RESUMO: O presente artigo se propõe a analisar o consensualismo no direito administrativo, em especial alguns dos instrumentos inseridos nos últimos 20 (vinte) anos, a exemplo da possibilidade de negociação da fase de lances do pregão, da criação dos juizados especiais da fazenda pública, os quais permitem a solução de conflitos por meios consensuais, o acordo de não-persecução cível na ação civil por ato de improbidade administrativa, entre outros, tendência que vem crescendo em oposição ao modelo tradicional vinculado à estrita legalidade e a formas rígidas de atuação nosso modelo de direito administrativo ainda é prioritariamente centrado na unilateralidade das decisões da Administração Pública, a exemplo do que ocorre no processo administrativo, em especial o processo administrativo sancionador e disciplinar. Para tanto, serão analisadas posições de doutrinadores que tratam dos temas abordados, além de artigos científicos e dissertações que tratam do mesmo tema, utilizando-se do método dedutivo para se chegar a uma conclusão.
Palavras-chave: Consensualismo. Administração Pública. Evolução.
ABSTRACT: This article proposes to analyze the consensualism in administrative law, especially some of the instruments inserted in the last 20 (twenty) years, such as the possibility of negotiating the bidding phase of the auction, the creation of the special courts of the public farm, the which allow the resolution of conflicts by consensual means, the civil non-persecution agreement in civil action for act of administrative improbity, among others, a trend that has been growing in opposition to the traditional model linked to strict legality and rigid ways of acting our model administrative law is still primarily focused on the unilateral nature of Public Administration decisions, as is the case in the administrative process, in particular the sanctioning and disciplinary administrative process. To this end, positions of doctrines that deal with the topics covered will be analyzed, in addition to scientific articles and dissertations that deal with the same topic, using the deductive method to reach a conclusion.
Keywords: Consensualism. Public administration. Evolution.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Alguns instrumentos de solução consensual de conflitos introduzidos no direito administrativo. 2. A utilização das soluções consensuais de conflito no direito administrativo. Considerações finais. Referências Bibliográficas
INTRODUÇÃO
Com sua evolução, o direito administrativo passou a utilizar instrumentos de solução consensual de conflitos, a exemplo da realização de acordos nos juizados especiais da fazenda pública, da celebração de compromissos nos termos do art. 26, da Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro e do acordo de não persecução civil na ação civil os quais imprimem uma nova visão acerca dessa área do direito.
Dessa forma, é necessário analisar a consensualidade no direito administrativo, através de alguns dos seus instrumentos, dentro da dinâmica tradicional norteada pelo princípio da supremacia do interesse público.
1. Alguns instrumentos de solução consensual de conflitos introduzidos no direito administrativo.
Tradicionalmente vinculado à unilateralidade, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, passaram a ser incluídos na seara do direito administrativo alguns instrumentos soluções.
Em 2002, a Lei n.º 10.520/02, a lei que instituiu a modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, na qual prevê nos seus arts. 3º e 4º, que tratam das suas fases interna e externa, a realização de lances pelos seus participantes, que apesar de não se referir a uma solução consensual de conflitos, já aponta para a tendência de negociação e flexibilização da autoridade rígida da Administração Pública, como ocorre nas demais modalidade de licitação, isso porque o pregão permite a utilização de aspectos consensualistas no processo de aquisição pelos entes públicos.
A Lei n.º 12.153/09 que dispôs sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública prevê que os entes públicos podem conciliar causas cíveis de até 60 (sessenta) salários mínimos, ressalvas as causas dispostas no seu art. 2º, §1º. Tal previsão legal foi um grande avanço para a administração pública, isso porque ao permitir a solução consensual de conflitos menos complexos, privilegiou os princípios da eficiência e da duração razoável do processo, previstos constitucionalmente e norteadores da função pública.
No mesmo caminho, a Lei n.º 13.140/2015 que tratou da mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, trouxe as disposições gerais para permitir a utilização da mediação judicial e extrajudicial e ainda a autocomposição, entre elas a criação de câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos no âmbito dos órgãos da Advocacia Pública dos entes.
Em 2018, a Lei n.º 13.655/208, que realizou alterações na Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro a fim de incluir disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público, trouxe entre suas inovações, a possibilidade prevista no seu art. 26, a possibilidade da autoridade pública celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável e ouvido o órgão jurídico e realização de consulta pública, caso seja necessário, a fim de eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, abrangendo os casos de expedição de licença.
Nesse diapasão, o diploma legal acima referido trouxe no §1º do art. 26 as diretrizes para a celebração do compromisso, ressaltando que deverá buscar “solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais”[1].
Todos os diplomas legais acima mencionados, trazem em escalas diversas, previsões de solução consensual de conflitos na Administração Pública, sendo que em todos eles tratam, eminentemente, de questões patrimoniais. No entanto, em 24 de dezembro de 2019 foi sancionada a Lei n.º 13.964/19, mais conhecida como lei anticrime, que através do seu art. 6º alterou o § 1º, do art. 17 da Lei n.º 8.429/92 a fim de permitir a celebração de acordo de não persecução cível no âmbito da ação civil pública por ato de improbidade administrativa.
Nesse diapasão, a lei passou a permitir até em casos onde o dano não seja eminentemente material, como ocorre na ação civil pública por ato de improbidade administrativa, onde há também a violação a princípio constitucional administrativo, o que demonstra uma clara evolução no consensualismo no âmbito da Administração Pública.
2. A utilização das soluções consensuais de conflito no direito administrativo.
Conforme vimos no item acima, desde o ano de 2002 até a data atual foram incluídos no âmbito da Administração Pública instrumentos de solução consensual de conflitos.
O processo teve início de forma tímida, mas ao longo do tempo atingiu níveis de consensualidade equiparados ao setor privado, a exemplo das câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos no âmbito dos órgãos da Advocacia Pública dos entes federados.
Dessa forma, vê-se que a utilização dos meios de solução alternativa de conflitos na administração pública quebrou com alguns paradigmas, como o da indisponibilidade e o da supremacia do interesse público, já que nos processos de conciliação dos juizados especiais da fazenda pública, na medição tanto judicial como extrajudicial e ainda na autocomposição, a administração pública, em alguns casos, celebra acordos, o que implica concessões mútuas, respeitados os limites legais.
Nesse diapasão, verifica-se o movimento em comento acabou por provocar a mitigação dos princípios da indisponibilidade e da supremacia do interesse público, trazendo um viés mais consensualista para administração pública. No entanto, é importante observar que tal movimento não fere os princípios basilares da administração pública, isso porque ainda que sejam feitas concessões uma das bases das soluções consensuais de conflito, tais concessões observam os princípios constitucionais fundantes da Administração Pública previstos no art, 37, “caput” da Constituição Federal de1988.
Corroborando com tal entendimento, podemos observar que em muitos casos a solução consensual adotada pela administração pública privilegia o princípio constitucional administrativa da eficiência, isso porque a questão é solucionada de forma mais rápida e com mais resolutividade, além de diminuir a judicialização.
Para tanto, a Administração Pública vem se estruturando para manejar de forma mais intensa as soluções alternativas de conflito, a exemplo das câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos criadas no âmbito da Advocacia Geral da União, o que demonstra essa mudança de paradigma da Administração Pública.
CONCLUSÃO
Diante da análise dos instrumentos consensuais de solução de conflito introduzidos na Administração Pública desde os anos 2000 até a presente data, é possível observar que tal movimento provocou a mitigação de alguns princípios do direito administrativo, a exemplo da supremacia do interesse público e da indisponibilidade, o que demonstra a evolução do direito administrativo, que passa a se adequar conceitos e técnicas mais avançados no direito, a exemplo da solução consensual dos conflitos, coadunando com as tendências mundiais do direito e já internalizada em nosso sistema jurídico, especialmente pelo Código de Processo Civil de 2015, que privilegia a solução consensual dos conflitos.
Dessa forma, vemos que o direito administrativo segue, observando seu ritmo, acompanhando as mudanças no cenário nacional e internacional, o que pode ser observado através da introdução, cada vez mais incisiva de meios de soluções alternativas de conflito, e com isso, dando-lhe uma nova roupagem mais moderna, com a mitigação da unilateralidade e, com isso, materializando os princípios constitucionais administrativos previstos no art. 37, “caput” da Constituição Federal.
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[1] Art. 26, §1°, Lei n.º 13.655: Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. § 1º O compromisso referido no caput deste artigo: I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais.
Juíza de Direito Substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, Mestranda em Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB, Professora de Direito Constitucional e Administrativo da Escola de Magistratura do Distrito Federal – ESMA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SA, Acacia Regina Soares de. Instrumentos de solução consensual de conflitos na Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2020, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54727/instrumentos-de-soluo-consensual-de-conflitos-na-administrao-pblica. Acesso em: 22 dez 2024.
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