NAJLA LOPES CINTRA[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo busca analisar a pessoa jurídica e sua relação com os crimes contra a honra previstos no Código Penal Brasileiro, para, então investigar a possibilidade da vitimização da pessoa jurídica no crime de difamação. A partir da interpretação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), sabe-se que a pessoa jurídica possui personalidade, é dotada de direitos e obrigações, sendo, portanto, capaz de sofrer prejuízos e ser ressarcida por danos. Apesar disso, ainda há uma forte oposição doutrinária e jurisprudencial que descarta tal proteção no que se refere aos crimes contra a honra da pessoa jurídica. Dito isso, tem-se a presente pesquisa, que será utilizada com a metodologia qualitativa bibliográfica, cujo fundamento descansa na compreensão da pessoa jurídica como sujeito passivo nos crimes contra a honra, qual seja, a difamação, baseando-se para tanto na análise da legislação e jurisprudência brasileiras, bem como, nas doutrinas e artigos publicados condizentes com o tema.
PALAVRAS-CHAVE: Honra. Pessoa jurídica. Sujeito passivo. Difamação.
ABSTRACT: This article seeks to analyze the legal person and its relationship with crimes against honor provided for the by Brazilian Criminal Law, in order to, investigate the possibility of victimization of the legal person in the crime of defamation. From the interpretation of the Constitution, it is know that the legal entity has personality, with rights and obligations, and is, therefore capable of suffering losses and being compensated for damages. Despite this, there is still a strong doctrinal and jurisprudential opposition that rules out such protection in relation to crimes against the honor of the legal person. That said, beisg the present research (in which the qualitative-bibliographic methodology will be used, whose foundation rests on the understanding of the legal person as a passive subject in crimes against honor, that is, defamation) based on the analysis of the Brazilian law and jurisprudence, as well as doctrines and articles consistent with the theme.
KEYWORDS: Honor. Legal person. Passive subject. Defamation.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 1.1 O Nascimento da Pessoa Jurídica. 1.2 A Distinção Legal da Entidade Jurídica. 1.3 Da Personalidade Jurídica Adquirida. 2. Dos Crimes Contra a Honra. 2.1 Calúnia. 2.2 Difamação. 2.3 Injúria. 3. A Pessoa Jurídica como Sujeito Passivo do Crime de Difamação. 4. Considerações Finais. 5. Referências.
A necessidade do Direito de adequar-se à evolução dos comportamentos virtuais mostra-se inadiável. Diante do atual contexto socioeconômico, percebe-se que a pessoa jurídica possui significante participação nas relações sociais, sendo que não é incomum ao navegar na internet deparar-se com comentários e postagens que degradam a imagem e reputação de diversas empresas.
Da mesma forma que as informações se propagam no meio online com rapidez, o alcance das ofensas à uma entidade acarretam em danos inimagináveis à sua imagem, uma vez que dado a sua personalidade própria apartada dos seus sócios, a pessoa jurídica é capaz de praticar atos jurídicos e possui reputação a zelar perante a coletividade, de forma que, quando é ofendida, é necessário verificar a possibilidade de responsabilização criminal.
Ocorre que não é pacífico o entendimento sobre a proteção da honra da pessoa jurídica, inclusive, há uma visão conservadora que não aceita que a pessoa jurídica figure como vítima dos crimes contra a honra. Este artigo possui como principal objetivo investigar a possibilidade de uma entidade fictícia e criada por lei ter sua honra resguardada contra fatos imputados que sejam ofensivos à sua reputação.
Inicialmente, pretende-se analisar a natureza e a formação da entidade fictícia, ressaltando a diferença entre pessoa física e pessoa jurídica, bem como a classificação legal desta última, para então demonstrar como funciona a aquisição e proteção da personalidade jurídica. Em seguida serão apresentados os fundamentos da honra e suas espécies (objetiva e subjetiva) para averiguar se e qual tipo se aplica à pessoa jurídica, bem como introduzir alguns conceitos das condutas criminosas que tutelam a honra no ordenamento jurídico.
Por fim, serão apresentados os argumentos doutrinários, legais e jurisprudenciais que são contra e favor do tema abordado e que irão corroborar e sustentar a conclusão desta pesquisa.
1.1 O NASCIMENTO DA PESSOA JURÍDICA
O homem é um ser social, e é de sua natureza viver em sociedade, seja em grupos de caça na pré-história, seja em associações de negócios da era moderna. E assim como há séculos já existem grupos sociais, dentro destes grupos há relações sociais, e há o direito para regular essas relações. O direito surge da convivência de indivíduos em sociedade, e possui o dever de disciplinar as relações sociais.
Ocorre que a reunião de pessoas em sociedade surgiu de um fator, a necessidade, a qual nem sempre pode ser suprida pelo próprio indivíduo. Para Gonçalves (2018, p. 108), “sem a participação e cooperação de outras pessoas, em razão das limitações individuais”. No entanto, nem sempre as necessidades dos indivíduos se alinham com os objetivos daquele grupo, havendo então um conflito de interesses.
O direito entra então, como um regulador das relações sociais, para assegurar participação das unidades coletivas da vida jurídica, e para garantir que se cumpra a finalidade para qual foram criadas. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2018, p. 108) “a pessoa jurídica é, portanto, proveniente desse fenômeno histórico e social”.
Inicialmente, é de suma importância apresentar a acepção jurídica de pessoa. Maria Helena Diniz (2012, p. 129) traz que pessoa “é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito”. Neste ponto, deve-se esclarecer que, para o direito, a pessoa pode ser física (natural) ou jurídica (entidade legal).
A pessoa física é nada menos que o próprio ser humano, o qual desde o início de sua existência é sujeito de direitos e obrigações. A pessoa jurídica pode ser definida como uma reunião de bens ou pessoas que, unidas com o mesmo propósito, adquirem personalidade jurídica própria. Roborando o assunto, José de Oliveira Netto (2012, p. 427) traz a acepção legal do termo pessoa jurídica como sendo:
Uma unidade jurídica resultante de uma coletividade de pessoas organizadas com estabilidade para fins de utilidade pública ou privada, distinta de cada indivíduo que a compõe e dotada de capacidade para possuir e exercitar seus direitos patrimoniais com a sua natureza, bem como o incremento dos direitos públicos.
Ainda, Tarcisio Teixeira (2018, p. 152) complementa que:
A pessoa jurídica é um ente criado a partir da técnica jurídica, tendo, no caso da sociedade, por fim o desenvolvimento de atividade econômica. Ela não se confunde com os indivíduos que a compõem, pois tem sua própria personalidade jurídica.
Existem diversas teorias que questionam a realidade da pessoa jurídica e a sua capacidade de direito. Há teorias negativistas, que negam a existência da pessoa jurídica, que recusam a ideia de uma associação de bens e indivíduos com personalidades distintas; e teorias afirmativas, com mais adeptos na doutrina, que reconhecem que existem entidades orgânicas, individuais e reconhecidas por lei. Serão tratadas aqui as teorias afirmativistas, que formam a base do conceito legal da pessoa jurídica no direito brasileiro.
Destaca-se a classificação de Carlos Roberto Gonçalves (2018, p. 109), o qual explica que “as diversas teorias afirmativistas existentes podem ser reunidas em dois grupos: o das teorias da ficção e o das teorias da realidade”.
Primeiramente, Gonçalves (2018, p. 109) ensina que para a teoria da ficção do jurista alemão Friedrich Carl von Savigny, oriunda do século XIX, a pessoa jurídica existe apenas como uma representação fictícia da lei, ou seja, uma visão prática criada pelo homem para concretizar o objetivo de determinadas entidades de exercer direitos patrimoniais. Contrariando a ideia anterior, tem-se a teoria alemã da realidade objetiva ou orgânica, de Otto von Gierke e Ernst Zitelmann, a qual entende que a pessoa jurídica tem identidade própria, mas não personalidade técnica.
Ainda, a doutrinadora Maria Helena Diniz (2012, p. 265) apresenta outra teoria germânica, a da equiparação, de Bernhard Windscheid e Alois von Brinz, na qual a pessoa jurídica possui seu conjunto de bens, direitos e obrigações equiparados aos da pessoa natural. No entanto, nos dizeres da própria autora, a teoria da equiparação “é inaceitável porque eleva os bens à categoria de sujeito de direitos e obrigações, confundindo pessoas com coisas”.
De acordo com Tartuce (2015, p. 154), o Código Civil de 2002 adotou a teoria da realidade técnica, cuja criação sobreveio da junção de duas teorias justificatórias e afirmativas já citadas: a teoria da ficção e a teoria da realidade orgânica ou objetiva.
A teoria da realidade técnica ou da “realidade das instituições jurídicas”, assim batizada por Diniz (2012, p. 265) é defendida pelo francês Maurice Hauriou, reconhece a existência e atribui personalidade à pessoa jurídica, sendo esta última a teoria adotada pelo art. 45 do Código Civil (BRASIL, 2002), cuja redação dispõe que:
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Extrai-se deste artigo que a criação legal das pessoas jurídicas de direito privado dá-se no momento do registro do contrato social, no órgão competente, qual seja a Registro Público das Empresas Mercantis (Junta Comercial), o que lhe confere personalidade jurídica.
1.2 A DISTINÇÃO LEGAL DA ENTIDADE JURÍDICA
O Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002) é um compêndio de normas que disciplina as relações jurídicas que se formam entre as pessoas (físicas ou jurídicas) que vivem em sociedade. O referido Código, afirma Gonçalves (2018, p. 115), classifica a pessoa jurídica pela função ou à órbita de sua atuação, havendo, nesse caso, duas espécies de entidades, as de direito público e as de direito privado.
Os artigos 41 e 42 do Código Civil de 2002 relacionam as pessoas jurídicas de direito público que são, no entendimento de Flávio Tartuce (2015, p. 156), uma união de bens e pessoas que se somam e se coletivizam para atender o interesse público, externo ou interno.
As pessoas jurídicas de direito público interno são “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, os Municípios, as autarquias, inclusive as associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei” (art. 41). Enquanto que as pessoas jurídicas de direito público externo são todos “os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público” (art. 42) (BRASIL, 2002).
Já as pessoas jurídicas de direito privado são “as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada” (art. 44) (BRASIL, 2002).
E, não obstante, Tartuce (2015, p. 156) esclarece que apesar de apresentar algumas pessoas jurídicas de direito privado, o rol art. 44 do Código Civil de 2002, não as prevê de forma exaustiva, haja vista que mesmo sendo criadas por lei, são unidades instituídas pela vontade de particulares, visando atender aos seus próprios interesses e objetivos, podendo existir como outras modalidades.
1.3 DA PERSONALIDADE JURÍDICA ADQUIRIDA
O direito à personalidade é a proteção inata, intrínseca, da pessoa humana, assim como os direitos à vida digna, liberdade, nome, imagem, honra, dentre outros. Anderson Schreiber (2013, p. 223) explica que não há numerus clausus dos direitos da personalidade, ou seja, não podem ser enumerados em um único e definitivo rol de direitos, e que como são direitos vitais, sua natureza e entendimento não são fixos, variando de acordo com os costumes da sociedade, vez que a dignidade humana em si também não é um conceito único e fechado, sendo que a categorização destes direitos levaria a uma limitação do alcance dos mesmos.
Entende-se que esta é uma das razões pela qual o Código Civil Brasileiro de 2002 e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não esgotam as formas de proteção do ser humano, pois os direitos que já estão previstos nestas leis são apenas, como explica Schreiber (2013, p. 223), uma demonstração das garantias que são necessárias para assegurar a dignidade da pessoa humana de forma expressa e reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Não há lei que defina o conceito de personalidade, cabendo à doutrina fazê-lo. De acordo com Oliveira Netto (2012, p. 426), a personalidade é definida como a “qualidade para ser sujeito ativo ou passivo de direito, também da qualidade de pessoa legal ou jurídica, outrossim, da existência legal da pessoa, singular ou coletivamente considerada”.
O art. 2º do Código Civil (BRASIL, 2002) ainda estabelece que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”, trata-se do direito preliminar e universal que um indivíduo possui, desde o início de sua existência, para participar e exercer atos no mundo jurídico. Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves (2018, p. 49) afirma que:
O conceito de personalidade está umbilicalmente ligado ao de pessoa. Todo aquele que nasce com vida torna-se uma pessoa, ou seja, adquire personalidade. Esta é, portanto, qualidade ou atributo do ser humano. Pode ser definida como aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações ou deveres na ordem civil. É pressuposto para a inserção e atuação da pessoa na ordem jurídica.
A personalidade jurídica, de acordo com Tarcisio Teixeira (2018, p. 152), é uma figura pela qual a entidade, possui potencial para garantir seus direitos e contrair obrigações, adquirindo para tanto, capacidade para atuar em negócios jurídicos. Dito isso, revela-se que as pessoas jurídicas podem ter personalidade jurídica de direito privado ou personalidade jurídica de direito público. A questão é que, a pessoa jurídica, tanto de direito público quanto de direito privado, não nasce com personalidade jurídica, sendo necessário, portanto, adquiri-la.
Em relação às unidades públicas, é o próprio Estado que atribui personalidade aos órgãos públicos. Assim esclarece Celso Antônio Bandeira de Mello (2014, p. 143):
O Estado tanto pode desenvolver por si mesmo as atividades administrativas que tem constitucionalmente a seu encargo, como pode prestá-las através de outros sujeitos. Nesta segunda hipótese, ou transfere a particulares o exercício de certas atividades que lhe são próprias ou, então, cria outras pessoas, como entidades adrede concebidas para desempenhar cometimentos de sua alçada. Ao criá-las, a algumas conferirá personalidade de Direito Público e a outras personalidade de Direito Privado.
Já a pessoa jurídica de direito privado somente adquire personalidade jurídica através da inscrição do ato constitutivo da sociedade no registro próprio e na forma da lei, como extrai-se dos artigos 45, 985 e 1.150 do Código Civil (BRASIL, 2002).
No caso das pessoas jurídicas, os direitos da personalidade são protegidos por equiparação aos da pessoa física pelo art. 52 do Código Civil (BRASIL, 2002), cuja redação diz que “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
E assim, a entidade legal também se torna sujeito de direito e obrigações. Com efeito, Tarcisio Teixeira (2018, p. 153) aduz que é por causa da própria personalidade jurídica que a sociedade pode litigar em juízo, seja como parte autora ou vítima, podendo, assim, acusar e defender-se contra ofensas de terceiros.
O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) já possui entendimento consolidado por súmula, a qual além de presumir a sua capacidade postulatória também diz que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral” (Súmula 227) (BRASIL, 1999).
Cita-se, aqui alguns dos direitos relacionados à personalidade da pessoa jurídica, que podem ser cobrados em juízo, dentro os quais pode-se mencionar, o direito à proteção do nome e marcas industriais prevista no art. 5º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), bem como, o direito à identidade própria (art. 46, incisos I e II), patrimônio próprio (art. 49-A), administração própria (art. 46, IV), domicílio próprio (art. 75), garantidos pelo Código Civil (BRASIL, 2002).
2.DOS CRIMES CONTRA A HONRA
Desde a época das sociedades organizadas mais antigas, explica Bitencourt (2012, p. 777), a honra tem sido um direito ou interesse penalmente tutelada quando ofendida. Em Roma, continua Bitencourt (2012, p. 777), a honra era vista como uma característica intrínseca do indivíduo, sendo que seu status era definido por ela. Durante a Idade Média, o Direito Canônico cuidava das ofensas contra a honra, da moralidade e da intimidade tratando-se, segundo Bitencourt (2012, p. 777), de um interesse coletivo pois eram vistos como jurídicos indispensáveis para a paz social.
Apesar de não haver um conceito legal, Oliveira Netto (2012, p. 322) define a honra como uma qualidade particular do indivíduo que, dentre outras virtudes, se comporta com integridade, atuando nos moldes da moral, sendo visto pela sociedade como digno da admiração pública.
Em nível internacional, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 ou Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, reconheceu a proteção da honra e da dignidade em seu art. 11:
1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.
2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.
3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.
Posteriormente, o artigo 5º, inciso X, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988) previu que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Os crimes contra a honra estão previstos no Título I, Capítulo V, do Código Penal (BRASIL, 1940): são delitos nos quais o bem jurídico tutelado é a honra do ofendido, seja em sua dimensão subjetiva ou objetiva. A honra subjetiva é o sentimento de apreço pessoal que a pessoa tem de si mesma e a honra objetiva é o apreço que os outros têm pela pessoa, está ligada à imagem da pessoa perante o corpo social.
Os crimes contra a honra exigem que a vítima ou a pessoa no polo passivo seja determinada e identificada, no entanto, Hentz, Rosa e Mandarino (2015, p. 408) destacam que:
[...] alusões afrontosas, contumeliosas e ultrajantes endereçadas genericamente a grupos de pessoas (médicos, evangélicos, artistas, funcionários públicos etc.) não caracterizam os tipos penais que protegem a honra, salvo quando, mediante referência à comunidade, a ofensa visa a uma pessoa determinada que dela faz parte. Se a ofensa for dirigida contra várias, que não façam parte de um grupo homogêneo, haverá tantos crimes quantas sejam as pessoas.
No capítulo V, o Código Penal tutela os crimes que ofendem os bens imateriais da pessoa, neste caso, a honra. O Código dispõe que são crimes contra a honra: a calúnia, a difamação e a injúria, e estão previstos, respectivamente nos artigos 138, 139 e 140. (BRASIL, 1940).
2.1 CALÚNIA
Segundo Greco (2017, p. 615) a calúnia distingue-se por ser o mais grave dos crimes contra a honra. Caluniar alguém é fazer uma acusação falsa de uma conduta definida como crime por lei. Nestes termos:
Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§1º – Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§2º – É punível a calúnia contra os mortos. (grifo nosso) (BRASIL, 1940)
De acordo com Capez (2012, p. 380) o objeto jurídico do crime de calúnia é a honra objetiva, a qual está ligada à reputação da vítima, ou seja, à visão da sociedade em relação ao indivíduo, no tocante às suas características particulares.
Para que haja a consumação deste crime, não é necessário que a ofensa seja realizada mediante palavras (escritas ou faladas), podendo ser realizada mediante gestos, insinuações, consumando-se com a divulgação da calúnia para terceiro.
Não há calúnia, assevera Bitencourt (2012, p. 794), quando a ofensa decorre de incontinência verbal, ou seja, de uma discussão acalorada, quando uma pessoa emite conceitos depreciativos sem sopesar sobre o que se tratam.
Mister se faz ressaltar que, como salienta Greco (2017, p. 615), também configurará calúnia quando o fato acusado for verdadeiro. Neste caso, a falsa imputação será referente ao fato de que a vítima de calúnia seria a autora de um fato definido como crime por lei.
Um exemplo do crime de calúnia, seria no caso de Fulano postar uma história de que Cicrano teria cometido um furto, que é um crime pelo art. 155 do Código Penal, ao adentrar em sua residência e ter afanado um celular. Neste caso, Fulano cometeu calúnia contra Cicrano. Também caracterizaria calúnia se Beltrano, sabendo da falsidade das acusações de Fulano contra Cicrano, compartilhasse a ofensa a terceiros.
No que tange aos sujeitos ativo e passivo, por se tratar de um crime comum, entende-se que, via de regra, qualquer pessoa pode praticá-lo ou ser vítima dele, inclusive os mortos.
2.2 DIFAMAÇÃO
O artigo 139 do Código Penal (BRASIL, 1940) define como crime a seguinte conduta: “difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação. Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa”.
A difamação ofende o valor social do indivíduo perante a sociedade e também tem como bem jurídico tutelado a honra objetiva do ofendido.
Neste crime, ao contrário da calúnia, não é necessário que o fato imputado ao ofendido seja um crime, consoante Capez (2012, p. 392) esclarece que para a configuração do crime de difamação não é necessário que o fato atribuído a vítima seja falso, ou seja, mesmo que a ofensa seja verdadeira, ao ofender a reputação de uma pessoa, o agente ainda cometerá o crime de difamação. Ademais, Greco (2017, p. 630) complementa que:
Para que se configure a difamação deve existir uma imputação de fatos determinados, sejam eles falsos ou verdadeiros, à pessoa determinada ou mesmo a pessoas também determinadas, que tenha por finalidade macular a sua reputação, vale dizer, sua honra objetiva.
Como se depreende dos autores citados, na difamação pune-se qualquer fato que ofenda a reputação de uma pessoa, por exemplo, um indivíduo compartilha em determinada rede social que a pessoa X lhe deve e é mal pagadora. Deixar de pagar contas não é crime, não importa se a pessoa X pagou ou deixou de pagar, apenas que este fato incorre em danos à sua reputação.
Em relação ao tipo, também se trata de crime comum. Assim sendo, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, não se exigindo, também, qualidade especial do sujeito passivo, bastando, para tanto, apenas que a vítima tenha capacidade suficiente para entender que sua honra pessoal está sendo ofendida.
A principal diferença entre calúnia e difamação, diz Bitencourt (2012, p. 804), resulta na natureza da ofensa. Para o crime de calúnia o fato imputado à pessoa é definido como crime por lei, enquanto que na difamação se ofende a reputação da vítima, de forma depreciativa para os outros, mas que não é crime.
Já o que distingue a difamação da injúria, continua Bitencourt (2012, p. 804), é que na primeira imputa-se fato ofensivo a reputação da vítima e na segunda o agente apenas emite conceitos que desvalorizam a honra da vítima, sem acusá-la de praticar fato não criminoso.
2.3 INJÚRIA
Ao contrário dos crimes de calúnia e difamação, a injúria não busca proteger a honra objetiva, mas sim a honra subjetiva. Desta forma, é crime:
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§1º – O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§2º – Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena – reclusão de um a três anos e multa. (grifo nosso) (BRASIL, 1940)
Deve-se ressaltar outra diferença da injúria: neste crime, o objeto de ofensa não é um fato injurioso, mas uma emissão de um conceito que ofenda a dignidade e o decoro da pessoa ofendida, os quais são definidos por Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 864) como:
Dignidade é o sentimento da própria honorabilidade ou valor social, que pode ser lesada com expressões tais como “bicha”, “ladrão”, “corno” etc. Decoro é o sentimento, a consciência da própria respeitabilidade pessoal; é a decência, a respeitabilidade que a pessoa merece e que é ferida quando, por exemplo, se chama alguém de “anta”, “imbecil”, “ignorante” etc. Dignidade e decoro abrangem os atributos morais, físicos e intelectuais. (grifo nosso)
injúria é um crime formal, ou seja, para que haja consumação, não é necessária a divulgação do fato ofensivo, é necessário somente que a própria vítima tome conhecimento das ofensas, independentemente do fato de esta se sentir ou não ofendida, também seja de forma oral ou escrita.
É o caso do exemplo da falsa acusação de furto no crime de calúnia, se Fulano tivesse apenas xingado Cicrano de ladrão, a ofensa à sua reputação seria na forma de injúria. Da mesma forma se o tivesse chamado de burro ou imbecil, seja verbalmente ou por mensagem. Ainda, se o xingamento fosse sobre a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, o crime seria de injúria discriminatória, cuja apena é majorada para a reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.
Os sujeitos ativos e passivos também podem ser qualquer pessoa, vez que não há exigência legal de nenhuma qualidade especial para tanto. Os mortos, ao contrário da calúnia, não podem ser injuriados.
3. A PESSOA JURÍDICA COMO SUJEITO PASSIVO DO CRIME DE DIFAMAÇÃO
A honra das pessoas físicas já é tutelada pelo ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, existem divergências doutrinárias e jurisprudenciais em relação à possibilidade de a pessoa jurídica figurar no polo passivo dos crimes contra a honra, especialmente quanto ao crime de difamação, mesmo que, via de regra, não exista nenhuma exigência legal para ser vítima dele.
Em relação aos crimes de injuria e calúnia, o entendimento majoritário, afirma Capez (2012, p. 381), é que não se aplicam à pessoa jurídica. A controvérsia descansa, principalmente, em relação aos julgamentos dos tribunais, vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou o entendimento no Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 83.091/DF (publicado em 23 maio de 2003), no sentido de que é possível a pessoa jurídica ser vítima dos crimes de difamação:
LEGITIMIDADE - QUEIXA-CRIME - CALÚNIA - PESSOA JURÍDICA - SÓCIO-GERENTE. A pessoa jurídica pode ser vítima de difamação, mas não de injúria e calúnia. A imputação da prática de crime a pessoa jurídica gera a legitimidade do sócio-gerente para a queixa-crime por calúnia. (grifo nosso) (BRASIL, 2003)
Contrariamente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou seu atual entendimento de que somente a pessoa humana pode ser sujeito passivo na difamação:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. DIFAMAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. C. PENAL. SÚMULA 83-STJ. Pela lei em vigor, pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo dos crimes contra a honra previstos no C. Penal. A própria difamação, ex vi legis (art. 139 do C. Penal), só permite como sujeito passivo a criatura humana. Inexistindo qualquer norma que permita a extensão da incriminação, nos crimes contra a pessoa (Título I do C. Penal) não se inclui a pessoa jurídica no pólo passivo e, assim, especificamente, (Cap. IV do Título I) só se protege a honra das pessoas físicas. (Precedentes). Agravo desprovido. (grifo nosso) (BRASIL, 2005)
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. REDE SOCIAL. FACEBOOK. OFENSAS. PESSOA JURÍDICA. HONRA SUBJETIVA. IMPERTINÊNCIA. HONRA OBJETIVA. LESÃO. TIPO DE ATO. ATRIBUIÇÃO DA AUTORIA DE FATOS CERTOS. BOM NOME, FAMA E REPUTAÇÃO. DIREITO PENAL. ANALOGIA. DEFINIÇÃO DOS CRIMES DE DIFAMAÇÃO E CALÚNIA. [...] A pessoa jurídica, por não ser uma pessoa natural, não possui honra subjetiva, estando, portanto, imune às violências a esse aspecto de sua personalidade, não podendo ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio e autoestima. [...] (grifo nosso) (BRASIL, 2017)
Doravante, apesar de existirem doutrinadores que defendam a possibilidade de a pessoa jurídica ser vítima de crimes contra honra, partidários da corrente moderna, também há fortes argumentos daqueles que contrapõem esta ideia, alinhados com a corrente tradicional.
Para a corrente tradicional, Fernando Capez (2012, p. 381) aduz que esta é “fiel ao brocardo romano societas delinquere non potest, a pessoa jurídica não pratica crime” de forma que devido à existência deste princípio a pessoa jurídica não poderá figurar com vítima de nenhum crime. Nelson Hungria (1980 apud HENTZ; ROSA; MANDARINO, 2015, p. 410) já advertia que:
Em face do Código atual, somente pode ser sujeito passivo de crime contra a honra a pessoa física. Inaceitável é a tese de que também a pessoa jurídica pode, sob o ponto de vista jurídico-penal, ser ofendida na sua honra. (...) Ora, a pessoa jurídica é pura ficção, estranha ao direito penal. Não tem honra senão por metáfora. Falta o íntimo sentimento moral, de modo que as ofensas à honra de uma pessoa jurídica não são, de fato, senão ofensas à honra das pessoas físicas que a representam. (...) Uma ficto juris (que tal é, indiscutivelmente a pessoa jurídica) não pode ser ampliada além da utilidade prática para que foi criada. O direito privado, ao fingir a pessoa jurídica distinta das pessoas físicas que as compõem, fê-lo tão somente para fins patrimoniais ou econômicos. A pessoa jurídica não é instituto ou conceito de direito penal.
Também há Mirabete (2006 apud CUNHA, 2016, p. 138) a qual assevera que “o ente fictício não pode ser sujeito passivo de nenhum crime contra a honra, vez que o presente capítulo está elencado no título dos ‘crimes contra a pessoa’, que tem como vítima apenas a pessoa física”.
O primeiro argumento da corrente doutrinária moderna, explicam Hentz, Rosa e Mandarino (2015, p. 414) é o de que as pessoas jurídicas, por serem capazes e autônomas, possuem um conceito social próprio, de forma que, consoante Rogério Greco (2017, p. 635-636) a pessoa jurídica pode ser vítima de difamação:
Uma vez que, possuindo honra objetiva, esta poderá ser afetada em virtude da conduta praticada pelo agente, levada a efeito para denegrir sua imagem perante a sociedade, podendo, com esse comportamento, macular, por exemplo, sua credibilidade.
Roborando o assunto, Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 837-838) afirma que:
Ninguém ignora os danos e abalos de créditos que as pessoas jurídicas podem sofrer se forem vítimas de imputações levianas de fatos desabonadores do conceito e da dignidade que desfrutam no mercado, e esses valores — conceito e dignidade — são definidos como honra relativamente à pessoa física. Logo, a ofensa a esses valores pode caracterizar, igualmente, crime, observadas as demais peculiaridades.
Cumpre salientar que, apesar de compreender os danos que a entidade pode sofrer com falsas ofensas a sua reputação, Bitencourt (2012, p. 783) ainda argumenta que a “pessoa jurídica, por faltar-lhe a capacidade penal, não pode ser sujeito ativo dos crimes contra a honra”.
O segundo argumento, surgiu com a edição do art. 3º, caput, da Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, chamada de Lei dos Crimes Ambientais, a qual dispõe que:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. (BRASIL, 1998)
O raciocínio decorre da Lei dos Crimes Ambientais e firma-se na seguinte premissa: se a pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crime, também pode ser sujeito passivo. Assim concorda Federico Amado (2014, p. 630) que acredita que a pessoa jurídica possui capacidade postulatória desde antes da Lei 9.605/1998:
[...] como os direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata, bem como em razão do Princípio da Supremacia da Constituição, entende-se que mesmo antes do advento da Lei 9.605/1998 já era possível responsabilizar criminalmente um ente moral.
Este pensamento fundamenta-se nos arts. 225, parágrafo 3º, e 173, parágrafo 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e afirma que a própria lei teria previsto a capacidade penal ativa e passiva da pessoa jurídica. In verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[...]
§3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (BRASIL, 1988)
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
[...]
§5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. (BRASIL, 1988)
Para tanto, pode-se citar o art. 28 do Decreto-lei nº 4.776, de 1º de outubro de 1942, que considerou as pessoas jurídicas de direito público capazes de serem vítimas de calúnia, injúria ou difamação:
Art. 28. Proferir em público, ou divulgar por escrito ou por outro qualquer meio, conceito calunioso, injurioso ou desrespeitoso contra a Nação, a Governo, o regime e as instituições ou contra agente do poder público:
Pena - reclusão, de um a seis anos. (grifo nosso) (BRASIL, 1942)
Ademais, o art. 9º, parágrafo único, da antiga Lei de Imprensa, Lei nº 2.083 de 12 de novembro de 1953, também tipificava os crimes contra a honra de entidades de autoridade pública:
Art 9º Constituem abusos no exercício da liberdade de imprensa, sujeitos às penas que vão ser indicadas, os seguintes fatos:
[...]
f) caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: pena de seis meses a um ano de detenção para o autor do escrito e multa de Cr$ 4.000,00 (quatro mil cruzeiros) a Cr$ 8.000,00 (oito mil cruzeiros) para qualquer dos responsáveis subsidiários;
g) difamar alguém imputando-Ihe fato ofensivo à sua reputação: pena de dois a seis meses para o autor do escrito e de Cr$ 3.000,00 (três mil cruzeiros) a Cr$ 6.000,00 (seis mil cruzeiros) para qualquer dos responsáveis subsidiários;
h) injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decôro: pena de um a quatro meses de detenção para o autor do escrito e multa de Cr$ 2.000,00 (dois mil cruzeiros) a Cr$ 4.000,00 (quatro mil cruzeiros) para qualquer dos responsáveis subsidiários;
[...]
Parágrafo único. Quando os crimes das letras f, g e h forem praticados contra órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública, as respectivas penas de detenção e de multa serão aumentadas de um têrço. (grifo nosso) (BRASIL, 1953)
E ainda que a Lei nº 5.250 de 9 de fevereiro de 1967, que seu art. 23, inciso III, que prevê um aumento de pena para os crimes de calúnia, injúria e difamação que são praticados contra órgão ou entidade que exerça função de autoridade pública tenha se tornado inconstitucional pela decisão do STF em 2009, foi decidido que o artigo 5°, inciso V, da Constituição Federal, que garante que o direito de resposta é mais que suficiente para regular a decisão.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
Ora, não houve razão para o legislador deixar de conferir a capacidade passiva da pessoa jurídica de direito público, sendo assim, não haveria motivo para negar a proteção da honra da pessoa jurídica de direito privado.
O terceiro argumento, afirmam Hentz, Rosa e Mandarino (2015, p. 414), refere-se a previsão do art. 52 do Código Civil (BRASIL, 2002) que, como dito, equiparou a proteção da personalidade da pessoa jurídica aos da pessoa física, sendo que dentre os direitos da personalidade, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) previu em seu art. 5º, inciso, X, a garantiu a proteção da honra. Quanto a isso, de acordo com Rogerio Sanches Cunha (2016, p. 177) “imputar, fatos criminosos, sabidamente inverídicos, contra pessoa jurídica, capaz de abalar o seu crédito e a confiança exigida pelo mercado configura crime de calúnia”, seja ela entidade pública ou privada.
Do que se extrai dos argumentos doutrinários, das leis brasileiras e de alguns dos julgados dos principais tribunais, uma vez que esta é a posição da maioria dos representantes da ordem jurídica, é forçoso reconhecer que a pessoa jurídica pode ser vítima do crime de difamação.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pessoa jurídica é uma entidade criada por lei que assim como a própria sociedade, evolui em suas relações sociais, ultrapassando a ideia de mero conjunto de bens e pessoas, de forma que passou a integrar o corpo social com força ativa e permanente.
Como dito, assim como os indivíduos podem ser vítimas de ofensas à sua reputação, a proximidade dessa relação resultou que a pessoa jurídica também pode ser alvo de danos morais.
Ademais, é fato que a pessoa jurídica possui personalidade própria, sendo vista pela sociedade de forma externa e autônoma dos sócios ou bens que a compõem e que seus direitos de personalidade, dentre eles a honra, são protegidos por lei.
No transcorrer deste estudo, foram vistos alguns dos vários argumentos que acusam a pessoa jurídica de não possuir capacidade para buscar a reparação de sua imagem em juízo ou de sequer possuir honra passível de proteção legal.
Contudo, há aqueles que contrapõem esta noção e que afirmam que esta entidade, mesmo sendo um ente fictício criado por lei, merece ter sua honra resguardada e o seu dano moral indenizado.
Diante de todas as informações expostas no decorrer deste estudo, apesar dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais controversos, prevalecem os argumentos a favor da possibilidade de a pessoa jurídica ser vítima dos crimes contra a honra.
Verifica-se que, com base na interpretação do Código Civil de 2002 e do Código Penal de 1940, da Constituição Federal de 1988, bem como da legislação extravagante e seus históricos de lei que já possuíam esse entendimento, que a entidade legal possui capacidade para postular em juízo e requerer a reparação de fatos lesivos à sua honra.
Conclui-se que, em concordância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, bem como com base nos argumentos explicitados pela doutrina, que as pessoas jurídicas, assim como as pessoas físicas, devem ter a sua honra protegida por lei e que pode ser vítima de difamação.
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[1] Najla Lopes Cintra é Mestre em Direito das Relações Sociais (subárea Direito Civil) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Professora na Faculdade Serra do Carmo (FASEC) de Palmas-TO. E-mail: [email protected].
Bacharelanda do curso de Direito pela Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARDOSO, Thaina Alves. A pessoa jurídica no polo passivo dos crimes contra a honra com ênfase no crime de difamação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2020, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54770/a-pessoa-jurdica-no-polo-passivo-dos-crimes-contra-a-honra-com-nfase-no-crime-de-difamao. Acesso em: 23 dez 2024.
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