MARCOS GABRIEL DO PRADO PEREIRA
(coautor)
JULIANO DE OLIVEIRA LEONEL
(Orientador)
RESUMO: A audiência de custódia ou audiência de apresentação, foi inserida no ordenamento infraconstitucional brasileiro através da Resolução 213/15 do CNJ. Apesar de seus fundamentos e garantias, o ordenamento pátrio ainda não se preocupou em determinar claramente as condições e os tipos de prisões cabíveis ao citado procedimento, restando ao legislador uma análise meramente cartorial, com a inclusão do Art. 310 do Código de Processo Penal, conforme recente alteração advinda da Lei nº 13.964/19. Este trabalho consiste em uma pesquisa qualitativa, estruturada na teoria dos direitos fundamentais e garantias processuais constitucionais, focada na dupla conformidade, visando corrigir as distorções existentes entre o código de processo penal brasileiro e os tratados internacionais, e das discursões sobre os institutos garantistas da audiência de custódia, do seu implemento aos outros tipos de prisões cautelares e na prisão do devedor de alimentos. O estudo conclui que a audiência de custódia deve ser ampliada legislativamente, em relação as outras prisões cautelares, incluindo a do devedor de alimentos, submetendo-se assim a dupla conformidade do processo, ou seja, a conformidade convencional e a constitucional, dessa forma, pode-se assegurar que a aplicabilidade da audiência de custódia estará de acordo com os Tratados dos Direitos Humanos Internacionais.
Palavras-chave: Audiencia de Custodia, Processo Penal, Dupla Conformidade, Prisões Cautelares, Prisao Civil.
ABSTRACT: The custody hearing, also known as the presentation hearing, was introduced in the Brazilian infra-constitutional order through CNJ Resolution 213/15. Even with its fundamentals and guarantees, the national law has not yet attempted to clearly determine the conditions and types of prisons applicable to the procedure, which gives the legislator a purely notional analysis, with the inclusion of Art. 310 of the Code of Procedure Criminal Law, according to a recent amendment resulting from Law 13,964/19. This article is a qualitative research, based on the theory of fundamental rights and constitutional procedural guarantees, focused on the double conformity of criminal proceedings, aiming to correct the apparent distortions between the Brazilian criminal procedure code and international human rights treaties, and the speeches on the interpretation of the guarantor institutes of the custody hearing and their suitability for other types of precautionary prisons, including the arrest of the person with debts related to child support. It is concluded that the custody hearing must be enlarged by law, in relation to other precautionary prisons, including that of the child support debtor, respecting the double conformity of the process, namely the conventional and constitutional conformity, thus, the applicability of the custody hearing. custody will be in accordance with international human rights treaties.
Keywords: Custody Hearing, Criminal Proceeding, Double Conformity, Prison Precautions, Civil Prison.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Instrumentalidade Constitucional do Processo Penal e a necessidade de sua dupla conformidade. 3. Da Audiência de Custódia. 3.1. Audiência de Custódia e a Constituição Federal. 3.1.1. Jurisdicionalidade. 3.1.2. O Direito de ser julgado em prazo razoável. 3.1.3. Presunção de Inocência ou Dever de Tratamento. 3.1.4. Contraditório e a Ampla Defesa. 3.2. Da realização da Audiência de Custódia e a Resolução 213/15 CNJ. 4. Da necessidade de aplicação da Audiência de Custódia para as demais prisões. 4.1. Prisão Civil. 4.2. Das Prisões Cautelares. 4.2.1. Da Prisão em Flagrante. 4.2.3. Prisão Preventiva. 4.2.4. Prisão Temporária. 4.4.1. Prazo da Prisão Temporária. 5. Lei nº 13.964/2019. 6. Considerações Finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo aborda a implementação do instituto da audiência de custódia diante do ordenamento jurídico Brasileiro. Uma importante conquista dos Direitos Humanos em âmbito internacional que, mesmo após 27 anos da sua ratificação pelo Brasil (Pacto de San Jose da Costa Rica, Setembro/1992), ainda apresenta seus conceitos básicos de direitos fundamentais e dignidade da pessoa pouco apreciados pelos mais diversos dispositivos legais nacionais, inclusive das últimas alterações do Código de Processo penal vigente (Lei nº 13.964/19).
Neste contexto, as audiências de custódia representam um ato procedimental componente da fase preliminar da investigação criminal, em que a pessoa presa em flagrante é apresentada a uma autoridade judicial competente para se averiguar: a regularidade da prisão, com a conclusão pelo relaxamento ou homologação; a própria prisão, seus requisitos legais, decidindo pela concessão da liberdade provisória, com ou sem adoção de outras medidas cautelares ou finalmente a possibilidade da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva.
Outro aspecto importante e frequentemente esquecido nas audiências de custódia é a verificação das condições da prisão, de forma que nesse procedimento é necessário ainda o questionamento sobre a existência de abuso policial, principalmente de ordem física, entendida aqui como tortura, além de qualquer outro fato passível de investigação, referente à condução do preso por tais policiais.
Outra razão para a existência da audiência de custódia diz respeito a garantia dos direitos da pessoa presa, incluindo a proteção a tortura, assegurando, pois, a efetivação do direito a integridade pessoal, visando corrigir as distorções existentes entre o Código do Processo Penal Brasileiro e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, na condução da aplicabilidade da lei para pessoas privadas de liberdade.
Nesse sentido a Corte Interamericana de Direitos humanos, em consonância com a Corte Europeia de Direitos Humanos, concluíram que “A pronta intervenção judicial é a que permitiria detectar e prevenir ameaças contra a vida ou sérios maus tratos, que violam garantias fundamentais do ser humano”, e ainda acrescentam que “Estão em jogo tanto a proteção da liberdade física dos indivíduos, como a segurança pessoal, num contexto no qual a ausência de garantias pode resultar na subversão da regra de direito e na privação aos detidos das formas mínimas de proteção legal”.
Assim, o presente estudo tem por objetivo analisar a audiência de custódia à luz da dupla conformidade do processo penal, discutindo seus conceitos e sua relação com as garantias processuais constitucionais, através do método de pesquisa dedutiva com abordagem qualitativa das bibliografias sobre o assunto e ainda, a necessidade de adequação de sua realização não apenas na prisão em flagrante, como trazida pela alterações do chamado pacote Anti-crime, mas também em outras prisões cautelares, com ênfase na prisão do devedor de alimentos.
2 INSTRUMENTALIDADE CONSTITUCIONAL DO PROCESSO PENAL E A NECESSIDADE DE SUA DUPLA CONFORMIDADE
Ainda é dominante no Brasil um conceito de processo como relação jurídica, engessada, formalista, defendida na doutrina desenvolvida por Bülow. Assim, Bülow apud Melo, (2017, p.1) adverte que a relação de direito material é o objeto do processo, já a relação de direito processual é a esteira através da qual a discussão sobre o objeto do processo ocorrera, em uma relação estática, onde as partes gozam de uma equivocada concepção de igualdade e segurança processual.
Várias críticas, colocaram a visão estática do processo de Bulow em análise, segundo Lopes Junior (2019), nenhuma foi tão profunda quanto a de Goldschmidt.
Foi James Goldschmidt e sua teoria do processo como situação jurídica tratada na sua celebre obra Prozess als Rechtslage (Berlim/1925) que melhor evidenciou as falhas da construção de BULOW, mas principalmente, quem formulou a melhor teoria para explicar a complexa fenomenologia do processo. Para o autor o processo e visto como um conjunto de situações pelas quais as partes atravessam, caminham, em direção a uma sentença definitiva favorável (LOPES, 2020, p. 49).
Partindo da concepção de processo, enquanto situação jurídica de Goldschmidt, temos um caminho complexo pautado de riscos e incertezas, que dependendo das chances poderão levar a uma sentença favorável ou não. Assim, faz-se necessário conceber o processo penal a partir de uma proposição democrática, onde este busque proteger os direitos fundamentais, através de regras do jogo democráticas, legitimas e completas e não apenas se contentar como um instrumento de busca da verdade (que no processo penal é contingencial).
Nessa perspectiva, reitera Calamandrei (1999, pag. 224):
Afortunada coincidência é a que se verifica quando entre dois litigantes o mais justo seja também o mais habilidoso”, Dessa forma, para o autor o processo nada mais é que um jogo onde sempre existirá um vencedor, que não será necessariamente o mais justo, mas aquele que melhor tiver utilizados suas habilidades com as armas disponíveis para vencer.
Diante do exposto, fica evidente que o conceito que melhor retrata essa particularidade do processo, inserido na epistemologia da incerteza, é o de Goldschmidt. Nele, retrata-se a insegurança processual, o seu estado de guerra e a sua dinamicidade, muito diferente do conceito estático defendido por Bulow.
Por conseguinte, se o processo penal é uma guerra, um jogo, que não deve ter por missão a busca desenfreada do mito “verdade real”, já que a verdade no processo penal não é achada, mas sim construída analogicamente através dos rastros da passeidade (KHALED JÚNIOR, 2013), é primordial sua compreensão pela via da instrumentalidade constitucional.
Diante disso, é inegável essa vertente instrumental do processo penal, como ferramenta de contenção do poder punitivo, pois de acordo com Khaled Jr (2014) “Os brasileiros sofrem de um processo histórico ”, que colabora para a crença de que somos um povo ordeiro, isentos de qualquer conflitos e que vivemos na plena e próspera democracia, ficando encoberta todas as facetas autoritárias do poder punitivo.
Ainda sobre o tema, destaca-se que a confiança ilimitada na bondade do poder e na sua capacidade de atingir a verdade retratam concepções inquisitivas, arbitrárias, violentas que apenas com um processo penal garantista pode criar um instrumento eficiente de contenção dos abusos e excessos do poder punitivo estatal (FERRAJOLI, 2009).
Não se pode aceitar que o processo penal, como guerra ou jogo, tendo por base o paradigma constitucional, e como missão assegurar o respeito às normas constitucionais processuais, bem como também, evitar as práticas inquisitivas e violentas do Jus puniendi estatal, se vincule à arcaica e inatingível busca desenfreada da “verdade real”.
Assim como não se pode esquecer que a espinha dorsal do Código de Processo Penal Brasileiro (1941), em pleno Estado Novo de Getúlio Vargas e inspirado no Código de Processo Penal Italiano da década 30 (Codice Rocco), possui um nítido viés fascista, policialesco e de inegável matriz autoritária. Ficando claro, dessa forma, uma antinomia entre um código de caráter fascista, autoritário, abusivo, inquisitório e uma constituição cidadã, contemporânea, baseada em direitos e garantias e na plena proteção da dignidade da pessoa humana.
Portanto, faz se necessário um crivo constitucional, quando da aplicação das regras do Código de Processo Penal, a fim de se verificar se tal regra foi ou não recepcionada pela atual ordem constitucional. Nesse sentido, concorda-se com as lições de Coutinho, ao afirmar:
Há, porém, nisso tudo, que se entende o status quo e perceber ser a constitucionalização do Código de Processo Penal e da legislação processual penal um dir-se-ia, em sentido atécnico – processo; e não mero ato. [...] Aqui, como parece elementar, ao Poder Judiciário cabe, tendo ciência da situação – empurrando aqueles que a ignoram -, passar aos – ou paulatinamente ir fazendo-os – imprescindíveis ajustes constitucionais, por sinal como se deu com várias Cortes Constitucionais europeias no último pós-guerra mundial, a começar pela italiana, a qual foi, passo a passo, declarando a inscontitucionalidade do CPPI” (COUTINHO, 2010, pp. 8-9).
Evidente, diante de todo o exposto, que é inadmissível qualquer aplicação dos Artigos do Código de Processo Penal vigente sem a realização de um delicado e completo controle de constitucionalidade. Não é suficiente apenas a conformidade dos dispositivos de lei penal com as normas constitucionais, Assim, para que o poder punitivo tenha legitimidade é imperioso que ao réu tenha sido garantido o devido processo legal, com todos os seus consectários, previstos não só na Constituição Federal, mas, também, no Pacto de São José da Costa Rica.
Dentro desse contexto, o sistema interamericano de proteção dos Direitos Humanos partiu da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), de 1948, ou Carta de Bogotá, e da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (DADH), de 1948, culminando com a Convenção Americana dos Direitos Humanos (CADH), também chamada de Pacto de São José da Costa Rica, de 1969. O Brasil ratificou a CADH através do Decreto Legislativo n. 27, de 28 de maio de 1992, e a promulgou pelo Decreto Executivo nº 678, de 6 de novembro de 1992, assumindo, portanto, a obrigação internacional de assegurar o seu cumprimento, a ela vinculando-se, em especial de proteção da dignidade da pessoa humana.
Dessa maneira, após todas as conquistas civilizatórias operadas no período pós-segunda guerra mundial, tem-se um Estado democrático criado através de um prisma humanitário, atribuindo valor aos direitos e garantias conquistadas e inserindo o conceito de dignidade da pessoa Humana como pilar mestre da Democracia pós-guerra. Esse novo modelo de Estado Democrático de Direito produz importantes efeitos jurídicos, inclusive, no âmbito do processo penal, fazendo com que o imputado, não seja tratado como objeto, no atual estado da arte no processo penal, mas, sim, como um sujeito de direitos.
Por essas razões, acertadamente Giacomelli, (2015, p. 12) leciona que “Uma leitura convencional e constitucional do processo penal, a partir da constitucionalização dos direitos humanos, é um dos pilares a sustentar o processo penal humanitário”. Nesse entendimento, há que se falar em “processo penal constitucional, convencional e humanitário”, exaltando “a proteção convencional internacional dos direitos vem justificada no preâmbulo da CADH, por serem atributos da pessoa humana, cujo modelo é reconhecido e integra a normatividade internacional”.
3 DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA
O termo audiência de custódia não encontra relação no direito comparado, há inclusive o uso da expressão “audiência de garantia” e autores que prefiram o uso da expressão “audiência de apresentação”, mas no Brasil o termo acolhido amplamente pela imprensa e pelos órgãos (judiciais e legislativos), que buscam analisar sua necessidade e implementação, foi definitivamente o termo audiência de custódia.
O conceito do termo se relaciona com o ato de guardar, de proteger, de garantir. A audiência de custódia consiste, portanto, na condução da pessoa, sem demora, a presença de uma autoridade judicial que deverá garantir a guarda, a proteção do preso, para a partir de um prévio contraditório entre ministério público e defesa, exercer um controle imediato da legalidade e necessidade da prisão, assim como analisar a existência de tortura e maus tratos relativo a condução do cidadão conduzido. Entende-se que a existência de uma audiência de custódia pode ser considerada como uma hipótese relevante do direito constitucional do cidadão de acesso a jurisdição, traduzindo –se em obrigação positiva a cargo do estado (PAIVA, 2018).
Vários são os tratados internacionais de direitos humanos que versam sobre a necessidade da referida garantia. A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) prevê em seu Art. 7, que “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora a presença de um juiz ou outra autoridade, autorizada em lei a exercer funções judiciais [...]”. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) da mesma forma estabelece em seu Art. 9, que “Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de ação penal, deverá ser conduzida sem demora, à presença de um juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais. A Convenção europeia de Direitos Humanos (CEDH), assegura igualmente em seu Art. 5 que: “Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c, do presente artigo, deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei a exercer funções judiciais”.
Nesse mesmo sentido, recentemente, a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, promulgada no Brasil pelo decreto nº 8.766/2016, estabeleceu em seu Art. XI que “toda pessoa privada de liberdade deve ser mantida em lugares de detenção oficialmente reconhecidos e apresentados, sem demora e de acordo com legislação interna respectiva, a autoridade judiciária competente”.
A principal função da implementação legislativa do código de processo penal com a inclusão da audiência de custódia é ajustar o processo penal brasileiro aos tratados internacionais de direitos humanos, muitos ratificados voluntariamente pelo Brasil.
Outra finalidade da audiência de custódia se relaciona com a prevenção da agressão e da tortura policial, assegurando a efetivação da proteção e do direito a segurança e a integridade das pessoas que se encontram presas. Assim, prevê o Art. 5 da CADH que “ninguém deve ser submetido a torturas, nem penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido a dignidade inerente ao ser humano. (PAIVA, 2018).
Neste sentido, a Corte interamericana de Direitos Humanos já decidiu que a apresentação imediata ao juiz é essencial a proteção integral dos direitos inerentes as pessoas, incluídos entre eles a liberdade pessoal, a vida e a integridade pessoal, adverte que “ o simples conhecimento por parte do juiz que existe uma pessoa detida, não satisfaz essa garantia, já que o mandamento se refere ao comparecimento pessoal e apresentar sua declaração ante o juiz ou autoridade competente (PAIVA, 2018).
Obviamente, porém, não se pode esperar que apenas o procedimento de audiência de custódia garanta efetivamente a eliminação da tortura policial, uma prática que percorre todo o período ditatorial, com repercussão até mesmo na democracia pós-constituição federal de 1988. No entanto, a medida pode contribuir decisivamente no combate e redução da tortura policial, em um momento crucial para a manutenção da integridade física da pessoa detida, o qual corresponde aos momentos logo após a prisão, onde o calor dos acontecimentos geralmente provoca reações desmedidas pelos que detém o poder policial.
3.1 Audiência de Custódia e a Constituição Federal
3.1.1 Jurisdicionalidade.
A garantia da jurisdição revela-se não só na existência de um juiz natural apto a conduzir o processo, exige-se um juiz capacitado para que, de forma imparcial, e também comprometido com a observação dos preceitos e garantias constitucionais, possa promover não só a devida condução do processo como instrumento do Jus Puniendi Estatal, mas também como garantias aos abusos e distorções desse poder.
Assim, conforme leciona Lopes Jr (2019), O juiz assume modernamente uma posição destacada no Estado democrático de direito. Sua atuação é legitima, não é política, mas sim constitucional, consubstanciada na função de proteção dos direitos e garantias fundamentais de todos, de modo que deve tutelar o indivíduo as injustiças cometidas e abandonar mitos jurisprudenciais da verdade real no processo penal, absorvendo, quando esse não conter provas suficientes para condenação.
A legitimidade democrática do juiz deriva do caráter democrático da constituição, e não da vontade da massa. Essa por sua vez se insere como uma dentre as várias garantias orgânicas, inerente a função constitucional do juiz, exemplificada aqui pela garantia da independência jurisdicional, que contrário senso, não significa uma liberdade plena, arbitrária, uma vez que sua decisão é vinculada às provas produzidas no processo, com plena observância das garantias fundamentais e a devida fundamentação jurídica, evitando assim padronização de decisões em escala (LOPES JÚNIOR, 2019).
3.1.2 O direito de ser julgado em prazo razoável
Vários são os conceitos de tempo para as mais diversas fontes. De acordo com Lopes Jr (2018), o tempo, no que se refere ao direito penal, é base para sua estrutura punitiva estatal, uma vez que a medida de sua criação para a penalização de condutas antijurídicas, ele também é morto ou “descrido” quando da prescrição por decurso de tempo. Portanto, Pune-se através da quantidade de tempo e permite-se que o tempo substitua a pena. No primeiro caso, o tempo é o castigo, e no segundo caso o tempo é o perdão da prescrição.
Quando a duração de um processo supera o limite da duração razoável o estado se impõe de forma ilegal em relação ao particular de forma dolorosa e irreversível. E esse apontamento ocorre, mesmo sem prisão cautelar decretada, à medida que o processo, sua demora, suas implicações já se tornam, nas suas devidas medidas, uma pena em si mesma.
Surge dessa maneira, uma advertência constitucional, uma vez que atropela as garantias fundamentais, equivocadas pela política de aceleração do tempo do direito. Evidencia-se aqui uma difícil dicotomia: de um lado um processo demasiadamente expedido, em que se atropela os direito e garantias, e de outro aquele que se arrasta, negando-se a verdadeira tutela da justiça e agravando todo o conjunto de penas processuais ínsitas ao processo penal (LOPES JÚNIOR, 2019).
3.1.3 Presunção de inocência ou um dever de tratamento
A presunção de inocência nasceu no Direito Romano, com grande repercussão posterior durante o período da idade média, onde seu conceito foi descaracterizado ao ponto de se inverter sua significação (LOPES JÚNIOR, 2019).
Conforme Araújo (2017), a presunção de inocência teve origem moderna na Declaração dos homens e dos cidadãos em 1971, com redundância global, pela declaração dos direitos Humanos da ONU, em 1948. Esse documento internacional é claro ao garantir em seu Art.11 que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se provar sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se garantam as condições necessárias a sua defesa”.
No Brasil, o princípio da presunção de inocência está expressamente consagrado do Art. 5, LVII da constituição, determinando sua aplicação a todo o processo penal e sua eficácia a própria qualificação do sistema processual nacional (LOPES JÚNIOR, 2019).
Parafraseando Araújo (2017), afirma-se que essa garantia evita a aplicação errada da lei processual penal e de todos os dispositivos penais, possibilitando ao acusado um julgamento de forma justa respeitando seus direitos e garantias constitucionais.
A análise constitucional e supralegal do Art. 9 da declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 1789 aponta para uma imposição, um verdadeiro dever de tratamento, à medida que exige que o réu seja tratado como inocente, possuindo repercussão interna ao processo como também exterior a ele (LOPES JÚNIOR, 2019). Ainda sobre a presunção de inocência, o autor complementa:
Na dimensão interna, o dever de tratamento imposto, inicia-se ao juiz determinando que o dever de provar seja responsabilidade exclusiva do acusador, ou seja o Jus Puniend Estatal, conduzindo naturalmente a constatação que se restar dúvida na comprovação do que se alega do réu, o mesmo deverá ser absorvido. Externamente ao processo, a presunção de inocência exige proteção contra publicitação abusiva e estigmatização do acusado. Essa garantia apresenta-se como verdadeiros limites democráticos ao abuso e exploração da condição do acusado perante a mídia, evitando os espetáculos midiáticos sobre as condições do acusado, respeitando sua condição como pessoa humana (LOPES JÚNIOR, 2020, pp. 141-142).
3.1.4 Contraditório e a ampla defesa
De acordo com Araujo (2017), o princípio do contraditório tem sua origem do termo latim “audiatur et altera pars” que se traduz pela expressão “ouça-se também a outra parte” e o princípio da ampla defesa possibilita a igualdade jurídica entre essas partes.
O princípio do contraditório é inicialmente tratado como método de confrontação de provas e comprovação de verdades, deixando de lado qualquer juízo potestativo, mas como uma análise disciplinada e procedimental entre partes contrapostas, uma que representa o interesse punitivo do estado e outra que possibilita sua limitação através de defesa técnica. Essa confrontação representa a própria base da dialética processual (LOPES JÚNIOR, 2019).
O ato de contradizer, por sua parte, corresponde a própria afirmação da acusação diante das afirmações contrárias da defesa, isso configura minimamente o processo de acusação do processo penal, onde o contraditório conduz ao direito de audiência e as alegações mútuas das partes da forma de debate, direcionados objetivamente a refutar as alegações da parte contrária (LOPES JÚNIOR, 2019).
Segundo Lopes Jr, (2019), o juiz deve conceder a ambas as partes possibilidades iguais de serem ouvidas, sob pena de parcialidade, a medida que conheceu apenas parte do que deveria ter conhecido, ou seja, o contraditório é observado quando se cria condições iguais de fala e oitiva das partes, de forma que a legitimidade das partes não seja reduzida no jogo processual.
Contudo, contraditório e direito de defesa são distintos, pelo menos teoricamente. A defesa técnica e contraditório estão intimamente ligados, uma vez que o exercício da defesa é consectário do princípio do contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por esse se manifesta e é garantida.
Ambos os princípios, do contraditório e da ampla defesa, devem estar presente em qualquer forma de atuação do poder punitivo do estado, mesmo em fase de inquérito o direito de se defender pelos meios legais deve ser garantido conforme explica Araújo (2017).
O direito à ampla defesa gera direito a diferentes tipos, qual seja a defesa técnica e a defesa pessoal, correspondendo ao binômio estruturado da defesa privada ou autodefesa e da defesa pública ou técnica (LOPES JÚNIOR, 2019).
3.2 Da Realização da Audiência de Custódia e a Resolução 213/15 CNJ.
Apesar de o Brasil ter aderido aos termos da Convenção Americana dos Direitos Humanos a mais de 23 anos, o que seria o suficiente para se exigir o fiel respeito e cumprimento do procedimento de audiência de custódia, e depois de várias tentativas frustradas de criação de dispositivos que regulamentassem o instituto (PL 156/2009, PL 554/2011 e as PECs 112/2011 e 89/2015), apenas em 2015 teve-se um avanço normativo, com a implementação da Resolução 213/2015 do CNJ (PAIVA, 2018).
Mesmo depois da Resolução do CNJ, restou ainda várias interpretações lacunosas quanto a realização do procedimento de audiência de custodia, em razão de outros tipos de prisões cautelares, uma vez que a determinação oriunda do Art. 1 da resolução traz a expressão prisão em flagrante Delito.
Neste aspecto, Paiva (2018) considera possível a realização da audiência de custódia diante de prisões preventivas e temporárias, uma vez que não se encontra restrito o termo a pratica do instituto somente aos casos de prisão em flagrante, já que no Pacto de San Jose da Costa Rica, utiliza-se a expressão “toda pessoa presa [...]”. No caso da prisão temporária, considera o comando legislativo do Art. 2, parágrafo 3 da lei 7960/89, insuficiente, já que prevê a prática do ato como uma faculdade e não como uma obrigação a ser realizada pela mera conveniência do magistrado.
Ainda Sobre a possibilidade da audiência de custódia a outras prisões, salientamos o que é defendido por Santiago Neto (2017, p. 363):
A falta de cumprimento a regra da garantia para a fixação e manutenção da prisão deveria gerar necessariamente nulidade. De nada serviria estabelecerem-se garantias se seu descumprimento na resultasse em nulidade. Porém, não foi esse o entendimento do Superior Tribunal de Justica sob a compreensão de que “a posterior conversão do flagrante em prisão preventiva constituiria novo titulo a justificar a privação da liberdade, restando desnecessária, no entendimento da corte superior, nova audiência de custodia, com a apresentação do preso ao juízo de origem.
4 DA NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA PARA AS DEMAIS PRISÕES
Conforme exposto, a audiência de custódia é aplicada no Brasil apenas para as prisões em flagrante. A audiência de custódia é disciplinada pela resolução 213/2015, além da resolução, o art. 310 do Código de Processo Penal determina que o juiz ao receber o auto de prisão em flagrante, deverá I; relaxar a prisão ilegal, II; converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presente os requisitos.
A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, chamada de Pacto São José da Costa Rica disciplina sobre audiência de custódia, a mesma determina em seu artigo 7.5 que toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida sem demora, a presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais. Diante disso, é notável que a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos não especificou qual a espécie de prisão deverá ser feita na audiência de custódia.
Esta audiência é uma medida de prevenção disciplinada pela convenção americana como forma de evitar possíveis práticas de tortura, por isso tão importante a discursão sobre a aplicação desta audiência, não somente na prisão em flagrante, mas sim em todas as modalidades de prisões, conforme veremos detalhadamente as espécies: prisão civil, prisão cautelar e prisão penal.
4.1 Da Prisão Civil
A prisão civil, conforme esclarece Marinho (2017), é a que ocorre como medida coercitiva, econômica, social com o fim de fazer cumprir as obrigações do devedor de alimentos e do depositário infiel. esta medida é prevista na Constituição Federal de 1988 em seu inciso LXVII.
Em seu artigo, o autor supracitado aduz que em razão das especificidades do crédito alimentar, que tem como uma das principais finalidades, a sobrevivência do alimentando, é notório se observar a possibilidade da prisão do devedor no caso de inadimplemento, previsão legal no Art. 5 da CF/88, LXVII, que dispõe que não haverá prisão por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.
A prisão civil é decretada pelo juiz, a requerimento do alimentando, o juiz cita o devedor para pagar a quantia em 3 dias, caso o devedor não efetue o pagamento e nem apresente justificativa, será decretada a prisão civil, com pena de 1 (um) a 3 (três) meses no regime fechado. Não há previsão no Código de Processo Penal sobre a possibilidade da audiência de custódia para esta modalidade de prisão, indo contrário ao pacto de São José da Costa Rica, que determina que apenas o fato do imputador ser preso, deverá ser levado a presença de um juiz competente.
4.2 Das Prisões Cautelares
A prisão cautelar segundo Lopes Jr. (2020), se subdivide em duas espécies, a saber prisão preventiva e prisão temporária, há também quem diga que a prisão em flagrante é uma modalidade de prisão cautelar. O autor ainda entende que a prisão cautelar busca assegurar o desenvolvimento e o resultado eficaz do processo, portanto, essas medidas visam a tutela do processo, com caráter instrumental. O fator essencial não é tempo, mas sim as circunstâncias criadas pelo imputado, que é o caso de fuga e a sua consequente frustração punitiva, ou até mesmo no caso de colheita de prova haver alguma simulação, fraude e etc.
4.2.1 Da prisão em flagrante
A prisão em flagrante, conforme o conceito de Lopes Jr (2020), é uma medida precautelar, cuja a natureza é pessoal, ou seja, só poderá ser realizada a prisão do indivíduo que é o real suspeito de praticar a ação. Essa espécie de prisão pode ser efetuada por autoridade policial ou por particulares, sugere-se aqui observar: o fato de poder ser realizada por particulares é devido a sua brevidade, duração e o dever de um juiz competente analisar quanto a legalidade do ato e decidir sobre o relaxamento ou manutenção da prisão, mas agora convertendo em prisão preventiva, mediante requerimento do Ministério Público ou Autoridade Judiciária.
O juiz deverá analisar um requisito essencial para converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, que é o periculum libertatis, usado aqui para justificar a prisão preventiva, caso não esteja presente este requisito, o juiz deverá conceder a liberdade provisória, mediante fiança ou sem fiança. Conforme disposição do caso, e ainda poderá ser atribuído medidas cautelares que estão descritas no Art. 319 do Código de Processo Penal. É porém considerado inadmissível, na visão de Lopes Jr., a manutenção da prisão sem qualquer fundamento apresentado pela autoridade judiciária.
A prisão em flagrante por si só não é fundamento para a manutenção da prisão do imputado, isso devido ao fato da prisão desta espécie não poder superar o curto espaço de 24 horas, prazo máximo para que o auto da prisão em flagrante seja enviado para o juiz, conforme o art. 306, parágrafo primeiro do CPP.
O Artigo 302 do Código de Processo Penal enumera algumas formas que são consideradas flagrante:
I – Está cometendo a infração penal;
II – Acaba de cometê-la;
III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
O inciso I trata-se de um flagrante em que o agente é preso no momento da prática do delito, mesmo que o agente não consuma o delito, pois já é surpreendido pela autoridade policial ou particular. Esta é detentora de maior credibilidade, conforme demonstra Lopes JR;
A prisão em flagrante, nesse caso, é detentora de maior credibilidade. Ocorre quando o agente é surpreendido durante o iter criminis, praticando a conduta descrita no tipo penal sem, contudo, tê-lo percorrido integralmente. É o caso em que o agente é preso enquanto “subtrai” a coisa alheia móvel (155 do CP), ou ainda, no crime de homicídio, está agredindo a vítima com a intenção de matá-la (ou seja, está praticando o verbo nuclear do art. 121 do CP) (LOPES JÚNIOR. 2020, p. 938).
No inciso II, há o flagrante quando a autoridade ou particular surpreende o agente que acaba de consumar o delito, há uma simples diferença do inciso I, pois no anterior o crime ainda está na fase de execução.
No inciso III, para o flagrante acontecer, é preciso analisar três situações, explicadas claramente por Lopes Jr, ao resumir: 1. perseguição (requisito de atividade); 2. logo após (requisito temporal); 3. situação que faça presumir a autoria (elemento circunstancial).
O conceito de perseguição pode ser extraído do art. 290 do CPP, especialmente das alíneas “a” e “b” do parágrafo primeiro. Logo, a perseguição exige uma continuidade, em que perseguidor (autoridade policial, vítima ou qualquer pessoa) vá ao encalço do suspeito, ainda que nem sempre tenha o contato visual. Deve-se considerar ainda a necessidade de que a perseguição inicie “logo após” o crime. Esse segundo requisito, temporal, deve ser interpretado de forma restritiva, sem que exista, contudo, um lapso definido na lei ou mesmo na jurisprudência. Exige-se um lapso mínimo, a ser verificado diante da complexidade do caso concreto, entre a prática do crime e o início da perseguição. Reforça esse entendimento o fato de que a “perseguição”, na dimensão processual, somente é considerada quando há o contato visual inicial ou, ao menos, uma proximidade tal que permita à autoridade ir ao encalço do agente (LOPES JÚNIOR. 2020, p. 940).
O inciso IV é o flagrante com menor credibilidade, pois este é difícil de se legitimar, e conforme o inciso IV, é necessário a presença de três elementos para ser considerado flagrante. Os quais são: encontrar o agente, que deve ser logo em seguida a pratica do delito e por último ter indícios de autoria, ou seja encontrar elementos como, armas ou algum objeto do próprio delito.
A audiência de custódia é aplicada cotidianamente nos casos em que ocorre a prisão em flagrante, nos termos do art. 1 da resolução 213/2015 que determina expressamente que o imputado que se for preso em flagrante deverá ser levado a presença de um juiz competente no prazo de 24 horas, esta regra não é aplicada nas demais prisões, como é abordado neste artigo.
4.3 Prisão Preventiva
A prisão preventiva, conforme dispõe o Art. 311 do CPP pode ser decretada no decurso da investigação preliminar ou qualquer fase do processo, até mesmo após sentença penal recorrível. Lopes Jr (2020) cita ainda que a prisão preventiva só pode ser decretada por um juiz ou tribunal competente, a qual deve ser uma decisão fundamentada, não podendo ser de oficio, sendo necessário o requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.
O inciso I do art. 311 do CPP determina que em casos em que a pena for igual ou inferior a 4 anos, não poderá ser decretada a prisão preventiva.
A prisão preventiva é utilizada cotidianamente no Brasil, diferentemente da prisão em flagrante, a prisão preventiva não possui audiência de custódia, ou seja o imputado é preso sem ser levado a presença de um juiz, o que acaba ocasionando uma omissão quanto a análise da legalidade ou não da prisão.
4.3.1 Requisitos da prisão preventiva fumus commissi delicti, juízo de probabilidade de tipicidade, ilicitude e culpabilidade
O Art. 312 do CPP determina os requisitos essenciais para poder ser decretada a prisão preventiva, analisando-o. iniciaremos pelo Fummus Commissi Delicti, este é o requisito que determina que para ser decretada a prisão, existam fortes indicios de autoria e provas da existência do crime. Indícios de autoria não significa certeza de quem é o autor, mas sim uma probabilidade substancial de quem é o Autor do Crime.
4.4 Prisão Temporária
A prisão temporária tem sua disciplina aprofundada na lei 7.960/89, porém o Art. 282 do Código de Processo Penal, por sua vez, é uma ferramenta que se utiliza para todas as medidas cautelares, sendo assim, conforme o Art. 282 do CPC, o juiz deve se ater ao parâmetro de adequação e necessidade para decretar a prisão preventiva.
A prisão temporária é decretada pelo juiz a requerimento do Ministério Público, devendo ser uma decisão fundamentada, demostrando a necessidade da medida cautelar. Lopes Jr (2020) disciplina quais os elementos devem ocorrer para que se decrete a prisão temporária:
Além de observar se a medida realmente é necessária para a investigação e a coleta dos elementos probatórios buscados, deve verificar se a prisão temporária é adequada à finalidade apontada pela autoridade policial. Em última análise, estamos tratando da proporcionalidade da prisão, que adquire especial relevância agora com o amplo rol de medidas cautelares diversas, previstas no art. 319 (LOPES JÚNIOR, 2020, p. 1053).
Não existe uma previsão normativa no CPP acerca da aplicação da audiência de custodia nesta modalidade de prisão, inviabilizando uma ferramenta que seria essencial para se analisar a legalidade da prisão, a ocorrência de abuso e etc.
4.4.1 Prazo da prisão temporária
A lei 13.964 de 24 de dezembro de 2019, conhecida como lei anticrime, adentrou no Código de Processo Penal trazendo expressamente a possibilidade da Audiência de Custódia, a qual é regulamentada pelo pacto de são José da Costa Rica e pela resolução 213. A lei anticrime acrescentou no Art. 287 do CPP expressamente a possibilidade da Audiência de Custódia, no caso em de alguém se encontrar preso.
Esta inclusão da previsão da audiência de custódia no CPP não é limitada apenas à prisão em flagrante, pois o legislador não expressou qual a modalidade de prisão a qual seria aplicada. Contudo, mesmo com a criação da lei anticrime que disciplinou sobre a audiência de custódia dentro do CPP, houve uma lacuna por parte do legislador, pois não especificou qual modalidade de prisão seria cabível, deixando assim o poder para o juiz fazer a análise no caso concreto.
Além do art. 287 do CPP, o art. 310 sofreu alterações, a qual determina expressamente que finalizando o flagrante, o preso deverá ser levado ao juiz no prazo máximo de 24 horas para ser realizado o controle de legalidade da prisão. O legislador, diferentemente do que ocorreu no Art. 287, ao elaborar o Art. 310 do CPP, especificou qual a modalidade de prisão será cabível a audiência de custódia no prazo de 24 horas, a qual é permitida de forma expressa para a prisão em flagrante.
Conforme Lopes Jr (2020), o tratamento de audiência de custódia não deve se limitar apenas a prisão em flagrante, pois nos termos do art. 7.5 do CAD, a audiência de custódia deverá ser realizada para todas as modalidades de prisões.
Por esse pressuposto, seria de suma importância a previsão expressa, determinando a realização da audiência de custódia não só na prisão em flagrante, mas sim em todas as modalidades, haja vista que um dos principais objetivos da audiência de custodia é verificar a real condição do imputado, averiguar como foi a forma que foi efetuada a prisão, entre outros aspectos de validativos de aplicação das garantias legais.
6 CONSIDERACOES FINAIS
Diante do exposto, fica evidente a necessidade do questionamento sobre a real adequação do instituto da audiência de custódia diante da conformidade não apenas no âmbito constitucional, mas também no aspecto convencional, através de uma análise que extrapole a verificação meramente cartorial de dispositivo do código de processo penal, que possibilite um tratamento mais humanitário e digno, com base nos tratados internacionais dos Direitos Humanos.
Para tanto, faz-se necessário romper com verdades e certezas “absolutas” no processo penal, que não mais se coadunam com os regramentos constitucionais e internacionais de direitos humanos, transformando-o, assim, em um verdadeiro instrumento de máxima eficácia de direitos e garantias previstos na Constituição Federal e no Pacto de São José da Costa Rica.
No entanto, as demais modalidades de prisões cautelares e a própria prisão do devedor de alimentos devem também ser analisadas através do crivo da dupla conformidade, deixando de lado a parcialidade legislativa e contribuindo para um sistema de proteção mais integral e completo.
Portanto, é inegável a necessidade de rompimento desses entraves, na direção da construção de um processo penal constitucional e humanitário, que necessariamente passa pela análise de conformidade das regras do Código de Processo Penal com o Pacto de São José da Costa Rica, dentro daquilo que se chama de controle de convencionalidade, até porque hierarquicamente o CPP, enquanto lei ordinária, está baixo da CADH, que segundo o STF possui o status de norma supralegal.
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[i] Professor, Mestre e Orientador deste artigo. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/5963426905730852
Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REGIS, francys van kastler soares. Audiência de custódia: garantia da dupla conformidade do processo penal nas prisões cautelares e na prisão do devedor de alimentos. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 maio 2020, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54603/audincia-de-custdia-garantia-da-dupla-conformidade-do-processo-penal-nas-prises-cautelares-e-na-priso-do-devedor-de-alimentos. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
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