RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar as normas infraconstitucionais aptas a promover a retroatividade dos seus efeitos jurídicos às situações pretéritas, bem como, os graus de retroatividade por ela promovida. Neste contexto, faz-se uma análise da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, abarcando o Código Penal e o Código Tributário Nacional, como também as normas infraconstitucionais que nascem para desconstituir até mesmo a coisa julgada, como a Lei de Anistia e o decreto de indulto, graça e comutação de penas, abarcando a Súmula nº 654 do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, utilizou-se o método de análise qualitativa, com estudo da doutrina, jurisprudência e legislação. Conclui-se que a Constituição de Outubro de 1988 permite a retroatividade de normas, desde que não afronte o "status libertatis" da pessoa (CRFB/88, art. 5º. XL), (b) ao "status subjectionais" do contribuinte em matéria tributária (CRFB/88, art. 150, III, "a") e (c) à segurança jurídica no domínio das relações sociais.
Palavras-chave: Coisa julgada, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, segurança jurídica.
ABSTRACT: The present article aims to analyze the infraconstitutional rules able to promote the retroactivity of its legal effects to past situations, as well as the degrees of retroactivity promoted by it. In this context, an analysis is made of the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988, encompassing the Penal Code and the National Tax Code, as well as the infraconstitutional rules that are born to deconstruct even the res judicata, such as the Amnesty Law and the decree of pardon, grace and commutation of sentences, encompassing Precedent Nº 654 of the Supreme Court. For that, the qualitative analysis method was used, with a study of the doctrine, jurisprudence and legislation. It is concluded that the Constitution of October 1988 allows the retroactivity of norms, as long as it does not affect the "status libertatis" of the person (CRFB / 88, art. 5º XL), (b) the " status subjectionais " of the taxpayer in tax matters (CRFB / 88, art. 150, III, "a") and (c) legal certainty in the field of social relations.
Key words: Thing judged, Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988, legal certainty.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 2. DESENVOLVIMENTO. 2.1 NORMAS QUE POR SUA NATUREZA JÁ SÃO RETROATIVAS: 2.1.1 LEI QUE CONCEDE A ANISTIA E O DECRETO DE INDULTO, GRAÇA E COMUTAÇÃO DE PENAS; 2.1.2 SÚMULA Nº 654 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2.2 NORMAS INTERPRETATIVAS. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1.INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de conteúdo analítico, eclética e extensiva, permite várias interpretações retroativas de normas infraconstitucionais, e estabelece efeitos distintos, conforme o instrumento jurídico analisado, pois objetiva essencialmente proteger a liberdade dos cidadãos, a proteção contra o confisco e a prevalência da proteção às posições jurídicas decorrentes do ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido.
O tema é bastante sensível, uma vez que atinge frontalmente o princípio da segurança jurídica, como bem conceituado por Paulsen (2020, p. 109 - 111), em destaque:
“Todo o conteúdo normativo do princípio da segurança jurídica se projeta (...) O conteúdo de certeza do direito diz respeito ao conhecimento do direito vigente e aplicável aos casos, de modo que as pessoas possam orientar suas condutas conforme os efeitos jurídicos estabelecidos, buscando determinado resultado jurídico ou evitando consequência indesejada. (...) O conteúdo de intangibilidade das posições jurídicas (...) O conteúdo de estabilidade das situações jurídicas que estabelecem prazos decadenciais e prescricionais (...)O conteúdo de proteção à confiança (...) O conteúdo de devido processo legal tratando-se de acesso à jurisdição, remédios e garantias processuais, impende considerar, ainda, que têm plena aplicação, também em matéria tributária, dentre outros, os incisos XXXV, LIV, LV, LVI, LXIX e LXX do art. 5o da Constituição. Evidencia-se, assim, a segurança jurídica enquanto devido processo legal e, mais particularmente, enquanto acesso à jurisdição.” (PAULSEN, 2020, p. 109-111).
O Supremo Tribunal Federal na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 605 MC/DF de relatoria do Min. Celso de Mello, com julgamento em 23/10/1991, pelo órgão julgador, o Tribunal Pleno, assim delimitou a possibilidade de retroação:
“O princípio da irretroatividade somente condiciona a atividade jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas pela Constituição, em ordem a inibir a ação do Poder Público eventualmente configuradora de restrição gravosa (a) ao "status libertatis" da pessoa (CF, art. 5. XL), (b) ao "status subjectionais" do contribuinte em matéria tributária (CF, art. 150, III, "a") e (c) à segurança jurídica no domínio das relações sociais (CF, art. 5., XXXVI). - Na medida em que a retroprojeção normativa da lei não gere e nem produza os gravames referidos, nada impede que o Estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo. - As leis, em face do caráter prospectivo de que se revestem, devem, ordinariamente, dispor para o futuro. O sistema jurídico-constitucional brasileiro, contudo, não assentou, como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade. - A questão da retroatividade das leis interpretativas.” (STF, ADI 605 MC/DF).
Desta forma, o presente trabalho busca analisar as normas infraconstitucionais aptas a promover a retroatividade dos seus efeitos jurídicos às situações pretéritas, bem como, os graus de retroatividade por ela promovida.
2.DESENVOLVIMENTO
2.1 NORMAS QUE POR SUA NATUREZA JÁ SÃO RETROATIVAS
O art. 5º, XL da Constituição Republicana de 1988, expressamente concebe a retroatividade benigna em matéria penal ao dispor “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, entretanto, o que parece ser uma regra clara e sem margem de interpretação se mostrou extremamente complicado.
O Código Penal em seu art. 3º afirma que “A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”.
Logo, como conciliar a retroatividade normativa com o fim das situações excepcionais ou com o tempo da norma, entendemos, que o tempo ou a circunstância excepcional integra o próprio tipo penal, sob pena de se perfazer uma norma inócua, ao qual não promove a prevenção geral ou especial das sanções penais, logo essas leis intermitentes seriam sempre dotadas de ultratividade, com a exceção apenas de nova norma temporária mais benéfica.
Contudo, o eminente desembargador e doutrinador Nucci (2019, p. 327-328) entende de maneira diversa a este posicionamento, pois compreende que há um eufemismo interpretativo ao afirmar que o tempo integra a tipicidade, pois em verdade o marco temporal ou circunstancial revoga a lei do ordenamento jurídico, logo perfazendo os efeitos retroativos benéficos ao réu, senão vejamos:
“O referido art. 3.º não especifica ser o período de tempo integrante do tipo penal; cuida-se de criação doutrinária. E mesmo que se pudesse deduzir tal incorporação, quando a lei intermitente perde a vigência, em seu lugar, por certo, surge norma mais favorável ao réu, merecendo sobreposição no tocante à anterior. Ainda mais, inserindo-se o tema sob o prisma da dignidade humana, não há como sustentar que o Estado tenha direito de editar leis de curta duração, buscando punir mais severamente alguns indivíduos, por exíguo tempo, para depois retroceder, abolindo o crime ou amenizando a pena. Não se deve tratar o direito penal como joguete político para a correção de casos concretos temporários ou passageiros. A intervenção mínima demanda a instituição de lei penal incriminadora somente em ultima ratio, quando nada mais resta ao Estado senão criminalizar determinada conduta. Por isso, leis intermitentes não se coadunam com o texto constitucional de 1988, reputando-se não recepcionado o art. 3.º do Código Penal.” (NUCCI, 2019, p. 327-328).
2.1.1 Lei que concede a anistia e o decreto de indulto, graça e comutação de penas
São normas infraconstitucionais que nascem para desconstituir até mesmo a coisa julgada, pois buscam perdoar ou minimizar responsabilidades na esfera penal, civil, administrativa, política ou de controle para fatos reprováveis anteriores, nos termos do art. 22, XVII, c/c o art. 48, VIII e § 6º do art. 150 da Constituição Federal, sem que isso sequer implique revogação da norma jurídica anterior, permanecendo a mesma com plena validade e eficácia jurídica.
Registra-se que, um mero decreto presidencial tem poder de conceder a graça e o indulto, sendo uma prerrogativa privativa e discricionária do Chefe do Poder Executivo (art. 84, XII da CRFB/88), nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF, ADI 5874/DF, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 9/5/2019, Plenário (Info 939)).
O Decreto nº 9.246/2017, que concedeu indulto natalino, é constitucional. O indulto é um mecanismo de freios e contrapesos exercido pelo Poder Executivo sobre o Judiciário, sendo consentâneo com a teoria da separação dos poderes. O indulto não faz parte da doutrina penal, não é instrumento consentâneo à política criminal. Trata-se, como já explicado, de legítimo mecanismo de freios e contrapesos para coibir excessos e permitir maior equilíbrio na Justiça criminal. O indulto é considerado um ato discricionário e privativo do Presidente da República. O decreto de indulto não é imune ao controle jurisdicional, no entanto, suas limitações se encontram no texto constitucional (art. 5º, XLIII, da CF/88). É possível a concessão de indulto para crimes de corrupção (em sentido amplo) e lavagem de dinheiro. Isso porque não há vedação na Constituição Federal. O parecer oferecido pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) acerca dos critérios de concessão do indulto não vincula o Presidente da República. (STF, ADI 5874/DF, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 9/5/2019, Plenário (Info 939))
Cabe ressaltar que, a própria Constituição demandou limitações, tais como o disposto no art. 5º XLIII da CRFB/88, in verbis:
CRFB/88, art. 5º (...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
Bem como, para a proteção da moralidade administrativa, impessoalidade e respeito à boa-fé e às decisões judiciais, o Poder Judiciário vem limitando essa prerrogativa do Presidente da República quando se trata de casos que visam perdoar a pena de multa decorrente de parcelamento voluntário para obter benefícios penais ou do perdão objetivando o retorno aos cargos públicos, conforme recente julgado do Supremo Tribunal Federal EP 21 AgR-segundo-ED/DF, AG.REG. na Execução Penal, Relator Ministro Roberto Barroso, julgado em 27/09/2019 pelo órgão julgador, o Tribunal Pleno, em destaque:
Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. INDULTO. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO DECRETO Nº 8.615/2015. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. SUBSISTÊNCIA DO DEVER DE PAGAMENTO MULTA, CONSOANTE PARCELAMENTO AJUSTADO COM A FAZENDA PÚBLICA, BEM COMO DOS EFEITOS SECUNDÁRIOS DA CONDENAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Agravo regimental contra decisão que deferiu o pedido de indulto em execução penal, nos termos do Decreto nº 8.615/2015, ressalvando, contudo, que (i) a decisão não interferia no acordo firmado, espontaneamente, pelo sentenciado com a Fazenda Pública para o pagamento parcelado da multa; e (ii) subsistiam os efeitos secundários da condenação. 2. O preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos do Decreto nº 8.615/2015 impõe a extinção da punibilidade do sentenciado (art. 107, II, CP). 3. Nada obstante, o indulto da pena privativa de liberdade não alcança a pena de multa que tenha sido objeto de parcelamento espontaneamente assumido pelo sentenciado. O acordo de pagamento parcelado da sanção pecuniária deve ser rigorosamente cumprido sob pena de descumprimento da decisão judicial e violação ao princípio da isonomia e da boa-fé objetiva. Precedente específico do Plenário: EP 11-AgR, Rel. Min. Luís Roberto Barroso. 4. Da mesma forma, a concessão do indulto extingue a pena, mas não o crime, de modo que não são afastados os efeitos secundários do acórdão condenatório, dentre os quais a interdição do exercício de função ou cargo públicos. Doutrina. Precedentes. Situação concreta em que subsistem os efeitos extrapenais da condenação, como é o caso da interdição do exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza, expressamente fixada pelo acórdão condenatório. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF EP 21 AgR-segundo/DF, AG.REG. na Execução Penal, Relator(a): Min. Roberto Barroso, Julgamento: 27/09/2019, Órgão Julgador: Tribunal Pleno).
2.1.2 Súmula nº 654 do Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal em sessão plenária de 24/09/2003 editou a Súmula nº 654 que enuncia: “A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art 5º, XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado.”
Ou seja, permitiu que o ente federado – União, Estados, Municípios e o Distrito Federal, abra mão, pela via legislativa, da garantia constitucional da irretroatividade, não podendo, depois de sua renúncia, alegar a irretroatividade, haja posto a proteção à confiança legítima, segurança jurídica e independência entre os poderes, protegendo assim, o cidadão, conforme exemplifica Lenza (2020, p. 814).
“O STF entendeu perfeitamente possível que a lei traga novas regras e preserve a mera expectativa de direito em benefício de cidadãos, por exemplo, o parágrafo único do art. 1.º da Lei estadual n. 200/74 (SP), que, ao revogar a legislação que concedia benefício de complementação de aposentadoria, ressalvou os direitos dos empregados admitidos até a data de sua vigência. Nesse sentido, a S. 654/STF: “a garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5.º, XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado”. (LENZA, 2020, p. 814).
Contudo, ressalta-se a advertência de Bernardes & Ferreira (2015, p. 162) acerca do assunto:
“Contudo, como não são só os particulares que podem invocar o princípio da não retroatividade, a constitucionalidade de leis assim retroativas circunscreve-se à titularidade da própria entidade detentora do direito subjetivo. Daí, no exemplo acima, a lei federal é válida porque somente a União poderia alegar o direito adquirido de não pagar novamente os vencimentos já adimplidos daquela classe de servidores federais. Todavia, embora seja federal a competência para legislar sobre salário mínimo, o princípio da não retroatividade tornaria nula qualquer lei da União que elevasse, de maneira retroativa, o salário mínimo pago por Estados, DF e Municípios a seus servidores e/ou empregados públicos.” (BERNARDES & FERREIRA, 2015, p. 162).
2.2 NORMAS INTERPRETATIVAS
O Código Tributário Nacional no seu art. 106, I afirma que a lei, pode conferir tratamento retroativo:
CTN/66, art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados.
Ou seja, para os defensores da constitucionalidade desta norma, a lei define o que pode ou não retroagir, inclusive em matéria tributária. Registra-se que o Superior Tribunal de Justiça vem aplicando o entendimento pela retroatividade interpretativa. A exemplo disto temos o REsp 1715820 / RJ, Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 12/03/2020:
IV - O drawback constitui um regime aduaneiro especial, nas modalidades previstas nos incisos do art. 78 do Decreto-lei n.37/1966 - isenção, suspensão e restituição de tributos, podendo ser conceituado como incentivo à exportação, consubstanciado na desoneração do processo de produção, com vista a tornar a mercadoria nacional mais competitiva no mercado global.
V - A Lei n 8.032/1990 disciplinou a aplicação do regime de drawback-suspensão (art. 78, II, do Decreto-Lei n. 37/1966),especificamente às operações que envolvam o fornecimento de máquinas e equipamentos para o mercado interno. Por sua vez, a Lei n.11.732/2008 revela o conceito de "licitação internacional" lançado no art. 5º da Lei n. 8.032/1990, subjetivamente mais abrangente do que aquele constante do art. 42 da Lei n. 8.666/1993, encampando, além das licitações realizadas no âmbito da Administração Pública, os certames promovidos pelo setor privado, o que, por conseguinte, prestigia e reforça a própria finalidade do benefício fiscal em comento. Inteligência do art. 173, § 2º, da Constituição da República.
VI - O padrão em nosso ordenamento jurídico é o de que as leis projetem seus efeitos para o futuro. Não obstante, o art. 106 do CTN estatui as excepcionais hipóteses nas quais a lei tributária aplica-se ao passado, dentre elas, quando a lei for expressamente interpretativa.
VII - O art. 3º da Lei n. 11.732/2008 ostenta caráter interpretativo, limitando-se a elucidar o sentido e alcance de expressão constante de outra - art. 5º da Lei n. 8.032/1990, sem impor qualquer inovação ou modificação no regime especial de tributação nela disciplinado, razão pela qual, em que pese tenha entrado em vigor após o ajuizamento da ação anulatória em tela, é perfeitamente aplicável à situação concreta ora analisada. (STJ, REsp 1715820 / RJ, Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 12/03/2020).
Contudo, desde que a referida norma interpretativa, não implique alteração substancial, como se verifica na do julgado do Superior Tribunal de Justiça no AI nos EREsp 644.736/PE, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 27.08.2007, senão vejamos:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI INTERPRETATIVA. PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO, NOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. LC 118/2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3.º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4.º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA.
(…)
3. O art. 3.º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a ‘interpretação’ dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal.
4. Assim, tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, o art. 3.º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência.
5. O artigo 4.º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do seu art.
3.º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2.º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5.º, XXXVI). (STJ, AI nos EREsp 644.736/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki DJ 27.08.2007).
Cabe ressaltar, que aparentemente, o Supremo Tribunal Federal entende pela constitucionalidade das normas interpretativas serem retroativas, como se segue o entendimento da ADI 605/DF:
“É plausível, em face do ordenamento constitucional brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das leis interpretativas, que configuram instrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominada interpretação autêntica. As leis interpretativas – desde que reconhecida a sua existência em nosso sistema de direito positivo – não traduzem usurpação das atribuições institucionais do judiciário e, em consequência, não ofendem o postulado fundamental da divisão funcional do poder – mesmo as leis interpretativas expõem-se ao exame e à interpretação dos juízes e tribunais. Não se revelam, assim, espécies normativas imunes ao controle jurisdicional” (STF, Tribunal Pleno, ADI-MC 605/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 23.10.1991, DJ 05.03.1993, p. 2.897).
Contudo, entendo pela inconstitucionalidade da retroatividade das normas interpretativas, pois não cabe ao legislador fazer interpretação da Constituição conforme a lei, invertendo assim a pirâmide formalística, ao que permite a interpretação conforme a Constituição, bem como, o limite e o alcance das normas é atribuição dos operadores do direito e jamais do legislador, sendo assim, a lei interpretativa, deve ter caráter por futuro, como decorrer do art. 1o §4o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro “As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova”, conforme entende também Bernardes & Ferreira (2015, p. 158):
“A despeito da opinião em contrário de grande parte da doutrina nacional, o princípio da não retroatividade tampouco admite a retroação de leis interpretativas. Como deixa evidente o § 4° do art. 1° da LIDB, até a lei retificadora de uma outra publicada por engano deve ser considerada uma nova lei, a fim de se respeitarem situações consolidadas sob a égide da lei retificada. Daí a manifesta incompatibilidade constitucional do inciso 1 do art. 106 do CTN, na parte em que determina a aplicação de lei interpretativa a ato ou fato pretérito.” (Bernardes & Ferreira, 2015, p. 158).
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Constituição de Outubro de 1988 permite a retroatividade de normas, desde que não afronte o "status libertatis" da pessoa (CRFB/88, art. 5º. XL), (b) ao "status subjectionais" do contribuinte em matéria tributária (CRFB/88, art. 150, III, "a") e (c) à segurança jurídica no domínio das relações sociais.
De forma tal, em regra, as leis legislam para o futuro para garantir a segurança jurídica, entretanto, com o neoconstitucionalismo, que permite a interpretação axiológica da Constituição, logo se perfaz possível que a geração do presente promova alterações com efeitos retroativos, desde que sejam proporcionais e respeitem os estritos limites da Constituição.
4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional: Teoria da Constituição. Ed. Juspodivm, 5ª ed., 2015.
BRASIL, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de 05.10.1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > Acessado em: 08 jun. 2020.
BRASIL, 1966. Lei nº 5.172/1966. Código Tributário Nacional. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm> Acessado em: 10 jun. 2020.
BRASIL, 1940. Decreto-Lei nº 2.848/1940. Código Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm > Acessado em: 10 jun. 2020.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado 2020. Ed. Saraiva Jur, 24ª edição, 2020, 1576 p.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal. 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2019.
PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 11ª ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
STF, EP 21 AgR-segundo-ED/DF, AG.REG. na Execução Penal, Rel. Min. Roberto Barroso, DJ: 27/09/2019, Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
STF, ADI 5874/DF, Rel. orig. Min. Roberto Barroso, Red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 9/5/2019, Plenário (Info 939).
STF, Súmula nº 654, Sessão Plenária de 24.09.2003.
STF, ADI 605 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ: 23/10/1991, Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
STJ, REsp 1715820 / RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 12/03/2020.
STJ, AI nos EREsp 644.736/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki DJ 27.08.2007.
Advogado. Especialista em Direito Constitucional, Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, MANFREDO BRAGA. Retroatividade das normas jurídicas infraconstitucionais: análise legislativa e jurisprudencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jun 2020, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54745/retroatividade-das-normas-jurdicas-infraconstitucionais-anlise-legislativa-e-jurisprudencial. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.