RESUMO: O artigo propõe-se a abordar o direito de licitar como um “poder jurídico”, o direito de um licitante formular propostas à Administração Pública mediante processo isonômico de licitação pública, sujeitando-se às imposições contratuais estabelecidas pelo Poder Público. Para análise do tema utilizam-se os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais referentes ao instituto jurídico da licitação pública. Utilizam-se, ainda, como fontes de pesquisa a doutrina administrativista, constitucional e a teoria geral do direito, além dos posicionamentos jurisprudenciais.
PALAVRAS-CHAVE: Licitação. Isonomia. Administração Pública. Poder Jurídico. Direito Subjetivo.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Direito de licitar. 1.1. Todos têm direito de licitar. 1.2. A admissibilidade da existência de restrições ao exercício concreto da atividade de licitar. 2. O conceito de poder jurídico. 2.1. O conceito de direito subjetivo. 2.2. A pluralidade de situações jurídicas subjetivas. 3.A amplitude do direito de licitar. 3.1. O objeto e o sujeito do direito de licitar. 3.2. A viabilidade de configurar o direito de licitar como um poder jurídico. Considerações finais. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Como regra, em nosso ordenamento jurídico, as compras, alienações, serviços e obras devem ser contratados pela Administração Pública mediante processo de licitação pública. Esse é o teor da Constituição da República em seu art. 37, XXI.
O dispositivo constitucional acima referido também dispõe que o processo licitatório assegure igualdade de condições entre os concorrentes, com estabelecimento de obrigações de pagamento e exigências de qualificação técnica e econômica que garantam o cumprimento do contrato pactuado com o Poder Público.
O Poder Constituinte derivado editou a Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, revogando o Decreto-Lei 2.300/1986, que era denominado estatuto jurídico das licitações e contratos administrativos, bem como as demais normas infraconstitucionais incompatíveis com o novo ordenamento jurídico estabelecido com a nova Carta Política.
Em 2002, o Congresso Nacional editou a Lei 10.520, instituindo a modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, garantindo maior celeridade para a Administração Pública no certame licitatório quando se tratar de bens e serviços com padrões de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos no edital.
Com a proximidade dos grandes eventos esportivos a serem sediados no Brasil entre 2013 e 2016, o Congresso Nacional converteu a Medida Provisória nº 527/2011 na Lei 12.462/2011, instituindo o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, regulamentado pelo Dec. 7.581/2011.
A Lei 9.472, de 16 de julho de 1997, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, estabeleceu em seu art. 54 e seguintes, a modalidade denominada consulta para as contratações que tenham por objeto o fornecimento de bens e serviços que não estejam compreendidos entre os “bens e serviços comuns” passíveis de contratação pela modalidade pregão.
A modalidade consulta foi inicialmente aplicada à Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), nos termos da Resolução nº 05/1998 – Regulamento de Contratações. Posteriormente sua aplicabilidade foi estendida para as demais agências reguladoras, conforme disposto no art. 37 da Lei 9.986/2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das agências reguladoras.
Essas são as normas gerais que regem os procedimentos de licitação e contratação, em todas as modalidades, da administração pública direta e indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
1.DIREITO DE LICITAR
O processo de licitação pública tem como principal objetivo a contratação de obras, serviços, compras e alienações que atendam às exigências da Administração Pública por meio de propostas formuladas por uma diversidade de concorrentes, o que permitirá a seleção mais vantajosa para o poder público.
O art. 3º da Lei 8.666/93 apresenta os princípios que regem as licitações públicas, tendo como principal expoente destes princípios a isonomia, que adiante (art. 44, § 1º) volta a ser mencionado, agora de forma específica, impondo a vedação da “utilização de qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado que possa ainda que indiretamente elidir o princípio da igualdade entre os licitantes”.
No entanto, mesmo diante do objetivo de tornar as licitações públicas acessíveis ao maior número de concorrentes possíveis, em algumas situações, prevalecerá o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, permitindo-se restringir a participação de licitantes que não observem os requisitos impostos pela Administração Pública.
Nesse sentido leciona o saudoso Hely Lopes Meirelles[1]
A igualdade entre os licitantes é princípio impeditivo da discriminação entre os participantes do certame, quer através de clausulas que, no edital ou convite, favoreçam uns em detrimento de outros, quer mediante julgamento faccioso, que desiguale os iguais ou iguale os desiguais (art. 3º, § 1º).
[...]
Todavia, não configura atentado ao princípio da isonomia entre os licitantes o estabelecimento de requisitos mínimos de participação no edital ou convite, porque a Administração pode e deve fixa-los sempre que necessários à garantia da execução do contrato, à segurança e perfeição da obra ou serviço, à regularidade do fornecimento ou ao atendimento de qualquer outro interesse público.
Portanto, o direito de licitar deve ser amplo, abrangente, mas as condições mínimas de cumprimento do ato convocatório não podem ser desprezadas, pois, a mitigação desses requisitos podem causar embaraços na condução do certame licitatório e consequente prejuízos ao erário.
1.1 TODOS TÊM DIREITO DE LICITAR
O direito de licitar consiste na amplitude de participação por pessoas físicas ou jurídicas nos certames licitatórios, formulando propostas que atendam às necessidades do Poder Público. Manifestação específica do princípio da isonomia entre particulares que pretendam contratar com o Estado.
As propostas apresentadas pelos licitantes devem ter o objetivo de atender à Administração Pública em termos quantitativos e qualitativos, em obediência aos princípios da supremacia do interesse público e da economicidade. Tais propostas devem ser julgadas de forma objetiva, com total impessoalidade na escolha daquela que melhor se ajuste ao conteúdo do instrumento convocatório (edital ou convite).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é unânime no sentido de que as licitações públicas devem alcançar o maior número de concorrentes possíveis. Com esse entendimento a Corte Suprema vem impedindo que as normas infraconstitucionais, sejam elas federais, estaduais ou municipais, criem distinções entre brasileiros ou preferências entre si, nos termos do art. 19, III, da Constituição da República, quando tais normas estabeleçam critérios que contrariem a isonomia entre os entes federados e seus licitantes. Assim manifestou-se o STF
É inconstitucional a lei estadual que estabeleça como condição de acesso a licitação pública, para aquisição de bens ou serviços, que a empresa licitante tenha a fábrica ou sede no Estado-membro.[2]
É inconstitucional o preceito segundo o qual, na análise de licitações, serão considerados, para averiguação da proposta mais vantajosa, entre outros itens, os valores relativos aos impostos pagos à Fazenda Pública daquele Estado-membro. Afronta ao princípio da isonomia, igualdade entre todos quantos pretendam acesso às contratações da administração. A CB proíbe a distinção entre brasileiros. A concessão de vantagem ao licitante que suporta maior carga tributária no âmbito estadual é incoerente com o preceito constitucional desse inciso III do art. 19.[3]
Portanto, verifica-se que o entendimento que prevalece é o de que, em tese, todos terão direito de licitar, desde que cumpridos os requisitos mínimos estabelecidos na lei.
1.2. A ADMISSIBILIDADE DA EXISTÊNCIA DE RESTRIÇÕES AO EXERCÍCIO CONCRETO DA ATIVIDADE DE LICITAR
Em decorrência dos princípios da razoabilidade e da indisponibilidade do interesse público, algumas mitigações ao exercício concreto da atividade de licitar são admitidas em nosso ordenamento jurídico.
A habilitação, Capítulo II, Seção II, art. 27 da Lei 8.666/93 impõe aos licitantes a exigência de documentações específicas para aptidão ao certame licitatório. A habilitação jurídica, a qualificação técnica, a qualificação econômico-financeira, a regularidade fiscal e trabalhista, bem como a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, são requisitos necessários para a participação dos interessados, podendo ser dispensada, no todo ou em parte, nos casos de convite, concurso, fornecimento de bens para pronta entrega e leilão.
Analisando o dispositivo acima referido e a previsão constitucional de“exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”, da parte final do art. 37, XXI, da Constituição Federal, a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro alerta sobre a taxatividade destes requisitos no procedimento de habilitação dos licitantes. Em suas palavras
O sentido do dispositivo constitucional não é o de somente permitir as exigências de qualificação técnica e econômica, mais de, em relação a esses dois itens, somente permitir as exigências que sejam indispensáveis ao cumprimento das obrigações. A norma constitui aplicação do princípio da razoabilidade entre meios e fins.
Qualquer outra documentação, além das pertinentes aos itens referidos no artigo 27 da Lei 8.666/93, é inexigível no edital. Não tem fundamento, por isso, o artigo 117, parágrafo único, da Constituição do Estado de São Paulo, que exige, implicitamente, prova de atendimento a normas relativas à saúde e à segurança no trabalho.
Essa e outras exigências, que não são indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações, contribuem para tornar o procedimento da licitação ainda mais formalista e burocrático, desvirtuando dos objetivos da licitação e infringindo o inciso XXI do artigo 37 da Constituição.[4]
No mesmo sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 210.721/SP[5], adotando o posicionamento de que a exigência de certidão expedida por repartição federal relativa à segurança e a saúde do trabalhador por norma estadual viola o art. 37, XXI, da Constituição da República.
Caminhou também neste sentido o Tribunal de Contas da União quando editou a Súmula nº 272[6], vedando a inclusão de exigências de habilitação e de quesitos de pontuação técnica para cujo atendimento os licitantes tenham de incorrer em custos que não sejam necessários anteriormente à celebração do contrato.
2.O CONCEITO DE PODER JURÍDICO
As disciplinas “introdução ao estudo do direito” e “introdução ao direito civil” invocam uma pluralidade de conceitos sobre poder jurídico, direito subjetivo e direito potestativo. Alguns posicionamentos doutrinários aproximam os referidos institutos. Outros, os distanciam, delimitando a aplicação de cada um na produção de efeitos jurídicos.
O saudoso civilista Caio Mário da Silva Pereira buscou exemplificar o poder jurídico como uma forma dependente do dever jurídico, correlações que se completam. Nas palavras do eminente doutrinador
A concepção do poder jurídico não está completa sem a correspondência de um dever.
[...]
Havendo na relação jurídica dois lados, um positivo e outro negativo, há de haver igualmente uma dualidade de sujeitos, um ativo, outro passivo; um que tem o poder jurídico, outro que assume o dever jurídico; um que pode exigir a realização, outro contra quem é dirigida a vontade do primeiro. O sujeito ativo tem a faculdade de reclamar o comando normativo; o sujeito passivo sofre a imposição da norma.[7]
Os professores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald fazem distinção entre o poder jurídico, o direito subjetivo e o direito potestativo, tratando-os de forma autônoma. Abaixo transcrevem-se as referidas distinções conceituais abordadas pelos autores
O poder jurídico, também chamado de poder funcional, distingue-se do direitosubjetivo, pois naquele há um direito exercido no interesse do sujeito passivo e do grupo social, como, v.g., o poder familiar (CC, art. 1.630), diversamente do que ocorre, como se viu, no direito subjetivo, em que o exercício é em benefício do próprio titular.
Sintetize-se: no poder funcional há exercício em face de outra pessoa (como na tutela de menores), caracterizando-se como uma categoria autônoma, distinta dos direitos subjetivos.
[...]
Caracterizam-se os direitos potestativos por atribuir ao titular a possibilidade deproduzir efeitos jurídicos em determinadas situações mediante um ato próprio de vontade, inclusive atingindo terceiros interessados nessa situação, que não poderão se opor.[8]
Logo, se consideramos como institutos diversos, podemos entender que o poder jurídico se traduz pela invocação de permissão normativa ou contratual para o exercício de um direito.De outra vertente, o direito potestativo pode ser determinado como uma prerrogativa jurídica de impor um poder/direito a outrem independente de consentimento.
2.1 O CONCEITO DE DIREITO SUBJETIVO
O direito subjetivo é entendido como aquele que garante ao sujeito faculdades jurídicas em seu modo de agir. São prerrogativas garantidas por normas expedidas pelo titular do poder (Estado).
O saudoso mestre Miguel Reale, em sua clássica obra Lições Preliminares de Direito, discorre sobre o direito subjetivo, o poder resultante e a sua titularidade. Em suas palavras
O direito subjetivo é, em suma, pertinente ao sujeito, ligando-se a este como uma pretensão sua; o poder resulta da função normativa atribuída a seu titular, sem lhe ser conferida qualquer pretensão para ser exercida em seu benefício. Daí resulta, ainda, que o titular de um direito subjetivo pode usar ou não de seu direito, enquanto que o titular do poder não pode deixar de praticar as funções de sua competência, pois elas não são disponíveis.[9]
Na doutrina estrangeira, Jorge Agudo González destaca o aspecto coletivo na aplicação do direito subjetivo, dada a necessidade de estabelecer relações jurídicas com outros indivíduos. Assim posiciona o direito subjetivo entre o Estado e seus administrados
El concepto de derecho público-subjetivo decimonónico toma como referente el concepto delDerecho privado, puesla teoría de la naturaleza jurídica de losderechos subjetivos tienesuorigenen este ámbito. La noción de derecho subjetivo se introdujoenel campo jurídico público como laobligadaconsecuencia de que las relaciones entre el Estado y sus súbditos e concibieran como relaciones jurídicas. Jellinekencontraríaenellosla base fundamental delDerechho público moderno, enla medida en que todo Derecho es una relación o conjunto de relaciones entre sujetos de derechos: no puedehablarse de derechos subjetivos de un individuo aislado, tansiquieradelpropio Estado si no se concibe respecto y contrapuesto a otras personas.[10]
Por tais argumentos, podemos concluir que o direito subjetivo trata de situações jurídicas previstas em determinada norma, em que se determina que o titular tem prevalência de um direito (objeto jurídico) em face de um destinatário.
Utilizando tais fundamentos na seara do direito administrativo, especificamente no tema abordado (direito de licitar), podemos estabelecer a seguinte correlação: o objeto jurídico ou situação jurídica prevista na norma é o procedimento licitatório; o titular do direito de selecionar as propostas e contratar é do Estado; enquanto o destinatário, que deve se submeter às regras estabelecidas pelo titular, são os licitantes, concorrentes do certame licitatório.
2.2 A PLURALIDADE DE SITUAÇÕES JURÍDICAS SUBJETIVAS
Dispõe o artigo 4º da Lei 8.666/93 que todos os participantes da licitação pública têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta lei.Ou seja, os concorrentes, como administrados, tem a proteção de seus direitos resguardados pela norma, e, ainda, possuem a faculdade de participar ou não do certame licitatório.
Objetivando a aplicabilidade do princípio da publicidade dos atos da Administração Pública, o dispositivo acima referidointroduziu a possibilidade de qualquer cidadão acompanhar o desenvolvimento do procedimento licitatório, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos.
A regra, portanto, é garantir que um maior número de participantes possíveis opte por concorrer e formular propostas para que a Administração Pública possa selecionar a mais vantajosa para a coletividade. Ocorre que, em determinadas situações, por determinação da Lei 8.666/93, a licitação pode ser dispensada (art. 17) ou dispensável (art. 24) e inexigível (art. 25) quando houver inviabilidade de competição.
Importante ilustrar os ensinamentos do professor Marçal Justen Filho quanto às exceções ao procedimento licitatório e as terminologias adotadas. Assim leciona o referido mestre sobre o instituto da dispensa de licitação
Em primeiro lugar, os casos de dispensa de licitação do art. 17 não apresentam natureza jurídica distinta daquela contemplada no art. 24 da mesma Lei 8.666/1993. Não existem duas “espécies” de dispensa de licitação na Lei 8.666/1993. Quanto a isso, reputa-se irrelevante a distinção terminológica na redação dos arts. 17 e 24. De fato, o art. 17 utiliza a fórmula “licitação dispensada”, enquanto o art. 24 contempla “licitação dispensável”. Ambas as soluções são juridicamente equivalentes, comportando tratamento jurídico similar.[11]
O art. 13, II da Lei de Licitações enumera alguns serviços como técnicos profissionais especializados. Por sua vez, o art. 25, II, dispõe que é inexigível a licitação para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização.
Ocorre que a definição de serviços de natureza singular notória especialização não é tão simples. São conceitos variáveis que dependem de quem os interpreta, geram subjetividade e controvérsias jurídicas. O Tribunal de Contas da União já se manifestou em diversos acórdãos acerca da inexigibilidade de licitação em matéria de serviços especializados. O entendimento da Corte de Contas foi expressado na Súmula 252[12]. Neste sentido foi proferido o voto do Min. Benjamin Zymler, relator no Acórdão 1.074/2013
[...] 15. Primeiramente, porque o conceito de singularidade não está vinculado à ideia de unicidade. Para fins de subsunção ao art. 25, inciso II, da Lei 8.666/93, entendo não existir um serviço que possa ser prestado apenas e exclusivamente por uma única pessoa. A existência de um único sujeito em condições de ser contratado conduziria à inviabilidade de competição em relação a qualquer serviço e não apenas em relação àqueles considerados técnicos profissionais especializados, o que tornaria letra morta o dispositivo legal.16. Em segundo lugar, porque singularidade, a meu ver, significa complexidade e especificidade. Dessa forma, a natureza singular não deve ser compreendida como ausência de pluralidade de sujeitos em condições de executar o objeto, mas sim como uma situação diferenciada e sofisticada a exigir acentuado nível de segurança e cuidado.[13]
O Supremo Tribunal Federal também vem adotando esse entendimento, especificamente nos casos que tratam de contratações de serviços advocatícios.
Contratação emergencial de advogados face ao caos administrativo herdado da administração municipal sucedida. (...) A hipótese dos autos não é de dispensa de licitação, eis que não caracterizado o requisito da emergência. Caracterização de situação na qual há inviabilidade de competição e, logo, inexigibilidade de licitação. ‘Serviços técnicos profissionais especializados’ são serviços que a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria, Administração, deposite na especialização desse contratado. Nesses casos, o requisito da confiança da Administração em quem deseje contratar é subjetivo. Daí que a realização de procedimento licitatório para a contratação de tais serviços – procedimento regido, entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo – é incompatível com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo confere à Administração para a escolha do ‘trabalho essencial e indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato’ (cf. o § 1º do art. 25 da Lei 8.666/1993). O que a norma extraída do texto legal exige é a notória especialização, associada ao elemento subjetivo confiança. Há, no caso concreto, requisitos suficientes para o seu enquadramento em situação na qual não incide o dever de licitar, ou seja, de inexigibilidade de licitação: os profissionais contratados possuem notória especialização, comprovada nos autos, além de desfrutarem da confiança da Administração.[14]
3. A AMPLITUDE DO DIREITO DE LICITAR
Como regra, os particulares (pessoas físicas e jurídicas) devem ter amplo acesso aos certames licitatórios para formulação de suas propostas. Somente poderá haver restrições mediante a previsão legal explícita ou impedimento previsto no edital, a quem se vincula estritamente a Administração, nos termos do art. 41 da Lei 8.666/93.
Nos termos do art. 41, § 3º, da Lei 8.666/93, a impugnação tempestiva por parte do licitante não o impedirá de participar do processo licitatório até o trânsito em julgado da decisão a ela pertinente. A decisão administrativa deverá ser motivada, e ainda, obedecendo ao princípio do contraditório e ampla defesa para que não possa configurar ilegalidade ou abuso de poder, passíveis de impetração de mandado de segurança.
Diariamente o Poder Judiciário é acionado para solucionar demandas que envolvem a inabilitação de licitantes de forma arbitrária, desarrazoada, sem a devida motivação por parte da Administração Pública. Diante de tais situações o Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo a necessidade de obediência aos critérios objetivos e proibição do abuso de poder por fuga à vinculação ao Edital. Nesse sentido manifestou-se no julgamento do MS 5.289/DF[15] e do MS 15.315/DF[16].
3.1 O OBJETO E O SUJEITO DO DIREITO DE LICITAR
Enquanto o objetivo da licitação é garantir à Administração Pública a seleção da proposta mais vantajosa, o seu objeto é o bem ou serviço que será formalizado contratualmente para suprir a necessidade da coletividade.O objeto deve ser descrito de forma determinada, clara e objetiva, com todas as características indispensáveis, afastando os aspectos irrelevantes e desnecessários que possam restringir a competição e gerar incertezas aos concorrentes.
Na lição do professor Diogenes Gasparini, o objeto licitatório pode ser ampliado, não se restringindo ao exposto na lei geral de licitações. Acerca do tema, discorre da seguinte forma
Tudo o que as pessoas públicas (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias), governamentais (sociedades de economia mista, empresas públicas, fundações) e suas subsidiárias, obrigadas a licitar, puderem obter de mais de um ofertante, ou que, se por elas oferecido, interessar a mais de um dos administrados, há de ser, pelo menos em tese, por proposta escolhida em processo licitatório como a mais vantajosa. Sendo assim, não se pode sequer imaginar que só os objetos mencionados no art. 1º do Estatuto são suscetíveis de licitação. Essa enunciação é meramente exemplificativa, pois outros tantos negócios desejados pela entidade obrigada a licitar também devem ser objeto de licitação, como é o caso do arrendamento, do empréstimo e da permissão do uso de bem público.[17]
Conforme definição do art. 6º, XV, da Lei 8.666/93, contratado é “pessoa física ou jurídica signatária de contrato com a Administração Pública”. Logo, podemos definir que o sujeito do direito de licitar está compreendido dentre aqueles que podem formalizar contratos com o Poder Público. Ou seja, as pessoas físicas e jurídicas que preencham os requisitos estabelecidos nas normas gerais de licitações e nos atos convocatórios são sujeitos de direito subjetivo para concorrer nos procedimentos licitatórios.
3.2. A VIABILIDADE DE CONFIGURAR O DIREITO DE LICITAR COMO UM PODER JURÍDICO
O direito de licitar pode configurar como um poder jurídico, com fundamento na permissão normativa ou contratual para o exercício do direitode formalizar com a Administração Pública as obrigações pactuadas para o interesse da coletividade (objeto da licitação).
Para tanto, o vínculo negocial estabelecido entre os interessados em contratar com o Estado estará sempre condicionado à supremacia do interesse público. Esse é o entendimento externado na obra clássica de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Para o ilustre administrativista
O direito dos particulares está sempre condicionado ao interesse coletivo e deve ser sacrificado em face do direito da supremacia do Estado ou de quem faça suas vezes, desde que amparado economicamente o interesse patrimonial que ele representa.[18]
No mesmo sentido é o posicionamento do doutrinador italiano Zanobini[19]. Para o referido mestre são atos relativos ou imperfeitos, condicionados ao interesse público, suscetíveis de revogação, mas com possibilidade indenizatória por parte do Poder Público.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se, portanto, que as cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo da licitação ou que estabeleçam preferências, distinções ou qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato serão nulas, não produzindo qualquer efeito no ato convocatório.
Logo, imprescindível que o certame licitatório seja executado por comissões de licitações compostas por membros qualificados, que possam conferir ao ato convocatório a objetividade necessária para a amplitude de participantes. Para tanto, os requisitos necessários aos participantes, conforme estabelecidos na legislação vigente sobre licitações devem ser exigidos, sob pena de gerar riscos insanáveis após a formalização contratual com o licitante vencedor.
REFERÊNCIAS
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ZANOBINI, Guido. Corso didirittoamministrativo. Vol. I. Milano, Dott. A. Giuf-fré Editore, 1958.
[1]MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 41. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 308 e 309.
[2]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3.583, rel. min. Cezar Peluso, julgamento em 21-2-2008, Plenário, DJE de 14-3-2008.
[3]BRASIL. Supremo Tribunal Federal.ADI 3.070, rel. min. Eros Grau, julgamento em 29-11-2007, Plenário, DJ de 19-12-2007.
[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. – 28. ed. – São Paulo: Atlas, 2015. p. 460-61.
[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 210.721, rel. min. Menezes Direito, julgamento em 20-5-2008, Primeira Turma, DJE de 8-8-2008.
[6]BRASIL. Tribunal de Contas da União. Súmula nº 272, de 02 de maio de 2012.
[7] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. - 24. cd. - Rio de Janeiro, Editora Forense, 2011. p. 36.
[8]FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 32-33.
[9] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. – 27. ed. ajustada ao novo código civil. – São Paulo: Saraiva, 2002. p. 262.
[10] GONZÁLEZ, Jorge Agudo. Evolución y negacióndelderecho subjetivo. In Revista Digital de Derecho Administrativo, n. 05, jan./jun. 2011. p. 20-21. Disponível em <http://revistas.uexternado.edu.co/index.php/Deradm/article/view/2952/2596%3E. > Acesso em 04 jul. 2015.
[11] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. – 16. ed. ver., atual. eampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p.311.
[12] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Súmula 252.
“A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado”.
[13] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 1.074/2013, Plenário, rel. Benjamin Zymler.
[14] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AP 348, rel. min. Eros Grau, julgamento em 15-12-2006, Plenário, DJ de 3-8-2007.
[15]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. MS 5.289/DF, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/11/1997, DJ 21/09/1998, p. 42.
[16]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. MS 15.315/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/09/2011, DJe 04/10/2011.
[17] GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. – 17. ed. atualizada por Fabrício Motta – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 552.
Bacharel em Direito, Universidade Católica de Brasília - UCB, Especialista em Direito Administrativo, LFG/Anhaguera. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Leonardo Ribeiro da. O direito de licitar como um poder jurídico e suas particularidades Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 maio 2020, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54600/o-direito-de-licitar-como-um-poder-jurdico-e-suas-particularidades. Acesso em: 23 dez 2024.
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