KELLY NOGUEIRA DA SILVA GONÇALVES[1]
(orientadora)
RESUMO: O artigo a seguir pretende tecer comentários acerca da evolução histórica do casamento no Brasil, identificar os pressupostos jurídicos do casamento no Código Civil de 2002, identificar as diferenças entre casamento e união estável e por fim analisar os impedimentos matrimoniais no Código Civil de 2002 e a idade núbil bem como as configurações do casamento à luz da Lei 13.881/19 do ponto de vista da aplicabilidade ou mero simbolismo. No Brasil, os nubentes podem casar-se a partir dos 16 anos, exigindo-se a autorização de ambos os pais, ou seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil, que passou a ser atingida aos dezoito anos. Será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil, para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez. a lei 13.811/2019 que estabelece que não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil. A pesquisa foi realizada através de uma consulta bibliográfica em doutrinas, legislações e no Código Civil, considerado o diploma legal de maior teor para o tema analisado.
Palavras-Chave: Casamento. Família. Idade núbil.
ABSTRACT: The following article intends to comment on the historical evolution of marriage in Brazil, to identify the legal assumptions of marriage in the Civil Code of 2002, to identify the differences between marriage and a stable union, and finally to analyze the marital impediments in the Civil Code of 2002 and the nubile age as well as the configurations of marriage in the light of Law 13,881 / 19 from the point of view of applicability or mere symbolism. In Brazil, nuptials can marry from the age of 16, requiring authorization from both parents, or their legal representatives, until the age of civilian majority has been reached, which has now been reached at the age of eighteen. The marriage of those who have not yet reached the nubile age will be allowed, to avoid imposing or serving a criminal sentence or in case of pregnancy. Law 13,811 / 2019, which establishes that, in any case, the marriage of those who have not reached nubile age will not be allowed. The research was carried out through a bibliographic consultation on doctrines, legislation and the Civil Code, considered the legal diploma with the highest content for the analyzed theme.
Keywords: Marriage. Family. Nubile age.
1 INTRODUÇÃO
O casamento é o vínculo jurídico entre pessoas que visa o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração e a constituição de uma família. No ordenamento jurídico esse vínculo é permitido a partir dos dezesseis anos de idade, considerada a idade núbil.
No Código Civil de 2002, os nubentes podem casar-se a partir dos 16 anos, exigindo-se a autorização de ambos os pais, ou seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil, que passou a ser atingida aos dezoito anos.
Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil, para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.
Contudo, dada a realidade do grande número de casos de casamentos infantis no Brasil divulgadas em pesquisas, foi estatuída a lei 13.811/2019 que estabelece que não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil.
A lei acima sancionada partiu do Projeto de Lei 7119/2017, que em sua justificação apontava estudos capitaneado pela Organização Não Governamental Promundo, publicado em 2015, o Brasil é o quarto país em números absolutos com mais casamentos infantis no mundo. Três milhões de mulheres afirmaram ter casado antes dos 18 anos. Mais do que isso, o estudo indica que 877 mil mulheres brasileiras se casaram com até 15 anos de idade e que, atualmente, existiriam cerca de 88 mil meninos e meninas (com idades entre 10 e 14 anos) em uniões consensuais, civis e/ou religiosas no Brasil.
A grande questão a se considerar versa a problemática desse estudo, qual seja, se de fato essa lei terá eficácia. É fato que no Brasil há um grande número de casais que vivem no formato de união estável, principalmente onde impera a pobreza, o acesso precário a educação e os motivos culturais arraigados ao patriarcalismo.
Dessa forma, os pontos elencados nesta pesquisa pretendem tecer breves comentários acerca da evolução histórica do casamento no Brasil, identificar os pressupostos jurídicos do casamento no Código Civil de 2002, identificar as diferenças entre casamento e união estável e por fim analisar os impedimentos matrimoniais no Código Civil de 2002 e a idade núbil bem como as configurações do casamento à luz da Lei 13.881/19 do ponto de vista da aplicabilidade ou mero simbolismo.
A pesquisa foi realizada através de uma consulta bibliográfica em doutrinas, legislações e no Código Civil, que para fins desse estudo é o diploma legal reconhecido com embasamento principal para tratar este tema.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CASAMENTO NO BRASIL
Do ponto de vista semântico, a definição de casamento sempre gerou contradições doutrinárias, dividindo as opiniões dos autores, com uma corrente defendendo a sua natureza contratual, porque requer o consentimento dos nubentes,
Em consonância,
[...] outra linha doutrinária atribui ao matrimônio uma feição institucional, porque imperaram no casamento normas de ordem pública, a impor deveres e a reconhecer direitos aos seus membros, o que limita, sobremaneira, a autonomia privada. Portanto, a família organizada a partir do casamento obedeceria a um conjunto de normas imperativas, objetivando uma ordem jurídica e social do matrimônio, com forma especial e solenidades a serem rigorosamente observadas para conferir validade e eficácia ao ato conjugal (MADALENO, 2018, p. 163).
O casamento passou por diversas modificações no âmbito jurídico em decorrência das transformações sociais. Para Wald (2013), o casamento religioso era o chamado casamento de marido conhecido, instituto em que o casamento se provava pela pública fama de marido e mulher e pelo decurso de tempo.
Apenas em 1890, como ensina Gonçalves (2017), com o Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, foi instituído o casamento civil, sendo abolida a jurisdição eclesiástica, passando a ser válido o casamento realizado perante as autoridades civis. O decreto permitiu a separação de corpos, como forma de extinção da sociedade conjugal, mas, manteve a indissolubilidade do vínculo matrimonial.
De acordo com Wald e Fonseca (2013), a Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916, previa o desquite como forma de extinção da sociedade conjugal, considerou ainda o vínculo matrimonial indissolúvel, regido pela comunhão universal de bens. O mesmo título explicitava a distinção entre filhos legítimos, havidos no casamento, e os concebidos fora do casamento, ou ilegítimos, além de instituir inúmeros pré-requisitos para a adoção.
Como adverte Dias (2016), a busca dessa igualdade forçou sucessivas alterações legislativas, de extrema importância, como a Lei 4.121/62, denominado o Estatuto da Mulher Casada, que alterou diversos dispositivos do Código Civil de 1916. Cabendo a partir daí a mulher colaborar com o marido, dividindo o poder de chefia do grupo familiar, assegurando-lhe no caso de exercer profissão lucrativa, distinta da do marido, bens reservados, ou seja, asseguravam a ela propriedade dos bens adquiridos com o fruto do seu trabalho.
Observa-se então o patriarcalismo como cerne do casamento. Segundo Freyre (2003), o patriarcado, base familiar da sociedade agrária escravocrata do Brasil colonial, dava importância fundamental ao núcleo conjugal e à autoridade masculina, está sendo função do patriarca, chefe ou “coronel”, dono do poder econômico e mando político. Isto é, além de obter poderes econômicos e políticos, o patriarca ainda era detentor de poderes sobre mulher, filhos e os demais sob sua responsabilidade.
Assim, a sociedade enquanto regida pelo patriarca, estava em patamares desiguais, visto que, enquanto o patriarca era um ser “superior”, havia um conjunto de pessoas que eram tratados de maneira “inferior”, sendo sujeitos às ordens do dominador.
Em suma, o patriarcalismo buscava dar história a dominação masculina, enquanto trazia uma série de opressões ao gênero feminino. Em razão disso, o patriarcado trouxe grandes dificuldades que são até hoje abordadas quanto se trata do estudo de gêneros.
O patriarcado tornou-se um conceito vazio e inespecífico, referindo-se a “um sistema político quase místico, invisível, trans-histórico e trans-cultural, cujo propósito seria oprimir as mulheres” (PISCITELLI, 2009).
Hartmann (1997, p. 82) define:
Patriarcado como um conjunto de relações sociais que tem uma base material e no qual há relações hierárquicas entre homens, e solidariedade entre eles, que os habilitam a controlar as mulheres. Patriarcado é, pois, o sistema masculino de opressão das mulheres.
No regime patriarca, as mulheres servem como objeto sexual de satisfação masculina, estando sujeitas às prestações de serviços sexuais de seus dominadores, para que possam reproduzir seus herdeiros. Esta forma de exploração também pode ser entendida como uma forma de opressão.
Neste sentido Hartmann (1979) complementa que as mulheres são sistematicamente dominadas, exploradas e oprimidas. O sistema patriarcal enquanto instituição é uma constante social tão profundamente radicada que domina todas as outras formas políticas, sociais ou econômicas, gerando um estado de exclusão e discriminação social da mulher pautado na crença de uma superioridade masculina. No patriarcado as mulheres são vistas apenas como objetos de satisfação sexual dos homens, reprodutoras de herdeiros, reprodutoras de força de trabalho e reprodutoras de novas reprodutoras.
Portanto, diferentemente dos homens como categoria social, a sujeição das mulheres, também enquanto grupo, envolve prestação de serviços sexuais aos seus dominadores/opressores.
Em meado do século XXI, o modelo familiar que predominou foi a “família tradicional”, que tem características bem semelhantes ao regime patriarca, sendo que o homem é o dominador chefe da casa, exercendo poderes sobre sua mulher, devendo ela ser responsável pelas atribuições domésticas e se dedicar inteiramente aos filhos e marido.
Se tratando dos dias atuais, Castells (2002) afirma que o patriarcalismo é uma das estruturas sobre as quais se assentam todas as sociedades contemporâneas, ou seja, os relacionamentos do dia a dia são marcados pela violência e dominação que têm sua origem na cultura patriarcal.
É importante ressaltar que, o patriarcalismo ainda impera, mesmo que inconscientemente na sociedade. Exemplo disto é quando a mulher se opõe ao marido dizendo que se encontra em situação desigual a dele, a partir de então o homem não admite qualquer reação contrária ao seu poder de dominação e consequentemente ocorre a violência dos homens contra as mulheres.
É paradoxal esse modelo relacional uma vez que, apesar de ser conferido ao homem o ‘poder’, este por si só não é suficiente, necessitando ser garantido pela força física masculina. O poder como posição privilegiada de mando é compreendido aqui como exercício, possuindo um caráter relacional e disseminado por toda estrutura social. E onde há luta para a manutenção desse poder, há resistência (OLIVEIRA; CAVALCANTI, 2007, p. 40)
Não obstante, há de se destacar que a mulher ainda não possui sua total autonomia de vontade, visto que, está em condições de controle por algum “patriarca” que se julga soberano.
Em relação ao modelo de família, o autor Villela (2010) leciona que:
[...] era uma célula, um ente fechado, voltado para si mesmo, onde a felicidade pessoal dos seus integrantes, na maioria esmagadora das vezes, era preterida pela manutenção do vínculo familiar a qualquer custo, embasado no texto bíblico que apregoa que o que Deus uniu o homem não pode separar daí porque se proibia o divórcio e se punia o cônjuge tido como culpado pela separação judicial. “A figura da grande família extensa foi substituída pelo núcleo familiar restrita e diversificada, e está vinculada não mais aos ditames dos regramentos patriarcais, mas às ordens públicas” (VILLELA, 2010, p.11).
Contudo, foi por meio da Carta Política de 1988 que fez “sucumbir toda uma história secular de hipocrisia e preconceitos” (DIAS, 2016, p. 128). O intuito do referido diploma legal foi instituir a igualdade entre o homem e a mulher e expandir o conceito de família, estendendo de forma igualitária a todos os seus membros a proteção do Estado.
Como ainda avalia Dias (2016), a Constituição Federal de 1988 reproduziu significativas transformações da sociedade, e, quando colocou como princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana, já em seu artigo 1º, inciso III, deu novo enfoque aos valores, revolucionando o direito de família.
Na mesma linha de pensamento Wald e Fonseca (2013), concluem que o artigo 3º da nova carta, com a redação do inciso IV, abriu novos horizontes ao constituir como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil: “Promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Atos e fatos são oriundos da vivência em sociedade e estes, tornam-se jurídicos, a partir do agir das pessoas de modo reiterado. A mudança da sociedade e a evolução dos costumes levaram a uma verdadeira reconfiguração dos membros da família e na forma de casamento (DIAS, 2016).
Nessa esteira:
[...] as pessoas passaram a viver em uma sociedade mais tolerante, e com mais liberdade, buscam ser felizes e não aceitam mais viver em um o ordenamento jurídico engessado. Para adaptar-se à realidade das pessoas, a concepção de família para a Constituição Federal não é mais aquela voltada ao patriarcado e laços estritamente consanguíneos, é uma visão pluralista, abrigando os mais diferentes arranjos familiares, totalmente voltados para o ser humano coberto de valores e direitos, em uma comunidade baseada no afeto, na pluralidade e com base no respeito ao princípio da igualdade (MADALENO, 2018, p.180).
Sob o prisma do direito, a união efetuada de forma voluntária entre duas pessoas que possuem, como objetivo, a constituição de uma família, objetivando uma convivência de auxílio e de integração físico-psíquica, além da criação e amparo da prole (VENOSA, 2017).
Vale ressaltar que, nem mesmo com as novas tendências de liberação dos relacionamentos estáveis e informais da mútua convivência, semelhantes ao casamento ainda se vislumbra a imposição do reconhecimento jurídico para se consolidar sua existência e validade.
2.1 O casamento no Código Civil de 2002
Primeiramente, enuncia o art. 1.511 do Código Civil de 2002 que o casamento estabelece a comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Como outrora exposto, esse dispositivo consagra a igualdade entre os cônjuges.
O Código Civil de 2002 inseriu no artigo 1.511, ao iniciar o livro do Direito de Família, nas disposições gerais do primeiro título, referente ao direito pessoal, a cláusula geral da comunhão plena de vida, como diz Madaleno (2018), é um conceito ético, embora seu conteúdo não esteja totalmente definido,
[...] é tema sempre a suscitar os mais acalorados debates doutrinários e jurisprudenciais, quer quanto ao seu sentido social, quer quanto ao efeito jurídico da expressão recolhida do texto do referido artigo 1.511, quando observa estabelecer o casamento para os cônjuges uma comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e de deveres dos cônjuges (VENOSA, 2017, p. 48).
Conforme analisado art. 1.513 do Código Civil 2002, é proibido a qualquer pessoa, seja de direito público ou de direito privado, intervir ou interferir nas relações familiares. O dispositivo consagra o princípio da liberdade ou da não intervenção, o tópico a seguir traz explanações sobre as diferenças entre o casamento e a união estável, um arranjo familiar muito presente na sociedade atualmente, que inclusive já tem a atenção jurídica.
2.2 Diferenças entre casamento união estável
Após a Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002, trata-se de companheirismo e companheiros os casais em união estável, sem impedimento para o matrimônio. O concubinato não é mais sinônimo de união estável, mas se refere àquelas situações do passado, tratadas como concubinato impuro ou adulterino
Ao longo do tempo o casamento manteve as funções que hoje são atribuídas ao mercado e aos governos, como organização da produção e distribuição de mercadorias e pessoas, além da formação de alianças políticas, militares e econômicas, orquestrando os direitos e obrigações individuais desde as relações sexuais às questões sucessórias (XAVIER, 2015).
Consequentemente é em razão da importância social do casamento que o direito sempre dedicou especial atenção a ele, sendo talvez uma das mais clássicas discussões aquela sobre a sua natureza jurídica, podendo ser identificadas quatro principais teorias: casamento como instituição, casamento como contrato, casamento como contrato/instituição e casamento como negócio jurídico (COONTZ, 2006).
Assim:
O ato criador do casamento é um acordo de vontades, em nada se diferenciando dos demais doutrinadores, mesmo dos adeptos da teoria institucionalista, pois ninguém nega que o ato inicial do matrimônio decorre da manifestação expressa da vontade convergente dos nubentes (PEREIRA, 2011, p. 32).
Madaleno (2018), menciona que de acordo o Código Civil atual, a liberdade é da essência do casamento, pois, sem a incondicional declaração de vontade consciente de contraí-lo (art. 1535), não há matrimônio, devendo ser imediatamente interrompida a celebração, vedando-se a retratação no mesmo dia, caso a resposta seja negativa ou haja manifestação de arrependimento (art. 1538). Ademais, o consentimento maculado por vício de vontade traz a possibilidade de anulação do ato, dentro dos prazos decadenciais previstos no artigo 1560.
Já a união estável é uma forma de constituir família reconhecida pela Constituição Federal. Ainda que seja diferente, esse regime traz tantos deveres e direitos quanto o casamento e, por isso, é preciso conhecer bem suas regras antes de declará-la.
Para declarar a união estável é preciso comprovar que há uma relação afetiva entre duas pessoas que seja duradoura, pública e com o objetivo de constituir família. Contudo é preciso ficar atento às regras, pois a união estável não é comprovada apenas pela assinatura de um documento, assim como acontece no casamento.
Entretanto a união estável ainda poderá configurar-se mesmo que um de seus membros ainda seja casado, desde que antes de iniciar o companheirismo estivesse já separado de fato ou judicialmente do cônjuge; haja causa suspensiva, pois estaria apenas com intuito evitar a realização de núpcias antes da solução de problemas relativos à paternidade ou ao patrimônio familiar, visto que em nada influenciaria na constituição da relação convivencial (XAVIER, 2015).
É fato que, paulatinamente, as decisões judicias passaram a reconhecer direitos àqueles que estão sob o escopo jurídico da união estável. O relacionamento informal entre homens e mulheres é inegavelmente um fato social e não foi inventado pela sociedade moderna. Em verdade, sempre existiu na humanidade e o casamento é apenas uma forma de legalização de tais situações, ou seja, o que hoje chamamos de união estável já preexistia no conceito de matrimônio.
2.2 Impedimentos matrimoniais no Código Civil de 2002 e a idade núbil
Como impedimentos para o casamento, o art. 1.521 do Código Civil de 2002 traz um rol taxativo daquelas pessoas que não podem casar em determinados casos. As situações são tidas como de maior gravidade, envolvendo ordem pública, além dos
interesses das próprias partes, a saber:
a) Não podem casar os ascendentes com os descendentes até o infinito, no caso de parentesco natural; b) Não podem casar os colaterais até terceiro grau; c) Não podem casar os afins em linha reta; d) Não podem casar o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; os ascendentes e descendentes em casos envolvendo a adoção; o adotado com o filho do adotante; e) Não podem casar as pessoas casadas; f) Não podem casar o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte (CÓDIGO CIVIL de 2002, art. 1.521).
Código Civil de 2002 também iguala a idade núbil em 16 anos, tanto para homens quanto para mulheres. Isso porque a puberdade é apontada como um requisito para a constituição do casamento. O menor que tiver menos idade do que o limite mínimo para casar necessitará de autorização judicial, sempre atendendo ao seu melhor interesse (Código Civil, art. 1.520), condição, alterada pela lei 13.811/19 que proíbe o casamento de menores de 16 anos em qualquer situação, como se mostrado a frente.
Tartuce (2017), preceitua que, eventualmente, sendo celebrado o casamento sem a referida autorização judicial, o ato será considerado anulável, desde que proposta ação anulatória no prazo de cento e oitenta dias, pelo próprio menor, por seus representantes legais ou por seus ascendentes (Código Civil, art. 1.552).
Antes da alteração estabelecida pela Lei 13.811/19, constava no art. 1.551 do Código Civil que o casamento, por motivo de idade que dele resultou gravidez, não era necessária sequer a autorização do seu representante legal. A norma tinha justificativa na razão estar visando amparar a família pelo casamento, nos termos do art. 226, caput, da CF/1988.
Além dessa regra, enuncia o art. 1.553 da atual codificação material que o menor poderá, depois de completar a idade núbil, confirmar o seu casamento, com a autorização de seus representantes legais, se necessária, ou com suprimento judicial. Essa confirmação expressa está em sintonia com o art. 172 do CC/2002, segundo o qual “O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro”.
Vale ressaltar que, o menor entre 16 e 18 anos não necessitava de autorização judicial para se casar, mas apenas do consentimento de seus pais ou outros representantes, caso dos tutores (art. 1.517 do CC). Trata-se de uma autorização especial, que não se confunde com assistência, tratada pela Parte Geral do Código Civil.
3. Novas configurações do casamento à luz da Lei 13.881/19: aplicabilidade ou simbolismo?
Os menores recebem um tratamento específico quando se fala em capacidade para o casamento. Diante desse tratamento diferenciado, não podem ser invocadas as regras previstas para a teoria das nulidades na Parte Geral do Código Civil.
Para Venosa (2015), o casamento celebrado por menores, sejam eles absoluta ou relativamente incapazes, é nulo. Confrontando-se com o tratamento relativo aos demais negócios jurídicos, os contratos celebrados por menores de 16 anos, absolutamente incapazes sem a devida representação, são nulos (Código Civil, art. 166, inc. I).
Nessa perspectiva, a partir do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM através do projeto “Casamento de menor de 16 anos - Nulidade ou Anulação Lei 13.811/2019", trouxe uma nova configuração para o casamento no que tange a idade.
O teor da referida lei é a seguinte:
Confere nova redação ao art. 1.520 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para suprimir as exceções legais permissivas do casamento infantil. Art. 1º O art. 1.520 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 1.520. Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código (Lei 13.811/2019, art. 1°).
Nessa concepção a lei trouxe um teor bastante taxativo, pois consta a vedação expressa a qualquer tipo de exceção que atente ao casamento antes da idade núbil, motivo pelo qual optou-se por uma nova redação ao invés da revogação pura e simples do dispositivo, atente-se: “não será permitido, em qualquer caso” .
É inegável que esta lei trouxe o afastamento jurídico do casamento entre menores de idade, porém, é de se observar que, do ponto de vista cultural da sociedade, nem sempre as uniões acontecem por meio de uma aprovação jurídica, como é o caso da união estável, nessa contradição vale citar que:
[...] Como é notório, a união estável é tida como uma união livre, cujos elementos caracterizadores constam do art. 1.723 da codificação privada, segundo o qual é reconhecida como entidade familiar a união estável entre duas pessoas, "configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". São seus elementos fundamentais, portanto: a) a convivência pública, no sentido de notória ou conhecida; b) a continuidade e certa durabilidade da união, o que não encontra previsão de um prazo mínimo na lei, demandando análise casuística; c) o objetivo de constituição de família já presente no caso concreto (intuitu familiae), o que serve para diferenciar essa entidade familiar de um namoro ou de um noivado, hipóteses em que o objetivo é de constituição de uma família no futuro (TARTUCE, 2017, p. 49).
O casamento antes da idade núbil traz consigo grandes consequências, contudo ainda é uma realidade no Brasil,
“[...] explicações para o problema variam de acordo com o contexto e as soluções não podem ser de “tamanho único”, embora existam diversas implicações potenciais a serem consideradas no contexto das uniões. As meninas podem estar mais propensas a abandonar a escola se: elas passarem por interrupções na vida escolar antes da gravidez; quando elas são a principal cuidadora dos filhos (comparativamente a aquelas que recebem ajuda nesse cuidado), quando elas consideram abandonar a escola antes mesmo de engravidar, uma vez que a gravidez raramente inibe “carreiras educacionais de sucesso moderado”. Estudos complementares observam os efeitos da vizinhança e de fatores socioeconômicos em paralelo a discriminação (por exemplo, por parte da comunidade) sofrida pelas meninas por frequentarem a escola grávidas, ao passo que outros estudos apontam que meninas em idade escolar que engravidam tendem a abandonar os estudos (PROMUNDO, 2015, p.90).
Outro ponto a se considerar é que, sem a educação adequada e completa, as meninas têm menos chances de adquirir uma renda e de se proverem financeiramente tornando as meninas mais vulneráveis e dependentes de seus companheiros, caso eles se divorciem, as mulheres tendem a ter mais desafios econômicos.
Outros desdobramentos do casamento infantil são aumento do serviço doméstico, exclusão do mercado de trabalho e restrição da liberdade, segundo o estudo. Em alguns casos, o matrimônio resulta em violência, psicológica e física contra a mulher, ponto mais mencionado por agentes públicos e lideranças locais do que por meninas nas entrevistas, já que se trata de um assunto sensível (ALCÂNTARA, 2019, p. 22).
A publicação da Lei n. 13.811/19 surgiu através do resultado de uma pesquisa promovida por uma organização não governamental chamada Promundo que debatia a importância da proteção do casamento infantil e os fatores do Brasil ser o 4º lugar no ranking mundial em que as jovens se casam antes de completar 18 anos.
O número de casamentos e uniões gerais no Brasil, em 2016, foi de 1,09 milhão. Deste total, 137.973 incluíram meninas e meninos com até 19 anos. Contudo, chama a atenção a enorme diferença quando esse número é especificado por sexo: foram 28.379 uniões de meninos, contra 109.594 uniões de meninas (PLAN INTERNATIONAL, 2019).
Para Tartuce (2019), o casamento do menor de 16 anos, denominado por parcela da doutrina como casamento infantil, já era proibido pelo sistema jurídico, mesmo antes da mudança e como premissa geral, havendo apenas duas exceções previstas no anterior art. 1.520 do Código Civil que tinham sido sobremaneira mitigadas, a saber: a) para evitar a imposição e o cumprimento de pena criminal; e b) em caso de gravidez.
Ainda trazendo à baila os seguintes comentários:
[...] não se pode dizer que a alteração do art. 1.520 tenha criado hipótese de impedimento matrimonial. Primeiro, porque não houve qualquer inclusão nesse sentido no art. 1.521 do CC, sendo certo que os impedimentos não podem ser presumidos ou subentendidos, uma vez que a norma é restritiva da autonomia privada. Segundo, pelo fato de se tratar de hipótese de incapacidade que já estava prevista no sistema, pelo art. 1.517 do Código Civil. Terceiro, porque os impedimentos são específicos, o que não é o caso (TARTUCE, 2019, p. 1).
Do ponto de vista jurídico o casamento tem um significado social que reporta uma união com segurança, mas o fato é que, esta lei ainda não consegue abarcar as relações com vínculo estável entre menores de idade e também não trouxe em seu texto as sanções previstas, ficando ainda em prevalência o art. 1.550, onde se menciona que é anulável o casamento de quem não completou a idade mínima para casar.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O casamento é minuciosamente disciplinado pela legislação civil, em contraponto à união estável nascida da mais absoluta informalidade. E é esse tipo de união que se encontra muitos casais em idade inferior a idade considerada núbil, ou seja, dezesseis anos. E em tempos de maior afrouxamento dos costumes e das leis conjugais a união estável é considerada uma entidade familiar.
É evidente que no Brasil há um grande número de casais que vivem no formato de união estável aguardando a idade núbil para transformar a união em um arranjo familiar juridicamente aceitável.
Contudo, a questão do casamento antes da idade núbil envolve vários fatores dentre eles a pobreza, o precário acesso educação e ainda o patriarcalismo arraigado à concepção de família.
Ao se tratar neste estudo sobre a aplicabilidade ou simbolismo da lei 13.811/2019 que estabelece que não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, pretendeu-se colocar em relevo a questão das uniões informais, ou seja a união estável, visto que essa lei não chegará nesse tipo de arranjo familiar e como demonstrado é muito o número de uniões desse tipo no Brasil entre pessoas abaixo da idade núbil.
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[1] Especialista em Direito civil e advogada. Professora do curso de direito da Faculdade Serra do Carmo – Fasec. [email protected]
Bacharelanda do curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo – Fasec.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, GYULIA SANTOS. Os efeitos jurídicos do casamento à luz da Lei 13.811/19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2020, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54654/os-efeitos-jurdicos-do-casamento-luz-da-lei-13-811-19. Acesso em: 23 dez 2024.
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