Resumo: Este ensaio procura analisar a solução doutrinária e legislativa brasileira acerca de situação de error in persona onde o legislador brasileiro propõe que o autor do fato seja responsabilizado pelo bem jurídico que ele pretendia violar com sua conduta e não aquele efetivamente violado como se esperaria. Esta mesma constatação não ocorre em países como Argentina que, influenciados por ensinamentos de autores clássicos alemães, buscam promover um tratamento menos ficcional ou pouco envolvidos com critérios de comportamento psicológico do sujeito ativo (vontade) e mais consequencial do resultado efetivamente produzido.
Palavras chaves: Delito; Erro; Erro de tipo; Direito alemão; Ficção jurídica.
Resume: This paper seeks to analyze the Brazilian doctrine and legislative solution about the error in persona where the Brazilian law proposes that the author of the crime be responsible for those who he attempted the offense. However, this same analysis does not occur in Argentina that with different framework, intent to promote a less fictional treatment or are a little less involved with the psychological criteria of the perpetrator, but otherwise, more worried about the consequences that the act effectively produced.
Keywords: Offense; Error; Mistaken Identity; German Law; Juridic fiction.
Sumário: Introdução; 2. Conceito de erro de tipo; 3. Erro sobre a pessoa (error in persona) como erro de tipo acidental; 4. Solução Argentina em situações de erro sobre a pessoa; 5. Solução brasileira; 6. Bibliografia.
Introdução
O direito estrangeiro tem exercido enorme influência na América Latina, desde antes mesmo de países como o nosso conquistarem sua independência ante as Colônias. Depois da influência colonial, inegável a participação no pensamento jurídico da América Latina de grandes autores alemães e italianos. Entretanto, a doutrina latino-americana, principalmente no início do século passado, alcançou altíssimo grau de perfeição técnica, gerando juristas magistrais próprios, como os argentinos Sebastian Soler e Jimenez de Asúa ou de brasileiros do quilate de Nelson Hungria, Aníbal Bruno e Magalhães Noronha, dentre outros, o que fez com que Argentina, Brasil, Chile, e México, por exemplo, desenvolvessem particularidades que, de algum modo, acentuassem suas próprias identidades[1], sendo para nós, a solução da problemática da vítima virtual no Direito brasileiro, boa ou ruim, uma dessas.
Como introdução ao desenvolvimento do tema proposto, imperioso trazer ao leitor, ainda que de modo breve, conceitos produzidos pela Teoria do Delito. É esta teoria que irá responder o que é delito e o que não é delito. Isto significa dizer que, para ser delito o fato deve, primeiramente, originar-se de um substantivo (conduta humana)[2] que agregada a três adjetivos: típica, antijurídica e culpável, converte a ação humana em delito[3].
O desenvolvimento e exposição da teoria do delito e temas da Parte Geral do Código Penal, no qual se incluem estudos sobre o erro, via de regra, autores alemães como Binding, Wessels e outros que tiveram grande contribuição para o desenvolvimento de teorias modernas como Hans Welzel, pode-se trazer a seguinte observação: “una acción se convierte en delito si infringe el ordenamiento de la comunidad en algún modo normado por los tipos penales y puede serle reprochada al autor a título de culpabilidad”.[4]
E segue o mestre alemão:
El tipo es una figura conceptual que describe mediante conceptos formas posibles de conducta humana. La norma prohíbe la realización de estas formas de conducta. Si se realiza la conducta descrita conceptualmente en el tipo de una norma prohibitiva (...) esta conducta real entra en contradicción con la exigencia de la norma. [5]
De forma semelhante, Zaffaroni ao tratar de conduta delituosa, conceitua da seguinte forma:
Una conducta pasa a ser considerada como delito cuando una ley la criminaliza (la llamada criminalización primaria). Para eso las leyes se valen de fórmulas legales que señalan pragmas conflictivos (conductas, circunstancias y resultados) que amenazan con pena y que se llaman tipos, escritos en la parte especial del código penal y en leyes penales especiales (no codificadas). [6]
O tipo (do alemão Tatbestand) é uma fórmula abstrata, que atua como um “modelo” de construção lógica[7] para uma conduta concreta que surta efeitos no mundo (pragma) e com a prática de seu resultado, converte-se em tipicidade.
Conforme explica Welzel, poder-se-ia dizer em suma que, para se ter antijuridicidade, isto é, violar a norma penal (tipo penal objetivo) é necessária a realização de uma conduta descrita no tipo penal (conduta típica, ex. matar), “es la contradicción de la realización del tipo de una norma prohibitiva con el ordenamiento jurídico en su conjunto”.[8]
Agora bem, ordinariamente, o tipo compõe-se de uma face objetiva e de outra subjetiva[9], correspondente à vontade do autor, podendo-se dizer que tipo subjetivo consiste em analisar a intenção que teve o sujeito ativo nos casos de delitos dolosos.[10]
2.Conceito de erro de tipo
Por este momento, vamos apenas nos ater a determinação dada pelo Código Penal brasileiro acerca do erro sobre o tipo penal incriminador, que exclui o dolo.
Segundo o art. 20 do Código Penal Brasileiro, erro de tipo é, in verbis: “O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.”
O Código Penal Argentino no art. 34, §1º, outrossim, traz a seguinte redação, veja:
1º. El que no haya podido en el momento del hecho, ya sea por insuficiencia de sus facultades, por alteraciones morbosas de las mismas o por su estado de inconciencia, error o ignorancia de hecho no imputables, comprender la criminalidad del acto o dirigir sus acciones.
A doutrina argentina também se sente no dever de fornecer uma melhor interpretação ao conceito trazido pelo Código Penal argentino[11]. Segundo Righi[12], se admite atualmente que a expressão hecho (isto é, feito), não só fazem referência às circunstâncias fáticas do delito, mas a todos os elementos que caracterizam o fato, incluídos os pressupostos normativos. É dizer, a expressão fato deve ser entendida como o fato punível em sua totalidade.
Entende-se por erro de tipo a falsa representação da realidade que se encontra descrita no tipo penal, e para que haja dolo, há de haver uma representação real pelo agente de sua conduta.[13]. Em outras palavras, o sujeito ativo supõe realidade diversa da que efetivamente existe, sendo o erro equiparado à ignorância, à ausência de representação.[14]
De modo diverso, Günter Jakobs, ao referir-se ao problema da análise entre erro e indiferença sustenta que, no âmbito do erro, isto é onde o autor ignora as consequências externas de seu comportamento, a bibliografia e a lei se comportam como escravos de critérios psicologizastes e critica:
la normatividad se rinde ante lo perceptible por los sentidos: sin conocimiento de la modalidad de direccíon del comportamento (aparte de ciertas excepciones) más grave y com mayor penalidade, com indepemdencia de la razon del desconocimiento.[15]
Seja como for, analisando o Código Penal alemão (antigo § 59 e atual §16 do StGB)[16], Welzel ao conceituar erro de tipo ensina que: “Se excluye el dolo si el autor desconoce o se encuentra en un error acerca de una circunstancia objetiva del hecho que deba ser abarcada por el dolo y pertenezca al tipo legal.” [17]
É preciso dizer ser ponto pacífico na doutrina (inclusive a comparada) de que existem duas formas principais de erro de tipo. Erro de tipo essencial e erro de tipo não-essencial (também chamado de erro de tipo acidental).
O erro de tipo essencial ou acidental, recai sobre dados principais do tipo. O autor não possui consciência ou vontade, devendo, sendo impedido de compreender o caráter criminoso do fato.
Se for erro inevitável (invencível) exclui também a culpa ou se evitável (vencível), faz com que o agente responda por crime culposo, se previsto em lei.[18]
Uma explicação bastante simples é dada por Welsel que diz: “Se exclui o dolo se o autor desconhece o se encontra em erro acerca de uma circunstância objetiva do fato que deve ser abarcada pelo dolo e pertença ao tipo legal (§59)”[19].
E segue a didática com um ótimo exemplo:
Por exemplo, um caçador dispara sobre um objeto escuro que pensar ser um javali, quando é, na realidade, uma coletora de amoras. Se o erro foi devido a culpa, subsistirá a punibilidade por tipo culposo, sempre que exista o respectivo tipo culposo, §59, inc.2.[20]
Neste clássico exemplo supra mencionado, o agente (caçador) labora um erro sobre algum elemento do tipo, como uma situação de fato (elemento fático) pensar ser um animal, mas é uma pessoa, é dizer, o caçador não possui consciência de que dispara contra uma mulher (alguém), e como a consciência (vontade) é formadora do dolo, não há dolo. Nestes casos de erro sobre elemento do tipo, sempre se excluirá o dolo.[21]
O jurista argentino Sebastián Soler, explica como esse tema é tratado em seu país:
Nuestra ley no dice cuáles son las circunstancias de la figura sobre las cuales puede recaer el error con eficacia excusante. Sin embargo, del proprio enunciado de nuestra ley puede deducirse que no es indiferente para nosotros la distinción alemana, que debemos a referir circunstancias esenciales y no esenciales, pues el poder excusante del error reside en la fuerza que él tenga para destruir subjetivamente la criminalidad del acto.[22]
3.Erro sobre a pessoa (error in persona) como erro de tipo acidental
Segundo Fontán Balestra, se pode definir erro sobre a pessoa como
aquí el error versa sobre el objeto mismo. En la hipótesis que nos ocupa, por ejemplo, el autor hace fuego sobre una persona distinta, suponiendo que es aquélla a la que se quiere herir. El actor dispara sobre Pedro confundiéndolo con Juan.[23]
A figura do erro sobre a pessoa é conceituada no mesmo diapasão pela doutrina brasileira como sendo um erro acidenta, que versa sobre pessoa ou objeto, sendo o erro irrelevante, respondendo o agente pelo crime.[24]
A disposição legal do tema se encontra no artigo 20, §3º do CPB, da seguinte maneira:
§ 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.
O error in persona não é um caso de aberratio, e sim de confusão por parte do autor com outra pessoa, é o que assinalava Welzel[25]. Com isso ele queria dizer que, diferentemente dos casos de aberratio, em se tratando desta espécie de erro, a execução do crime considera-se perfeita, pois há o resultado morte alcançado. Em suma: o agente de fato pretendia matar e matou. Essa é, para nós, a diferença entre o erro sobre a execução e o erro sobre a pessoa. No primeiro, o sujeito ativo sabe exatamente quem ele quer atingir (tem perfeita compreensão de quem é seu alvo), mas erra o disparo. No segundo caso, objeto de nosso estudo, o agente tem a mira precisa, mas se equivoca quanto ao seu alvo.[26]
Sem embargo, portanto, o erro na representação mental do agente, que se confunde com a identidade da vítima que quer atingir, atingindo, desse modo, pessoa diversa da pretendida.
O chamado erro sobre a pessoa ou também chamado de error in persona é um erro de tipo acidental (também chamado de erro secundário), isto é, diferentemente do que ocorre com o erro essencial, o erro acidental incide sobre dados irrelevantes da figura típica. Como disciplina Damásio, erro de tipo acidental é o que não versa sobre elementos ou circunstâncias do crime, incidindo sobre dados acidentais do delito ou sobre a conduta de sua execução.[27]
Nesse jaez, o erro acidental, é considerado pela doutrina um erro não-essencial[28], sob o argumento de que o erro recai sobre questões secundárias e irrelevantes do tipo, e por essa razão, ele não exclui o dolo.
É dizer, o autor conhecia o caráter ilícito do fato, e por esse motivo, não se figura presente uma falsa interpretação da realidade, o autor sabe exatamente que está cometendo um crime. Por exemplo, o autor que quer matar alguém e põe em marcha seu plano, tem consciência, que está matando uma pessoa (tipo subjetivo), o que coincide com a descrição do tipo objetivo de homicídio (matar alguém, art. 121 do Código Penal brasileiro e art. 79 do Código Penal argentino).[29]
Nestes casos, o autor elabora um plano mental, coloca ele em marcha e finalmente, com sua conduta, obtém um resultado, só que por erro de identificação, o resultado alcança pessoa diversa da pretendida (para os casos de erro sobre a pessoa). Essa identificação errônea não tem o condão de excluir o dolo, visto que o plano do autor foi levado a cabo e somente não ocorreu como o esperado por puro erro[30].
Nas palavras de Magalhães Noronha, “com ou sem ele (erro), o crime existiria do mesmo modo”. [31],
Por essa razão, parte da doutrina entende adequado chamá-lo de erro acidental, visto que este erro não recai sobre circunstâncias elementares do tipo penal.
Agora bem, com intenção de aclarar o objeto deste estudo, em termos exemplificativos, iremos utilizar até o final deste trabalho um exemplo bastante simples que traz um erro sobre a pessoa com resultado único ou simples, a ver:
O autor dispara contra Carlos e o mata, acreditando que, na verdade era seu pai, Luiz, que era quem o autor realmente queria matar, em outras palavras, o sujeito ativo possuía a intenção *(tipo subjetivo) de praticar homicídio agravado contra ascendente (art. 121, c.c. 61, “e” do CPB ou art. 80, §1º do CPA).
4.Solução Argentina em situações de erro sobre a pessoa
A solução apontada pela doutrina Argentina se dá nos mesmos moldes do apresentado no Direito alemão (Código Penal), isto é, quando há uma falsa suposição sobre a incidência de agravantes, deve-se aplicar o tipo simples.
Conforme anota Zaffaroni “o erro sobre agravantes ou atenuantes não elimina a tipicidade, senão que sempre se deve julgar o tipo básico por ser a definição genérica da ação, pela qual, formalmente incorreria, tanto objetiva quanto subjetivamente”. [32]
Desse modo, solução é a mesma nos casos em que o resultado típico é equivalente, porque, como já mencionamos anteriormente, como a identidade da vítima não pertence ao tipo objetivo, existe total coincidência entre o sucedido e o esperado pelo autor.[33]
Veja-se que, no caso do exemplo proposto, deve-se imputar diretamente o delito cometido (homicídio doloso em respeito a Carlos), porque mesmo que o resultado não foi idêntico ao pretendido pelo autor (matou Carlos ao revés de Luiz, seu pai), ele é juridicamente equivalente e por esse motivo, seria, para fins penais, um erro irrelevante[34], pois incide sobre um erro acidental. E por ter matado a pessoa Carlos ao invés de seu pai, Luiz, a vítima desejada (objeto errôneo) há, portanto, uma falsa suposição de incidência de agravantes (parricídio). Sobre parricídio explica Soler:
Para que exista el parricidio es, pues, necesaria la coincidencia objetiva e subjetiva de la agravación, quien dispara contra el pariente y mata a un tercero, no comete parricidio, salvo que el tercero sea a su vez pariente (querer matar al padre y, por error in persona, matar a la madre), pues lo que importa a la ley es la categoría de personas. Inversamente, quien dispara contra una persona y mata en realidad al padre tampoco comete parricidio.[35]
5.Solução brasileira
O problema se apresenta quando nos debruçamos a estudar a construção brasileira sobre o error in persona quando há, ainda, erro sobre circunstâncias agravantes e atenuantes.[36]
O Código Penal brasileiro traz em seu art. 20, §3º (segunda parte) uma solução para casos de erro sobre a pessoa, a ver:
§ 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.”
Primeiramente, como mencionado há algum instante, pela redação da primeira parte do §3º do art. 20 do CPB: “O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena” significa dizer que o error in persona não exclui a tipicidade do fato. Não exclui o crime porque a norma penal tutela vida de todas as pessoas e não a de uma pessoa determinada.[37]
Agora bem, pela análise da segunda parte do §3º do art. 20 do CPB: “Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime”, o direito brasileiro cria com essa solução, a figura da vítima virtual, isto é, considera-se para fins de sanção penal, as qualidades (características) da pessoa que o autor queria atingir e não a efetivamente atingida. E ela é inversa do entendido na Argentina.
Para elucidar a explanação, trazemos um dos melhores clássicos, que é Magalhães Noronha:
“Manda o Código se tenham em consideração as condições ou qualidades da pessoa contra quem o agente quis agir, e não as do ofendido. Assim se quis matar seu pai e mata um terceiro, será parricida; ao contrário, não haverá homicídio agravado se desejou matar outrem que não o genitor, que, por erro, vem a ser atingido.”[38]
Em nosso exemplo proposto, ao atingir Carlos ao invés de atingir Luiz, seu pai, o sujeito ativo responde como se tivesse atingido seu pai, incidindo, neste caso, a agravante prevista no art. 61, II “e” 1ª figura do CPB (crime contra ascendente).[39]
No Brasil, é conferido idêntico tratamento jurídico ao instituto da aberratio ictus (erro no golpe ou erro na execução) e apesar de não se confundirem, consoante se percebe da leitura dos artigos 20, § 3, e 73, do Código Penal Brasileiro, no erro sobre a pessoa, se consideram para aplicação da pena, as condições ou qualidades da pessoa contra a qual o agente queria praticar o crime, mas as condições ou qualidades da pessoa contra a qual o crime foi praticado.
Com esse entendimento, o CPB, não ignorando a verdadeira intenção do sujeito ativo, propõe, então, que ele responda pela sua vontade, em um critério que chamamos de psicológico (que pertence exclusivamente ao âmbito interno do autor do fato), isto é, adotando a teoria da equivalência e não a da concretização, se cria, portanto, uma ficção jurídica, onde o sujeito ativo responde como se tivesse ofendido a pessoa visada.
Conclusão
Assim, legislador brasileiro nos conduz a conclusão de que o autor do fato não é punido pelo crime efetivamente cometido contra o terceiro inocente (vítima visada, efetiva), mas como se tivesse ofendido bem jurídico da pessoa desejada (vítima virtual). Percebe-se, então, um exacerbado relevo dado ao tipo subjetivo, pois o Código penal Brasileiro cria uma ficção jurídica quanto ao tipo objetivo para sancionar o tipo subjetivo, isto é, a vontade psíquica do autor[40]
Sem embargo, a solução dada pelo Direito argentino dada a influência do direito alemão, tomando em conta o exemplo, por nós exposto, entender-se-ia como hipótese de concurso de delitos. Haveria, portanto, tentativa dolosa de homicídio contra a pessoa que se pretendeu alcançar e crime culposo contra a vítima verdadeiramente atingida, em concurso formal.
Para nós é evidente que, a depender do caso, a tentativa contra aquela (vítima desejada) não passará de simples intenção. Pode-se aclarar aqueles contrários a solução, tomando por base em um exemplo trazido por Noronha: Suponha-se que, no caso apontado, A, em São Paulo, fere C, tomando-o por B, que se encontra no instante, no Rio de Janeiro. É claro que o bem jurídico de B esteve livre de qualquer ataque, esteve longe de correr real perigo. [41]
Esta concepção teórica, sem que signifique que não se deva dar importância ao desvalor da ação, entretanto, a nosso ver, sem que com isso insinuemos um novo sistema penal, para evitar confusões interpretativas ou ficções jurídicas que levam demasiadamente em conta o tipo ao revés do resultado naturalístico produzido.
De tal maneira, generalizando aquilo que foi exposto, pensamos que a solução mais adequada às situações do error in persona seria, justamente, a solução proposta pela Código Penal Alemão, (também adotada pela bibliografia e pelo Código Penal Argentino) isto é, tomando, uma vez mais, o exemplo do agente que pretende matar seu pai Luiz mas atinge pessoa diversa da pretendida (Carlos) pensando ser seu pai, responderia por homicídio culposo em relação a Carlos e tentativa de homicídio em relação à Luiz. Colocando de uma maneira bastante simples: responsabilidade pelo resultado.
Pode-se sustentar conforme Soler o seguinte:
El tal caso, siempre que pueda juzgarse decisivo el error, es manifiesto que el hecho no puede ser calificado de parricidio, pues el error impide la figura se realice con la plena concurrencia de sus elementos subjetivos (…).[42]
Portanto, dentro dessa perspectiva de erro sobre a pessoa e adoção de um modo de responsabilidade, diferentemente do Brasil, países como a Argentina e a Alemanha, acertadamente não possuem maiores indagações acerca do error in persona, visto que sobre esta questão, não se ventila hipótese de atribuição de um resultado naturalístico que efetivamente não ocorreu.
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WELZEL, Hans, Derecho penal alemán, parte general, 11ª edición 4ª edición castellana. Traducción del alemán por los profesores Juan Bustos Ramírez y Sergio Ynez Pérez. Editorial Jurídica de Chile, 1993.
[1] FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de direito penal: parte geral. 8 ed. Rio de Janeiro. Forense, 1985, p. 446-447.
[2] ZAFFARONI, Eugênio Raul, Manual de derecho penal: parte general; Eugenio Raúl Zaffaroni; Alejandro Slokar, Alejandro Alagia, 2. Ed. 10ª. Reimp. Cuidad Autónoma de Buenos Aires. Ediar, 2017, p. 292.
[3] WELZEL, Hans, Derecho penal alemán, parte general, 11ª edición 4ª edición castellana. Traducción del alemán por los profesores Juan Bustos Ramírez y Sergio Ynez Pérez. Editorial Jurídica de Chile, 1993, p. 57.
[4] Idem, p. 57.
[5] Idem, p. 59
[6] ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Manual de derecho penal: parte general, ob. cit., p. 339.
[7] Se encontram tanto no Brasil quanto na Argentina na parte especial do Código Penal e nas legislações penais estravagantes (especiais).
[8] WELZEL, Hans, Derecho penal alemán, parte general, ob. cit., p. 60.
[9] Cfr. assinala FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de direito penal, ob. cit., p. 179., em certos casos, a ilicitude depende ainda de um especial fim de agir, ampliando o aspecto subjetivo do tipo, se apresentando junto ao dolo. Exemplo: Art. 299 do CPB que trata do crime de falsidade ideológica - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular. Tendo por especial fim (motivo) de agir de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
[10] Nos tipos culposos, por outro lado, somente importa a título de análise o tipo objetivo (isto é, a adequação da conduta ao tipo), visto que não existe vontade do agente. É dizer, o autor não quis provocar o resultado produzido.
[11] Por todos citamos RIGHI, Esteban. Derecho penal: parte general. 2. ed. 3a. reimp. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Abeledo Perrot, 2018, p. 281.
[12] RIGHI, Esteban. Derecho penal: parte general. 2. ed. 3a. reimp. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Abeledo Perrot, 2018, p. 278.
[13] ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Manual de derecho penal, ob. cit., p. 413; FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de direito penal, ob. cit., p. 182.
[14] FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de direito penal, ob. cit., p. 182-183.
[15] JAKOBS, Günter, Fundamentos del derecho penal. Traducción de Manuel Cancio Meliá y Enrique Peñaranda Ramos. Buenos Aires. Ad Hoc, 1996, p. 40.
(1) Wer bei Begehung der Tat einen Umstand nicht kennt, der zum gesetzlichen Tatbestand gehört, handelt nicht vorsätzlich. Die Strafbarkeit wegen fahrlässiger Begehung bleibt unberührt.
(2) Wer bei Begehung der Tat irrig Umstände annimmt, welche den Tatbestand eines milderen Gesetzes verwirklichen würden, kann wegen vorsätzlicher Begehung nur nach dem milderen Gesetz bestraft werden.
[17] WELZEL, Hans, Derecho penal alemán, parte general, ob. cit., p.92.
[18] BITENCOURT, Cesar Roberto, Tratado de direito penal: parte geral 1. 21 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo. Saraiva. 2015, p. 369.
[19] Atual § 16 do Código Penal alemão.
[20] WELZEL, Hans, Derecho penal alemán, parte general, ob. cit., p. 92.
[21] JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito penal. 12. ed. rev. E atual. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2012. (Coleção elementos do direito; v. 7/ coordenação Darlan Barroso, Marco Antonio Junior), p. 78.
[22] SOLER, Sebastián, Derecho penal argentino, tomo II. Actualizador Guillermo J. Fierro, Buenos Aires, Tipográfica Editora Argentina, 1997, p. 111.
[23] BALESTRA, Fontan Carlos, Derecho penal, introducción y parte general. Actualizado por Guillermo A.C. Ledesma. Buenos Aires, Abeledo- Perrot, 1998, p. 357.
[24] FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de direito penal, ob. cit., p. 184
[25] WELZEL, Hans, Derecho penal alemán, parte general, ob. cit., p. 90.
[26] JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito penal, ob. cit., p. 81.
[27] Cfr. DAMÁSIO, Jesus E. Direito penal, V.1. parte geral, 21.ed. rev. e atual. São Paulo. Saraiva, 1998, p. 302.
[28] Chama-se de erro essencial aquele que se percebida a realidade pelo agente, ele não teria praticado o delito. Ex. o agente, em um dia chuvoso, toma por engado um guarda-chuva preto dentro de um porta guarda-chuvas onde estão depositados vários guarda-chuvas, todos iguais. No entanto, o objeto subtraído era, na verdade, de outra pessoa. Sem embargo, se o agente tivesse percebido a situação, não teria praticado o furto. Neste sentido: JAKOBS, Günter, Fundamentos del derecho penal, ob. cit., p. 92.
[29] RIGHI, Esteban. Derecho penal: parte general, ob. cit., p. 285; FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de direito penal, ob. cit., p. 179.
[30] ZAFFARONI, Eugenio Raúl, Manual de derecho penal: parte general, ob.cit., p. 421.
[31] NORONHA, Magalhães. Direito penal. São Paulo, Saraiva, 1985-1991, p. 152
[32] ZAFFARONI, Eugênio Raul, Manual de derecho penal, ob. cit., p. 422. Tradução do autor.
[33] RIGHI, Esteban. Derecho penal: parte general, ob. cit., p. 285.
[34] WELZEL, Hans, Derecho penal alemán, parte general, ob. cit., p. 90.
[35] SOLER, Sebastián, Derecho penal argentino, Tomo III, Tipográfica Editora Argentina, Buenos Aires, 1973, p. 18.
[36] Em razão do injusto penal ser maior ou menor a depender da conduta, a lei distingue, algumas vezes entre tipos básicos (simples), qualificados ou agravados.
[37] Cfr. DAMÁSIO, Jesus E. Direito penal, V.1. parte geral, ob. cit., p. 313.
[38] NORONHA, Magalhães. Direito penal, ob. cit., p. 152.
[39] FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de direito penal, ob. cit. p. 184.
[40] JUNQUEIRA, Gustavo Diniz. Direito Penal, ob. cit., p. 81.
[41] NORONHA, Magalhães. Direito penal, ob. cit., p. 152.
[42] SOLER, Sebastián, Derecho penal argentino, Tomo II. Actualizador Guillermo J. Fierro, Buenos Aires, Tipográfica Editora Argentina, 1997, p. 114.
Advogado Criminalista integrante do Escritório Massarelli & Renoldi Advogados. Especialista em Sociologia pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (2016). Mestrando em Direito Penal pela Facultad de Derecho, Universidad Nacional de Buenos Aires, Argentina. É professor de Direito. Professor conteudista no Estratégia Concursos nas matérias de Direito Penal, Direito Processual Penal e Língua Inglesa. É autor de diversos artigos jurídicos em revistas jurídicas nacionais e internacionais. Sua última obra publicada: Ações Autônomas de Impugnação em Matéria Penal pela editora CRV.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Diego Renoldi Quaresma de. Error in persona: a figura da vítima virtual no Direito brasileiro: comparação com a doutrina argentina e o Código Penal alemão (StgB) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 maio 2020, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54592/error-in-persona-a-figura-da-vtima-virtual-no-direito-brasileiro-comparao-com-a-doutrina-argentina-e-o-cdigo-penal-alemo-stgb. Acesso em: 23 dez 2024.
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