Artigo Científico apresentado no Curso de Direito da Universidade Brasil, Campus Fernandópolis, como complementação dos créditos necessários para obtenção de título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Soncini de Oliveira Guena e Prof. Mestre Èrica Cristina Molina dos Santos.
RESUMO: O presente trabalho tem como escopo abordar a adoção de crianças e adolescentes por casais homossexuais, bem como analisar os direitos fundamentais destes casais, verificando a possibilidade jurídica para realização deste ato de afeto, tendo em vista tratar-se de um tema envolto de preconceitos, principalmente, pelo fato de não estar previsto em nosso ordenamento jurídico. Assim, de início será exposto o conceito de família e sua evolução com o decorrer dos anos, bem como será discutido sobre a possibilidade do reconhecimento da união estável por casais homoafetivos. Em seguida, o presente artigo irá discorrer sobre os direitos humanos e fazer um breve estudo acerca do instituto adoção, buscando expor seu conceito, requisitos e sua natureza jurídica. Por fim, será explanado a possibilidade da adoção por casais homossexuais, chegando a conclusão de que é juridicamente possível a prática deste ato e que as relações afetivas devem ser protegidas, independentemente da orientação sexual.
Palavras-chaves: Adoção; Família; Homoafetivo.
ABSTRACT: This paper aims to address the adoption of children and adolescents by homosexual couples, as well as to analyze the fundamental rights of these couples, verifying the legal possibility to perform this act of affection, in view of the fact that it is a subject surrounded by prejudice, mainly because it is not provided for in our legal system. Thus, at first, the concept of family and its evolution over the years will be exposed, as well as the possibility of recognizing stable union by homosexual couples. Next, this article will discuss human rights and make a brief study about the adoption institute, seeking to expose its concept, requirements and its legal nature. Finally, it will be explained the possibility of adoption by homosexual couples, concluding that it is legally possible to practice this act and that affective relationships should be protected, regardless of sexual orientation.
Keywords: Adoption; Family; Homoaffective.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DO CONCEITO DE FAMÍLIA E DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. 2.1 Do reconhecimento da união estável pelo ordenamento jurídico. 3. DOS DIREITOS HUMANOS. 3.1 Do princípio da Isonomia. 4. A ADOÇÃO. 4.1 A adoção homoafetiva. 5. CONCLUSÃO. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.
O presente artigo tem a finalidade de analisar a possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais.
É um tema bastante polêmico e rodeado de preconceitos, do qual continua dividindo opiniões entre as pessoas, isso porque apesar da relação homoafetiva ser realidade em todo mundo, o nosso ordenamento jurídico é omisso quanto a este tema, dificultando que crianças e adolescentes que encontram-se em abrigos, tenham a oportunidade de adquirir um lar e uma família para si, bem como que pessoas de orientação homossexual possa exercer o papel de pai ou mãe.
O objetivo deste artigo é analisar a viabilidade da adoção por casais homoafetivos com base na legislação e na doutrina brasileira.
De início será discutido o conceito de família e como ela veio evoluindo com o decorrer dos anos, passando por cima de alguns preconceitos e julgamentos estereotipados, dos quais define e limita as pessoas quanto a aparência, naturalidade e comportamento, ou seja, de maneira genérica, sem possuir, de fato, o conhecimento de sua essência. Será demonstrado, ainda, a pequena evolução do nosso ordenamento jurídico ao realizar decisões judiciais que permitem reconhecer a união estável homoafetiva, mostrando que aos poucos estes casais vem conquistando seu espaço no Brasil e no mundo.
No segundo momento, será discutido sobre os direitos humanos, isso porque muitas das vezes os casais homoafetivos são vistos com reprovação, preconceito, realidade que ainda existe atualmente, entretanto não pode continuar perdurando. Isso porque tratam-se de pessoas normais, seja heterossexual ou homossexual, todos nós somos resguardados pelos mesmos direitos, dentre eles o da liberdade de escolha e o da vida privada, motivo pelo qual não alvos de julgamento apenas por terem feito uma escolha diversa da convencional, vista como correta pela maioria.
E por fim, o último tópico a ser estudado será a adoção em si, será abordado primeiramente o conceito de adoção de um modo geral, e, posteriormente, analisaremos a possibilidade deste ato pelos casais homoafetivos no mundo de hoje.
Sendo assim, o presente artigo tem por objetivo principal discutir a situação da adoção homoafetiva no Brasil, mostrando a realidade atualmente e possibilitando que os leitores façam uma reflexão quanto aos direitos que encontram-se desamparados de previsão legal, bem como as condições em que essas classes são expostas. No mais, ressalta-se o posicionamento a favor da adoção homoafetiva no presente artigo, valendo destacar que de acordo com o princício da isonomia, todos somos iguais perante a lei.
2. DO CONCEITO DE FAMÍLIA E DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA
Atualmente a família é considerada como aquela que decorre do casamento civil, derivada da união estável entre o homem e a mulher ou até mesmo por uma comunidade formada por um pai e um filho, denominando assim a família monoparental.
Entretanto, o conceito de família vem se modificando e evoluindo com o passar do tempo, divergindo cada vez mais do modelo convencional. Desta forma, novas estruturas familiares surgiram, abrangendo os direitos relacionados não só as famílias, mas também aos seus integrantes.
No início do século XIX, família era caracterizada como aquela compostas por mãe, pai e filhos, sendo que o pai era o provedor do sustento de sua residência, quem “colocava a comida na mesa”, enquanto que a mãe zelava dos afazeres domésticos, dos cuidados com os filhos e das necessidades em geral da família.
Ocorro que, hodiernamente a realidade que nos cerca é totalmente diversa, sendo possível a composição de uma família apenas pelo pai e seus filhos, ou somente pela mãe e seus filhos, podendo ser por casais heterossexuais, casais homossexuais ou entre outros variados tipos de uniões familiares.
Portanto, de início, entendia-se que família era composta pela união de um casal heterossexual, salientando-se que a união entre duas pessoas de sexos idênticos não resultaria em entidade familiar, mas apenas em uma união de afeto. Esta ideia decorria da antiga previsão constitucional, da qual admitia somente a união estável entre homem e mulher, motivo pelo qual, consequentemente, afastava os casais homoafetivos dos direitos inerentes a esta.
É fato que não se deve negar a existência dessas uniões, somente porque divergem do modelo convencional entendido como correto por grande maioria da sociedade. O direito deve se adaptar as evoluções sociais, os tempos mudam, os pensamentos dos indivíduos mudam, deve-se, portanto, obter harmonização com a realidade social, adequando-se com a forma em que vive a sociedade.
Desta feita, o artigo 1.723, do Código Civil prevê que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na conivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família”, bem como o artigo 226, § 3º, da Constituição Federal de 1998, também prevê que “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Com efeito, é certo que os preconceitos de ordem moral ou religiosa não podem acarretar a omissão do Estado em relação a estes casais, sendo inadmissível estabelecer como regra a opção sexual para reconhecimento de uma união estável, sendo assim, a doutrina, bem como a jurisprudência já vem cedendo legitimidade para os casais homoafetivos no processo de adoção.
2.1 Do reconhecimento da união estável homoafetiva pelo ordenamento jurídico
Em decorrência dos fatos acima supracitados, e em análise do princípio da dignidade da pessoa humana, a união estável homoafetiva tornou-se realidade no brasil no dia 05 de maio de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal, através de votação unânime, decidiu equiparar as uniões homoafetivas aos relacionamentos entre homens e mulheres, reconhecendo este tipo de união como um núcleo familiar, sendo o primeiro país a reconhecer a união estável homossexual por meio de decisão judicial, de acordo com a ONU. É fato que o não acolhimento deste tipo de união importaria em uma postura discriminatória, em relação à preferência sexual das pessoas, posto que o que se busca por esses casais é a proteção das relações oriundas do amor, do carinho e da união.
Sendo assim, em que pese a redação do artigo 1.723, do Código Civil estabelecer que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher”, é necessário que haja a interpretação da norma infraconstitucional para que seja possível alcançar os valores apontados pela constituição. Nesse mesmo sentido, conclui-se que, apesar do casamento e da união estável entre duas pessoas do mesmo sexo não estarem ainda previstas na lei, quando o dispositivo em comento do Código Civil estabelecer que é reconhecida como “ entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher”, de agora em diante tal união estável deve ser admitida também entre duas pessoas do mesmo sexo.
Veja-se entendimento jurisprudencial do Tribunal Regional Federal da 3º Região no que concerne a concessão de um benefício de pensão por morte, do qual analisou a união estável de um casal homoafetivo:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMPROVADA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL PRESENTE. PROVA TESTEMUNHAL BASTANTE. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. IPCA-E. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. - Para a obtenção da pensão por morte, portanto, são necessários os seguintes requisitos: condição de dependente e qualidade de segurado do falecido. Segundo o art. 26, I, da Lei n. 8.213/91, a concessão desse benefício independe do cumprimento do período de carência. - A qualidade de segurada da de cujus não é matéria controvertida nestes autos. - Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. O Tribunal reconheceu a “inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, aplicando-se a união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesmas consequências da união estável heteroafetiva (ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.2011). - No caso em foco, restou comprovada a relação de dependência da autora em relação à instituidora, tendo em vista os documentos que configuram início de prova material da vida comum, tudo confirmado pelo depoimento das duas testemunhas ouvidas (...)(Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017, Rel. Min. Luiz Fux). - Apelação parcialmente provida. (TRF 3ª REGIÃO, 9ª TURMA, APCIV - APELAÇÃO CÍVEL - 5005315-45.2018.4.03.9999, REL. JUIZ FEDERAL CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, JULGADO EM 04/12/2018, INTIMAÇÃO VIA SISTEMA DATA: 07/12/2018).
Além disso, posteriormente, em decisão ainda mais recente, no ano de 2015, o Supremo Tribunal Federal manteve decisão que autorizava o casal do mesmo sexo a adotar uma criança, independentemente de sua idade ou sexo. A atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmém Lúcia, votou pelo entendimento no sentido de que, se já houve decisões anteriores das quais possibilitaram o reconhecimento das uniões homoafetivas como um núcleo familiar, sendo-lhes aplicadas as mesmas regras que regem as relações estáveis entre homem e mulher, não seria justo limitar a adoção para este grupo e criar impedimentos que se quer existem.
Nesse seguimento, a ministra ainda relembrou do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, que foram julgadas juntas pelo Supremo Tribunal Federal, sendo dada uma interpretação mais ampla ao artigo 1.723 do Código Civil, no sentido de que fosse suprimida qualquer informação que impedisse o reconhecimento da união homossexual como uma entidade familiar, devendo ser reconhecidos em conformidade com os mesmo preceitos e igualdade de uma união estável heterossexual.
Porém, é certo que o preconceito em torno deste tema ainda é amplamente visto no cenário brasileiro, mas aos poucos os casais homossexuais vão garantindo seus direitos no Brasil, provando, assim, que os movimentos sociais são capazes de modificar determinadas visões estereotipadas, tidas muitas vezes como corretas.
O problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos (humanos), qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados (BOBBIO,1992).
Portanto, a constituição de uma família significa manter uma relação amorosa que vise uma comunhão plena de vida e interesse, de forma pública, contínua e duradoura.
3. DOS DIREITOS HUMANOS
É certo que é necessário dar mais atenção a este grupo social que sofre diariamente o preconceito de ter feito uma escolha diferente daquela tida como correta pela sociedade, uma escolha que lhe é permitida de acordo com seu direito a liberdade e a vida privada, porém, sofrem por não terem seus direitos básicos assegurados muitas das vezes.
As dificuldades desses indivíduos prevalecem desde tenra idade, a partir do momento em que descobrem que sua opção sexual é diferente da maioria, visto que já adquirem a responsabilidade de terem que assumir sua orientação sexual para família e para a sociedade, assumindo o risco e enfrentando o medo de serem alvos de preconceito e discriminação advindas de pessoas homofóbicas.
O fato é que a homossexualidade não pode ser ignorada, é certo que quanto mais o tempo passa, mais casais homossexuais surgem para lutar pelos seus direitos. No mais, esta não está presente somente nos homens, já ficou comprovado que ocorre também entre as inúmeras espécies de animais, sendo uma realidade que vem acontecendo desde os tempos remotos, o que ocorre é que, atualmente, com a evolução da sociedade, os indivíduos sentem-se mais seguros em revelarem o que realmente sentem, e o que são, por não se sentirem mais tão sozinhos e rejeitados como nos tempos mais antigos.
O autor Enéas Castilho Chiarini Júnior (2004), se pronuncia sobre a existência da homossexualidade:
O certo é de que “desde que o mundo é mundo”, a homossexualidade existe, e não será proibindo-se que se acabará com ela. Quem defende que a homossexualidade é algo errado, contra a natureza, deve ter em mente que durante séculos e séculos esta atitude foi, e ainda é, combatida pela igreja, mas ela continua resistindo e existindo. Não será varrendo a homossexualidade para debaixo do tapete que se acabará com esta prática. Mesmo porque, se até os animais têm relações homossexuais, como pode alguém dizer que esta prática contra a natureza? Ou será que foram os homens quem ensinaram os animais à ter relações homossexuais? Claro que não, isto faz parte do instinto animal, e o ser humano, sendo igualmente animal, deve, igualmente, possuir instintos semelhantes aos da maioria dos animais.(CHIARINI JÚNIOR, 28 FEV. 2004).
Portanto, o direito não pode se abster de resolver as relações inerentes a essas questões que se encontram ocultas na regulamentação.
Os Direitos Humanos estão ligados com as diversas situações que acontecem com os seres humanos, não sendo diferente com os homossexuais, isso porque os mesmos direitos são reservados a eles, não trata-se de uma espécie diferente do ser humano, somos todos iguais, independentemente de nossa escolha sexual, sendo que, o ser humano é livre para escolher a melhor forma de viver sua vida, não devendo ser descriminalizado por suas escolhas.
Sendo assim , é fato que nosso ordenamento jurídico e suas decisões mais recentes vem aos poucos realizando avanços neste meio.
3.1 Do princípio da isonomia
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 5°, caput, como direito fundamental o princípio da isonomia, do qual tem por finalidade vedar o tratamento desigual entre as pessoas.
Isonomia significa igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, com o objetivo de evitar discriminações e preconceitos. Sendo assim, a partir desta análise dedutiva de que todos somos iguais perante a constituição, os grupos menores, tais como os casais homoafetivos, também são.
Entretanto, apesar deste princípio estar resguardado pela Constituição Federal de 1988, é notório que a possibilidade de constituição de uma estrutura familiar homoafetiva e principalmente a viabilidade da adoção de crianças e adolescentes por esses casais, estão à mercê do despreparo legislativo e social.
Apesar do conceito de família vir evoluindo no decorrer dos anos, este ainda não atende completamente a vontade dos casais homoafetivos, isso porque ainda encontram-se escassos seus direitos fundamentais e os princípios constitucionais de isonomia, liberdade e dignidade, no que concerne a sua união e a adoção de crianças e adolescentes por estes.
Portanto, nota-se que toda essa evolução legislativa ainda é insuficiente para garantir e suprir os direitos dos novos modelos de famílias formados, dentre elas, inclusive, a homoafetiva, pois o texto constitucional ainda deixa a desejar no que diz respeito a adoção por esses casais, nos permitindo concluir que o princípio fundamental de igualdade e da isonomia, onde todos são iguais perante a lei, não está sendo ainda, totalmente cumprido pela própria constituição que resguarda este preâmbulo.
Estes casais apenas procuram a chance de realizar um sonho que a pouco tempo ainda lhes eram negados, o sonho de poder acolher e oferecer todo carinho, afeto e um lar aconchegante a uma criança que precise e encontra-se desamparada nos abrigos pelo Brasil, das quais também sonham e idealizam o momento em que poderão ser inseridas em uma família, independente de quais indivíduos a constitua.
O princípio da isonomia tutela que a lei não pode privilegiar ou persuadir, ela deve ser um mecanismo que confere tratamento equitativo as pessoas, ou seja, caso ocorra algum tratamento diferenciado, deverá existir uma justificativa plausível para este ato, caso não ocorra, o tratamento igual deverá tornar-se obrigatório.
A isonomia foi instruída para que pudesse reduzir, ou até mesmo eliminar as desigualdades sociais existentes. Desta feita, caso ocorra omissão ou lacuna na legislação, levando ao tratamento desigual entre alguma classe social ou pessoa, configurar-se-á afronta ao princípio da isonomia, pois ao passo que um grupo faz jus a proteção e direitos legais, não pode outro grupo ser excluído deste sem que haja alguma razão, devendo ser estendido o mesmo direito aos grupos discriminados, para que assim, se efetive o princípio da isonomia.
Além disso, em que pese ocorrer muitos casos de deferimento de adoção por casais homossexuais, na prática, a adoção unilateral é a opção mais utilizada entre eles. Isso porque apesar de ter ocorrido uma considerável evolução nas decisões jurídicas, estes casais ainda podem encontrar muitos casos de discriminações, sejam elas da própria sociedade, dos assistentes sociais, do magistrado ou até mesmo da própria lei.
Ainda no ano de 2013, o Conselho Nacional de Justiça aprovou uma resolução que ordena os cartórios de todo país a celebrar o casamento civil e converter a união estável homoafetiva em casamento.
Observando isso, o artigo 42, parágrafo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que é indispensável o casamento civil ou a união estável entre duas pessoas que pretendem adotar em conjunto, nos permitindo concluir que não existem mais empecilhos para a concretização de uma possível adoção homoafetiva, porém, como no caso supracitado nos parágrafos anteriores, a realidade é um pouco diferente.
Nesse seguimento, ao analisarmos este princípio, podemos concluir que não existe motivação suficiente para que seja negado o direito de adoção aos casais homoafetivos, pelo simples fato dessa relação ser constituída por duas pessoas do mesmo sexo, haja vista que se encontram na mesma situação de casais heterossexuais. Portanto, os preconceitos de ordem moral ou religiosa não podem prevalecer, bem como não são uma motivação plausível e aceitável para restringir os direitos daqueles que possuem a orientação sexual divergente da maioria.
4. A ADOÇÃO
Antes de adentrar de fato a questão relativa à adoção por famílias homoafetivas, necessário discorrer brevemente sobre seu conceito e sua natureza jurídica para que se entenda melhor como este procedimento funciona.
A adoção, no Direito Civil, é um ato jurídico no qual uma pessoa ou um casal, que não são os pais biológicos da criança ou do adolescente, assumem permanentemente um indivíduo como filho, adquirindo todas as responsabilidades e direitos em relação ao adotado.
Para Maria Helena Diniz (1996) “adoção é o ato jurídico solene pelo qual, preenchidos os requisitos, alguém estabelece um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que geralmente, lhe é estranha”.
Atualmente, este tema encontra-se expresso na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e no Código Civil Brasileiro, onde busca o cumprimento constitucional de proteção integral de crianças e adolescentes, garantindo seus direitos, deveres e obrigações, focando na convivência familiar e comunitária.
Este Estatuto veio sofrendo diversas alterações com decorrer dos anos, como por exemplo, através da Lei 12.010/2009, da qual modificou vários institutos ligados à adoção e seus desdobramentos, vindo a dificultar significativamente a possibilidade de realização deste instituto.
Posteriormente, veio a alteração dada pela Lei nº 13.509/17, da qual alterou o ECA ao estabelecer novos prazos e procedimentos para o trâmite dos processos de adoção, bem como retratou acerca do poder familiar, apadrinhamento, guarda e adoção (nacional e internacional).
E por fim, bem como mais recente, cita-se a alteração dada pela Lei 13.715/2018, da qual disponibiliza sobre a possibilidade de perda do poder familiar pelo autor de determinados crimes.
Atualmente, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) regulamenta sobre a adoção em seus artigos 39 a 52 da Lei 8.069/90, expressando quais são os requisitos necessários para que seja possível a concretização deste procedimento, bem como busca priorizar as necessidades e os interesses da criança ou adolescente. Segundo a legislação supramencionada, homens e mulheres, de qualquer estado civil, maiores de 18 anos de idade, que sejam 16 anos mais velhos do que o adotado e possuem condições de oferecer um ambiente familiar adequado podem adotar
O ECA estabelece estes requisitos que foram apresentados, e que, em nenhum de seus artigos declara qualquer restrição em relação a cor, sexo, situação financeira ou a orientação sexual do suposto pai ou mão adotiva.
Sendo assim, pode-se dizer que, de início, a adoção trata-se de um acordo contratual que surge através da manifestação de vontade dos interessados, e que, posteriormente, vem a nascer a constituição do vínculo afetivo entre os envolvidos. Entretanto, é possível afirmar que a adoção é um ato de amor ao próximo, a criação de um vínculo afetivo que irá permanecer por toda a vida com o adotante e o adotado. Mesmo diante da inexistência de vínculo genético, a criança ou adolescente será inserida definitivamente em uma família diversa, da qual se encontrará disposta a oferecer todo amor, carinho, cuidado e afeto a este futuro filho que será acolhido como se biológico fosse.
Para Maria Berenice Dias (2005) “o direito a convivência familiar não está ligado à origem biológica da filiação. Não é um dado, é uma relação construída no afeto, não derivando dos laços de sangue”.
Nesse viés, nos leva a entender que atualmente o conceito de família vem sendo reconhecido como aquela através da qual o afeto é inserido, não sendo necessário o caráter biológico para formação de uma entidade familiar, no mais, vale ressaltar que o art. 227, § 6º, da Constituição Federal de 1988 estabelece que “os filhos havido ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Desta feita, conclui-se que os filhos, independentemente de serem adotados ou não, passaram a serem equiparados para qualquer efeito.
4.1 A adoção homoafetiva
O artigo 227, da Constituição Federal e o artigo 19 do ECA, trazem que deverá ser assegurado á criança e ao adolescente o convívio familiar, independentemente de quem exercerá o poder familiar.
Não há nenhuma especificação no ordenamento jurídico que impossibilite a doção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos. Certo é que, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto no Código Civil de 2002, não está exposto nenhuma condição quanto a opção sexual para que se proceda a adoção, encontrando-se em harmonia com a Constituição Federal que proíbe qualquer forma de discriminação, dentre elas, inclusive, a opção sexual.
Entretanto, a omissão na própria Lei quanto a esta possibilidade de adoção afeta o direito de inúmeras crianças e adolescentes que aguardam ansiosamente por um lar, bem como o direito de muitos casais homossexuais que sonham em construir uma família.
Desta feita, de início, não há que se falar em impedimentos na possibilidade de adoção por casais homossexuais, isso porque é um procedimento moldado de afeto, amor, carinho, do qual independe do sexo das pessoas envolvidas. Ademais, reconhecida a possibilidade da união estável homoafetiva como estrutura familiar, cabível também enfrentar o seu direito à adoção.
A adoção é vista como uma saída para muitas pessoas que não possuem chances de gerarem um filho biológico, seja por opção sexual, infertilidade, esterilidade ou até mesmo por medo, fato este que acaba gerando frustação, descontentamento e tristeza em quem possui esse sonho, isso porque é certo que a maioria das pessoas carregam com si, desde a infância, a vontade de ser pai ou mãe. É possível notar essa situação ao analisar as brincadeiras infantis, tais como, boneca, casinha, papai e mamãe, entre outras, muitas delas giram em torno desse “sonho”, de um dia poder construir sua própria família e ter os seus próprios filhos. Além disso, ainda vale dizer que muitos casais sofrem pressão psicológica, tanto da família, quanto da sociedade para terem filhos, e assim passarem a construir uma estrutura familiar.
O que ocorre de fato é que, em que pese a ideia retrograda de resistência ao homossexualismo vir se decaindo cada vez mais com o decorrer dos anos, a resistência em aceitar a possibilidade de casais homossexuais habilitarem-se para a adoção ainda é grande, isso porque as relações sociais são fortemente marcadas pela heterossexualidade.
As pessoas ainda possuem dúvida quanto ao desenvolvimento da criança que está inserida nesse tipo de estrutura familiar, questionam-se sobre a ausência de referência feminina ou masculina dentro do âmbito familiar, se esta pode vir a ocasionar consequências psicológicas ao adotado, ou até mesmo se pode ser influenciado a ter a mesma orientação sexual dos pais. Além destas, indagam-se quanto as possibilidades de preconceito na escola e na sociedade, podendo virem a ter dificuldades para serem inseridos no meio social.
Entretanto, é possível afirmar que estes pensamentos tratam-se de ideias retrógradas da sociedade, posto que já existem evidências e pesquisas que dizem totalmente o contrário, não havendo qualquer indício de danos causados exclusivamente pelo fato da criança possuir dois pais ou duas mães.
A homoafetividade vem adquirindo transparência e aos poucos obtendo aceitação social. Cada vez mais gays e lésbicas estão assumindo sua orientação sexual e buscando a realização do sonho de estruturar uma família com a presença de filhos. Vã é a tentativa de negar ao par o direito à convivência familiar ou deixar de reconhecer a possibilidade de crianças viverem em lares homossexuais (MARIA BERENICE DIAS, 2005).
A ideia de paternidade está muito mais fundada no amor do que no determinismo biológico, a adoção permite que a criança estabeleça com os pais adotivos laços de amor, confiança, segurança, atitudes que são indispensáveis para o seu desenvolvimento, e que muitas vezes jamais encontrariam no ambiente familiar biológico.
É certo que as crianças abandonadas ou retiradas do seio familiar não irão encontrar o que precisam nas ruas ou nas instituições de acolhimento, motivo pelo qual é relevante o vínculo afetivo entre o adotante e o adotado, e não a orientação sexual do casal adotante. Não é justo reduzir as chances de uma criança ou adolescente que sonha em ter uma família por conta de um ordenamento jurídico omisso, ou devido aos julgamentos estereotipados que atualmente ainda existem. Tornar escassa as chances de uma criança ter consigo um pai ou uma mãe que lhe de carinho, amor, afeto, é crueldade, das quais vão gerar sequelas que carregaram pra sempre consigo, pelo fato de não se recordarem de uma infância da maneira que deveria ser, afetando o seu desenvolvimento social e psicológico.
A dificuldade em deferir adoções exclusivamente pela orientação sexual ou identidade de gênero dos pretendentes acaba impedindo que expressivo número de crianças sejam subtraídas da marginalidade. Imperioso arrostar nossa realidade social, com um enorme contingente de menores abandonados ou em situação irregular, quando poderiam ter uma vida cercada de carinho e atenção (MARIA BERENICE DIAS, 2005).
Todavia, ao analisar o Estatuto da Criança e do Adolescente, conclui-se que este não traz definido, qual seria a formação da família substituta mencionada no artigo 2.833, tampouco faz qualquer menção à família natural, sendo assim, não há qualquer vedação para um casal homossexual que mantenha uma união duradoura, pública e com a intenção de constituir uma família, o direito de ser reconhecido como uma família substituta apta a cuidar e oferecer todo o carinho e amor necessário a uma criança.
Verifica-se, ainda, que na Lei dos Registros Públicos também não apresenta óbice ao registro que indique duas pessoas do mesmo sexo como genitores, bastando apenas que conste o nome dos pais, não sendo necessário a distinção entre pai e mãe. No mesmo sentido, atualmente, nas certidões de nascimento das crianças, não consta mais o campo “pai e mãe”, mas apenas o quesito “filiação”, ou seja, não apresenta mais referência ao sexo feminino ou masculino.
Como observado, a união entre pessoas do mesmo sexo já pode ser considerada como união estável, ou seja, caracteriza-se como uma entidade familiar, o que por si só não apresenta nada que impeça estes casais de adotarem, nem mesmo o princípio do melhor interesse da criança, visto que não existe nenhum prejuízo a elas, pelo contrário, é ali que elas irão encontrar proteção de seus direitos, bem como irão se desenvolver psicologicamente e socialmente perante a sociedade.
É fato que anteriormente já se admitia a adoção unilateral por pessoa homossexual, porém, os tribunais ainda eram omissos em conceder adoção a um casal homoafetivo, sendo assim, com o passar dos anos essas ideais foram evoluindo, sendo certo que existiram vários julgados essenciais para uma nova orientação jurisprudencial, que vise priorizar o melhor interesse da criança em ter um lar afetivo para se desenvolver plenamente.
Desta feita, é certo dizer que não importa o sexo de quem cria a criança, isso porque a função materna não está diretamente relacionada a uma mulher, nem a paterna a um homem. Motivo pelo qual pode-se concluir que o que importa na educação e criação da criança é que haja uma pessoa que exerça a função materna e uma pessoa que exerça a função paterna, independentemente do sexo ou orientação sexual das mesmas.
São preconceituosas as opiniões existentes, a sociedade grita por compaixão, é preciso rever princípios, valores, estar aberto para novas possibilidades. Felizmente, o nosso ordenamento jurídico, mesmo que de forma mais tímida e omissa já está observando os laços afetivos e duradouros que existem nos relacionamentos entre as pessoas do mesmo sexo que constituem uma estrutura familiar, visualizando que concedem o mesmo tratamento de uma família convencional, bem como podem oferecer tudo que uma criança não irá encontrar desamparada nas ruas ou em alguma instituição de acolhimento, preservando sua integridade física, mental e moral.
O presente artigo possui como intuito abordar a possibilidade de adoção por casais homossexuais. O presente tema ainda divide muitas opiniões, trazendo consigo muitas das vezes o preconceito social.
Diante dos fatos supracitados, é possível afirmar que, nos últimos anos a adoção no Brasil teve um grande avanço, entretanto, quando o assunto refere-se a adoção por casais do mesmo sexo, conclui-se que ainda existe uma grande resistência por parte da sociedade, bem como apresenta uma significante omissão por parte do ordenamento jurídico.
No mais, com as discussões presentes neste artigo, cabível concluir também que não há nas leis que regulamentam a adoção no Brasil, artigos que proíbem a adoção de crianças ou adolescentes por casais homoafetivos, no mais, ressalta-se que estes casais encontram-se resguardados pelo princípio da isonomia, do qual protagoniza a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Sendo assim, de acordo com a lei, o sexo da pessoa, sua orientação sexual ou seu estado civil, não são empecilhos para adoção.
Por fim, com base no exposto neste trabalho, ficou claro que independente do casal adotante sem heterossexual ou homoafetivo, o adotado deve possuir suas necessidades atendidas e respeitadas, resguardadas por um lar e por pessoas que possam lhe oferecer os mecanismos necessários para sua formação enquanto indivíduo, devendo ser observado os direitos constitucionais que asseguram à criança o direito à convivência no ambiente familiar, efetivando a proteção e o melhor interesse do menor.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BOBBIO, 1992. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10938/o-futuro-dos-direitos-fundamentais, acesso em 22 out 2019.
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Bacharelanda do Curso de Direito da Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Patricia Oliveira. A adoção homoafetiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 maio 2020, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54587/a-adoo-homoafetiva. Acesso em: 23 dez 2024.
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