Resumo: Tem o presente estudo o objetivo de analisar o instituto das diretivas antecipadas de vontade, bem como suas razões e a sua utilização. São abordados os direitos que a elaboração de diretivas antecipadas de vontade objetiva garantir e fundamentos que legitimam o instituto, desejando afastá-lo dos conceitos de eutanásia e distanásia.
Abstract: The objective of this study is to analyze the institute of advance directives of will, their reasons and their use. The rights that the elaboration of advance directives of will aims to guarantee and the foundations that legitimize the institute, wishing to move it away from the concepts of euthanasia and dysthanasia, are addressed.
Palavras chave: Biodireito - Testamento Vital – Bioética - Biodireito. Autodeterminação.
Keywords: Bio-rights - Living Will – Bioethics - Self-determination.
Sumário: 1. Introdução e Delimitação do tema - 2. Histórico - 3. Regramento atual sobre as diretivas antecipadas de vontade - 4. Nomenclatura: Diretivas Antecipadas de Vontade ou testamento vital? - 5. Diretivas Antecipadas de Vontade como gênero - 6. Fundamentos constitucionais e infraconstitucionais para as diretivas antecipadas de vontade - 7. Questões polêmicas - 8. Conclusão - 9. Referências bibliográficas.
Summary: 1. Introduction and Theme delimitation - 2. Historical background - 3. Current regulation apply to the advence directives of will - 4. Nomenclature: advence directives of will or living will? - 5. Advence directives of will as genre - 6. Constitutional foundations and infra-constitutional for advence directives of will - 7. Issues polemics - 8. Conclusion - 9. Bibliographic references.
1. INTRODUÇÃO – DELIMITAÇÃO DO TEMA
O popularmente conhecido testamento vital, em síntese, é o documento destinado a orientar a equipe médica do paciente em situações em que esse esteja impossibilitado de expressar sua vontade, seja por sedação necessária, coma, ou estado vegetativo.
O presente estudo objetiva tratar das diretivas antecipadas de vontade como instituto e explorar seus conceitos atuais, analisando a utilização histórica e os limites que esse alcançou pelos países em que é utilizado há mais tempo.
Após explorar o contexto de seu surgimento, volta-se para os primeiros conceitos e considerações sobre o “direito a morrer” a partir do artigo living will, escrito em 1967 por Louis Kutner.
A partir daí, passa a apresentar a evolução e casos emblemáticos ocorridos nos Estados Unidos da América.
Não obstante, explora-se o surgimento do instituto em países Europeus, para, então, alcançar o histórico e o desenvolvimento chegando no Brasil.
Apesar de o instituto ter sido apresentado nos moldes popularizados, apenas em 1999 a Lei Paulista 10.241 tratou o tema, o que só em 2012 através de Resolução do Conselho Federal de Medicina disciplinou os direitos do usuário dos serviços de saúde do Estado.
Conforme já mencionando o direito à informação, a possiblidade de recusa de procedimentos diagnósticos e terapêuticos, bem como tratamentos que tivessem por objetivo a tentativa de prolongar a vida, eram os temas tratados no aludido dispositivo legal.
Passa-se, então, ao estudo do quanto regulamentado pela Res. 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina, a partir da análise de suas considerações, conceito adotado e direções adotadas.
A partir de todos os pontos mencionados, se pretende discutir neste estudo o objetivo e o objeto das diretivas antecipadas de vontade, como instituto, suas características e fundamentos.
Ademais, abordada a questão da nomenclatura e o dilema traçado pelo próprio tema: o direito à morte digna.
Em 1967 foi publicado artigo denominado “Living Will” sobre direito de morrer, defendendo a possibilidade de o próprio paciente manifestar-se a respeito do término de sua vida.
Tal defesa seria válida quando feita por documento juridicamente válido, compreendendo disposições sobre tratamentos médicos, garantindo ao paciente o arbítrio na tomada de decisões sobre si, enquanto capaz e consciente.
Louis Kutner, autor do referido artigo, estabeleceu critérios para a efetivação desta autonomia de vontade. Para ele, o paciente deveria deixar em documento escrito assinado por duas testemunhas expressando a manifestação de recusa a determinados tratamentos médicos, tendo esta disposição de vontade validade quando e se o paciente viesse a ficar em estado vegetativo ou ainda tivesse a terminalidade comprovada.
O referido documento poderia ser revogado a qualquer tempo pelo paciente.
Os desejos ali expressados pelo paciente estariam acima da vontade médica, de familiares e amigos.
Quando necessária a utilização do documento, o hospital em que o paciente estivesse sob tratamento deveria referendá-lo.
Tal artigo demarca a origem do testamento vital, servindo de base para as seguintes etapas da evolução do instituto e, até hoje, seus parâmetros são utilizados para a elaboração e regulamentação desse.
Como caso importante para a consolidação do instituto, cita-se o caso Karen Quinlan, no ano de 1975 no Estado da Califórnia, onde surgiu o Natural Death Act.
O caso emblemático discutia a possibilidade de retirar o respirador artificial da jovem Karen, de 22 anos, que foi internada em Nova Jersey em estado de coma de causa nunca esclarecida, o que fora solicitado por seus pais ao externarem que a filha já havia manifestado a vontade de não se submeter a tratamentos artificiais para mantença da vida.
O Juiz do caso não autorizou a retirada dos aparelhos por entender que a manifestação de vontade de Karen foi expressada fora de contexto. A família apelou para a Suprema Corte que, após solicitar ao Comitê de Ética do Hospital em que Karen estava internada um prognóstico para o estado de saúde da paciente e esse certificar que Karen não retornaria a um estado cognitivo sapiente, concedeu o direito da família em solicitar o desligamento dos equipamentos de suporte extraordinários.
Mencionado caso foi emblemático pois, do que é conhecido, foi o primeiro a autorizar a cessão de tratamento com a finalidade única e excepcional de manter a vida.
A partir desse caso, o Estado da Califórnia se deparou com a necessidade de legislar sobre o tema, surgindo o Natural Death Act.
A lei reconheceu a legalidade do documento, condicionando sua subscrição por pessoa maior e capaz e 2 (duas) testemunhas independentes.
O documento teria seus efeitos plenos apenas após 14 (quatorze) dias da assinatura e sua validade seria por aproximadamente 5 (cinco) anos.
Tendo em vista que a eficácia das disposições de vontade estaria vinculada à condição de terminalidade, essa deveria ser atestada por dois médicos.
Além de ser uma garantia para evitar problemas éticos para o médico em razão da omissão do tratamento contumaz, a regulamentação do documento destinado à manifestação de vontade do paciente determinou que o desrespeito ao conteúdo dessas disposições poderia gerar sanções disciplinares pelo médico.
Em 1985, a Sociedade Médica de Massachusetts reconheceu a autonomia dos pacientes terminais e indivíduos em estado vegetativo que tenham manifestado previamente sua vontade de recusar tratamentos.
A fim de dar validade ao dispositivo, também restou determinado que o cumprimento da disposição de vontade não seria prática contrária à ética médica.
Os Estados Unidos da América, no ano de 1991, foram pioneiros ao aprovarem a primeira lei federal a reconhecer o direito à autodeterminação do paciente, chamada de “The Patient Self-DeterminationAct”, que, em suma, reconheceu o direito à tomada de decisões referentes ao cuidado da saúde, aceitando ou recusando tratamentos médicos.
Esse aceite ou recusa deveria ser realizado por documento escrito (“Advence directives”) e teria eficácia para eventual futura incapacidade para o livre exercício da própria vontade.
Como política pública, a lei determinou a obrigatoriedade dos hospitais e centros de saúde conveniados, públicos e particulares informarem seus pacientes sobre a possibilidade de realização do documento.
As chamadas “Advence directives” são conceituadas como a possibilidade de o paciente decidir sobre si quanto a uma possível situação de doença terminal como garantia de sua autodeterminação e participação nas decisões sobre a sua saúde.
São previstas 3 (três) espécies de manifestações de vontade: manifestação explícita sobre os tratamentos médicos que deseja ou não receber, chamado de “living will”; outorga de poderes especificamente para o cuidado da saúde; e, a decisão antecipada para cuidado médico.
Na Europa, destaca-se a Declaração sobre a promoção dos Direitos do Pacientes da Holanda de 1994, a qual reconheceu o direito de o paciente consentir com a prática de procedimentos médicos e a necessidade de serem prestadas informações e esclarecimentos sobre os procedimentos a que o paciente é submetido.
A legislação desse país reconhece a validade das denominadas Nontreatment Directives, preceituando que a forma deve ser escrita e o conteúdo deve ser a indicação de quais tratamentos o outorgante deseja ou não se submeter, desde que tais tratamentos não contribuam para a cura da doença, devendo ser afastada da prática da eutanásia, a qual é permitida no país.
No Brasil, interessante ressaltar que em 1999 entrou em vigor a Lei Paulista 10.241/1999, conferindo ao paciente o direito de consentir ou recusar procedimentos médicos após os esclarecimentos sobre os riscos e benefícios do tratamento. Não se trata de uma regulamentação ou reconhecimento das diretivas antecipadas de vontade, mas sim importante marco para o reconhecimento da autonomia de vontade e autodeterminação do paciente.
Apenas em 2012, através da Res. 1.995/2012, o Conselho Federal de Medicina dispôs efetivamente sobre as chamadas diretivas antecipadas de vontade dos pacientes, adotando em seu art. 1º o seguinte conceito para o instituto: “conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”, a qual é atualmente o único instrumento que aponta diretrizes para o instituto objeto de estudo desse artigo.
3. REGRAMENTO ATUAL SOBRE AS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE
Conforme exposto, a Res. 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina dispõe sobre o testamento vital e teve como motivação a necessidade de regulamentação da conduta dos médicos em face das diretivas e o avanço tecnológico da medicina que permite a utilização de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal sem trazer qualquer perspectiva de tratamento para a doença que o acomete, além da lacuna legislativa sobre o tema e a necessidade de regulamentá-lo.
Assim, a partir de todas estas considerações e ante a inércia do Poder Legislativo, o Conselho Federal de Medicina decidiu regulamentar o instituto.
Atualmente, as diretivas antecipadas de vontade são definidas como o conjunto de desejos manifestados pelo paciente, de forma prévia e expressa, sobre os cuidados e tratamentos médicos que aceita ou rejeita na situação de estar incapaz de manifestar sua vontade de forma expressa, livre e autônoma.
Conclui-se, então, que tais declarações de vontade têm lugar quando o paciente estiver incapaz de comunicar-se ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, conforme depreende-se do art. 2.º da referida Resolução.
O objeto das diretivas antecipadas de vontade é a aceitação ou recusa a tratamentos médicos, encontrando óbice apenas no Código de Ética Médica.
A autodeterminação e autonomia do paciente são elevadas em máxima importância, tendo em vista que as diretivas de vontade, se não estiverem em desacordo com o Código de Ética Médica – situação na qual seriam desconsideradas – prevalecem sobre qualquer outro parecer não médico, incluindo vontade de familiares.
Uma dificuldade para o uso do instituto é realmente essa, chegar ao conhecimento dos hospitais e equipes médicas. Não há qualquer exigência formal para a realização das diretivas antecipadas de vontade. Feito esse documento através de documento particular, a entrega deste fica condicionada a vontade do terceiro de confiança do paciente.
Por outro lado, as Diretivas Antecipadas de Vontade realizadas através de Escritura Pública, perante os Tabelionatos de Notas, as informações são disponibilizadas na plataforma CENSEC – Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados, uma base de dados administrada pelo Colégio Notarial do Brasil ou, para o Estado de São Paulo, a CANP – Central de Atos Notariais Paulista, através da “Consulta DAV”, por meio do qual é possível consultar a existência de DAV e a localização desta – tabelionado, livro, folhas, data do ato – a partir do nome do paciente. Assim, garante-se maior segurança e publicidade à vontade do paciente.
Se não houver diretivas antecipadas de vontade ou não for de conhecimento dos familiares disponíveis e não havendo consenso entre eles, o médico deve recorrer ao Comitê da Bioética da instituição hospitalar e se este inexistir, à Comissão de Ética Médica do hospital ou Conselho Regional de Medicina e Conselho Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender necessário e conveniente.
Prevista também a possibilidade de o paciente comunicar suas vontades quanto aos tratamentos que deseja ou não receber diretamente ao médico, as quais devem ser anotadas em prontuários médicos.
Questão importante sobre essa possibilidade é a aferição da capacidade e discernimento livro do paciente, as quais devem estar presentes, não podendo o paciente já estar em situação de incapacidade.
O paciente também pode designar representante para a finalidade de tomar decisões acerca dos cuidados e tratamentos médicos que receberá caso fique em situação de incapacidade de comunicação ou expressão livre e independente de suas vontades, documento chamado pela doutrina de procuração de cuidado de saúde e prevista pelo § 1º do art. 2º da Res. 1.995/2012.
4. NOMENCLATURA: DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE OU TESTAMENTO VITAL?
Grande questão sobre o tema é a sua nomenclatura. O instituto ficou popularizado como “testamento vital”, em tradução livre ao “living will” americano. Ocorre que, o instituto aqui tratado não guarda próxima relação com o instituto do direito sucessório, seja em efeitos, forma ou conteúdo.
O testamento é um ato pelo qual a vontade do testador é declarada para o caso de morte, com a eficácia para após a morte de criar, transmitir ou extinguir direitos, de conteúdo patrimonial direto ou indireto.
Trata-se de negócio jurídico essencialmente solene, com suas formas admitidas expressamente previstas em lei. Seu objetivo primordial é orientar a sucessão de acordo com a vontade de seu autor, tendo caráter normativo para após a morte.
Por sua vez, o chamado testamento vital, apesar de também ser ato revogável e unilateral, tem sua eficácia para quando o paciente está em situação de incapacidade de expressar livre e autonomamente sua vontade, para situações de terminalidade, coma, dentre outros. Ou seja, tem efeitos quando o autor ainda está vivo.
Seu objetivo é expressar a vontade do paciente, ou definir quem a expresse, quanto aos tratamentos médicos que deseja ou não receber.
Além disso, o instituto aqui estudado não tem forma prevista em lei e nem mesmo exigência legais, podendo ser feito por documento particular ou público, com ou sem a presença de testemunhas.
Nota-se, então, as divergências entre os “testamentos” – sucessório e “vital” – sendo mais técnica a expressão “diretivas antecipadas de vontade”, a qual não por acaso foi a utilizada na Res. 1.995/2012.
5. DOS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS PARA AS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE
Conforme todo o exposto ao longo do texto, nota-se que o negócio jurídico destinado a garantir ao paciente o cumprimento de suas vontades relacionadas a tratamentos médicos, está diretamente ligada ao princípio da autonomia, o qual legitima à liberdade de escolha.
Tem-se por claro que a autonomia da vontade deve estar associada ao consentimento livre e informado do paciente. Ou seja, necessário frisar o dever médico de informação sobre as implicações e consequências dos tratamentos médicos.
Para Dworkin, a autonomia “estimula e protege a capacidade geral das pessoas de conduzir suas vidas de acordo com uma percepção individual de seu próprio caráter, uma percepção do que é importante para elas” (DWORKIN, 2009, p. 319)[1].
O instituto também encontra fundamento no direito à integridade existencial e dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, sempre é necessário visar o bem-estar do paciente, mas não a qualquer custo.
Não se pode ignorar que a inviolabilidade do direito à vida encontra guarida no caput do art. 5.º da CF e é apresentado como absoluto, não podendo ser violado nem pelo seu próprio titular. Entretanto, apesar de ser apresentado como um direito, por vezes isso serve como uma obrigação-dever.
Analisando a disposição da Constituição Federal, tem-se que o direito à vida não é destacado em relação aos demais, sendo previsto por primeiro, no inc. III do art. 1º da Carta Maior, a dignidade da pessoa humana. Isto implica dizer que o direito à vida não se dá como absoluto em nossa realidade, colidindo com outros direitos fundamentais:
“Assim, nem a liberdade, nem a vida, nem qualquer dos direitos individuais recebe proteção absoluta. São protegidos apenas enquanto e na medida em que se dirigem à promoção da dignidade humana”.[2]
O reconhecimento do direito à vida não ser absoluto é essencial para validar o instituto do testamento vital, para a possibilidade de recusar tratamentos médicos, suspensão de esforço terapêutico. Por outo lado, o reconhecimento da indispensabilidade de uma vida digna proíbe que cuidados paliativos sejam afastados.
Quanto à necessidade de os cuidados paliativos serem mantidos cita-se a Res. 1805/2006 do Conselho Federal de Medicina, em especial seu art. 2.º, o qual anunciada a obrigatoriedade da administração dos cuidados médicos paliativos e impossibilidade desses serem afastados.
Cuidados paliativos são os cuidados que se destinam a melhorar a qualidade de vida dos pacientes e não a tratar propriamente a doença com o objetivo de cura, busca-se tão somente o bem-estar do paciente.
Aliás, no âmbito infraconstitucional, o art. 15 do CCC dispõe que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamentos médicos ou intervenção cirúrgica”.
Por tratar de documento relacionado com disposições de saúde, as diretivas antecipadas de vontade esbarram na questão da ortotanásia, eutanásia e distanásia.
A fim de contextualizar, necessário destinar as próximas linhas a estes conceitos.
A ortotanásia tem sua origem no grego e etimologicamente a palavra significa “morte no tempo certo”.
Refere-se a aceitação da morte com um fato natural e ao não prolongamento artificial da vida. Sua função não é acelerar a morte, mas tão somente aceitá-la e tolerá-la.
Maria Celeste Cordeiro Leite do Santos e Lucia Pereira V. Lombardi, em artigo publicado na Revista Internacional CONSISTER de Direito, assim conceituaram:
“A Ortotanásia é o termo utilizado para definir a morte natural, ou seja, é a permissão ao paciente de uma morte natural, com a eliminação de qualquer tratamento desproporcional que mantenha a vida sobre qualquer circunstância, não significando, portanto, que o enfermo não possa receber medicamento para diminuir a dor.”[3]
A eutanásia, por sua vez, significa boa morte e é o ato pelo qual se traz um alívio ao sofrimento do paciente com doença grave, incurável e terminal.
Neste sentido expõe Roxana Cardoso Brasileiro Borges:
“Etimologicamente a palavra eutanásia significa boa morte ou morte sem dor, tranquila, sem sofrimento. Deriva dos vocábulos gregos eu, que pode significar bem, bom, e thanos, morte. (...) O primeiro sentido de euthanos fazia referência a facilitar o processo de morte, sem, entretanto, interferência neste. (...) Ou seja, a eutanásia não visava à morte, mas a deixar que esta ocorresse da forma menos dolorosa possível. (...) Atualmente, porém, tem se falado em eutanásia como uma morte provocada pelo sentimento de piedade à pessoa que sofre. Em vez de deixar a morte acontecer, a eutanásia, no sentido atual, age sobre a morte, antecipando-a.”[4]
Por sua vez, a distanásia consiste no prolongamento artificial da vida, realizando procedimentos e tratamentos médicos inúteis para a cura da doença no estágio atual da medicina.
Nas palavras de Roxana Cardoso Brasileiro Borges:
“É uma ocasião em que se prolonga a agonia, artificialmente, mesmo que os conhecimentos médicos, no momento, não prevejam possibilidade de cura ou de melhora. É a expressão da obstinação terapêutica pelo tratamento e pela tecnologia, sem a devida atenção em relação ao ser humano.”[5]
O testamento vital está mais relacionado com a ortotanásia do que os demais, em que pese seja possível a opção pela eutanásia e até o suicídio assistido em países que admitem tais situações, como na Bélgica e Suíça, respectivamente.
No Brasil, tendo em vista que o ordenamento tipifica como crime o suicídio e homicídio, disposições sobre eutanásia, suicídio assistido e até recusa de cuidados paliativos devem ser nulas.
Quanto aos tratamentos fúteis ou inúteis, a distanásia, é possível a previsão de sua não aplicação, pois não haveria ilicitude na conduta. Entretanto, deve-se analisar que a não aplicação desta prática é contrária ao Código de Ética Médica e deve não ser considerada válida em razão do art. 2.º, § 2.º, da Res. 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina.
A complexidade do tema, seu envolvimento com a morte – ainda um tabu para nossa cultura – e a seriedade de suas implicações incitam questões polêmicas.
Merece destaque a questão da vontade manifestada versus o tempo versus o avanço da medicina.
No Brasil, ante a escassa regulamentação do instituto e a ausência de normatização, deixaram algumas questões pendentes, dentre elas o tempo de validade das diretivas antecipadas de vontade (espécie) feitas por um paciente e isto faz ocorrer o conflito aqui exposto.
Isto porque, a manifestação exarada hoje pode não ser a mesma desejada de amanhã e justamente por esta razão, tem-se a revogabilidade como característica própria das disposições de cunho de saúde.
Por outro lado, é fato que certa manifestação de vontade está de acordo com o avanço da medicina daquele marco temporal, assim como chances conhecidas e estudos sobre certa doença.
E se houver este avanço, as disposições não forem revistas e o vier a ocorrer a incapacidade do paciente? Será que para chances maiores, a vontade do paciente seria mesmo a obstinação de certo tratamento?
A fim de evitar a situação, países como Portugal designaram um tempo de validade para estas disposições – 5 (cinco) anos. Assim, se em 5 (cinco) anos não forem utilizadas, o testamento vital não terá mais validade, devendo o paciente realizar nova disposição se assim for seu desejo, situação não prevista pela Resolução destinada ao instituto no Brasil.
Outra questão relevante para o instituto é a forma de anunciação da existência de diretivas antecipadas de vontade, seja na espécie testamento vital ou procuração de cuidados de saúde.
A dificuldade, por primeiro, está na inexistência de forma específica exigida por lei. Se realizada por documento particular, imprescindível que seja entregue para pessoa de confiança e que respeite a vontade do autor. Já mencionado nesse artigo o risco de ser confiada à pessoa da família, tendo em vista o envolvimento psicológico com a situação de saúde.
Caso realizada por instrumento público, a possibilidade de ser conhecida é maior. Isto porque, como mencionado, pelos notários é alimentado banco de dados da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados – CENSEC, onde está disponível consulta sobre existência de diretivas antecipadas de vontade (“Consulta DAV”) a partir apenas do nome do paciente. Com a consulta positiva, é informado o cartório de lavratura, o livro e a folha onde está lavrada a escritura pública.
Em que pese o referido banco de dados seja promissor, não há qualquer obrigatoriedade dos hospitais, clínicas, médicos realizarem a consulta quando se depararem com situação de incapacidade do paciente.
Partindo do pressuposto que o próprio paciente, de forma livre e informada, é a melhor pessoa para definir quais os tratamentos que pretende suportar ou não em situação de incapacidade, nada mais razoável do que reconhecer a sua autonomia para dispor sobre cuidados de saúde que aceita ou recusa para situações futuras em que não consiga manifestar sua vontade.
O contexto visualizado é propiciado pelas diretivas antecipadas de vontade, podendo o autor realizar disposições relacionadas à sua saúde ou designar, através de procurador para cuidados de saúde.
Desde o artigo “Living Will” escrito por Louis Kutner e publicado no ano de 1967, não houve mudança substancial no instituto, sendo as características apontadas no referido artigo as marcantes para o tema até atualmente.
Aliás, a falta de legislação sobre o tema deixa lacunas importantes sobre o instituto, como possível prazo de validade para as disposições de vontade feitas e a forma de publicar a opção do paciente perante os médicos e hospitais.
O que regulamenta o instituto é a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.995/2012, que na verdade tem caráter meramente regulatório e não força de lei, o que não contribui para a popularização das diretivas antecipadas de vontade e nem mesmo para sua credibilidade à sociedade.
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[1] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. 2ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins de Fontes, 2009.
[2]SCHREIBER, A. Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2011., p. 52.
[3] LOMBARDI, Lucia Pereira V; SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Testamento vital: o instrumento jurídico para uma morte digna.in Revista Internacional Consister de Direito, ano V – número VIII, 2019. Disponível em: <https://revistaconsinter.com/revistas/ano-v-numero-viii/direito-privado/testamento-vital-o-instrumento-juridico-para-uma-morte-digna/>. Acessado em: 12/10/2019.
[4] BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direito de morrer dignamente: eutanásia, ortotanásia, consentimento informado, testamento vital, análise constitucional e penal e direito comparado. In Biodireito: ciência da vida, os novos desafios / organizadora Maria Celeste Cordeiro Leite Santos. – Ed. RT, 2001, p. 285.
[5] BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direito de morrer dignamente: eutanásia, ortotanásia, consentimento informado, testamento vital, análise constitucional e penal e direito comparado. In Biodireito: ciência da vida, os novos desafios / organizadora Maria Celeste Cordeiro Leite Santos. – Ed. RT, 2001, p. 286/287.
Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestranda em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIUS, Carolina Eichemberger. Pelo direito à morte digna: diretivas antecipadas de última vontade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 maio 2020, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54559/pelo-direito-morte-digna-diretivas-antecipadas-de-ltima-vontade. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Por: FELIPE GARDIN RECHE DE FARIAS
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
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