RESUMO: Conhecida como Lei Maria da Penha, a Lei 11.340 sancionada em 2006 assegura os direitos de mulheres em situação de vulnerabilidade e ou violência doméstica, cujo objetivo é a punição de agressores que ferem a este estatuto. O presente trabalho relata um estudo sobre a garantia deste dispositivo por meio da Defensoria Pública. Apesar de constantes alterações no âmbito jurídico, é evidente a crescente de agressões a este grupo, o que comprova a necessidade desta Lei e a denúncia das mulheres. O estudo conclui a necessidade de punições mais severas aos responsáveis por estas barbáries, sendo muitos destes absolvidos devido a falta de evidências criminais ou constatação do crime pela mulher perante ao juiz, seja por medo ou outro motivo, o que leva a absolvição do suspeito. A Defensoria Pública como instituição essencial na sustentação de direitos dos mais carentes e mediadora entre o sujeito e a linguagem do poder, torna-se elemento crucial nesta longa luta na efetivação dos direitos das mulheres.
Palavras-chave: Violência doméstica, Defensoria Pública e direitos.
ABSTRACT: Known as the maria da penha law, law 11.340 passed in 2006 ensures the rights of women in situations of vulnerability and or domestic violence, whose purpose is to punish aggressors who violate this status. This paper reports a study on the guarantee of this device through the Public Defender's Office. Despite constant changes in the legal scope, it is evident the increasing aggression against this group, which proves the necessity of this law and the denunciation of women. The study concludes the need for harsher punishments for those responsible for these barbarism, many of whom are acquitted due to lack of criminal evidence or finding of crime by the woman before the judge, either for fear or other reason, which leads to the acquittal of the suspect. The Public Defender's Office as an essential institution in upholding the rights of the most needy and mediating between the subject and the language of power, becomes a crucial element in this long struggle in the realization of women's rights.
Palavras-chave: Domestic violence, Public Defender’s Office e law.
Sumário: 1. Introdução – 2. A Vulnerabilidade da Mulher; 2.1. Histórico de Desigualdade; 2.2. Conceito de Vulnerabilidade? Por quê?; 2.3. Caso Maria da Penha; 3. Mecanismos de Proteção da Mulher; 3.1. Internacional; 3.2. Nacional; 3.3. Agentes na proteção da mulher; 4. Análise de dados sobre violência doméstica e o papel da Defensoria Pública Estadual; 4.1. Tipos de Medida Protetiva; 4.2. Dados de atendimento; 4.3. Soluções encontradas ou não; 5. Considerações Finais. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A figura da mulher como ser inferior e frágil é uma construção social idealizada pelo patriarcado. Historicamente as mulheres foram criadas para se submeterem aos homens, quando as relações entre os sexos são construídas de forma desigual, um sexo sempre se considera com direitos sobre o corpo e a mente do outro e caso não obedeçam às regras são punidas, na maior parte das vezes fisicamente. A violência doméstica pode ser definida como um abuso físico ou psicológico de um membro de um núcleo familiar em relação a outro, com o objetivo de manter poder ou controle. Esse abuso pode acontecer por meio de ações ou de omissões. A maioria das vítimas desse crime são mulheres.
Após muitos anos de luta, as mulheres conquistaram uma série de instrumentos legais e políticas públicas de enfrentamento ao combate a violência doméstica, uma delas foi a criação da Lei 11.340/06, um marco normativo na garantia dos direitos das mulheres, assegurando medidas protetivas e punições mais severas aos seus agressores, uma Lei que trata especificamente sobre violência doméstica.
A Lei Maria da Penha tipifica em seu texto 5 (cinco) tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher: física, psicológica, patrimonial, sexual e moral.
2. A VULNERABILIDADE DA MULHER
As raízes da desigualdade entre homens e mulheres datam de mais de 2500 anos. Desde o princípio as mulheres são tratadas socialmente como seres inferiores, uma das formas de torna-las ‘‘submissas e obedientes’’ é a violência, seja física, psicológica, intrafamiliar, entre outros.
Afastando-se os fatores biológicos, fomentado durante anos por pensadores e cientistas, o exame do patriarcado nos ajuda a compreender melhor o fenômeno de poder e dominação entre os sexos. O patriarcado pode ser definido como: ‘‘um conjunto de relações sociais que têm uma base material e no qual há relações hierárquicas entre homens e solidariedade entre eles, que os habilitam a controlas as mulheres. Patriarcado, é pois, o sistema masculino de opressão às mulheres’’ (Hartman, 1979, apud Saffioti, 1999:16).
Uma das formas mais eficazes de combate e desconstrução do patriarcado é a discussão de gênero, somente através do conhecimento e diálogo é que se chega a um movimento contrário a esta discriminação contra a mulher.
2.1 – Histórico de Desigualdade
Ao realizar um retrospecto pela história da humanidade, é possível notar grandes diferenças entre os sistemas de gênero, masculino e feminino e que desde os primórdios as mulheres são tratadas como seres inferiores nas relações sociais, diferença essa que não é natural ou biológica e sim cultural. A exemplo disso, é possível verificar duas histórias protagonizadas por mulheres, nas quais se tem como foco principal a objetificação do corpo feminino. Na narrativa cristã, história de Adão e Eva, o corpo da mulher é o alvo central, a ‘‘carne’’, o objeto do pecado. Já na narrativa hesíodica, o corpo de Pandora vem do barro, moldado por artesão mediante encomenda de ‘‘Zeus’’, o Deus mais poderoso, como um ‘‘presente’’ para os homens.
A ideia de inferioridade feminina é uma construção social feita por homens e até mesmo por algumas mulheres ao longo do tempo, exemplo disso são frases utilizadas no cotidiano como ‘‘mulher age com emoção e não com a razão’’ ‘‘mulher é muito emocional não serve para ser líder’’.
O conceito contemporâneo de gênero surgiu internamente no movimento feminista internacional junto da teoria de diversas disciplinas como ciência política, sociologia, filosofia, antropologia, história, entre outros. Rodrigues (2016) afirma: ‘‘Os estudos sobre gênero apontam que o conceito é abordado sob um ponto de vista dual, ora orientado de acordo com o aparelho reprodutor do indivíduo, ora construído a partir da perspectiva cultural e social sobre o que é masculino ou feminino de acordo com o padrão determinado pela sociedade’’. (RODRIGUES, 2016).
Uma personagem importante do movimento feminista foi Simone De Beauvoir, escritora, intelectual, ativista política, feminista e teórica social francesa. Sua história, a partir de certo momento, revelou-se bastante excepcional no âmbito da sociedade em que estava inserida. Uma de suas obras denominada o ‘‘Segundo Sexo’’ (1980), afirma de forma intrigante que a mulher não nasce mulher, ela torna-se mulher. Declaração que atualmente ainda é bastante usada nos movimentos feministas evidenciado que o papel da mulher é uma construção social.
Simone de Beauvoir escreveu: “Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino” (BEAUVOIR, 1980, p.99). Dessa forma, a sociedade define o gênero de cada ser humano e isso não pode ser tomado como algo natural, biológico, mas sim definido socialmente. A filósofa tenta desconstruir essa ideia de natural e busca a igualdade entre os gêneros, demonstrando que mulheres e homens devem ter os mesmos direitos. (RIBEIRO, 2014)
Uma figura importante do feminismo no Brasil durante o período da ditadura militar, no qual muitas pessoas eram censuradas, principalmente mulheres, foi Leila Diniz, nascida em Niterói em 25 de março de 1945. Foi retratada poeticamente algumas vezes por Carlos Drummond de Andrade, como exemplo: “Leila para sempre Diniz, feliz na lembrança gravada: moça que sem discurso nem requerimento soltou as mulheres de 20 anos presas no tronco de uma especial escravidão. ”
Com a ideia de revolução simbólica pode-se compreender melhor a representação social de Leila Diniz como uma mulher revolucionária. Leila contribuiu para o reconhecimento de comportamentos femininos que contestavam a ética e a estética então existentes. Ela fazia e dizia o que muitas mulheres tinham o desejo de fazer e dizer, mas não tinham coragem. (ASSIS, Maria Elisabete Arruda apud SANTOS, 2016).
Zuleica (1997): “Leila não podia deixar de virar mito, modelo para tantas mocinhas que não se consideravam direitinhas nem galinhas, só queriam viver com mais sinceridade suas emoções e desejos, ser pessoas mais inteiras e não obrigatoriamente a metade de um casamento onde o lugar principal seria ocupado pelo homem, depois viriam os filhos, e só depois, no espacinho que sobrasse, a mulher se manifestaria. O movimento feminista ainda não tinha chegado até nós e Leila, sem empunhar bandeiras, sem querer ser símbolo de nada, ia fazendo o que gostava de fazer, esbanjando alegria de viver, sinceridade, driblando com graça o machismo brasileiro, sendo mãe de uma maneira nova, curtindo a maternidade e o corpo grávido, o barrigão bonito se mostrando ao sol, na foto que ficou famosa… No meio de toda aquela militância, a imagem de Leila surgia sempre, não para embasar teorias, que para isso tínhamos O segundo sexo, da Simone, mas como a própria personificação da mulher feliz” (Zuleica Porto, Correio Braziliense, 14/6/1987).
Para CHAUÍ (1991): ‘‘analisando antropologicamente, o patriarcado é o mais antigo sistema de dominação e exploração social de uma classe sobre a outra, razão pela qual se consolidou como verdadeira estratégia de manutenção do poder – o qual não pode ser confundido com instituições, instâncias superiores ou com os representantes destas, porquanto estes apenas representam os interesses particulares de uma classe quando em confronto com outra. O conceito de poder a que se faz alusão deve ser entendido como um conjunto de direitos sociais, econômicos, políticos e culturais diferenciados e conferidos a uma parte da sociedade cujo desejo é não ser comandada nem oprimida. ’’ (CHAUÍ, Marilena, 1991, p.74).
2.2 – Conceito de Vulnerabilidade? Por quê?
O artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988 da República Federativa do Brasil preceitua que: ‘‘ todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. ’’ Pode parecer óbvio a garantia de direitos iguais entre os gêneros de acordo com a lei, mas na realidade os índices de desigualdade em relação a mulher são preocupantes em diversos aspectos, principalmente no contexto social.
Conforme o Índice Global da Desigualdade de Gênero de 2016, do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 79ª posição, a pior entre os países da América Latina. Este índice analisa a desigualdade relativa à capacitação política e à paridade entre os gêneros no trabalho.
Essa situação de desigualdade se apresenta, assim, de várias formas sendo que seu extremo é a violência que apresenta números alarmantes no Brasil. De acordo com dados de pesquisa realizada pelo DataFolha, em 2016, 44% das mulheres sofreram algum tipo de agressão e a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no país. Em 2013, 4.762 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil.
‘‘A desigualdade e a construção de uma sociedade majoritariamente patriarcal inserem muitas mulheres em situação de vulnerabilidade. Quando as relações entre os sexos são construídas de forma desigual, um sexo sempre se considera com direitos sobre o corpo e a mente do outro e a submissão pela força recebe a justificativa social em que ao feminino são ligados todos os atributos que, socialmente serão considerados como inferiores. ’’ (FERREIRINHO, 2016).
Para Cisne, Claudio e Monteiro (2017, p. 10): ‘‘A condição de vulnerabilidade é, portanto, socialmente construída, e define-se em função da perspectiva a partir da qual se vislumbra o mundo, a realidade e as condições concretas de nela intervir. Quanto mais estreito for o arco das expectativas, quanto mais reduzidas forem as possibilidades de tecer sonhos, maior a propensão a aceitar condições que, em outras circunstâncias, seriam consideradas inaceitáveis. ’’
2.3 – Caso Maria da Penha
Maria da Penha Maia Fernandes, nasceu em Fortaleza-CE, em 1 de fevereiro de 1945, é farmacêutica bioquímica e se formou na Faculdade de Farmácia e Bioquímica da Universidade Federal do Ceará em 1996, concluiu o seu mestrado em Parasitologia em Análises Clínicas na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo em 1977, onde conheceu seu ex-marido e agressor Marco Antonio Heredia Viveros, colombiano, o qual cursava pós-graduação em Economia.
No ano de 1983, Maria da Penha foi vítima de dupla tentativa de femicídio por parte de seu ex-marido Marco Antonio Heredia Viveros. Marco Antonio disparou um tiro de arma de fogo nas costas de sua esposa. ‘‘Como resultado dessa agressão, Maria da Penha ficou paraplégica devido a lesões irreversíveis na terceira e quarta vértebras torácicas, laceração na dura-máter e destruição de um terço da medula à esquerda – constam-se ainda outras complicações físicas e traumas psicológicos.’’ (BRASIL. Instituto Maria da Penha, 2018.)
‘‘Quatro meses depois, quando Maria da Penha voltou para casa – após duas cirurgias, internações e tratamentos –, ele a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho.’’ (BRASIL. Instituto Maria da Penha, 2018.)
Em 1991, oito anos após o crime, ocorreu o primeiro julgamento de Marco Antonio, o qual foi sentenciado a 15 anos, mas saiu do fórum em liberdade devido a recursos solicitados pela defesa.
O segundo julgamento foi realizado somente em 1996, no qual o agressor foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão, no entanto, novamente sob a alegação de irregularidades processuais a sentença não foi cumprida.
Mesmo sem esgotar os recursos da jurisdição interna, diante da omissão do Estado Brasileiro, o caso foi submetido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 20/08/1998 e recebeu o número 12.051. (SANTOS, 2013).
SILVA (2019): ‘‘Os peticionários sustentaram que o Estado violou os direitos da vítima em conformidade com os artigos 1(1), 8, 24 (em relação aos artigos II e XVIII da Declaração Americana) e 25 da Convenção Americana (ratificada pelo Brasil em 25 de novembro de 1992) e os artigos 3, 4, 5 y 7 da Convenção de Belém do Pará (ratificada em 27 de novembro de 1995), pelas violações cometidas a partir de 29 de maio de 1983 e, de maneira contínua, até o presente momento. Sustentam que a falta de ação eficaz e a tolerância do Estado continuam mesmo sob a vigência superveniente dessas duas Convenções Interamericanas. ’’
‘‘Em 2001 a Comissão emitiu o relatório nº 54/2001 – responsabilizando o Brasil por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. Entenderam que a violação seguia um padrão discriminatório em razão da violência doméstica contra mulheres no Brasil. ’’ (SANTOS, 2013).
‘‘O Caso Maria da Penha foi o precursor na condenação de um Estado devido à violência doméstica, no âmbito de proteção dos direitos humanos. ’’ (SANTOS, 2013).
Em 2006, foi publicada a Lei nº 11.340 que ficou conhecida como a Lei Maria da Penha.
3. MECANISMOS DE PROTEÇÃO DA MULHER
A violência contra as mulheres tornou-se, na última década, um dos problemas públicos de maior visibilidade social e política do país. Após muitos anos de luta, as mulheres conseguiram uma série de instrumentos legais e políticas públicas de enfrentamento ao combate a violência doméstica. Apesar da evolução, muitas mulheres ainda sofrem violência e discriminação em razão do seu gênero, os números aumentam todos os dias, excetuando os casos que não são denunciados em razão do receio de repressão ou falta de informação.
3.1 – INTERNACIONAL
‘‘O Brasil é signatário de todos os acordos internacionais que asseguram de forma direta ou indireta os direitos humanos das mulheres bem como a eliminação de todas as formas de discriminação e violência baseadas no gênero. ’’ (FROSSARD, 2006).
‘‘São dois os tipos de compromisso firmados pelo governo brasileiro frente à comunidade internacional; os tratados e as convenções que geram obrigações jurídicas para o país. Estes, para que entrem em vigor no território nacional e para que sejam reconhecidos internacionalmente como obrigação do país, necessitam ratificação. São os acordos que lhes conferem o efeito jurídico e a força obrigatória aos direitos reconhecidos. ’’ (FROSSARD, 2006).
a) Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979)
‘‘A CEDAW é o primeiro tratado internacional que dispõe amplamente sobre os direitos humanos da mulher e é considerado o documento mais importante na defesa dos mesmos. Foi adotada em 1979 pela Assembleia Geral das Nações Unidas após décadas de esforços internacionais visando a proteção e a promoção dos direitos das mulheres em todo o mundo. No ano de 1994, o Brasil ratificou plenamente a Convenção, aderindo também ao seu Protocolo Facultativo em 2002. ’’ (RODRIGUES, 2016).
Em seu artigo 1º, a Convenção estabelece que:
Art. 1º: Para os fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a mulher” significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher independentemente de seu estado civil com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos: político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
‘’Convém mencionar que o Comitê CEDAW recorre a três mecanismos para monitorar o efetivo exercício dos direitos das mulheres nos países signatários da Convenção: análise de relatórios apresentados periodicamente pelos Estados-parte, ao que se elabora observações e recomendações específicas; elaboração de recomendações gerais no intuito de melhor interpretar os direitos e princípios previstos na Convenção; e verificação das providências adotadas pelos Estados-parte diante das comunicações apresentadas ao órgão dando conta de violações aos direitos das mulheres dispostos na Convenção.’’ (RODRIGUES, 2016).
b) Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará (1994).
‘’A Convenção de Belém do Pará foi adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos e ratificada pelo Brasil em 1995. É o mais importante acordo internacional sobre violência contra a mulher, pois além de defini-la, declara os direitos protegidos e aponta os deveres dos Estados-parte, além de criar mecanismos interamericanos de proteção. ‘’ (RODRIGUES, 2016).
Consoante o artigo 1º da Convenção:
Art. 1º Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.
‘‘Por sua vez, o artigo 2º declara que a violência contra a mulher inclui a violência física, sexual ou psicológica ocorrida no âmbito familiar, comunitário ou que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes onde quer que ocorra. ’’ (RODRIGUES, 2016).
‘‘A Convenção ainda considera tal violência uma ofensa à dignidade humana, bem como uma violação aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, na medida em que limita total ou parcialmente o reconhecimento, o gozo e o exercício desses direitos e liberdades pelas mulheres. ’’ (RODRIGUES, 2016).
c) IV Conferência Mundial sobre a Mulher (1995)
‘‘Realizada na cidade de Pequim e intitulada “Ação para a Igualdade, Desenvolvimento e Paz”, a Conferência inaugurou uma nova agenda de reivindicações, com destaque para a efetivação dos compromissos políticos assumidos pela esfera governamental em conferências internacionais anteriores, principalmente no que tange às políticas públicas voltadas às mulheres. ’’ (RODRIGUES, 2016).
‘‘Destacou-se de suas predecessoras, pois resultou em um acordo denominado “Declaração e Plataforma de Ação de Pequim”: o documento, subscrito por 184 países, traçou doze pontos prioritários de trabalho com vistas a superar a situação de violência, marginalização e opressão vivenciada pelas mulheres, bem como detalhou as ações necessárias para alcançar os objetivos a que se propõe. ’’ (RODRIGUES, 2016).
‘‘As medidas para prevenir e eliminar a violência contra a mulher são enumeradas em um rol extenso e não taxativo cujo intuito é propor uma articulação entre os diversos atores sociais em prol de uma agenda que permita formular desde políticas públicas destinadas ao enfrentamento da violência de gênero até a promulgação ou reforma de leis que contribuam adequadamente à repressão do fenômeno em suas múltiplas formas. ’’ (RODRIGUES, 2016).
3.2 – NACIONAL
a) Constituição da República Federativa do Brasil (1988)
A Constituição Federal atual foi promulgada no ano de 1988 e ficou conhecida como ‘‘Constituição Cidadã’’ pelo fato de assegurar diversas garantias constitucionais, com o objetivo de dar maior efetividade aos direitos fundamentais, além disso foi concebida após o regime militar, período ditatorial onde os direitos eram restritos.
Em seu artigo 5º, estabelece a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações: ‘‘I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. ’’ Assim como a promoção do bem de todos, independentemente do sexo, como um dos objetivos fundamentais da República no artigo 3º: ‘‘São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. ’’ No artigo 226, §8º assegura a todos os membros da família, por meio do Estado, mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
b) Código Penal Brasileiro
‘‘Em 9 de março de 2015, a Presidenta da República, Dilma Rousseff, sancionou a Lei nº 13.104/15, que altera o Código Penal Brasileiro, passando a prever o feminicídio como uma das circunstâncias qualificadoras do homicídio, conforme disposto no artigo 121 do Código Penal Brasileiro (1940), além de incluir o feminicídio como crime hediondo, previsto no artigo 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.’’ (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres, 2016, p. 29)
‘‘Com a nova legislação, o feminicídio corresponde ao artigo 121, §2º, inciso VI e se refere ao “crime praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino”, assim considerados atos praticados como “I - violência doméstica e familiar e II - por menosprezo ou discriminação à condição de mulher” (inciso VI, § 2ºA). O novo tipo penal também prevê o aumento de pena de um terço até a metade, se o crime for praticado: durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; na presença de descendente ou de ascendente da vítima. ” (§ 7º, I, II e III). (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres, 2016, p. 29)
c) Lei n.º 11.340/06 – Lei Maria da Penha
‘‘Em 7 de agosto de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Maria da Penha, criada com o objetivo de combater a violência praticada contra a mulher dentro da própria casa, visando melhorar a prestação jurisdicional em caso de violência doméstica, uma vez que, protege a mulher de violência de ordem física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. ’’ (SILVA, 2015).
Com o advento da Lei, criaram-se medidas de urgência como: obrigar o agressor a deixar o lar imediatamente; proibi-lo de se aproximar da vítima e das testemunhas até determinada distância mínima, estabelecida em metro, ou mesmo proibição de falar com a ofendida, ainda que por telefone; pagamento de pensão alimentícia; suspensão da posse ou porte de arma, caso ele tenha; determinar a separação de corpos ou o afastamento da mulher do lar sem prejuízo dos seus diretos aos bens do casal, guarda dos filhos e alimentos. ’’ (SILVA, 2015).
O artigo 7º da Lei Maria da Penha trouxe um rol elencando as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, além de outras, vejamos:
“I – a violência física, entendida, como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde e à autodeterminação;
III – a violência sexual entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV – A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V – A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”
3.3 – AGENTES NA PROTEÇÃO DA MULHER
a) Papel da Conscientização
A criação de uma lei específica em combate à violência doméstica se faz necessária, mas não é o suficiente para o julgamento dos crimes cabíveis a esta modalidade A conscientização e divulgação dos direitos pertinentes a esta Lei são fundamentais para a promoção do conhecimento entre as mulheres, as principais vítimas deste crime. A implementação de políticas públicas é indispensável na formação da cidadania e igualdade nas relações de gênero.
Dentro de uma sociedade historicamente patriarcal, as mulheres, durante o decorrer dos tempos, foram tratadas como ‘‘fragilizadas’’. Em razão disso, tornam-se mais expostas a situações de vulnerabilidade social. A sociedade em sua maioria, tem o conceito de violência apenas na sua forma física, entretanto, a Lei Maria da Penha em seu teor, apresenta cinco tipos de violência, sendo estas: moral, física, patrimonial, psicológica e sexual. Os conceitos mais desconhecidos são a psicológica e a sexual, mulheres casadas são forçadas a relações sexuais com o conjugue e não denunciam por achar que este fato não constitui crime. Ameaça e pressão psicológica também é tipificado por lei, a primeira como contravenção penal.
O papel das leis nacionais e internacionais é frisar a urgência do reconhecimento geral de enxergar a violência doméstica como inaceitável, responsabilizando também a omissão da violência e considerando como ator aquele que é conivente com uma agressão.
b) Papel da Polícia/IML
É imperativo que a autoridade policial que tenha conhecimento, por qualquer meio, de uma notícia criminis de uma tentativa ou morte violenta de uma mulher, inicie a investigação policial para determinar a autoria, materialidade e circunstâncias do fato delituoso. (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres, 2016, p. 70)
O mandato constitucional e legal para investigar esses crimes cabe às polícias civis, no desempenho das atribuições de polícia judiciária, não se excluindo a possibilidade do próprio Ministério Público investigar, devendo o inquérito policial ser encaminhado ao Ministério Público, que é o titular da ação penal pública. (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres, 2016, p. 70)
A eficácia da investigação depende da prova técnica e outros meios de prova admitidos, bem como da atuação de outros profissionais que possam contribuir para o esclarecimento do caso. (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres, 2016, p. 29) A equipe de investigação além de contar com o delegado, agentes, investigadores e escrivães, é composta também por peritos criminais, papiloscopistas, médico-legistas e agentes de inteligência/análise criminal.
A atividade pericial – que se inicia no local do crime e se complementa com a autópsia e outros exames – deve ser orientada para a análise de vestígios que contribuirão para a evidenciação dos fatos e contextos que ajudarão a compreender a motivação do agressor e a conduta que assumiu durante a execução do crime. (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres, 2016, p. 84)
Na abertura da investigação criminal, podem também participar as polícias militares, bombeiros, guardas municipais, profissionais da saúde, entre outros que podem ser chamados ao local – cena do crime. (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres, 2016, p. 70)
A perspectiva de gênero estimula a compreender que esses fatos e contextos podem envolver episódios de violência física, sexual, psicológica, patrimonial – entre outras formas – e que podem ter se iniciado muito antes do desfecho fatal. (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres, 2016, p.84)
c) Papel do Judiciário
Para que os ditames da Lei Maria da Penha sejam cumpridos e a instrução do inquérito e da ação penal que tramitam nas Varas do Júri possam ser feitos de forma a garantir a apuração dos fatos, em especial, é necessário que haja: 1) uma integração entre todos os órgãos, poderes e instituições destinados à atuação, tanto na fase inquisitorial, quanto durante a ação penal, visando não somente a mais eficaz investigação e apuração dos fatos, mas, também, a assistência à vítima sobrevivente e vítimas indiretas na forma das disposições constantes no artigo 8º, I, da Lei 11.340/2006; 2) a capacitação permanente de agentes e serventuário(a)s da Justiça, bem como juíze(a)s, com vistas à perspectiva de gênero, na forma do que dispõe o artigo 8º, VII, da Lei 11.340/2006. (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres, 2016, p. 109)
Na forma do que dispõe o artigo 14 da Lei Maria da Penha, podem ser criados juizados/ varas que tenham competência específica para apreciação dos feitos afetos à lei mencionada. Estas unidades judiciais especializadas têm competência híbrida, podendo analisar feitos cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher, podendo se estender, inclusive, à primeira fase do procedimento dos crimes dolosos contra a vida e à execução de seus julgados. A Lei Maria da Penha ainda prevê que, enquanto não se encontrem criadas e/ ou estruturadas essas unidades judiciais especializadas, a competência para apreciação das mesmas causas seja submetida às varas criminais. (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres, 2016, p. 111)
As vítimas sobreviventes e vítimas indiretas, em caso de violência doméstica ou familiar, na forma das disposições constantes na Lei 11.340/2006, artigos 1º, 5º e 7º, têm direito à concessão de medidas protetivas de urgência, consoante preveem os artigos 18 a 24, da referida lei. Para tanto, é imprescindível que sejam observadas suas necessidades e as peculiaridades do caso concreto com vistas à concessão das medidas necessárias a garantir a incolumidade física e/ou psíquica da vítima sobrevivente e das vítimas indiretas. (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres, 2016, p. 110)
É necessário desconstruir estereótipos e o preconceito com base no gênero a partir de mudanças na linguagem empregada nos interrogatórios, depoimentos e na elaboração das peças processuais. Nas declarações das vítimas indiretas e na oitiva de testemunhas, as perguntas devem ser sempre diretas e objetivas, evitando-se questionamentos que levem à emissão de juízo de valor. Durante a oitiva o(a) juiz(a) também deve estar atento à versão apresentada, devendo intervir quando perceber que as testemunhas estejam buscando expor a intimidade e privacidade da vítima com a finalidade de depreciar ou macular sua imagem, sem que as informações contribuam para a compreensão dos fatos, na tentativa unicamente de justificar a conduta do acusado. (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres, 2016, p. 104)
d) Defensoria Pública como efetivadora dos mais vulneráveis
Segundo o art. 134 da Constituição Federal: ‘‘ A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. ‘’. Destarte, é garantia fundamental a todo cidadão brasileiro hipossuficiente o direito a assistência jurídica gratuita através da Defensoria Pública.
É assegurado também pela Lei Maria da Penha que a mulher em situação de vulnerabilidade poderá e deverá ser assistida por Defensor Público no curso de suas demandas judiciais, bem como se valer de todos os serviços da Defensoria Pública, eis que os interesses da vítima vão além dos benefícios indenizatórios. A vítima de violência de gênero quer ver respeitados seus direitos humanos que foram violados.
Além do mais, os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher deverão ser acompanhados simultaneamente da implantação de Núcleos da Mulher da Defensoria Pública, através de dependências e espaços físicos que garantem a execução e agilidade de seus serviços especializados em todos os estados.
4 – ANÁLISE DE DADOS SOBRE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E O PAPEL DA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL
lei 11.340/06 é clara ao exigir que os serviços de atenção à mulher em situação de violência doméstica e familiar sejam não apenas especializados como também humanizados, e atuem de forma integral no enfrentamento de cada caso que apresente. Ao fazer isso, a lei impõe atuação inter e multidisciplinar, o que é imprescindível na formação de sujeitos autônomos e que podem, numa situação de fragilidade, tratar a auto estima, a autonomia e a capacidade de decidirem seu destino a partir da avaliação sustentada de todas as possibilidades, sabendo que terão uma rede de ajuda especializada como suporte. Como exemplo, dispõe o artigo 10-A da mesma lei com o seguinte texto: ‘’ é direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores - preferencialmente do sexo feminino - previamente capacitados. ’’
No entanto, quando entrevistamos mulheres que passaram por esse sistema de proteção, sobretudo o judicial, não tem se mostrado eficaz no cumprimento dessas tarefas. Diante disso, é preciso uma revisão geral no formato como cada instituição tem desempenhado as funções que a Lei Maria da Penha determina, especialmente a Defensoria Pública, porque dentre todas as demais é aquela que tem de se colocar ao lado, nunca à frente da mulher em situação de violência doméstica e familiar, em todas as instâncias, desde o momento em que a mulher decide romper seu silêncio e precisa saber quais caminhos tem à disposição para seguir adiante em busca de uma vida com dignidade. (Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Coordenação de Defesa da Mulher, CEJUR, 2017, p. 74)
Aí se destaca o papel da Defensoria Pública, que também tem de libertar-se das engrenagens do sistema posto e pautar todas as suas formas de atuação judicial e extrajudicial segundo a missão institucional de promover a educação em direitos. Deve, nesse sentido, postar-se como mediadora entre o sujeito e a linguagem do poder, que é o Direito; assisti-lo, lado a lado, na solução de seus conflitos, dos quais a Instituição jamais poderá se apropriar, mas se esforçar por engajar o cidadão nesse processo, de modo que este deixe de ser o lugar de objeto das decisões judiciais para ascender à condição de protagonista na resolução de seus litígios e, logo, na condução de sua vida (COSTA E GODOY, 2014:36).
4.1 Tipos de Medida Protetiva
s medidas protetivas são mecanismos criados pela lei para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, assegurando que toda mulher, independentemente da classe, raça etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goze dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e tenha oportunidades e facilidades para viver sem violência, com a preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
A Lei Maria da Penha prevê dois tipos de medidas protetivas de urgência: as que obrigam o agressor a não praticar determinadas condutas e as medidas que são direcionadas à mulher e seus filhos, visando protegê-los.
4.2 Dados de atendimento
A partir da base de dados cedida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, onde constam todos os processos do acervo geral com cadastramento da Defensoria Pública como advogado, foram extraídas informações dos processos de competência da violência doméstica e familiar contra a mulher em andamento no período entre 2015 e 2018 do 3º Juizado Especial no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, dentre essas ações foram delimitados 600 para ser feito um relatório que serviu como base para apontar dados em relação a processos com medidas protetivas deferidas ou não e soluções encontradas ou não.
A partir dessa análise inicial, foi possível extrair duas conclusões: em primeiro lugar, os casos de indeferimento são mais que o dobro de decisões de deferimento; em segundo lugar, os juízes, em geral, concedem apenas as medidas previstas nos incisos II e III do art. 22 da Lei 11.340/2006 (afastamento do lar; proibição da aproximação da ofendida, seus familiares e testemunhas; proibição de contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas; e a proibição de frequentar determinados lugares). Não há, por exemplo, registro de concessão de medidas como a prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
A tabela abaixo informa a quantidade de processos analisados na amostra dos processos de competência do 3º Juizado Especial no combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, divididos em seis categorias. A primeira diz respeito aos casos de deferimento das medidas protetivas requeridas, bem como de deferimento de algumas e indeferimento de outras; a segunda aos casos de indeferimento ou processos que estão em andamento sem medidas protetivas; a terceira aos processos em que foi declarada a prisão em flagrante do acusado; a quarta aos processos em que foi declarada a prisão preventiva; a quinta aos processos em que foi declarado que o acusado deve usar monitoramento eletrônico e a sexta os processos em que a vítima quis desistir da ação.
O andamento de todos esses processos foi consultado na página da internet do Tribunal de Justiça do Amazonas e os dados obtidos serão analisados a seguir.
Medidas Protetivas |
Quantidade |
Deferidas |
127 |
Indeferidas/ em andamento sem Medidas Protetivas |
446 |
Prisão em Flagrante |
4 |
Prisão Preventiva |
20 |
Monitoramento eletrônico |
1 |
Vítima desistiu da ação |
2 |
Total |
600 |
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.
4.3 Soluções encontradas ou não
A tabela abaixo indica qual foi o resultado dos processos sentenciados. Foram consideradas apenas as decisões de primeira instância, são divididos em três categorias: o primeiro aos processos em que o acusado foi condenado; o segundo aos processos em que o denunciado foi condenado mas teve direito a suspensão do processo na vara de penas alternativas e a terceira aos processos em que o acusado foi absolvido ou extinta a punibilidade.
Soluções |
Quantidade |
Condenação |
11 |
Condenação/Suspensão |
77 |
Absolvição/Extinção de punibilidade |
512 |
Total |
600 |
Fonte: Tribunal de Justiça do Amazonas.
Do total de 600 processos, 512 foi prolatada a sentença com a absolvição do acusado, dos 512 a absolvição foi baseada nos arts. 386, II e VII, ou seja, 512 acusados foram absolvidos por falta de provas ou por provas insuficientes.
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar da Lei Maria da Penha ser um grande marco histórico na garantia dos direitos das mulheres ainda é necessário que a lei seja fiscalizada para que seja assegurada em sua total eficácia, uma das instituições que promove esses direitos de forma integral e gratuita é a Defensoria Pública, um pilar essencial no auxílio jurídico dos mais necessitados. Não obstante, após o relatório expor a realidade de alguns casos fica evidente a necessidade de penas mais rigorosas, visto que na maior parte dos casos o agressor é absolvido das acusações ou condenado a cumprir penas de medidas alternativas, não sendo suficiente para retratar os danos causados.
REFERÊNCIAS
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Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM – Manaus, AM. Membro do núcleo de pesquisa de Direitos Humanos da ULBRA. Estagiária do Núcleo Criminal da Defensoria Pública do Estado do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITO, Ana Vitória Castro. O papel das defensorias públicas estaduais no combate à violência contra a mulher Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2020, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54800/o-papel-das-defensorias-pblicas-estaduais-no-combate-violncia-contra-a-mulher. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
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