JANAY GARCIA[1]
(orientadora)
RESUMO: A presente pesquisa visa à demonstração da prejudicialidade na aplicação do fenômeno jurídico conhecido como pejotização nas relações empregatícias. Por muitas vezes o empregado se vê obrigado a criar uma personalidade jurídica para poder ser inserido no mercado de trabalho, tal obrigação vem, maioria dos casos, por meio de coação por parte do empregador, que no intento de auferir lucros quer se desvencilhar dos encargos trabalhistas. Tal prática não trouxe benefícios à massa trabalhadora, que se encontra despida de seus direitos, a mercê de condições abusivas nas relações de trabalho.
Palavras chaves: Pejotização; relações empregatícias; garantias trabalhistas;
ABSTRACT: The current research aims to demonstrate the application of penalities known as pejotização[2] in employment relationships. For many times the employee sees itself forced to create a legal personality in order to be inserted in the labor market, such an obligation comes, most the cases, through cooperation by the employer, who has no profits to make, want to divert labor charges. Such practice has not brought benefits to the working mass, which is stripped of its rights at the mercy to abusive conditions in labor relations.
Key words: Pejotização, employment relationships, labor guarantee.
Sumário: Introdução; 1. A pejotização como inovação no mercado de trabalho; 2. A pejotização como fraude e/ou violação as garantias trabalhistas; 3. A prejudicialidade da pejotização frente às garantias trabalhistas; Conclusão; Referências.
Desde os primórdios da humanidade, há relatos da organização social em prol do trabalho, seja ele para a própria subsistência, seja para fins comerciais. O homem se organiza de maneira a facilitar o labor na sociedade e assim auferir os propósitos ao qual a coletividade propõe como fator preponderante a todos os indivíduos da comunidade. Ao tocar na nomenclatura trabalho tem uma dimensão da colocação da força humana em ação e a utilização da mesma para obter alimentos e a finalidade mais utilizada que é conseguir pecúnia.
A sociedade evoluiu e desenvolveu-se com a utilização da mão de obra de terceiros, que antes era algo estritamente familiar. A inserção de terceiros trouxe conflitos trabalhistas para a sociedade, uma vez perdido o poder patriarcal sobre o trabalho, aparece então à figura do empregado (massa trabalhadora) e dos patrões (minoria empresária).
Com o intuito de solucionar conflitos entre as figuras do empregado e patrão, surgem legislações trabalhistas, com o fito de apaziguar conflitos e orientar as relações empregatícias ora em ascensão. A Revolução Industrial deu origem a um crescimento de relações empregatícias, dando ensejo a uma legislação mais contundente e precisa para interligar os polos do contrato de trabalho.
No Brasil, houve a instituição do Decreto-lei 5.452 de 1º de maio de 1943, conhecido com Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que trouxe a população uma legislação especifica no que tange as relações empregatícias. A CLT veio para coibir abusos dos empregadores e trazer uma seguridade a massa trabalhadora, trazendo consigo uma gama de garantias ao empregado, que é o ser hipossuficiente da relação.
Com o avançar dos tempos, as garantias trabalhistas foram se consolidando e enraizando-se na sociedade brasileira, fazendo da relação patrão-empregado algo seguro e recíproco. Contudo, recentemente houve a instituição da Lei 13.467/2017 que fortificou a possibilidade da terceirização da mão de obra trabalhista pela figura do trabalhador autônomo revestido de personalidade jurídica. Esta possibilidade deu origem ao fenômeno doutrinário-jurisprudencial conhecido como “pejotização”. Entretanto, é necessário fazer uma análise dos malefícios que este instituto traz para a sociedade, fazendo-se fundamental um estudo acerca do mesmo e sua forma violadora à temporal construção das garantias trabalhistas.
1.A PEJOTIZAÇÃO COMO INOVAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO
A instituição da Lei 13.467/2017 trouxe o que ficou conhecido como “Reforma trabalhista” trazendo a tona uma série de modificações pertinentes ao campo do Direito do Trabalho. Apesar das mudanças ocasionadas, o conceito de empregado e empregador não sofreu alterações, estes conceitos eram encontrados nos artigos 2º e 3º da CLT:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. [...].
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual. (BRASIL, 1943).
Com a inalterabilidade destes artigos a hermenêutica jurídica do vínculo empregatício manteve-se intacta. Havendo o nexo causal entre a figura de empregado e empregador, terá sido evidenciado o vínculo empregatício e dele surge a gama de deveres e obrigações advindos do contrato de trabalho.
O fenômeno sociojurídico da relação empregatícia surge desde que reunidos seus cinco elementos fático‑jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. (DELGADO, 2017, p.330)
Os elementos fáticos jurídicos trazidos por Delgado alinhados com o Princípio da Primazia da realidade trazido pelo artigo 9º da CLT, que não sofreu alterações com a reforma, faz com que nas mais variadas situações, possa ser configurada como vínculo empregatício. Mesmo sem haver um contrato formal de trabalho. O artigo 9º da CLT preleciona o seguinte: “Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”. Sendo assim, o principio é aplicado para o que de fato acontece nas relações entre empregador e empregado, e não o que está acordado via contrato, formal ou tácito. “No Direito do Trabalho valem mais os fatos do que o constante de documentos” (MARTINS, 2019, p. 65).
Contudo, mesmo com esses preceitos e entendimentos anteriores a instituição da lei 13.467/2017, o legislador inovou e trouxe à possibilidade da empresa contratar a figura de um trabalhador autônomo, afastando do contratado a figura de empregado, mesmo sendo preenchidos todos os requisitos básicos da relação empregatícia. Esta inovação foi observada com o artigo 442-B que traz o seguinte: “A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.” Dando ensejo a partir de então ao fenômeno jurídico jurisprudencial que ficou conhecido como “pejotização”.
Ainda não há um conceito claro do que a termo venha significar, dificultando assim uma denominação coerente e costumeira. Cada doutrinador traz um elemento inovador do que seria este instituto em formação. Contudo, pode entender o termo pejotização como oriundo da sigla utilizada para designar a pessoa jurídica, isto é, PJ, utilizando o neologismo para indicar uma transformação do empregado (sempre pessoa física) em uma PJ (pessoa jurídica). Diante disso, a relação jurídica passa a ser respaldado pelo Direito Civil, especificamente, pelos artigos 593 a 609, e não pela CLT, ainda que esteja constituída a relação de emprego, presente os elementos fático-jurídicos constitutivos atrelados ao princípio da primazia da realidade. (OLIVEIRA, 2013).
As relações para a realização das atividades-fim da empresa, que antes era regida pelo elo entre empregador e funcionário, agora toma rumos diferentes e passa a poder ser trilhado entre empresa e empresa, ou ainda, entre empresa e prestador de serviços. Fazendo uma interpretação sistemática do artigo 442-B da CLT, é perceptível a mudança provocada pelo dispositivo. Vindo a compreender que o empregador não mais necessita da figura do empregado, uma vez que para a satisfação de suas necessidades oriundas de sua atividade, ele passará a contar com a figura do prestador de serviços autônomo. Podendo este ser até mesmo exclusivo à empresa tomadora de serviços.
Entretanto é necessário observar o conceito de trabalhador autônomo, podendo ser mais bem categorizado na seguinte concepção: “O trabalhador autônomo é, portanto, a pessoa física que presta serviços habitualmente por conta própria a uma pessoa ou mais de uma pessoa, assumindo os riscos da sua atividade econômica.” (MARTINS, 2019, p. 95)
Para Maurício Godinho Delgado (2016), a mais bem clara distinção entre o empregado e o prestador é a falta essencialmente de subordinação, e em alguns momentos podendo ser caracterizado pela dispensa da pessoalidade. Mas em uma relação exclusiva de prestador de serviços para com uma empresa em que visa a realização da atividade-fim, é manifesta a situação de subordinação, uma vez que o prestador de serviços não possui autonomia para realizar as atividades que foi contratado com liberalidade e autossuficiência, devendo sempre se reportar ao empregador e dele receber ordens de como deverá ser feita a atividade posta em contrato.
Mas é necessário ter um olhar mais categórico no que consta a modernização das relações trabalhistas. A mencionada modernização alcançou os moldes vigentes através da crescente onda de renovação tecnológica dos setores econômicos, a globalização mais uma vez é tida como culposa nos novos contornos que os contratos de trabalho vêm tomando. Há o que pode ser tido como flexibilização das relações empregatícias, a doutrina utiliza-se costumeiramente desta terminologia para tratar situações adversas e atípicas daquelas dispostas no contrato de trabalho conhecido.
Assim, a terceirização assume centralidade na estratégia patronal, já que suas diversas modalidades (tais como cooperativas, pejotização, organização não governamentais, além de redes de subcontratação) concretizam “contrato”, ou forma de compra e venda de força de trabalho, em que as relações de trabalho sociais entre capital e trabalho são disfarçadas e travestidas de relações Interempresas/instituições, além de estabelecer contratos por tempo determinado, flexíveis, de acordo com ritmos produtivos das empresas contratantes e as quase sempre imprevisíveis oscilações de mercado que desestruturam o trabalho, seu tempo e até mesmo sua sobrevivência. (ANTUNES; DRUCK, 2014, p.17)
Entretanto, estes processos de flexibilização são utilizados como pretextos para mascarar sua verdadeira natureza, dando razão para a não utilização de elementos tidos como essenciais na relação empregatícia. A flexibilização em seu íntimo “escondem-se significados hermenêuticos, donde procede a tarefa de compreender não apenas as manifestações concretas da flexibilidade como, inclusive, os pressupostos sobre os quais ela se firma” (ROSSO, 2017, p.12).
Há por muitas vezes, um desmantelo da máquina trabalhista e um desnivelamento de condições necessárias ao fiel cumprimento do que pressupõe as garantias trabalhistas previstas tanto na Constituição Federal de 1988, como advindas da Consolidação das Leis do Trabalho. No que concerne à utilização da pejotização como flexibilização do contrato de trabalho.
Sob o pretexto da modernização da relações de trabalho é que se insere uma das novas modalidades de flexibilização, que resulta na descaracterização do vínculo de emprego e que constitui na contratação de sociedades (PJ) para substituir o contrato de emprego. São as empresas do “eu sozinho” ou “PJs” ou “pejotização” como comumente vem sendo denominadas (CARVALHO, 2010, p.62)
Para a aplicação da pejotização, o sistema vem se utilizando da artimanha da empresa do “eu sozinho” como é costumeiramente utilizado e atribuído aos mercados capitalista. A empresa do “eu sozinho” é o mecanismo utilizado para designar a figura do Micro Empreendedor Individual – MEI.
A definição e papel do MEI são regidos pela Lei Complementar nº 123, de 2006 (LC 123/2006), também costumeiramente denominada de Estatuto Nacional da Microempresa (ME) e Empresa de Pequeno Porte (EPP). No escopo legislativo pode ser destacado o artigo 18-A, cumulado com o artigo 966 do Código Civil de 2002, pode ser definida o que vem a ser o “microempreendedor individual” ou o corriqueiramente denotado de MEI:
§1º. Para os efeitos desta Lei Complementar, considera-se MEI o empresário individual que se enquadre na definição do art. 966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, ou o empreendedor que exerça as atividades de industrialização, comercialização e prestação de serviços no âmbito rural, que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais), que seja optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo.
[...]
§ 4º Não poderá optar pela sistemática de recolhimento prevista no caput deste artigo o MEI:
I - cuja atividade seja tributada na forma dos Anexos V ou VI desta Lei Complementar, salvo autorização relativa a exercício de atividade isolada na forma regulamentada pelo CGSN;
II - que possua mais de um estabelecimento;
III - que participe de outra empresa como titular, sócio ou administrador;
[...]
(BRASIL, 2006)
Nesse sentido, microempreendedor individual (MEI) é o empresário que não ultrapasse a renda anual de R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais) e esteja registrado como pequeno empresário. Vale ressaltar que o mencionado registro é realizado em site do Governo, o Portal do Empreendedor. Fazendo valer de todas as disposições e medidas facilitadoras para a atividade do microempreendedor. Prevista esta segmentação os empresários tem se apoderado da figura do MEI para contratá-los como prestadores de serviços, para assegurar a realização de sua atividade-fim. Entretanto, os MEIs vêm exercendo as atividades como se fossem trabalhadores comuns, com todos os requisitos necessários para o vínculo empregatício.
Ao exercer as funções como empresa, a pessoa, atribuindo ao que preleciona a doutrina no que tange a denominação de empresa do “eu sozinho”, ele mesmo na figura de empresário exerce todas as funções e atribuições que lhe foram conferidas pelo contratante, vindo apenas como mera maquiagem da relação empregatícia. Ocasionando lesões ao trabalhador que se sujeita a prática para ficar dentro da economia de mercado, uma vez que pelo procedimento adequado de contrato de trabalho e assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) não encontraria meios de subsistência.
2.A PEJOTIZAÇÃO COMO FRAUDE E/OU VIOLAÇÃO AS GARANTIAS TRABALHISTAS
Nos ditames legais em que implica o vínculo empregatício e a real formalidade dos contratos de trabalhos, entra-se na dicotomia do que venha a ser legal e ilegal. Para Delgado entende-se como contrato de trabalho “o acordo tácito ou expresso mediante o qual ajustam as partes pactuantes direitos e obrigações recíprocas” (2016, p.543). Nesse contexto, observa-se com clareza que não é preciso haver formalidades para que seja imperado o contrato de trabalho, frente o acordo entre partes. Portanto ao formalizar um contrato interempresas com fulcro na não contratação de um empregador formal, nela observa-se a conduta de burlar o sistema trabalhista vigente.
Esse mecanismo é tido como violador das garantias trabalhistas, em vista que as regras trabalhistas que ora seriam imposta na relação fique inobservante na relação do caso em concreto. Mas é necessário deixar com limpidez que a contratação de pessoas jurídicas é valida no que diz respeito a atividades consideradas triviais para o objeto de negócios da empresa. Entretanto, empresários e demais categorias após a possibilidade dada pela Lei 13.467/2017, mais especificamente no artigo 442-B, foram atrás de legislação ulterior que permite a terceirização da atividade-fim da empresa. Essa permissão é encontrada na Lei 6.019/1974 que dispõe o seguinte:
Art. 4º- A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a execução. (BRASIL, 1974)
A permissão oriunda desta lei outrora vigente no milênio passado e a premissa trazida pela Reforma Trabalhista culminaram em uma ascensão sem precedentes da pejotização no mercado de trabalho. No entanto, a realidade implicada no mercado de trabalho vem tomando contornos intangíveis daqueles previstos pelo legislador. Visando a lucratividade e redução de gastos nas empresas, os empresários têm obrigado os trabalhadores a constituir uma personalidade jurídica como requisito básico de sua contratação, podendo ir mais além, ao fazer a rescisão do contrato formal de trabalho de todos os seus funcionários, a famosa demissão, e recontratando-os na condição de pessoas jurídicas, os MEIs.
Contudo, essas práticas estão sendo caracterizadas como fraude e precarização dos vínculos empregatícios, as ações vem sendo combatidas duramente pelos Tribunais Trabalhistas do país. Como medida assecuratória da Segurança Jurídica da nação, o Tribunal Regional do Trabalho da 7º Região, em um de seus julgamentos inovou ao entender que:
VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO. PEJOTIZAÇÃO. Evidenciada a fraude perpetrada pelo empregador ao condicionar a contratação de serviços inerentes à atividade finalística da empresa à constituição de pessoa jurídica pelo trabalhador (pejotização), o reconhecimento do vínculo empregatício é medida que se impõe. (TRT7, ROT – 00013985820165070015, Rel. Francisco José Gomes da Silva, SEGUNDA TURMA, 26/03/2018)
O reconhecimento desta fraude pelos tribunais é algo ímpar para a efetiva segurança jurídica no que tange as relações trabalhistas encartadas em todo o território nacional. Trazer exceções a algo tão bem assegurado pela legislação é trazer a insegurança para todos os níveis de relação empregatícia, podendo gerar o caos nos setores econômicos e expor o país a crises financeiras graves.
Em razões análogas o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região em julgamento do Recurso Ordinário Trabalhista (ROT) número 0011270-19.2015.5.18.0018 pautou-se também sobre a construção do fenômeno pejotização e o reconhecimento de fraude perante as relações trabalhistas:
VÍNCULO EMPREGATÍCIOXPEJOTIZAÇÃO. RECONHECIMENTO. Quando um empregado, formalmente admitido pelo ente patronal, com as anotações funcionais pertinentes na carteira de trabalho, é dispensado e, simultaneamente, recontratado para prestar os mesmos serviços, via pessoa jurídica, configura-se o fenômeno conhecido por pejotização. Para a regularidade dessa nova realidade, é indispensável demonstrar alterações substanciais que afastem, dessa atual relação jurídica, os requisitos empregatícios que permeavam na atividade até então desenvolvida. Por outra via, constatada a continuidade da prestação de serviço nos mesmos moldes, reconhecer-se-á a fraude. Recurso patronal a que se nega provimento. (TRT18, ROT - 0011270-19.2015.5.18.0018, Rel. KATHIA MARIA BOMTEMPO DE ALBUQUERQUE, TRIBUNAL PLENO, 15/03/2017, grifo nosso)
Vindo o Tribunal Superior do Trabalho, em sede de julgamento do Recurso de Revista n. 2632-58.2020.5.02.0069 em 2018, favoreceu a construção do entendimento da utilização da pejotização de maneira pejorativa as garantias trabalhistas. O Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão em seu voto enfatiza “a existência da chamada “pejotização", o que caracteriza burla à legislação trabalhista, nos termos do artigo 9º da CLT.” A afirmação do ministro levantou precedentes para combater este tipo de fraude as relações empregatícias no país.
Abstraindo a jurisprudência e os entendimentos formados por juízes singulares e órgãos colegiados é notória a preocupação com a seguridade do vínculo empregatício, por tratar de matéria correlacionada à segurança jurídica em matéria de direito do trabalho. Manter o vínculo empregatício em relações em que o empregador visa explicitamente burlar as garantias trabalhistas de seu empregado, conquistadas ao longo da história, aliado ao intuito de auferir lucros de maneiras fraudulentas, traz a massa trabalhadora uma segurança em busca da justiça e combate a práticas de sujeição a condições degradantes impostas pelo seu empregador.
Abstrai-se que não importa a forma em que os vínculos e os contratos são celebrados, mas sim a sua finalidade. Várias podem ser as formas de vinculação de empregados à empresa, contudo, se a finalidade for para a prestação de serviços da função finalística da empresa, prevalece-a o contrato de trabalho.
É irrelevante para a configuração da relação de emprego a natureza do ato de ingresso do trabalhador na prestação de serviços, pois a existência daquela dependerá objetiva do modus operandi da prestação de serviços, e não dos aspectos formais que a revestem. Exatamente na fase de contratação se localiza um dos pontos de maior vulnerabilidade do empregado e da sua autonomia volitiva, sendo, este momento, a porta privilegiada para submissão do empregado a formas dissimuladas de contratação. (SANTOS, 2010, p. 2019)
Portanto, não importa para o direito se foi imposto ou não, se o empregado concordou ou discordou em criar para si uma personalidade jurídica para conseguir um emprego e dele auferir a sua subsistência. O que vem a tona é a busca exacerbada de lucros que não olha nem sequer para a legislação trabalhista.
A doutrina ainda caminha em passos curtos ao falar desta precarização da relação empregatícia. Sabe-se, contudo, que a não vigência do contrato de trabalho traz grandes retrocessos sociais e legislativos para a sociedade. Direitos constitucionais, supraconstitucionais e costumeiro vem perdendo espaço com o avanço da pratica de pejotizar as áreas econômicas. Com a prática supra, os empregados, que são o elo mais fraco da cadeia trabalhista, deixam de ganhar rendimentos, recolher previdência e deixa de gozar de férias, repousos semanais de trabalhos e limite na jornada diária de trabalho.
Para muitos a pejotização é tida como a modernização do setor trabalhista, entretanto é percebida que a modernização vem caracterizada de fraude. Até os dias atuais, trabalhadores dos setores não conhecem seus deveres, direitos e garantias, trazendo uma hipossuficiência a massa trabalhadora do país.
Ao contratar empregados por meio de artifícios fraudulentos ou de contratos que ocultam a relação de emprego, o empregador, além de sonegar os direitos trabalhistas, age em confronto com todo o ordenamento jurídico de proteção social, pois a falta de assinatura na CPTS de verdadeiros empregados, mascarados de pessoa jurídica, acarreta reflexos diretos na arrecadação da Previdência Social; deixasse de recolher o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, o que impossibilita o investimento público em infraestrutura e moradia; precarizam-se as relações de trabalho, pois ao trabalhador não é conferida a proteção das normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho (SANTOS, 2019).
Sendo assim, não há o que se dizer em benefícios como o empregador tanto enfatiza em seus discursos e valoriza nas entrevistas de emprego. Existe o retrocesso e precarização do setor. Não pode resumir a relação empregatícia apenas no aspecto econômico, mas trazer a reciprocidade que há nas relações e interações humanas que o contrato de trabalho traz à sociedade. São garantias benéficas que assegura uma vida digna e saúde decente para o trabalhador. É fazer valer o princípio da dignidade da pessoal humana posta pela Carta Magna.
3. A PREJUDICIALIDADE DA PEJOTIZAÇÃO FRENTE ÀS GARANTIAS TRABALHISTAS
Primeiramente, é necessário abordar um dos pontos controvertidos que a meu ver torna-se uma das maiores desvantagens advinda com a pejotização. Trata-se da burocracia proveniente da constituição até o registro da pessoa jurídica no órgão competente, visto que na condição de empregado nada disso estaria a cargo do trabalhador e sim da empresa que possui apoio especializado para a formação de cada ato. Ressalto que uma das poucas vantagens encontra-se nas taxas e tarifas para a criação do MEI, tais como de abertura, inscrição e registro são isentas ao Microempreendedor Individual, como é descrito no corpo da Lei Complementar 123 de 14 de dezembro de 2006:
Ressalvado o disposto nesta Lei Complementar, ficam reduzidos a 0 (zero) todos os custos, inclusive prévios, relativos à abertura, à inscrição, ao registro, ao funcionamento, ao alvará, à licença, ao cadastro, às alterações e procedimentos de baixa e encerramento e aos demais itens relativos ao Microempreendedor Individual, incluindo os valores referentes a taxas, a emolumentos e a demais contribuições relativas aos órgãos de registro, de licenciamento, sindicais, de regulamentação, de anotação de responsabilidade técnica, de vistoria e de fiscalização do exercício de profissões regulamentadas. (BRASIL, 2006)
Apesar destes ônus financeiros, pode ser armadilha que o patrão usa como artimanha para ludibriar o trabalhador, porém o agora recém-empresário passa a arcar sozinho com a resolução de todos os trâmites burocráticos para a constituição de sua empresa. Percebe-se o transtorno e desorientação do empregado ao ser demitido e obrigado a constituir uma personalidade jurídica para ter a sua subsistência garantida. Ressalta-se aqui, que apesar da Lei Complementar 123 ter vindo como um mecanismo facilitador para a constituição de pequenas empresas, para uma pessoa sem os conhecimentos adequados em legislação torna-se um grande embaraço para auferir um labor.
Agora com a constituição da sua microempresa já solidificada, passa-se a pelas dificuldades enfrentadas em questões tributárias. Até então na condição de empregado, o terceirizado não precisava arcar com o pagamento de nenhum tributo, sem os frutos de seu labor intocados pelo fisco, salvo o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRRF – Imposto de Renda Retido na Fonte) em casos de perceber quantias tributárias anuais superiores à R$ 28.559,70 (vinte e oito mil quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta centavos). Ao se concretizar como empresário o “pejotizado” passa agora a arcar com toda a carga tributária da sua microempresa, sendo ele considerado sujeito passivo de impostos municipais, estaduais e federais correspondente ao tipo de atividade que pratica. Destaca-se que a desvantagem tributária será abordada apenas como menção, pois não faz parte do objeto de estudo principal deste artigo.
No que tange as garantias trabalhistas, pode-se destacar o não recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço); a não participação do empregador no recolhimento da parcela destinada ao pagamento do INSS para fins previdenciários; a ausência do direito ao 13º (décimo terceiro) salário; a inexistência de férias remuneradas; a perca do descanso semanal remunerado; a supressão da garantia do salário mínimo como remuneração mínima a ser percebida; e, ao fim do vínculo da prestação de serviços a ausência do direito ao recebimento do auxilio desemprego. Garantias estas ao qual serão debatidas no decorrer desta sessão, além de esclarecer as lesões sofridas pelo microempresário que se sujeita ao instituto da pejotização.
Sendo assim, “o FGTS é um depósito bancário destinado a formar uma poupança para o trabalhador, que poderá ser sacado nas hipóteses previstas em lei, principalmente quando é dispensado sem justa causa” (MARTINS, 2019, p.202). De modo geral trata-se de uma espécie de garantia financeira ao trabalhador, com previsão legal no artigo sétimo, inciso terceiro da Constituição Federal. Porém esta garantia é inexistente nos contratos interempresas, já que o mesmo é devido ao trabalhador e não a empresa contratada como prestadora de serviços. Sendo este um grande maleficio ao possuidor da “empresa do eu sozinho”, pois além da perca da garantia do benefício, o mesmo ao ser dispensado da prestação dos seus serviços não possui nenhum tipo de recurso financeiro a ser sacado, salvo suas economias se existirem.
Já no que diz respeito ao recolhimento da previdência social, destaca-se a participação da empresa nas contribuições previdenciárias do empregado. Como preconiza a Lei 8.212 de 24 de julho de 1991 que no seu artigo 24 afirma que a empresa pagará “I - 20% (vinte por cento) sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, empresários, trabalhadores avulsos e autônomos que lhe prestem serviços”(BRASIL, 1991). Ressalta-se que a empresa paga esta alíquota a Previdência Social, como no caso do trabalhador pejotizado ele mesmo torna-se a empresa, toda esta alíquota é de encargo dele.
Entretanto caso ele fosse empregado da empresa e não prestador de serviços, esta alíquota seria dividida entre empregado e empregador, já que o empregador realiza o pagamento de 20% (vinte por cento) do salário do empregador a Previdência Social e pode recolher do empregado entre 7,5% (sete e meio por cento) a 14% (quatorze por cento) desta alíquota na remuneração do funcionário, alíquotas estas sendo uma das inovações trazidas pela reforma da Previdência Social ocasionada pela Emenda Constitucional nº 103 de 12 de novembro de 2019. Sendo uma ferida grave à remuneração do prestador de serviços.
No tocante ao benefício do 13º salário, é importante mencionar que esta benesse é garantida na Constituição Federal (artigo 7º, VIII), e nem de longe é aplicada aos contratos sob o regime de pejotização. Maurício Godinho Delgado conceitua este benefício da seguinte forma:
O 13º salário consiste na parcela contraprestativa paga pelo empregador ao empregado, em caráter de gratificação legal, no importe da remuneração devida em dezembro de cada ano ou no último mês contratual, caso rompido antecipadamente a dezembro o pacto. (DELGADO, 2017, p.863)
Como bem percebido na conceituação, este benefício é pago ao empregado, ou seja, pessoa física cujo contrato de trabalho é regido pela CLT. Ao fazer o contrato cível entre o prestador de serviços e o tomador de serviços, não o que se falar em direito ao recebimento do décimo terceiro salário. Restando assim, mais um direito assegurado ao trabalhador que é dispensado ao está sob a regência do contrato pejotizado.
Faz jus mencionar, que na empresa do “eu sozinho” os descansos são escassos, já que dificilmente o trabalhador possui pessoas que os auxiliem nos serviços prestados, como também não possui direito ao gozo de férias remuneradas. Com previsão legal na Carta Magna brasileira (Artigo 7º, XVII) “as férias são o período de contrato de trabalho em que o empregado não presta serviços, mas aufere remuneração do empregador, após ter adquirido o direito no decurso dos 12 primeiros meses de vigência de seu contrato de trabalho” (MARTINS, 2019, p.258). Possui como intenção maior o descanso do trabalhador, para uma restauração de sua mente e organismo. Porém tal direito é inexistente para com o prestador de serviços, que possui uma jornada de trabalho ininterrupta no decorrer dos anos, já que se não trabalhar o mesmo não auferirá renda para a sua subsistência.
Uma das garantias do direito do trabalho que são inaplicáveis aos trabalhadores “PJs” é o repouso semanal remunerado. Também previsto na Constituição Federal (artigo 7º, XV), onde pode-se explanar que “é assegurado a todo empregado um repouso semanal remunerado de, no mínimo, 24 horas consecutivas, o qual deverá coincidir, preferencialmente, com o domingo” (LEITE, 2019, p.582). Se estiver estabelecido no contrato interempresas que a prestação de serviços deve ser feita de maneira contínua durante a semana o famoso “domingo a domingo” assim deverá de ser cumprido, pois tal descanso foi desconsiderado durante a construção do contrato cível.
Ressalta-se ainda que como não se trata de um vínculo empregatício por muitas vezes as remunerações são inferiores ao salário mínimo vigente e em alguns casos há ausência de remuneração fixa, ao qual o prestador de serviços sujeita-se a receber percentuais fixados a título de comissão pelo tomador de serviços. A previsão de uma remuneração mínima vem estampada na Constituição Federal (artigo 7º, VII), que nada mais é que “o direito ao recebimento de uma retribuição num padrão mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família” (MARTINEZ, 2019, p.230). Estando por demasiadas vezes exposto a remunerações vis acordadas por empresários que desrespeitam as normas trabalhistas.
Mas não é apenas durante a regência do contrato entre prestador de serviços e tomador de serviços que é percebida a mácula pela ausência do formalismo empregatício e domínio das legislações trabalhistas. Ao encerrar o contrato cível de prestações de serviços, o trabalhador não possui direito ao seguro desemprego. Pois para obter êxito nesta garantia ele precisa de guias que comprove o vínculo empregatício, como também a comprovação de que foi rompido o seu contrato de trabalho (contrato este que deve ser regido dentro das diretrizes das normas trabalhistas), mas o prestador de serviços não possui tais documentos, pois seu vínculo era um mero contrato interempresas.
Como a doutrina define, o seguro desemprego é ”um benefício previdenciário que tem por finalidade promover a assistência financeira temporária do trabalhador desempregado em virtude de ter sido dispensado sem justa causa, inclusive a indireta” (Martins, 2005, p. 137). Sendo assim, se faz necessário o rompimento do contrato de trabalho com a devida baixa na CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social), benefício este ficando inexistente na pejotização, debilitando ainda mais as condições financeiras do prestador de serviços.
Deste modo, são evidentes os malefícios trazidos pela pejotização. Ressalta-se ainda, que a parte mais afetada continua sendo a classe trabalhadora, após anos de luta e construção de seus direitos houve um grande retrocesso em suas garantias, garantias estas constitucionais. É sabido que as vantagens ficaram com a classe dos grandes empresários que utiliza-se deste mecanismo com o simples intento de auferir lucros e enxugamento dos gastos, sem levar em consideração os direitos da massa trabalhadora.
4. CONCLUSÃO
Ao fazer uma análise de forma sistêmica do instituto da Pejotização é possível aferir que a aplicação deste mecanismo no sistema trabalhista brasileiro, fere diretamente o Direito do Trabalho, que é o ramo do direito que visa assegurar os direitos trabalhistas. Mas como foi demonstrado, tal forma burlesca vem sido combatida pelos tribunais trabalhista, pois é nítido que a classe empregadora vem usando este instituto de forma escancarada para burlar as garantias trabalhista da massa trabalhadora.
É possível dizer, que a ascensão na aplicação da pejotização está relacionada com a insatisfação dos empregadores diante dos mais variados encargos trabalhistas, que tira de seus bolsos o dinheiro tido para eles como lucro. Vale ressaltar que estes encargos visa à seguridade do empregado no meio trabalhista, tende a trazer segurança a parte mais hipossuficiente da relação (o empregado).
Como fora demonstrado, este fenômeno, não é nada atrativo aos trabalhadores, pois o mesmo despi a classe de seus direitos, que se vê distante de quaisquer garantias na relação empregatícia. Além de encontrar-se atrelado à burocracia da pessoa jurídica constituída por ele, tudo isso na maioria das vezes fruto da coação existente no mercado de trabalho, coação esta exercida pelos empregadores.
Apesar de não haver a proibição da aplicação deste fenômeno, as normas trabalhistas por si só é capaz de afastá-lo. O principio da primazia da realidade, já tem o poder suficiente para combater a incidência da pejotização nas relações empregatícias, pois este princípio vai de encontro com o Direito do Trabalho, e, esta junção declara a ilicitude da aplicação da pejotização no mercado de trabalho.
Ressalta-se que basta a comprovação dos requisitos estabelecidos nos artigos 2º e 3º da CLT, para a real comprovação da relação de emprego e o surgimento de todas as garantias de emprego. Pois ao se tratar da aplicação do Direito do Trabalho, torna-se irrelevante a denominação e a formalidade que as partes utilizaram para firmar o negócio jurídico, mais sim a verdade dos fatos.
Deste modo é notório a prejudicialidade da aplicação da pejotização nas relações empregatícias, devendo haver mais práticas que visam coibir a aplicação deste fenômeno. Pois não há benefícios para a massa trabalhadora, apenas o enriquecimento, a meu ver ilícito, dos empregadores, que ao retirar dos trabalhadores os seus direitos, retiram também a dignidade da classe dos empregados.
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[1] Mestre em Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB – advogada, vice presidente da ordem dos advogados do Brasil no Tocantins, e docente (email: [email protected])
[2] Pejotização is a neology, therefore, has no equivalent meaning in english. It is used to mean that someone is hiring free of labor rights, a synonym to "illegal hiring"
Acadêmico de Direito no Centro Universitário Católica do Tocantins – Palmas – TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VALADARES, Rafael da Silva. A pejotização como mecanismo de influencia a fraude e/ou violação as garantias trabalhistas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2020, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54579/a-pejotizao-como-mecanismo-de-influencia-a-fraude-e-ou-violao-as-garantias-trabalhistas. Acesso em: 23 dez 2024.
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