RESUMO: O artigo propõe-se a abordar o princípio da insignificância e sua aplicabilidade no Direito Administrativo. Tem o objetivo de demonstrar as relações entre os princípios da moralidade administrativa, da proporcionalidade, da razoabilidade e da insignificância na aplicação de sanções em casos de infrações disciplinares e atos de improbidade administrativa, estabelecendo a distinção entre improbidade administrativa propriamente dita e meras irregularidades, e, ainda, analisar os entendimentos jurisprudenciais na aplicação destes princípios que culminam em sanções administrativas e penais divergentes.
PALAVRAS-CHAVE: Princípios. Insignificância. Improbidade. Irregularidades. Divergências.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Os princípios da moralidade administrativa, proporcionalidade e razoabilidade. 2. Distinção entre improbidade administrativa e mera irregularidade administrativa. 3. Princípio da insignificância. 4. Dosimetria da sanção. Considerações finais. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Com o objetivo de coibir a improbidade administrativa a Constituição Federal de 1988 impôs em seu texto, art. 37, § 4º, que os atos de improbidade serão puníveis com a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Em 1992 o Congresso Nacional inseriu em nosso ordenamento jurídico a Lei 8.429, que dispôs sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional da União, dos Estados-Membros, do Distrito Federal e dos Municípios.
A referida norma classifica os atos de improbidade administrativa em três grupos (seções), a saber: atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito, atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário e atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública.
Em obediência à previsão constitucional (art. 37, § 4º) que assegura a independência entre as esferas penal e administrativa quanto aos atos de improbidade na Administração Pública, a Lei 8.429/92 tratou em seu Capítulo V (artigos 14 a 18) sobre o procedimento administrativo e o processo judicial para a devida apuração dos atos ilícitos cometidos por agentes públicos ou pessoa que não detenha tal qualidade, mas que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
No que tange ao regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, entrou em vigor a Lei 8.112/90, revogando o antigo Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União (Lei 1.711/52). A nova lei inseriu uma maior amplitude e rigidez no que se refere ao regime disciplinar e ao processo administrativo disciplinar, dispostos nos títulos IV e V, respectivamente.
A legislação acima referida dita seus próprios procedimentos na tramitação de seus processos. No entanto, subsidiariamente, aplicam-se os preceitos da Lei 9.784/99, que estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta. Norma também aplicada aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa.
Os demais ilícitos cometidos por servidores públicos, não compreendidos como crimes de improbidade administrativa ou infrações disciplinares, são devidamente tipificados no Código Penal Brasileiro em rol específico de crimes praticados contra a administração pública em geral e em normas penais extravagantes. Tais infrações penais obedecerão aos ditames processuais do Código de Processo Penal.
De qualquer modo, os atos tipificados como crimes ou infrações administrativas cometidas por agentes públicos no exercício irregular de suas atribuições terão reflexos no âmbito administrativo. Nestes casos, a responsabilidade administrativa do servidor somente será afastada em caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.
1. OS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA, PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE
A moralidade administrativa compõe o rol de princípios expressos na Lei Fundamental (artigo 37, caput) desde a sua promulgação pelo Poder Constituinte originário de 1988, ao lado dos princípios da legalidade, impessoalidade e publicidade. O princípio da eficiência foi inserido em nossa Carta apenas em 1998, com a Emenda Constitucional nº 19. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não estão expressos no texto constitucional, o que não minimiza a importância destes princípios.
A Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública federal elencou em seu artigo 2º, caput, o seguinte: “a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”.
Os demais ilícitos cometidos por servidores públicos, não compreendidos como crimes de improbidade administrativa ou infrações disciplinares, são devidamente tipificados no Código Penal Brasileiro em rol específico de crimes praticados contra a administração pública em geral e em normas penais extravagantes. Tais infrações penais obedecerão aos ditames processuais do Código de Processo Penal.
De qualquer modo, os atos tipificados como crimes ou infrações administrativas cometidas por agentes públicos no exercício irregular de suas atribuições terão reflexos no âmbito administrativo. Nestes casos, a responsabilidade administrativa do servidor somente será afastada em caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.
1.1 A MORALIDADE ADMINISTRATIVA
Além da disposição constitucional e da lei que rege o processo administrativo federal, nossa legislação infraconstitucional conta com importantes preceitos formulados sobre a moralidade administrativa no Decreto 1.171/94, que dispõe sobre o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. No anexo do referido decreto, Capítulo I, Seção I, Das Regras Deontológicas, item III, importante conceito do princípio da moralidade administrativa foi introduzido ao texto normativo:
“A moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da ideia de que o fim é sempre o bem comum. O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, é que poderá consolidar a moralidade do ato administrativo[1].”
O professor Hely Lopes Meirelles, analisando o conceito de moralidade administrativa e seus efeitos nos atos administrativos, assim lecionou[2]
“O certo é que a moralidade do ato administrativo juntamente com a sua legalidade e finalidade, além da sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública será ilegítima”.
[...]
Há que conhecer, assim, as fronteiras do lícito e do ilícito, do justo e do injusto, nos seus efeitos.
O gestor público deve se afastar das condutas que se aproximem da ilicitude e da injustiça. Os atos administrativos devem ser pautados na finalidade do interesse público e devidamente motivados, mesmo que comportem oportunidade e conveniência para a tomada de decisão.
Antônio José Brandão compara as formas com as quais o princípio da moralidade administrativa pode afetar os atos dos gestores da res publica[3]
À luz dessas ideias, tanto infringe a moralidade administrativa o administrador que, para atuar, foi determinado por fins imorais ou desonestos como aquele que desprezou a ordem institucional e, embora movido por zelo profissional, invade a esfera reservada a outras funções, ou procura obter mera vantagem para o patrimônio confiado à sua guarda. Em ambos os casos, os seus atos são infiéis à ideia que tinha de servir, pois violam o equilíbrio que deve existir entre todas as funções, ou, embora mantendo ou aumentando o patrimônio gerido, desviam-no do fim institucional, que é o de concorrer para a criação do bem comum.
Viola o princípio da moralidade as condutas permeadas com objetivo de lograr proveito individual do patrimônio coletivo ou quando praticadas com desvio de finalidade. Prevalece, portanto, o dever de obediência aos princípios da indisponibilidade do interesse público e da legalidade, sendo este último, no que tange às atribuições legais específicas de cada agente público.
1.2 PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE
Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não possuem conceitos unânimes e bem definidos na doutrina e na jurisprudência. Podem ser analisados sob os vários aspectos, a depender de quem o interpreta. Parte da doutrina os exploram com acepções autônomas, como o mestre Humberto Ávila[4], que os classifica como postulados específicos.
Por outra vertente, a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[5], defende que o princípio da proporcionalidade está inserido no princípio da razoabilidade, assim dissecando tal entendimento
“Embora a Lei 9.784/99 faça referência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, separadamente, na realidade, o segundo constitui um dos aspectos contidos no primeiro. Isto porque o princípio da razoabilidade, entre outras coisas, exige proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem que alcançar. E essa proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em que vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas diante do caso concreto”.
Acerca do princípio da razoabilidade administrativa leciona o professor Diogenes Gasparini[6]
“A lei, ao conceder ao agente público o exercício da discricionariedade, não lhe reservou, em absoluto, qualquer poder para agir a seu gosto, ao contrário, impôs-lhe o encargo de agir tomando a melhor providência à satisfação do interesse público a ser conseguido naquele momento. A lei, portanto, não lhe permite, sob pena de ilegalidade, qualquer conduta não desejada pela lei, que somente aceita as coerentes. Em suma: nada que esteja fora do razoável, do sensato, do normal, é permitido ao agente público, mesmo quando atua no exercício de competência discricionária”.
A Corte Suprema tem entendimentos diversos acerca dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade quando utilizados como fundamentos de suas decisões em matérias constitucionais e administrativas. Determinadas decisões são embasadas com observância da proporcionalidade como princípio autônomo[7]. Em outros acórdãos o princípio da razoabilidade adquire seu formato independente[8]. Por outro lado, os referidos princípios são utilizados em algumas decisões minoritárias pelo Guardião da Constituição como um único princípio10, com o mesmo teor para a motivação da decisão proferida.
De toda sorte, o caráter autônomo de cada princípio ou a inserção de um sobre o outro não é óbice para o entendimento do caráter fundamental de seus conteúdos para a aferição de matérias que comportem a aplicação do princípio da insignificância. Ademais, a proporcionalidade, a razoabilidade e a moralidade são essenciais para a distinção entre improbidade administrativa e mera irregularidade, bem como na adequação da conduta praticada com a sanção cominada (dosimetria).
2. DISTINÇÃO ENTRE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E MERA IRREGULARIDADE ADMINISTRATIVA
O dever de probidade ou honestidade funcional11 é inerente a todos que exercem cargos, empregos ou funções na Administração Pública. Todas as leis que regulamentam o serviço público, orçamento, responsabilidade fiscal e contratos administrativos, ou seja, todas as normas que tenham como objetivo a utilização de recursos públicos, inserem dispositivos de proteção ao erário e maior rigor às irregularidades que resultem da aplicação destas normas.
Ocorre que nem todas as condutas que resultam prejuízo ao erário devem ser consideradas atos de improbidade administrativa. Podem ser considerados de mera irregularidade os desvios administrativos que não tenha repercussão econômica ou não causem lesão significativa na órbita financeira do Estado. O que não extingue o caráter imoral e ilegal de quem o pratica. Já os atos de improbidade seriam aqueles mais gravosos, não bastando a sua tipificação como ímprobo, mas sim, o relevo da conduta quanto aos prejuízos aos para a Fazenda Pública e o dolo para a prática da ilicitude.
A honestidade funcional[9] se impõe sob todos os aspectos e a cada instante, jamais devendo aproveitar-se o servidor das prerrogativas funcionais e das atribuições em que está investido para obter vantagens para si próprio ou para terceiros, a que pretenda favorecer.
Os professores Flávio Henrique Unes Pereira e Márcio Cammarosano[10], em artigo sobre improbidade administrativa e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, lecionam com muita clareza acerca da interpretação dos aspectos constitucionais relevantes para a distinção entre improbidade, ilegalidade e imoralidade. Segundo os referidos mestres
Diante do tratamento autônomo entre legalidade, moralidade e improbidade, impõe-se ao operador do direito desvelar, a partir da interpretação sistemática do texto constitucional, as diferenças consideradas pelo constituinte.
Percebe-se, claramente, que em mais de uma passagem o constituinte atrelou a (im)probidade administrativa à imposição de sanções de extrema gravidade:
(i) no art. 15, V, e art. 37, §4º, ao prever a suspensão ou perda dos direitos políticos;
(ii) no art. 37, §4º, ao dispor sobre a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário; e, no art. 85, ao disciplinar o crime de responsabilidade.
Tal constatação autoriza concluir que a improbidade administrativa, diferentemente da ilegalidade ou imoralidade, somente ocorre na perspectiva de grave abuso do direito ou do desvio de finalidade, a atrair, necessariamente, o elemento subjetivo por parte do agente público.
Caso contrário, não subsistiria diferença alguma entre (im)probidade e (i)moralidade administrativas, e até mesmo em relação à (i)legalidade.12
No julgamento do Recurso Especial nº 892.818/RS[11], a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso, por unanimidade, interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul em face de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que havia reconhecido a aplicabilidade do princípio da insignificância ato ilícito praticado por gestor público no Município de Vacaria-RS.
No julgamento da Apelação Cível Nº 7001288641214[12], que ensejou a interposição do Recurso Especial acima referido, a Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu provimento ao apelo. Por unanimidade, os desembargadores reconheceram que embora se tratasse de ato ímprobo, no caso concreto, o julgador de primeira instância não levou em consideração os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que culminou em sanção excessivamente desproporcional.
Ressalta-se que a movimentação do Poder Judiciário e de todo o aparato administrativo, desde o inquérito civil até a propositura da ação civil pública, com julgamento monocrático e em segunda instância (TJRS), além do Recurso Especial, está em total descompasso com o princípio da economicidade, pois os valores despendidos com a tramitação processual foram muito além do ínfimo montante de oito reais e quarenta e sete centavos que originou a demanda de improbidade para punição do agente público.
3. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
No âmbito do Direito Penal, o princípio da insignificância ou falta de interesse social15, ou ainda, da criminalidade de bagatela[13], depende de critérios ou requisitos de ordem objetiva. Para o Supremo Tribunal Federal17 a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem tais requisitos objetivos que autorizam a devida aplicação do princípio.
O princípio da insignificância, ou falta de relevância social, é o campo onde se situam todos aqueles atos que afetam insignificantemente o bem jurídico. Todavia, ele não está explícito na nossa lei penal, sendo deduzido do seu caráter fragmentário em uma verdadeira criação jurisprudencial. Na doutrina penal, sua introdução deveu-se a Claus Roxin[14]. Tal princípio, aliás, deve ser inferido do confronto com os princípios constitucionais vigentes e não, apenas, de estudo do bem jurídico isoladamente considerado ou atrelado, tão somente, aos fins da pena[15].
Na esfera tributária, em virtude da regulamentação infralegal por parte do Ministério da Fazenda, por meio da Portaria nº 75[16], regulamentou-se a não propositura de execuções fiscais pela Fazenda Pública quando o valor consolidado da dívida ativa seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Nestes casos, o Supremo Tribunal Federal[17] entende pela aplicação da insignificância.
Na hipótese acima, firmou-se na Corte Suprema o entendimento de que a pequena expressão econômica do valor da dívida ativa tributária e a ausência de interesse de agir não violam os princípios da isonomia e da inafastabilidade do Poder Judiciário.
No Direito Administrativo, no entanto, a aplicação do princípio da insignificância é controvertida. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que os atos de improbidade administrativa, mesmo aqueles de menor potencial ofensivo, também denominadas de meras irregularidades administrativas, não comportam sua aplicação.
O conceito de insignificância para o Direito Administrativo ainda não possui um conteúdo preciso, claro, unânime, consistente, o que o insere como mais um instituto com conceito jurídico indeterminado. O aspecto indeterminado de seu conteúdo pode gerar interpretações em diversos sentidos, o que não impede a apreciação do Poder Judiciário, como bem já definiu o Min. Eros Grau
Os atos administrativos que envolvem a aplicação de ‘conceitos indeterminados’ estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da administração.
4. DOSIMETRIA DA SANÇÃO
Frequentemente nos deparamos com sanções desarrazoadas da Administração Pública em processos administrativos, sejam elas quanto ao regime disciplinar de seus servidores (processo administrativo disciplinar), em processos que envolvam contratos administrativos com pessoas jurídicas de direito privado ou, ainda, em procedimentos que envolvam os demais administrados.
No âmbito administrativo, assim como no Poder Judiciário, as decisões são as mais diversas possíveis em análise de processos administrativos disciplinares contra seus servidores, mesmo em situações idênticas. No que tange aos servidores estatutários da União, a Lei 8.112/90 prescreve em seu art. 117, IX a XVI, vedações aos servidores públicos. Tais condutas são passíveis de demissão, nos termos do art. 132, XIII.
Ocorre que, alguns destes dispositivos legais podem causar interpretações variadas e prejudiciais se consideradas em sua literalidade. A exemplo do art. 117, XVI, que dispõe “utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares”. Ora, deve-se punir com demissão um servidor público pela utilização de uma ínfima resma de papel em atividade particular?
Nos parece desproporcional a pena de demissão para a situação hipotética. Há de se considerar o dano efetivamente causado ao Poder Público. E a própria Lei 8.112/90 trouxe essa possibilidade. Nos termos do artigo 128, na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.
No que tange aos crimes previstos na Lei de Improbidade, o parágrafo único do art. 12 da Lei 8.429/92 prescreve que na fixação das penas previstas em casos de improbidade administrativa o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
Ou seja, se o dano causado ao erário for ínfimo, será desproporcional a sanção que imponha multa excessiva, ou ainda, o período de suspensão de direitos políticos deve ser cominado de acordo com a conduta praticada, assim como a proibição de contratar com o Poder Público. No entanto, será razoável a perda da função pública, dada a ofensa à moralidade administrativa.
Grandes avanços legislativos vêm ocorrendo nos últimos anos, como a edição da Lei 12.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública. A referida lei elenca os atos lesivos à administração pública, a responsabilização administrativa e a possibilidade de acordo de leniência[18].
Por sua vez, o Decreto 8.420/2015, que regulamenta a Lei 12.846/2013, dispõe de forma explícita (art. 5º, § 4º e art. 8º, § 3º) sobre a necessidade da dosimetria da sanção na aplicação das medidas ensejadas pela responsabilização administrativa da Pessoa Jurídica que pratique atos ilícitos contra a Administração Pública.
“Art. 27. O acordo de leniência será celebrado com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos previstos na Lei n° 12.846, de 2013, e dos ilícitos administrativos previstos na Lei nº 8.666, de 1993, e em outras normas de licitações e contratos, com vistas à isenção ou à atenuação das respectivas sanções, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, devendo resultar dessa colaboração:
I - a identificação dos demais envolvidos na infração administrativa, quando couber; e
II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem a infração sob apuração”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Logo, ao considerar a moralidade e seu impacto perante a sociedade e a irrelevância monetária do prejuízo causado como aspectos necessários para a qualificação de mera irregularidade, o STJ ignora a aplicação da insignificância por completo, visto que à luz da coletividade, todos os atos praticados contra o erário terão repercussão moral e financeira, independentes de valores e conteúdo.
O Direito Penal tutela os bens jurídicos de maior importância para a sociedade. Mesmo assim, admite, em alguns casos, a aplicabilidade do princípio da insignificância, bem como da incidência de uma dosimetria proporcional da sanção conforme o ato praticado. Não permitir ao Direito Administrativo a utilização destes institutos, nos parece um retrocesso e uma imposição positivista que não se coaduna com o direito moderno, que propõe uma maior flexibilização jurisdicional.
REFERÊNCIAS
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BINENBOJM, Gustavo. Temas de direito administrativo e constitucional – artigos e pareceres – Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
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CAMMAROSANO, Márcio; PEREIRA, Flávio Henrique Unes. Improbidade administrativa e a jurisprudência do STJ: o esvaziamento do dolo nos artigos 9º e 11, e a inconstitucionalidade da culpa no art. 10. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 16, n. 83, p. 27-38, jan./fev. 2014.
CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Editor, 1992.
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MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. – Parte geral – vol. 1. – 7. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2013.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 41. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. – 16. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.
[1] BRASIL. Legislação federal. Decreto 1.171, de 22 de junho de 1994. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1171.htm > acesso em 27/06/2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Neste sentido: Cf. ADI 1407 MC, Relator(a): Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 07/03/1996, DJ 24-11-2000; HC 76.060, rel. min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 31-3-1998, Primeira Turma, DJ de 15-5-1998; RE 192.553, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 15-12-1998, Segunda Turma, DJ de 16-4-1999.
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 41. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 92-93.
[3] BRANDÃO, Antônio José. Moralidade Administrativa. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, 25: 454-67, p. 454.
[4] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. – São Paulo: Malheiros: 2011. p. 163-186.
[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. – 28. ed. – São Paulo: Atlas, 2015. p. 114.
[6] GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. – 17. ed. atualizada por Fabricio Motta – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 78-79.
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 104.410, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 6-3-2012, Segunda Turma, DJE de 27-3-2012.
[8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 655.298-AgR, rel. min. Eros Grau, julgamento em 4-9-2007, Segunda Turma, DJ de 28-9-2007.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 855, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 6-3-2008, Plenário, DJE de 27-3-2009.)
[9] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. – 16. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 418.
[10] CAMMAROSANO, Márcio; PEREIRA, Flávio Henrique Unes. Improbidade administrativa e a jurisprudência do STJ: o esvaziamento do dolo nos artigos 9º e 11, e a inconstitucionalidade da culpa no art. 10. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 16, n. 83, p. 27-38, jan. /fev. 2014.
[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 892.818/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 10/02/2010.
[12] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70012886412, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 08/02/2006.
[13] Denominação atribuída por alguns doutrinadores. Cf. MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. – Parte geral – vol. 1. – 7. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 25.
[14] CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Editor, 1992, p. 35-36.
[15] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 118014, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 06/08/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-163 DIVULG 20-08-2013 PUBLIC 21-08-2013.
[16] BRASIL. Ministério da Fazenda. Portaria MF nº 75/2012. DOU de 29.3.2012 - Republicada por ter saído no DOU de 26-3-2012, seção 1, pág. 22, com incorreção no original.
[17] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Cf. AI 679.874-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 4-12-2007, Segunda Turma, DJE de 1º-2-2008.
[18] BRASIL. Controladoria Geral da União. Portaria nº 910/2015. Disponível em < http://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/portarias/portaria_cgu_910_2015.pdf/view > acesso em 30/06/2015.
Bacharel em Direito, Universidade Católica de Brasília - UCB, Especialista em Direito Administrativo, LFG/Anhaguera. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Leonardo Ribeiro da. O princípio da insignificância e sua aplicabilidade no Direito Administrativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jun 2020, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54616/o-princpio-da-insignificncia-e-sua-aplicabilidade-no-direito-administrativo. Acesso em: 23 dez 2024.
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