parda (correspondente a 35,4%), quando comparada à população branca (correspondente a 53,2%).
Vincular as cotas raciais à heteroidentificação (BRUBAKER, 2001), ou seja, pelo recorte social, demonstra a crise das certezas, de algo fora do lugar e do sentido. Apesar dos avanços da lei de cotas, ela ainda causa reações controversas e é constantemente atacada por setores dominantes da sociedade.
Leis como a de cotas, aprimorada e voltada para a representatividade poderia possibilitar o acesso, a implementação de políticas e um novo olhar do direito ao negro.
Nesse sentido, Luhman ensina que:
No contexto da ciência e do direito, é possível estabelecer, contudo, expectativas extremamente improváveis e dotá-las de uma certeza suficiente. A revogabilidade é um preço, ser pago aí. Assim, sempre se conquistam novas possibilidades de estruturação. Somente em um tempo maximamente recente é que foi colocada a questão de saber se não seriam estabelecidos limites mesmo para a conquista de uma elevação (LUHMAN, 2016, p. 367).
Os mesmos setores que criticam a lei de cotas dominam a vida política, detêm maior representatividade. Contudo, a participação de minorias – em termos de cor, raça ou etnia –, no parlamento ainda é restrita, o que reflete as desvantagens e que são materializadas em indicadores sociais.
Um fator que colabora para a compreensão desse panorama reside na discrepância entre a receita das candidaturas de pessoas brancas e a de pessoas pretas ou pardas. Com efeito, enquanto 9,7% das candidaturas de pessoas brancas a deputado federal tiveram de receita igual ou superior a R$ 1 milhão, entre as pretensões de pessoas pretas ou pardas, apenas 2,7% contaram com esse valor. Por outro lado, entre as candidaturas que dispuseram de receita igual ou superior a R$ 1 milhão, apenas, 16,2% eram de pessoas pretas ou pardas, sendo que a escassez de recursos financeiros é um elemento que diminui as chances de sucesso eleitoral de uma candidatura (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2019).
Para o IBGE (2019), as diferenças étnico-raciais são persistentes. Desse modo, as pessoas de cor preta ou parda têm rigorosas desvantagens em relação às pessoas de cor branca, no que tange às extensões dos indicadores apresentados de acesso ao trabalho, à educação e à representação política.
A construção da identidade negra deve ser analisada na esfera social e pela probabilidade de novos paradigmas sociais, e os objetivos de representatividade para uma sociedade mais plural.
Diante disso, as lutas sociais e os marcos históricos construíram a identidade negra, desenvolvidas em um movimento pelo qual passa o processo identitário e de identificação negra. A desigualdade de longa de longa data é guiada pelo discurso dominador da culturalidade e pelo comportamento dos dominados.
O mito da democracia racial tenta esvaziar a luta por representatividade que emerge das relações de saber e de poder, e a falta dela converge à exclusão social. Mas como não ser excluído socialmente tendo a imagem estereotipada como subalterno nas relações sociais? Diante disso, representatividade em uma sociedade complexa é poder e aqueles que atuam e lutam deixaram de ser representados, ou seja, não existe mais representação, só existe luta e atitude.
Assim, a identidade negra é composta de luta e pela articulação entre o individual e o social, entre o passado e o presente, e são agrupadas, ao mesmo tempo em que integram a dinâmica do sujeito e do coletivo. Diante disso, mesmo com um passado de exclusão social, o debate atual gira em torno da negação da existência de raça. Contudo, esse discurso é negar o passado histórico de dominação, é rejeitar a identidade e se furtar da importância da reparação do legado de exclusão cultural, social e política.
Em contraposto, tentou-se instituir a civilidade inventada ou produzida pela cultura, demarcou-se territórios e fronteiras, estabeleceu-se a lógica de comportamento e se instaurou o racismo como pressuposto de pacificação do arredio negro, como forma de colocá-lo no seu lugar. Esse processo intensificou a desigualdade e a exclusão social, que vai desde o acesso ao trabalho, perpassa pela oferta de oportunidades, continua na forma de exclusão e termina na disparidade de rendimento.
Nesse sentido, admite-se a hipótese de que a identidade é definida como atos ligados ao contexto social, à vida cotidiana, sua autoidentificação, ou pertencimento. Contudo, a luta dos negros e os dados oficiais revelam uma desigualdade de representatividade sistêmica entre negros e brancos. Lembramos que a negação da raça negra, no Brasil, é a maior ameaça as políticas afirmativas.
Diante do exposto, a representatividade é a melhor forma competir no mercado de trabalho e na vida sociocultural, em uma perspectiva de acesso ao trabalho, à universidade e ao cenário político, como confronto à sociedade desigual.
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[1] Em tradução livre: “Nos universos sociais em que os dominantes precisam mudar constantemente para conservar, tendem necessariamente a se dividir, especialmente em períodos de rápida transformação dos modos de reprodução, de acordo com o grau de reconversão de suas estratégias de reprodução, pelos agentes ou pelos grupos. providas das espécies de capital que permitem recorrer aos novos instrumentos de reprodução, portanto os mais inclinados e os mais aptos a empreender uma reconversão, opõem-se àqueles que estão mais ligados às espécies de capitais ameaçadas” (LUHMAN, 2016).
Doutoranda em Direito Constitucional pela UNB. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Goiás (2015), com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG). Especialista em Direito Constitucional. Advogada com experiência na área de Direito Público e de Direito Privado. Foi pesquisadora e bolsista pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em projetos com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). É pesquisadora e Líder do Grupo de Pesquisas Interdisciplinares em Direito (GEPID), registrado no Diretório de Pesquisas do CNPq. É professora na Faculdade Evangélica de Goianésia (FACEG), mantida pela Associação Educativa Evangélica (AEE), onde desempenha as funções de membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE) do curso de graduação em Direito; É coordenadora de estágio do curso de graduação em Direito; coordenadora do projeto de extensão Faculdade Aberta da Terceira Idade (FATI); e coordenadora de monitoria acadêmica do curso de Direito. É, ainda, professora na Faculdade Metropolitana de Anápolis (FAMA) na disciplina de Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ASSIS, Luana Bispo de. Direito e representatividade: uma análise da representatividade negra diante dos sistemas sociais de Niklas Luhman Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2020, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54550/direito-e-representatividade-uma-anlise-da-representatividade-negra-diante-dos-sistemas-sociais-de-niklas-luhman. Acesso em: 23 dez 2024.
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