RESUMO: O presente artigo discorre acerca da diferenciação entre a importunação sexual e o estupro, na atual legislação penal brasileira, especificamente no contexto fático do beijo roubado. Dessa forma, tem como escopo analisar de forma sistemática quais são os critérios utilizados pelos magistrados na tipificação do caso concreto e quais os principais pontos de diferenciação entre os dois comandos normativos. Buscou-se ainda, aprofundar o estudo dos artigos 213 e 215-A do Código Penal brasileiro, levando em consideração as decisões jurisprudenciais a respeito do tema em questão, com o objetivo de fornecer elementos concretos e atualizados para elucidar o tema proposto. Com isso, pretende-se, ao final deste artigo, fornecer ao leitor ferramentas básicas para a distinção pragmática entre a importunação sexual e o estupro no contexto do beijo roubado.
Palavras-chave: Beijo roubado; Estupro; Importunação sexual.
ABSTRACT: This article discusses the differentiation between sexual harassment and rape, in the current Brazilian criminal legislation, specifically in the factual context of the stolen kiss. Thus, it aims to systematically analyze what are the criteria used by magistrates in the classification of the specific case and what are the main points of differentiation between the two normative commands. We also sought to deepen the study of articles 213 and 215-A of the Brazilian Penal Code, taking into account the jurisprudential decisions regarding the topic in question, with the aim of providing concrete and updated elements to elucidate the proposed theme. With this, it is intended, at the end of this article, to provide the reader with basic tools for the pragmatic distinction between sexual harassment and rape in the context of stolen kissing.
Keywords: Stolen kiss; Rate; Sexual harassment.
INTRODUÇÃO
O tema em questão está diretamente interligado ao respeito à dignidade sexual, principalmente das mulheres, causando dúvidas e incertezas de grande magnitude, tendo em vista que a jurisprudência sobre o tema ainda é difusa e incipiente.
Além disso, possuindo o Brasil uma das maiores festas populares do mundo, o carnaval, regido por baladas e bebidas alcoólicas em um ambiente de interação, o qual atrai milhares de turistas de diversas nacionalidades, constata-se um sinal de alerta para uma possível disseminação dos crimes de importunação sexual e de estupro. Isto posto, torna-se necessária a adoção de medidas para a uniformização das interpretações judiciais sobre o tema e, ao mesmo tempo, a introdução de políticas públicas de conscientização da população para uma tutela efetiva e de proteção ao bem-estar coletivo.
Dessa forma, reputa-se necessário delinear de forma pragmática e conclusiva os conceitos normativos a respeito da importunação sexual e do estupro, com vistas a diminuir as lacunas existentes em suas interpretações.
Contudo, a questão crucial que está sendo levantada é: Qual seria a tipificação penal adequada do beijo roubado? A resposta possível de ser apresentada é “depende”.
De acordo com o artigo 213. do Código Penal brasileiro, que trata de um dos principais e, sem dúvida, um dos mais horripilantes crimes que podem ser praticados contra a dignidade sexual de qualquer ser humano, o estupro é conceituado da seguinte forma:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (BRASIL,1940)
Pela interpretação literal do artigo, o estupro é caracterizado não só pela conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça, mas, também, pelo constrangimento da vítima, por meio da violência ou grave ameaça, para que com ela (e) se pratique outro ato libidinoso.
Sobre as lições de Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, 2015, p. 1.199), o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, referindo-se exclusivamente ao beijo, apenas abrangeria o beijo lascivo, indicando que:
Ato libidinoso: é o ato voluptuoso, lascivo, que tem por finalidade satisfazer o prazer sexual, tais como o sexo oral ou anal, o toque em partes íntimas, a masturbação, o beijo lascivo, a introdução na vagina dos dedos ou de outros objetos, dentre outros. Quanto ao beijo, excluem-se os castos, furtivos ou brevíssimos, tais como os dados na face ou rapidamente nos lábios (“selinho”). Incluem-se os beijos voluptuosos, com “longa e intensa descarga de libido”, nas palavras de Hungria, dados na boca, com a introdução da língua. (NUCCI, 2015, p. 1.199, grifo nosso).
O beijo lascivo, para o ilustre expoente do direito penal brasileiro Cezar Roberto Bitencourt (BITENCOURT, 2017, p. 985), entende-se como aquele destinado a produzir ou estimular o prazer sexual, podendo, em tese, configurar o crime de estupro, a depender da análise fática do caso concreto.
É necessário, portanto, o estudo acerca das contradições e obscuridades que cercam a legislação que trata a respeito dos crimes praticados contra a dignidade sexual, diante da complexidade do tema e sua constante mudança interpretativa.
Tem-se como escopo, analisar a qualificação do beijo roubado na atual legislação penal brasileira, bem como aplicação e interpretação dos critérios utilizados pelos operadores do direito e magistrados para distingui-los, a fim de demonstrar o que de fato caracterizaria o beijo roubado como estupro e quais são os critérios observados para que se configure importunação sexual.
Tendo em vista que, a depender da decisão jurisdicional, o sujeito ativo, responsável pela prática da conduta, poderá incidir na pena de 6 (seis) a 10 (dez) anos, prevista para o crime de estupro, ou incidir na pena de 1 (um) a 5 (cinco) anos, constante no preceito secundário da norma incriminadora que prevê a importunação sexual, inserida pela Lei nº 13.718 de 2018 no art. 215-A do código penal, em alguns casos há reconhecimento por parte de magistrados da configuração do beijo em questão como estupro, deve-se ressaltar que não merece ser tratado de forma tão ríspida, devido ao grau de reprovabilidade da conduta. Entende-se que de acordo com o princípio da razoabilidade e o princípio da proporcionalidade, a pena do estupro seria desproporcional a lesão causada ao bem jurídico tutelado.
Com isso, busca-se demonstrar os parâmetros de distinção na tipificação do beijo roubado, adotado na legislação e na jurisprudência, apresentando-se as obscuridades e deficiências para o correto enquadramento do fato à norma penal incriminadora.
1. OS CRITÉRIOS DE DIFERENCIAÇÃO ENTRE OS CRIMES DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL E DE ESTUPRO
O preceito do art. 2º da Lei 13.718/2018 modificou o Código Penal brasileiro, passando a integrar agora em seu rol normativo o art. 215-A, que tratou da definição da conduta que caracteriza o crime de importunação sexual no ordenamento jurídico brasileiro, contendo a seguinte definição:
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave [...]. (BRASIL, 1940)
Vale ressaltar que este dispositivo é um tipo penal subsidiário, posto que, só irá se configurar tal crime se o ato não constituir crime mais grave, tratando-se o presente caso de subsidiariedade expressa, princípio solucionador em caso de conflito aparente de normas.
Por conseguinte, se o agente perpetra tal conduta de “roubar um beijo”, utilizando-se de um meio na qual a ofendida não consiga impedi-lo de cometer, de modo que o malfeitor agarre, segure, imobilize o rosto da vítima impossibilitando-a de que exerça sua autodefesa deve-se entender que a transgressão não poderá ser reputada como importunação sexual, mas sim como estupro, pois estar-se-á diante do conhecido como o beijo seja lascivo. Assim, observa-se que não é apenas o fato de ser um beijo que, automaticamente, ou autor terá a adequação típica de sua conduta no crime de importunação sexual.
Se nesse caso, percebe-se que o agente utilizou da sua força física, de violência para poder conter as reações da vítima, para só então beijá-la a fim de saciar sua própria lascívia, poder-se-á aceitar a caracterização do crime mais grave.
Entende-se que é aplicável o art. 213 do Código Penal, delineando-se o crime de estupro, pois houve o adimplemento de todos os requisitos reputados imprescindíveis a sua caracterização. A doutrina preleciona que deve-se apenas utilizar a importunação sexual quando não houver o preenchimento de todos os requisitos definidores do estupro, devido ao seu caráter subsidiário.
Note-se que o crime de importunação sexual não pode ser confundido com o delito do estupro. Quando a conduta tipificada é de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, em regra, há a tipificação estrita do estupro. Contudo, deve se observar as circunstâncias fáticas para a interpretação correta dos dispositivos legais.
Em situações que podem gerar o reconhecimento do crime de estupro, há sempre violência ou grave ameaça que constranja alguém a praticar o deixar que com ela se pratique algum ato libidinoso Entretanto, no crime de importunação sexual, não há a violência ou ameaça grave, mas sim um ato praticado sem a anuência da vítima, sem agressão para a prática do ato.
Neste sentido, verifica-se que os tribunais, em decorrência da não existência de violência ou grave ameaça no crime de importunação, ao definir qual foi o tipo penal praticado pelo agente, levam em consideração o grau de reprobabilidade social da conduta praticada, para que com isso, se alcance uma decisão ponderada, respeitando os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade que permeiam todo o ordenamento jurídico pátrio.
2. A SELETIVIDADE PENAL NOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL
Hodiernamente, torna-se comum a ocorrência de decisões divergentes entre os julgadores, uma vez que a norma jurídica, quando submetida a análise do magistrado, que utiliza o princípio do livre convencimento motivado, permite que com seu poder decisório defina os caminhos de quem será considerado importunador ou quem será considerado um estuprador.
Com isso, emana na sociedade à sensação de insegurança e incerteza quanto às consequências de tais atos, bem como o sentimento de que a sua vida e segurança está lançada ao acaso, a depender da subjetividade e da interpretação do julgador na apreciação do caso concreto.
Segundo as lições de (ZAFFARONI, 1991, p. 130) “o direito penal escolhe determinados indivíduos a criminalização, mediante um estereótipo pré-estabelecido pelo legislador”. Este poder de selecionador incide tanto na elaboração das normas típicas como na sua aplicação, o que leva o aparelho punitivo estatal valer apenas para aqueles já selecionados, sendo os demais, ainda que pratiquem essa conduta típica, de algum modo excluídos da aplicação da lei penal.
Teoricamente, quanto maior o prestígio social do agente, o volume do seu patrimônio pessoal e, ainda, sendo o seu círculo de amizades constituído por pessoas que detém poder e influência, estando estas presentes no local do fato, se tornam essas circunstâncias capazes de influenciar diretamente no comportamento da vítima, levando-a a duvidar se o que ocorreu foi de fato um crime (importunação/ estupro) ou apenas um mal entendido entre os envolvidos.
Frisa-se que, independentemente de quem seja o sujeito ativo do delito, ou até mesmo à vítima, é de extrema importância que se comunique as autoridades competentes para que possam ser tomadas as medidas cabíveis quando ocorrer uma repressão estatal frente a tais condutas.
Hoje, tanto o estupro quanto a importunação sexual, são crimes de ação penal pública incondicionada, ou seja, a vítima comunica o fato a autoridade policial competente, tendo a mesma o dever legal de instaurar o inquérito e investigar. Conforme salientado por (SOUZA, 2019, p. 10) “o jus puniendi não é um faculdade estatal, mas sim um poder/dever de punir aquele que violar a norma penal prevista no ordenamento brasileiro”. Entretanto, esse poder do Estado possui limitação, só podendo ser exercido através do devido processo legal, observando-se ainda os princípios do contraditório e da ampla defesa, nos moldes do art. 5º, LV da Constituição da República.
Entende-se necessário, nesse contexto, citar a seguinte observação doutrinária a respeito da ação penal pública incondicionada nos crimes contra a dignidade sexual:
Agora, a ação penal será pública incondicionada para todos os casos (antes a regra geral era que fosse condicionada à representação da vítima e incondicionada nos casos de vulnerabilidade). Neste ponto pensamos que andou mal o legislador e, ao aparentemente ampliar a proteção da vítima (maior e capaz), o que fez foi menosprezar sua capacidade de decisão, escolha e conveniência. A exigência de representação para vítimas maiores e capazes, por ser um ato sem formalidade ou complexidade, assegurava à vítima o direito de autorizar ou não a persecução penal. Era uma condição de procedibilidade que denotava respeito ao seu poder decisório, importante neste tipo de delito, em que a violência afeta diretamente a intimidade e privacidade, além da liberdade sexual. (LOPES JR, 2018,)
A referida alteração legislativa, que introduziu a ação penal pública incondicionada para todos os crimes praticados contra a dignidade sexual, deu origem a uma nova celeuma jurídica, tendo em vista que as vítimas maiores e capazes não mais poderão optar entre preservar sua intimidade, a partir do momento em que a Lei 13.718/18 permite a persecução penal independente de manifestação volitiva da vítima.
Dessa forma, com os avanços dos crimes contra a dignidade sexual, a política criminal, envolvendo o Estado-legislador, deve modificar-se com o passar do tempo, visando atender assim aos anseios sociais.
3. O BEIJO
Considerado uma das formas mais sublimes de demonstração de carinho entre dois seres humanos, o beijo pode conter em si uma carga emocional e valorativa muito elevada. O beijo traz de volta momentos de felicidade e alegria, assim como também pode relembrar traumas e péssimas lembranças.
Dessa forma, compreende-se que o beijo poderá ser positivo ou negativo e, para o direito penal brasileiro, o beijo que poderá ser tratado de forma punitiva pelo Estado, subsumindo-se o fato a norma contida no art. 213 do código penal brasileiro, é basicamente o “beijo lascivo”.
O beijo lascivo pode ser caracterizado como aquele beijo carregado de conotação sexual, o qual tem como finalidade saciar a libido do autor ou, também, o que pode ser descrito como aquele beijo que tem como objetivo final o sexo ou algum outro ato libidinoso capaz de satisfazer a lascívia.
Portanto, o beijo roubado, desde que lascivo, é passível, segundo a jurisprudência pátria, de ensejar o enquadramento na tipificação penal do crime de estupro. Sendo considerado ato libidinoso, e, prevendo de forma clara o crime de estupro, em seu artigo 213 do CP, que a conduta de “constranger alguém mediante violência ou grave ameaça a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso [...]”, é considerado estupro, poderá o infrator ser submetido a pena de reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos, como se verifica pela seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça.
HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONDENAÇÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. DESCRIÇÃO SUFICIENTE AO EXERCÍCIO DO DIREITODE DEFESA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ATOS LIBIDINOSOS DEMONSTRADOS. BEIJO LASCIVO. CONFIGURAÇÃO DO CRIME. EXAME APROFUNDADO DAS PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Não há falar em inépcia formal se a denúncia descreveu a conduta delituosa de forma suficiente ao exercício do direito de defesa, com a narrativa de todas as circunstâncias relevantes, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal. 2. Hipótese em que o órgão acusatório apontou objetivamente o ato criminoso imputado ao paciente, consistente na prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, mediante violência presumida. Foi descrito que o paciente teria atraído a menor para sua residência, após o que "agarrou" e "beijou" a vítima, com 12 anos de idade, sem o seu consentimento. Narrou-se, ainda, que em consequência dos atos do paciente a vítima estaria com o zíper de suas vestes aberto. 3. É pacífica a compreensão desta Corte Superior de Justiça no sentido de que o beijo lascivo pode constituir ato libidinoso diverso da conjunção carnal, hábil a caracterizar o delito descrito na anterior redação do art. 214 do Código Penal, em sua forma consumada. 4. No caso, as instâncias ordinárias, analisando detidamente as provas produzidas nos autos, concluíram que o paciente praticou atos libidinosos contra a vítima, jogando-a na cama, beijando-a de forma lasciva e abrindo o zíper de sua roupa. Tais atos, como visto, são suficientes para caracterizar o delito pelo qual foi condenado. 5. Não se mostra possível, na via eleita, alterar a conclusão a que chegaram o Juiz e o Tribunal de origem acerca dos fatos, pois inviável, nesta sede, analisar profundamente as provas produzidas. 6. Ordem denegada.
(STJ - HC: 105673 CE 2008/0095693-8, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 01/09/2011, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/09/2011). (STJ, 2011, grifo nosso).
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que o delito de estupro, unificado ao atentado violento ao pudor na atual redação dada pela Lei nº 12.015/2009, resta consumado quando da prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, sucedâneo a ela ou não, em que evidenciado o contato físico entre o agente e a vítima, como toques, contatos voluptuosos e beijos lascivos.
Portanto, firma-se o entendimento que o beijo roubado desde que, lascivo e praticado com violência, pode sim ser tipificado, a depender do caso concreto, como o crime previsto no art. 213, CP, o estupro. Contudo, é necessário esclarecer que o beijo furtivo, brevíssimo, fugaz, em si, via de regra, não se enquadra na tipificação do delito de estupro.
O beijo brevíssimo pode ser entendido como aquele comumente observado em festas, como o carnaval, quando um determinado sujeito sorrateiramente, “rouba” um beijo de uma determinada foliã com um curto tempo de duração.
Este beijo por si só, desde que não acompanhado de violência contra a vítima, não possui o condão de ensejar a tipificação deste fato ao delito de estupro, mas sim ao delito de importunação sexual, contido no art. 215-A, CP, pois deve-se apenas utilizar a importunação sexual quando não houver o preenchimento de todos os requisitos definidores do estupro, devido ao seu caráter subsidiário. Dessa forma, é necessária a observação de todas as circunstâncias fáticas contidas no ato para a correta tipificação e punição do ato praticado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise dos principais conceitos normativos a respeito do Decreto-lei nº 2.848/1940 a cerca da importunação sexual e do estupro é perceptível a linha tênue que perpassa em meio a estas definições legais.
Ao longo deste estudo, compreende-se, não existir apenas um critério objetivo para a definição da tipificação penal do beijo roubado. Deve-se observar, como já foi explicitado, que em cada contexto fático deverá se verificar as circunstâncias fáticas.
O beijo simples, sem conteúdo lascivo, por si só, desde que não acompanhado de violência, não possui o condão de ensejar a tipificação deste fato ao delito de estupro, mas sim, o delito de importunação sexual, contido no art. 215-A, CP, pois se deve apenas utilizar-se a importunação sexual quando não houver o preenchimento de todos os requisitos definidores do estupro, devido ao seu caráter subsidiário.
Portanto, resta claro que, o tema do presente artigo não possui apenas uma resposta objetiva, e, sim várias possíveis respostas a serem formuladas a partir do caso concreto.
Contudo, a pesquisa doutrinária e jurisprudencial contida neste artigo pode ser vista como uma ferramenta, útil e necessária para qualquer pessoa que se encontre em uma situação de vulnerabilidade semelhante, lhe fornecer os meios necessários para que se possa ter o conhecimento sobre o tema e decidir sobre quais atitudes poderá ter frente a tais condutas.
O objetivo principal deste artigo é diferenciar os casos de importunação sexual dos casos de estupro, especificamente em relação ao beijo, fornecendo ao leitor embasamento técnico-doutrinário e jurisprudencial para que possa entender as sentenças e os casos concretos, que muitas vezes parecem inteligíveis para os não aplicadores do direito.
Além disso, considera-se necessário contribuir de forma prática e significativa para o desenvolvimento social, disseminando o conhecimento para todas as camadas da sociedade, não ficando restrito ao ambiente das academias. O ser humano quer seja, quer não, é um ser social em sua essência e, com isso, é necessário que existam informações úteis e de fácil acesso, com leitura descomplicada, a fim de que o conteúdo escrito seja entendido e difundido no seio social de forma clara pelos leitores.
Dessa forma, com a difusão dos conhecimentos emanados da academia, torna-se possível modificar aos poucos os sujeitos sociais e suas atitudes frente às condutas delitivas. Com essa alteração comportamental, acredita-se que cada agente social poderá contribuir com a transformação dos demais encontrados em sua órbita.
Assim, como em um campo eletromagnético em expansão, o núcleo do conhecimento irá manter em sua órbita e atrair cada vez mais, pessoas capazes de constituir uma alteração direta no tecido social, estabelecendo os pilares para que a sociedade atual possa se desenvolver de forma pacífica com responsabilidade social.
Esses pilares estão sendo construídos com a participação de cada um, de acordo com as suas possibilidades. Acredita-se que se cada sujeito social se responsabilizar por fazer algo melhor, algo que estará a contribuir para o seu desenvolvimento pessoal, intelectual e social, tornar-se-á cada um núcleo central de desenvolvimento social, fazendo com que os componentes de seu círculo social orbitem ao redor do conhecimento transmitido.
Dessa forma, as diferenciações normativas entre a importunação sexual e o estupro são mais do que meras definições legais. Elas visam modificar, aos poucos, visões distorcidas e que, muitas vezes, são difundidas de forma equivocada e descontextualizadas sobre os temas.
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