RESUMO: O presente artigo busca trabalhar a admissibilidade da ação coletiva passiva dentro do ordenamento jurídico pátrio, na qual um grupo ou coletividade figura no polo passivo de uma demanda. A análise do tema dá-se em razão da relevância do assunto do direito coletivo, que tem sido apontado como uma ferramenta de agilização da prestação jurisdicional. Certamente no futuro demandas com a coletividade no polo passivo serão cada vez mais comuns, o que demonstra a importância de estudar o tema no tempo presente. Enxerga-se a ação coletiva sob o ponto de vista da coletividade no polo passivo, ao contrário do que se está acostumado a observar, com a coletividade no polo ativo. Pretende-se expor, em linhas gerais, sem pretensão de esgotar o tema, os pontos peculiares inerentes a esse processo coletivo como a representatividade adequada e a coisa julgada. Abordam-se possíveis soluções legislativas para o tema, que não possui regramento expresso, gerando controvérsias e debates quanto ao seu real cabimento.
Palavras-chave: Processo coletivo. Ação coletiva passiva. Representatividade adequada. Coisa julgada.
ABSTRACT: This article seeks to work on the admissibility of passive collective action within the national legal system, in which a group or collectivity appears on the passive pole of a claim having as a controversy a duty or state of subjection. The analysis of the theme is due to the relevance of the subject of collective law, which has been identified as a tool to streamline the provision of jurisdiction. Certainly in the future, demands like these will become more and more common, which demonstrates the importance of studying the topic at the present time. It is about collective action from the point of view of the collectivity in the passive pole, contrary to what one is used to the collectivity in the active pole. It is intended to expose, in general lines, without pretending to exhaust the topic, the peculiar points inherent to this collective process such as adequate representativeness, res judicata and addressing possible legislative solutions for the topic, which does not have express rules, generating controversies and debates about its real fit.
Keywords: Collective process. Passive collective action. Adequate representativeness. Thing judged.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO COLETIVA PASSIVA NO BRASIL. 3. COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS PASSIVAS. 4. REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA. 5. ANTEPROJETO CÓDIGO DE PROCESSO COLETIVO. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 INTRODUÇÃO
A necessidade de um processo supra individual não é nova, uma vez que situações que geram lesões a direitos inerentes a coletividades, grupos ou determinados indivíduos sempre existiram. Na atualidade, tanto na esfera pública, quanto na esfera privada, as relações de massa expandem-se de maneira exponencial, bem como os problemas correlatos a esta expansão. Diante disso, torna-se imprescindível uma efetiva tutela coletiva bem estruturada para resguardar esses novos direitos em constante mudança.
De início, vale destacar a distinção entre as três categorias desses direitos: difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos.
Os direitos difusos (artigo 81, parágrafo único, inciso I, do CDC) protegem direitos indivisíveis, entre uma coletividade indeterminada e interligada por mesmas circunstâncias de fato. Os direitos coletivos (artigo 81, parágrafo único, inciso II, do CDC) asseguram a tutela de direitos também indivisíveis, só que que de um grupo determinado e unido por uma mesma relação jurídica base. Já os direitos individuais homogêneos (artigo 81, parágrafo único, inciso III, do CDC) são direitos divisíveis, entre uma coletividade determinada e ligada por uma origem comum.
Numa análise subjetiva dos mesmos, vê-se que ambos são de caráter tipicamente transindividual, não dizendo respeito, pois, a nenhum sujeito determinado. Noutro giro, sob a ótica objetiva, conclui-se ainda que são direitos indivisíveis.
Na lógica concebida pelo ordenamento pátrio das ações coletivas, a atuação dos legitimados na defesa desses direitos deve se dar no sentido da busca da melhor tutela, para que a prestação jurisdicional seja concretizada e ainda para que a sentença proferida no âmbito coletivo tenha eficácia prática para que os diversos particulares, cuja esfera jurídica tenha sido lesada, possam ser abarcados por seus efeitos.
O simples fato de se ter diversas pessoas integrando uma relação processual não qualifica o caráter coletivo de uma ação. A figura do litisconsórcio, seja ativo ou passivo, é típica de um processo individual, na medida em que apenas se configura como uma cumulação de demandas singulares. Não obstante a existência dessa figura, diante da massificação moderna, na qual os conflitos e as questões jurídicas e fáticas envolvem um grande número de pessoas, ou mesmo um número indeterminado, resta clara a incapacidade do fenômeno litisconsorcial para a efetivação da prestação jurisdicional no âmbito coletivo. Daí surge a importância de um processo coletivo bem estruturado e adequado à resolução de conflitos em que são envolvidos os direitos coletivos, eis que o processo civil clássico não se revela hábil para solução desses novos conflitos.
Não obstante o auto grau de desenvolvimento dos institutos do processo coletivo no ordenamento pátrio, fortalecido pelo tratamento constitucional da matéria, com a existência de figuras como a ação popular e o mandado de segurança coletivo, o foco do trabalho de grande parte da doutrina fica restrito à análise da ação coletiva enquanto instrumento de defesa, de forma ativa, de situações jurídicas coletivas. Fica de certa forma relegada a figura oposta, isto é, a ação coletiva passiva, quando a coletividade é posta no polo passivo da demanda.
A despeito da inexistência de previsão legal expressa no ordenamento jurídico pátrio, tal figura é plenamente aplicável, conforme será defendido no presente artigo, através da exposição, em linhas gerais, dos principais aspectos desse instrumento, com foco principalmente em sua admissibilidade, representatividade adequada, coisa julgada e os anteprojetos que buscam conferir uma normatividade à matéria.
2 ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO COLETIVA PASSIVA NO BRASIL
A ação coletiva passiva é um instrumento de defesa processual intrinsecamente ligado aos direitos coletivos em sentido amplo (difusos, coletivos e individuais homogêneos).
Haverá uma ação coletiva passiva quando a situação jurídica titularizada por uma coletividade encontrar-se no polo passivo do processo no qual discute-se um dever ou um estado de sujeição. Não há um conceito pré-determinado seja na lei ou na doutrina para o que sejam essas situações jurídicas passivas capazes de serem tuteladas por uma ação coletiva, devendo-se aplicar os direitos tutelados de forma ativa (individuais homogêneos e coletivos latu sensu) de maneira inversa (DIDIER; ZANETI, 2014).
Não é assim, entretanto, que parte da doutrina pensa, notadamente no que se refere a um conflito entre dois interesses transindividuais. Há quem sustente que no Brasil não é permitido a um ente coletivo ocupar o polo passivo de uma pretensão deduzida em juízo (VIOLIN, 2008).
Nesse sentido, Ricardo Negrão (2004), ao tratar das class actions, comenta que no sistema estadunidense a coletividade não estará sempre no polo ativo da demanda, podendo também estar do lado passivo, pela previsão constante na Federal Rule 23, o que na sua visão, é absolutamente impensável no sistema brasileiro.
Comunga desse entendimento Hugo Nigro Mazzili (2004), aduzindo que pelo sistema vigente, os legitimados do art. 5º da Lei de Ação Civil Pública ou do art. 82 do Código de Defesa do Consumidor apenas substituem a coletividade de lesados no polo ativo, não sendo possível a atuação dos legitimados figurarem como réus. Admite, entretanto, a figura da ação passiva derivada, como em casos de embargos do executado e ação rescisória.
Essa questão da legitimação é o ponto crucial para a admissibilidade da ação coletiva passiva no ordenamento jurídico pátrio. A aludida parcela da doutrina que não aceita esse instrumento entende que não é possível a aplicação da ação coletiva passiva pelo fato de que a legitimação imposta pelo sistema é ope legis, ou seja, é a lei que estabelece os legitimados para agir, o que impossibilitaria a análise da adequada representação dos substituídos no polo passivo, prejudicando os efeitos de uma tutela coletiva. Entretanto, como tentará se demonstrar no próximo tópico, deve-se admitir um controle ope judicis, conferindo-se uma legitimação a partir de uma interpretação ampla do sistema.
Negar a judicialização de direitos coletivos seria negar o próprio direito de ação, constitucionalmente garantido no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, que garante a inafastabilidade do controle jurisdicional de qualquer lesão ou ameaça a direito (MENDES, 2015).
No caso da ação coletiva passiva originária, a omissão legislativa não é total. É possível aplicar regras e instrumentos constantes no ordenamento adequando-os às peculiaridades da ação coletiva passiva, a fim de que se permita que uma coletividade seja demandada respeitando-se o devido processo legal, o direito à ampla defesa e a efetividade do processo. Parte dessa construção decorre de uma nova interpretação a respeito da representação coletiva e do papel do legitimado na condução da defesa da classe (VIOLIN, 2008).
Flávia Hellmeister Clito Fornaciari (2016) sustenta a existência de várias aberturas normativas dentro do ordenamento brasileiro que permitiriam interpretação a fim de abarcar a possibilidade de ingresso de uma ação coletiva passiva originária.
Em primeiro lugar, destaca-se o art. 83 do CDC que permite todas as espécies de ações capazes de proporcionar uma efetiva e adequada tutela dos direitos e interesses resguardados pelo código. Vale destacar que o CDC é fonte fundamental do microssistema da tutela coletiva, assim essa abertura aplica-se ao processo coletivo como um todo, já que atua como um "Código de Processo Coletivo Brasileiro" (DIDIER e ZANETI, 2014).
O art. 5º, § 2º da Lei da Ação Civil Pública, faculta ao poder público ou associações legitimadas a habilitação como litisconsortes de qualquer das partes. Dessa forma, abre-se a possibilidade de que os legitimados figurem não apenas como autores, mas também como réus em uma demanda coletiva, não se sustentando a recusa de parte da doutrina em aceitar esse instrumento.
Do mesmo modo, o art. 107 do CDC, que trata da convenção coletiva de consumo, atua como permissivo legal para as ações coletivas passivas. O dispositivo abre uma possibilidade de um ato bilateral entre fornecedores e consumidores no sentido de instituir direitos e obrigações, que se não forem cumpridas poderão ensejar uma demanda judicial, figurando em cada polo um representante de cada grupo (FORNACIARI, 2016).
Dessa forma, ainda que não haja uma regulamentação específica, percebe-se ser plenamente possível a instauração de uma demanda coletiva passiva através das aberturas normativas acima delineadas. Entretanto, não há como apenas utilizar os moldes da ação coletiva ativa, invertendo-os para utilização na passiva, como uma "ação ativa às avessas", de forma que não será possível, por exemplo, ingressar com uma ação contra o Ministério Público para que se declare a inexistência de danos ambientais.
Daí advém a importância de se ter como referência à questão da representatividade adequada. Apesar de não prevista no ordenamento brasileiro, impõe o seu reconhecimento, através de uma análise judicial para se verificar se o demandado se apresenta como um ente capaz de representar e defender os interesses do grupo que representa que será tratada em tópico específico.
3 COISA JULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS PASSIVAS
Um dos assuntos de maior importância no direito coletivo diz respeito à extensão da coisa julgada. Quando estamos diante de um processo individual facilmente conseguimos identificar os limites subjetivos da coisa julgada, uma vez que os indivíduos litigantes estão claros no processo. Já no processo coletivo, seja ativo ou passivo, quem está envolvido na lide não aparece claramente, surgindo muitas dúvidas quanto à quais pessoas a decisão judicial irá atingir que existe uma representatividade por legitimação Extraordinária.
Para Fredie Didier e Hermes Zaneti (2014), considera-se a coisa julgada como a situação jurídica que torna inquestionável as eficácias constantes do conteúdo de determinadas decisões jurisdicionais, ou seja, é um instituto que garante a estabilidade das decisões judiciais, impedindo sua rediscussão quanto ao seu contexto fato-jurídico, preservando a segurança do ordenamento jurídico.
Assim, o principal problema a ser respondido diz respeito exatamente quanto aos limites subjetivos da coisa julgada, na especificação de sua extensão. Antônio Gidi (1995) tratava da problemática dos limites da coisa julgada, da extensão da imutabilidade do julgado a terceiros. Essa dificuldade, quando afirmava que por não haver regulamentação expressa deve ser definida e delimitada através da doutrina e da jurisprudência, fomentando o debate do tema tão relevante, porém pouco debatido.
O art. 506 do Novo Código de Processo Civil limita o alcance subjetivo da coisa julgada apenas às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros. Contudo as normas que baseiam o direito coletivo são precipuamente as Leis nº 7347/1985 (Lei de Ação Civil Pública) e nº 8078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), juntamente com outras leis extravagantes que contêm disposições sobre direito coletivo, formando o que conhecemos como microssistema de direito coletivo. Não se aplica o CPC ao microssistema, tendo em vista que ele se consolida apenas com as leis específicas sobre o tema.
É no Código de Defesa do Consumidor que encontramos as regras para coisa julgada no âmbito coletivo, mais precisamente no artigo 103:
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
Analisando o art. 103, observamos existir três subdivisões de coisa julgada de acordo com o direito tutelado, podendo ter eficácia ora erga omnes ora ultra partes, a depender do caso. Cabe uma análise de cada hipótese do art. 103.
Tratando-se de direitos difusos, teremos a coisa julgada erga omnes, na qual os efeitos da decisão judicial serão projetados para toda a coletividade, com restrição apenas em casos de improcedência por falta de provas, em que ficará facultado ao legitimado individual repropor a ação trazendo provas novas do direito que alega existir. É o que a doutrina costuma chamar de coisa julgada secundum eventum probationis. Como exemplo, podemos pensar no surgimento de novas tecnologias para identificação de danos ambientais, que posteriormente ao tempo do julgamento conseguem fazer uma análise mais precisa de um suposto desastre ambiental.
Já quanto aos direitos coletivos stricto sensu a regra é da coisa julgada ultra partes, isto dentro dos limites do grupo, categoria ou classe. Essa distinção em relação aos direitos difusos é própria das características do direito coletivo, visto que nesse caso existe uma limitação clara de quem está sendo representado dentro daquele grupo. Da mesma forma que nos difusos, existe previsão de que em caso de improcedência por falta de prova a ação possa ser reproposta.
Interessante destacar o que poderia vir a ser considerado prova nova e se seria necessário que uma declaração na sentença para a alegação de falta de provas. Para o professor Abelha Rodrigues (2009) não necessário que a prova nova surja apenas após o trânsito em julgado da ação coletiva, já que apesar de existentes poderiam ser desconhecidas ou com ter o seu uso impossibilitado.
Os direitos individuais homogêneos possuem eficácia erga omnes apenas no caso de procedência do pedido, numa no que de início nos leva a crer que se trata de coisa julgada secundum eventum litis. Esse entendimento decorre da leitura fria e seca do inciso III do art. 103, sem observar o contexto do microssistema. Hermes Zanetti (2014) defende que a coisa julgada nos direitos individuais homogêneos também faz pelo modo de produção secundum eventum probationis, visto que em caso de improcedência com suficiência de provas haveria formação de coisa julgada material para os legitimados, enquanto na insuficiência de prova haveria coisa julgada formal.
Destaca-se que a coisa julgada se forma não só para o legitimado que propôs a ação, mas também para todos aqueles que do rol do art. 5º da Lei de Ação Civil Pública. A improcedência só não gera coisa julgada para o substituído, que poderá ingressar com sua ação individual mesmo que no âmbito coletivo exista coisa julgada pela improcedência.
Esse entendimento decorre de um aspecto prático, no que toca mais especificamente a posição do réu. Caso se adote a coisa julgada secundum eventum litis para os direitos individuais homogêneos, a ação poderia ser proposta um sem-número de vezes, já que a nenhuma das improcedências com suficiências de provas faria coisa julgada. É justamente para evitar esse contexto caótico que se deve adotar a regra secundum eventum probationis também para os direitos individuais homogêneos, em consonância com os demais direitos.
Cabe aqui uma crítica quanto à posição que é conferida ao réu, tema esse do nosso interesse no estudo dos direitos individuais homogêneos. Em casos de improcedência no âmbito coletivo, o réu poderá ainda ter de defender de todos os processos individuais que fazem coisa julgada secundum eventum litis, caracterizando, por que não, um bis in idem. O réu não se beneficia da decisão judicial em seu favor, que juridicamente não produz efeitos. O sistema notoriamente privilegiou o individual em face do coletivo, conferindo ao réu a prerrogativa de levar seu direito individual para análise mesmo com o tema já analisado na esfera coletiva (VIOLIN, 2008).
Mais especificamente quanto à coisa julgada no processo coletivo passivo novamente não há um consenso.
Ada Pellegrini Grinover (2002) entende que em caso de ação individual movida contra a classe ré, em se tratando de interesses difusos ou coletivos, bastará inverter a previsão legal do artigo 103, I e II, do Código de Defesa do Consumidor, fazendo com que a sentença de procedência contra a classe, na qual o juiz reconheça a insuficiência da defesa coletiva, não faça coisa julgada, podendo o autor intentar a mesma ação contra a classe em face de outro legitimado, que renovaria a defesa.
Já Diogo Campos Medina Maia (2009) divide o tema em duas seções. Na primeira, ao abordar a coisa julgada na ação coletiva passiva ordinária, onde um autor individual ajuíza ação em face de um réu coletivo, refere que, tratando-se de direitos difusos e coletivos em sentido estrito, a sentença de improcedência sempre fará coisa julgada. A decisão de procedência, no entanto só fará coisa julgada se baseada em provas que sejam suficientes para o convencimento do julgador. Já nos casos de ações de direitos individuais homogêneos, em que o sistema da coisa julgada coletiva no Brasil não admite a sua configuração quando a sentença for contrária aos interesses da coletividade (art. 103, III do CDC).
Quanto à inversão em relação ao artigo 103, III, do CDC é possível identificar algumas incoerências nos direitos individuais homogêneos, pois apenas as sentenças de improcedência em favor da coletividade passiva fariam coisa julgada e as sentenças de procedência não formariam a coisa julgada, o que esvaziaria o instituto, uma vez que ninguém ingressaria com uma ação que só transitaria em julgado em situações contrárias ao seu interesse.
Não há para onde fugir. Apenas uma codificação sobre direito coletivo que trouxesse a temática do processo coletivo passivo poderia sanar as lacunas que existem quanto ao tema, uma vez que hoje não existe uma interpretação que se encaixe perfeitamente com o sistema jurídico vigente.
4 REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA
Conforme vimos na parte introdutória do presente trabalho, o processo coletivo passivo tem como pré-requisito o preenchimento do polo passivo por uma pluralidade, que como o próprio nome deixa claro diz respeito a um interesse coletivo. O que fica como dúvida é: quem seria o representante adequado para a defesa do grupo? É claro que a ação deverá ser proposta em face de uma coletividade representada por alguma entidade com personalidade jurídica.
Observa-se que a esse ente com personalidade jurídica conferimos uma legitimidade extraordinária, que é a possibilidade de um direito subjetivo é defendido por terceiro, em nome próprio. É a lógica do direito coletivo de reunir várias pessoas em um polo da relação jurídica para facilitar o julgamento das lides e superar o sistema clássico de demandas restritas ao individual.
Superado isso, como de regra sobre o assunto coletivo, não há um consenso na doutrina e jurisprudência a respeito de quem seria o representante adequado para figurar no polo passivo da ação.
A doutrina criou uma divisão em dois critérios, ope legis e ope judicis. No primeiro só será legítimo aquele que estiver no rol dos legitimados para propor a ação coletiva e no segundo o critério quanto a legitimidade é conferido ao juiz da causa, que analisando o contexto fático fixa se cabe ou na representação adequada.
Antônio Gidi (2002) afirma que o sistema adotado em país de origem anglo-saxônica como os Estados Unidos América é ope judicis, visto que a legitimidade para propor a ação é de qualquer integrante da categoria, que ter esse atributo é considerado representante adequado.
Pois bem, a doutrina afirma que o sistema adotado no Brasil é o ope legis, uma vez que a Lei 7.347/1985 traz em seu art. 5º aqueles que poderiam ser legitimados para propor a ação. Cabe transcrever o artigo in verbis para a melhor compreensão do tema:
Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Assim, conforme o texto legal teríamos um rol taxativo daqueles possíveis representantes para substituir a coletividade na propositura de ação civil pública e ação popular. Contudo diante dos casos práticos trazidos ao judiciário a jurisprudência tem assentado o posicionamento de que não basta apenas constar no rol do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública.
Os críticos ao sistema do ope judicis alegam que o juiz passaria a ter um poder muito grande controlando a representatividade adequada, podendo agir com arbitrariedade. Data vênia discordamos dessa visão sobre a atuação do juiz, que deve se pautar no zelo e equilíbrio em suas decisões, de modo que ao juiz já é até mesmo conferido poder maior de interferir na causa que é julgando seu mérito. Ao juiz deve ser conferida a confiança de todos, não cabendo limitar sua atuação sob a justificativa de que estaria sendo conferidos poderes aptos para um ato de arbitrariedade. Seguindo essa linha de raciocínio, o professor Consuelo Yoshida (2006) defende uma releitura da função do juiz para que ele deixe de ser mero espectador no processo e passe a interferir na busca da solução justa e adequada.
Toda essa polêmica quanto ao possível representante adequado é observada no processo coletivo. Não há previsão legal fixando quem representará a coletividade quando ela for atacada como existe na coletiva ativa, de modo que o que existe são interpretações doutrinárias e jurisprudenciais sobre como esta adequação deverá ser feita.
Destaca-se que o direito positivo vigente não autoriza que uma coletividade seja representada por um ente desprovido de personalidade jurídica. O representante deverá constar no rol de legitimados e suportar a constante aferição de sua adequação. Isso exclui a possibilidade de se demandar, por exemplo, contra movimentos sociais que não tenham existência jurídica (VIOLIN, 2008).
O que se pode ter como certeza é que os legitimados do art. 5º da Lei 7.347/1985 são legitimados a representar uma ação coletiva passiva, uma vez que proposta por eles uma ação coletiva ativa é possível que ocorra reconvenção, ação declaratória de incidental e ação rescisória por exemplo. Nesses casos citados a parte passa do polo positivo para ingressar no polo negativo, na chamada ação coletiva incidental ou derivada.
Diogo Campos Medina Maia (2009) afirma que é comum na doutrina a afirmação de que o Ministério Público não poderá figurar como réu em uma ação coletiva passiva por não possuir personalidade jurídica para tanto. No entanto o mesmo autor justifica que essa impossibilidade deve ser mitigada, lembrando-se dos exemplos citados no parágrafo retro. Não há como deixar de conferir ao Ministério Público a legitimidade passiva. O parquet não pode ser referência apenas na acusação, cabendo-lhe se defender quando por um motivo ou outro passar a representar um grupo no polo passivo.
Sustenta-se que só poderão figurar no polo passivo uma relação jurídica processual os entes que estão previstos no rol de legitimados do microssistema das ações coletivas (VIANA, 2016), mais precisamente os entes elencados no artigo 5º da Lei de Ação Civil Pública e artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que eles podem se sujeitar ao controle judicial da representação adequada.
Diogo Maia (2009) defende que entes não personalizados podem ser enquadrados no conceito de associação de fato, que lhes conferiria a legitimidade para a ação passiva. Contudo, a representatividade desses só poderia vir com uma alteração legislativa, pois o sistema atual não comporta essa hipótese, o que poderia ser feito por meio Código de Processo Coletivo, por exemplo.
5 ANTEPROJETO CÓDIGO DE PROCESSO COLETIVO
O microssistema de direito coletivo hoje é com composto pela Lei 7.347/1985 e pelo Código de Defesa do Consumidor, que concomitantemente com outras normas formam o núcleo duro das normas que regulam o procedimento.
Apesar do êxito desse microssistema, que tem funcionado há mais de 20 anos, a complexidade e a proporção que o direito coletivo vem tomando nos exige um novo sistema capaz de ser mais completo na solução dos problemas trazidos, tendo em vista que hoje existem muitas lacunas a serem sanadas, sobretudo nos problemas no que tange à representatividade adequada e aos efeitos da coisa julgada.
A ideia do Anteprojeto foi manter, em sua essência, as normas da legislação em vigor, aperfeiçoando-as por meio de regras não só mais claras, mas sobretudo mais flexíveis e abertas, adequadas às demandas coletivas. Isso se deve a necessidade de flexibilização da técnica processual com um aumento dos poderes do juiz – o que, aliás, é uma tendência até do processo civil individual brasileiro.
O Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América (CM-IIDP) é um dos projetos de Código que servem de referência para a elaboração de uma codificação sobre o tema, trazendo solução para legitimação passiva da classe, assegurando o controle da representatividade adequada ope judice, sob influência da class action norte-americana.
Assim, nota-se que existe uma solução polêmica e criticável para os institutos de direito coletivo passivo, institutos estes que podem ser modificados caso se passe a entender ser mais adequado outro método. Tanto o Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero - América quanto o Código de Processo Coletivo Brasileiro são ainda propostas que podem ser modificadas no legislativo em pontos cruciais, sendo nesse exato momento apenas uma baliza de como caminhará o Direito Coletivo no Brasil.
CONCLUSÃO
Tendo em vista toda a abordagem feita sobre o direito coletivo, pode-se afirmar que o ordenamento jurídico é compatível com a possibilidade de ajuizamento de ações coletivas passivas, de modo que apesar de não haver uma expressa regulamentação é possível retirar do microssistema a tutela coletiva passiva. Aplicam-se as interpretações oriundas da Constituição conjuntamente com as regras infraconstitucionais (CANOTILHO, 1991), visando formar um microssistema coletivo.
Mostrou-se a importância de um tema ainda não muito debatido na doutrina e jurisprudência brasileira, que com o tempo deve ser mais abordado em razão da nova tendência de litígios molecularizados e visão coletiva dos direitos.
A análise do cabimento das ações coletivas esteve vinculada à abordagem sobre a legitimação adequada de quem poderá ser o representante adequado da coletividade no polo passivo. Ficou claro que no Brasil as regras sobre quem será esse representante ainda não estão bem definidas, surgindo várias interpretações doutrina de como isso deveria ser feito.
Quanto à formação da coisa julgada há polêmica quanto a qual tipo de coisa julgada para o polo passivo. Critica-se a visão de Ada Pelegrini, que entende ser possível inverter os efeitos do art. 103 do Código de Defesa do Consumidor para adaptá-los ao coletivo passivo. Apresenta-se uma crítica da doutrina quanto a esse entendimento, que só estará realmente definido quando vier um Código de Processo Coletivo regulamentando o tema.
Por fim, foram apresentados os possíveis novos Códigos de Processo Coletivo, que ainda estão em fase de projeto. Destacam-se alguns pontos relativos à ação coletiva passiva que são enfrentados nos anteprojetos e os quais se consegue fazer ressalvas junto da doutrina de como seria melhor a tutela coletiva passiva.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Alexsander Siqueira. A ação coletiva passiva na sociedade pós-moderna Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jun 2020, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54692/a-ao-coletiva-passiva-na-sociedade-ps-moderna. Acesso em: 23 dez 2024.
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