Artigo apresentado no curso de graduação, em Direito do Centro Universitário São Lucas Ji-Paraná 2020, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em direito. Orientadora: Prof. Ma. RENATA MIRANDA DE LIMA
RESUMO: O presente artigo busca fazer uma análise de um tema atual e de grande relevância para a sociedade, tendo como tema principal o feminicídio, cujas características são mortes intencionais e violentas de mulheres em decorrência do seu sexo, pontuando a necessidade da criação da Lei 13.104/15, que alterou o Código Penal Brasileiro para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei 8.702/90, que incluiu o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Também buscou-se fazer uma análise sociojurídica acerca da violência de gênero no ordenamento jurídico brasileiro, conceituando desigualdade de gênero, contextualizando a violência doméstica, suas causas e consequências e ainda a Lei Maria da Penha tida como uma conquista dos movimentos feministas e a violência de conjugalidade. Diante da pesquisa realizada, foi possível concluir que a violência de gênero permanece presente na realidade brasileira, vitimando muitas mulheres. Essas consequências decorrem de uma sociedade patriarcal, sendo uma afronta direta aos direitos humanos da mulher agredida.
Palavras-chave: Feminicídio. Homicídio. Violência contra mulher. Desigualdade de gênero.
ABSTRACT: Abstract: This article look for making an analysis of a current topic with great relevance to society, having as its main theme feminicide, whose characteristics are intentional and violent deaths of women just because their sex, emphasizing the need for the creation of Law 13.104 / 15, which amended the Brazilian Penal Code to provide for femicide as a qualifying circumstance for the crime of homicide, and art. 1 of Law 8,702 / 90, which included femicide in the list of heinous crimes. It also sought to make a socio-legal analysis about gender violence in the Brazilian legal system, conceptualizing gender inequality, contextualizing domestic violence, its causes and consequences and also the Maria da Penha Law considered as an achievement of feminist movements and the violence of conjugality. Given the research carried out, it was possible to conclude that gender violence remains present in the Brazilian reality, victimizing many women. These consequences come from a patriarchal society, being a direct affront to the human rights of battered women.
Keywords: Feminicide. Homicide. Violence Against Woman. Gender Inequality.
1 INTRODUCÃO
O termo feminicídio surgiu na década de 1970, com a finalidade de identificar e evidenciar discriminação, coerção, desigualdade e violência sistemática contra as mulheres em sua forma mais grave e que consuma em morte. Essa forma de assassinato não integra um evento isolando e nem repentino, mas sim faz parte de contínuos processos de violência, cujas raízes misóginas retratam o uso da agressividade para a coerção e dominação.
O uso do termo “Feminicídio” foi prolatado pela primeira vez em 1976 pela socióloga e feminista Daiana Russel no Tribunal Internacional de Crimes Contra Mulheres, que ocorreu na cidade de Bruxelas, capital da Bélgica. Esse acontecido visou denunciar violências que mulheres vinham sofrendo e logo passou a ser adotado em outas nações, mais especificamente no final do século XX e início do século XXI.
No Brasil, tendo como exemplo, até algum tempo atrás a morte de mulheres no qual o companheiro tinha sido o agressor era qualificado como homicídio conjugal. Com a promulgação da lei 13.104/2015, crimes dessa natureza passaram a ser classificadas como circunstâncias qualificadoras para o crime de homicídio e, por conseguinte, enquadrada na lei do feminicídio.
A batalha contra o feminicídio não deve ser uma razão única dos movimentos feministas, mas igualmente do judiciário e de toda a sociedade, já que o crime pode ocorrer em todos os ambientes e contextos socioeconômicos, e, por conseguinte, todos estão vulneráveis. Vale dizer, que não é pedido o reconhecimento do feminicídio como um tipo de crime superior a outros praticados no Brasil, contudo o gênero feminino acaba ficando exposto a um encadeamento de diversos tipos de violência presentes em nossa sociedade, impactando todas significativamente, o que sugere a grande importância de um julgamento justo.
A luta dessas mulheres por direitos, igualdade de gênero e extinção da violência contra seu gênero, baseou-se na ciência das leis e julgamentos para a conquista e execução jurídica. Para isso, tem-se o direito penal, que se coloca na sociedade como subsidiário em relação a outros ramos do direito, proporcionando ser o último meio para solucionar conflitos que abrangem bens jurídicos de maior importância.
A necessitar do caso concreto, o feminicídio, mesmo ainda sem esse nome, poderia ser enquadrado como sendo homicídio qualificado por motivo torpe (Inciso I do § 2º do Artigo 121º) ou fútil (Inciso II) ou, ainda, em virtude da dificuldade da vítima de se defender (Inciso IV). Entretanto, não existia a previsão de uma pena maior para o fato de o crime ser cometido contra a mulher por razões de gênero, tirando a caracterização desse crime.
Por isso, o presente artigo tem como objetivo principal caracterizar os direitos e garantias que as mulheres possuem em um país regido pela cultura patriarcal. Além disso, apontar o papel do Estado na aplicação dos direitos relacionados ao respeito e igualdade de gênero, abordando a criação da Lei 13.104/2015, que altera o Código Penal por causa da busca por tipificar o feminicídio como crime hediondo, uma qualificadora do crime de homicídio praticado contra mulheres em razão de ser do sexo feminino.
A metodologia abordada para se alcançar os objetivos propostos foi o método qualitativo, no qual os dados utilizados foram buscados através de pesquisas bibliográficas, doutrinas e jurisprudências, destacando a criação de normas e pontuando a importância dessas leis criadas com o intuito de combater a violência doméstica e familiar.
Por fim, percebe-se a ausência de sonoridade e o quão invisível se torna a aplicação das penalidades dos crimes contra as mulheres, devendo o Estado retirar os rótulos impostos sobre o gênero feminino. Para isso, tem-se que inserir na própria sociedade a mentalidade de que as mulheres devem ser tratadas com igualdade e justiça na mesma proporção que os homens são tratados, alcançando a igualdade de gêneros.
2 SINOPSE HISTÓRICA DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DESIGUALDADE DOS SEXOS
A busca pela igualdade de gênero é de certa forma impedida pela cultura patriarcal a qual se tornou fortemente estabelecida em nosso país, ocasionada pela sua relação com a cultura machista e sexista existente no Brasil. Com isso, diversas mulheres se tornaram vítimas da violência doméstica, tanto por meio de relacionamento, héteros ou homossexuais femininas, quanto entre familiares (pais e filhas).
Essas descrenças foram retratadas pela sociedade em âmbito mundial, por consequência, reafirmando que a violência contra a mulher transcorre da herança patriarcal, ficando impregnada nas relações entre homens e mulheres até a contemporaneidade.
Interessante salientar que é a própria sociedade que vem contribuindo para o aumento e a continuidade da discriminação e superioridade do sexo masculino sobre o feminino. Nesse ponto, importante frisar o posicionamento de Catussi (2015, p. 2):
“A violência contra a mulher é decorrente da própria sociedade, ou seja, surge da cultura patriarcal da sociedade, em outras palavras, denominada de machismo, onde o homem pensa ter propriedade sobre o corpo da mulher e dessa maneira acham (sic) que tem o direito de impor suas vontades às mulheres. O patriarcado tem como característica a dominação do sexo feminino pelo masculino, marcada pelo emprego de violência física ou psíquica.”
Segundo Almeida (2015, p. 27), durante o século XVIII, as mulheres migraram do trabalho doméstico para o fabril, de forma precária, no entanto, os salários eram inferiores, fato que aumentou a discrepância entre as relações trabalhistas dos gêneros, ou seja, aumentando a desigualdade entre os gêneros. Corroborando essa ideia, tem-se o capitalismo e a revolução industrial como causadores desse processo (ARAÚJO, 2015), fazendo com que a partir disso surgissem os movimentos feministas que reivindicavam inúmeras mudanças sociais.
Coutinho (2004, p. 21-22) expõe que “[...] nos primeiros anos da Revolução Francesa, um verdadeiro movimento feminista desenvolveu-se, e não um simples movimento de ideais favoráveis à melhoria da condição da mulher”. Ainda sobre o tema, Porto (2007, p. 16) menciona que, “[...] as revoluções liberais, não obstante contarem com efetivo apoio do gênero feminino, não dividiram igualitariamente as conquistas de direitos, ficando os homens evidentemente melhor beneficiados”. Vê-se, com isso, que apesar das mulheres participarem ativamente da busca pelos direitos, ficaram despidas dos seus.
Contudo, no decorrer do século XX, esse cenário foi mudando em virtude dos movimentos feministas ainda mais incisivos, o que permitiu que as mulheres conseguissem alguns direitos permitidos que antes eram exclusivos dos homens.
2.1 DESIGUALDADE DE GÊNERO
A princípio, é indispensável esclarecer o significado de desigualdade de gênero o qual não pode ser confundido com o conceito de desigualdade entre sexos. No momento em que se emprega o termo sexo, pensa-se mais nas diferenças físicas entre homens e mulheres, desta forma, o termo gênero se mostra mais adequado. Isso se dá, pois permite falar sobre homens e mulheres fora do determinismo biológico, ainda levando-se em consideração que a maior parte das diferenças existentes entre os sexos não são devidas a aspectos biológicos, mas consequências da construção social (RITT; COSTA; CAGLIARI, 2015, p. 8).
Em conformidade com o Dicionário Informal, em uma de suas definições, gênero é “a diferença entre homens e mulheres que, construída socialmente, pode variar segundo a cultura, determinando o papel social atribuído ao homem e à mulher e às suas identidades sexuais”. Deste modo, há a confirmação de que o emprego desse termo é o mais correto a ser utilizado, visto que seu conceito é muito mais extenso do que a distinção sexual.
Nesse sentido, ensina Scott (2015, p. 75-76):
“[...] o termo “gênero” também é utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. Seu uso rejeita explicitamente explicações biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum, para diversas formas de subordinação feminina, nos fatos de que as mulheres têm a força para dar à luz e de que os homens têm uma força muscular superior. Em vez disso, o termo “gênero” torna-se uma forma de indicar “construções culturais” — a criação inteiramente social de ideias [sic] sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e mulheres. “Gênero” é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. [...] O uso de “gênero” enfatiza todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas não é diretamente determinado pelo sexo, nem determina diretamente a sexualidade.”
Evidentemente, há diversas definições que culminam na não existência de um conceito específico e concreto a respeito do que vem a ser gênero, ficando conhecido como simples termo de distinção dos papéis imputados aos homens e as mulheres de uma sociedade, transformando a diferença biológica tão somente o estopim para essa desigualdade.
A desigualdade de gênero é socialmente um fato que cria dissensão entre homens e mulheres que objetiva a supremacia do sexo masculino e sujeição do sexo feminino, mostrando sobretudo ser uma questão de poder. São séculos de preconceitos e patriarcado que criaram uma desigualdade de poder entre homens e mulheres nas corporações, no sistema político e na nossa economia, ou seja, em todos os setores da sociedade.
Isso pode ser visto a partir da exclusão de mulheres do alto escalão político, premiações e autoridades, e, quando estão, sofrem assédio em seus ambientes de trabalho, são ameaçadas e abusadas. Ademais, a dessemelhança salarial entre homens e mulheres sempre foi visto como discriminação e diminuição da capacidade feminina.
Além disso, ao longo dos séculos, mulheres e meninas sofrem por “tabus”, sendo ridicularizadas, taxadas de histéricas, julgadas diariamente por sua aparência, confrontadas pelo machismo e na maioria das vezes culpadas por serem as vítimas. Tudo isso se tornou um enorme obstáculo para solucionar muitos dos desafios e ameaças que mulheres vem sofrendo, afetando profundamente a todos nós. É hora de mudar o pensamento coletivo em vez de ficar tentando encaixar as mulheres em padrões cada vez mais inalcançáveis, é o sistema que impede as mulheres de alcançarem seu potencial.
3 A LEI MARIA DA PENHA ENQUANTO CONQUISTA DOS MOVIMENTOS FEMINISTAS
MARIA DA PENHA - A LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006
Até a sanção da Lei nº 11.340/2006, o percurso doloroso vivenciado por Maria da Penha Fernandes remonta ao ano de 1983, quando, enquanto dormia, foi atingida por um tiro de espingarda desferido pelo então marido, entretanto suportou as lesões que a deixaram paraplégica; mais tarde, naquele mesmo ano, ela sofreria sua segunda tentativa de homicídio, desta vez recebeu uma descarga elétrica enquanto se banhava, quando então decidiu realizar uma denúncia pública. Tais fatos são o resultado de uma relação conturbada, marcada por agressões, cuja agressividade a impedia, por medo, de ter qualquer iniciativa que visasse à separação. (CUNHA; PINTO, 2015, p. 33).
As principais características da Lei Maria da Penha são: a proteção às mulheres e seus familiares, a punição dos agressores e prevenção da violência doméstica e familiar, tudo através de políticas públicas e mudanças constantes na legislação. Desta forma, a legislação requer, segundo Pasinato (2016, p. 156):
“[...] que governos e instituições de justiça se adaptem para acolher as novas atribuições e competências correspondentes às medidas previstas, a partir de uma abordagem integral e articulada com a perspectiva de gênero, ou seja, deslocando as mulheres para o centro das atenções, ao reconhecê-las como sujeitos de direitos protegidos pela lei, e aplicando de forma equilibrada e de acordo com as especificidades de cada caso as medidas que responsabilizem o(a)s autore(a)s da violência e permitam às mulheres superar a situação em que se encontram, para que possam reconstruir ou constituir novas relações numa vida sem violência.”
Igualmente é indispensável examinar os tipos de violência doméstica que a lei relaciona em seu art. 7º, sendo elas as violências: físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais e morais. Ressalva-se, como dito anteriormente, que no texto legal há a expressão “entre outras”, tornando tal relação extensa, porém não exaustiva, de forma que outras condutas podem se enquadrar nesse contexto. (SOUZA, 2008, p. 55).
Afirmam Simoni e Cruz (2011, p. 189):
“De outra parte, o conceito de comunidade familiar proposta pela Lei é amplo. Nele estão abarcados maridos, companheiros, namorados, amantes, filhos, pais, padrastos, irmãos, cunhados, tios e avós (com vínculos de consanguinidade [sic], de afinidade ou por vontade expressa). Este conceito abrange uma variedade de laços de pertencimento no âmbito doméstico.”
Aqui no brasil, a Lei Maria da Penha é exemplo de grande conquista das mulheres que vivem em situação de vulnerabilidade e que buscam acabar com a violência doméstica sofrida dentro de seus lares, em especial por seus maridos ou companheiros. Por isso, ela é de suma importância, pois foi criada para coibir as constantes violências sofridas por mulheres, já que até hoje vivemos em uma sociedade machista onde a figura do homem é colocado como o centro de todas as coisas.
A Lei Maria da Penha, segundo Souza (2008, p. 13) é descrita como uma “[...] ousada proposta de mudança cultural e jurídica na busca da erradicação da recorrente violência praticada principalmente por homens contra mulheres com quem mantêm vínculos afetivos”. A partir dela, foi possível garantir a proteção legal a mulheres contra todo e qualquer tipo de violência doméstica, incluindo física, psicológica, moral ou patrimonial e se aplica também a violência doméstica entre casais homoafetivos.
A lei trouxe consigo alterações benéficas, castigando o agressor de uma forma mais dura, eliminando penas alternativas, ou seja, a possibilidade do pagamento de cestas básicas ou pequenas multas. E ainda assegura que os agressores que cometam atos de violência doméstica sejam presos em flagrante ou tenham prisão preventiva decretada, possibilitando a diminuição dos delitos domésticos contra as mulheres gradativamente desde a sansão.
Apesar dos diversos tipos de agressão, a violência contra a mulher está diretamente relacionada com a violência doméstica, sendo essa a maior causadora de denúncias e mais ocorrente. Por isso, a própria lei, em seu art. 5º, definiu acerca da violência doméstica e familiar contra a mulher, como: “Configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. “(BRASIL, 2006).
Uma grande mudança trazida por ela foi o aumento das denúncias e a gravidade destas, resultando em uma procura maior pelas instituições, principalmente, as delegacias de polícia e o poder judiciário. A lei teve acolhimento pela população e foi compreendida como um direito conquistado pelas mulheres.
Essas mulheres que estão vivenciando esses relacionamentos abusivos, não podem ser responsabilizadas por tal violência. Muitas têm sua intimidade violada e são expostas entre seus parceiros. Por causa disso, a lei Maria da Penha sofreu várias alterações ao longo dos seus quase dezenove anos, muitas mudanças foram feitas para melhorar os mecanismos de defesas, em busca de melhor atende a mulher vítima de violência doméstica.
Em 2017 foi criada a Lei 13.505/17 que trata do atendimento policial. A lei agregou dispositivos à Lei Maria da Penha, estabelecendo que as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, preferencialmente fossem atendias por policiais e peritas mulheres, evitando assim que elas passassem por maior constrangimento na presença do sexo masculino.
Em 2018, fora criada a Lei 13.641/18 pelo então Presidente Michel Temer, alterando o Art. 1º da LMP, tipificando o crime de descumprimento das medidas protetivas de urgência. Acrescentando no Art. 2º da referida Lei, o parágrafo 24-A. Que diz:
“Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.
§ 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.
§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.
§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.”
Ainda, no final de 2018, a Lei passou por nova alteração, editando a Lei nº 13.772/18, que trada sobre a intimidade da mulher, reconhecendo a violação da intimidade da mulher como violência doméstica e familiar, criminalizando o registro de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual.
A norma alterou também o Código Penal dispondo: "produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes" é crime passível de pena de detenção de seis meses a um ano e multa.
As mudanças mais recentes foram sancionadas pelo então atual Presidente da República Jair Bolsonaro, criando mais duas novas leis que alteram a LMP. A primeira Lei é de nº 13.827/19, criada em maio de 2018, na qual autoriza em determinadas hipóteses, a aplicação de medida protetiva de urgência pela autoridade judicial ou policial, sendo elas em caso de violência doméstica ou familiar, à mulher vítima de violência ou a seus dependentes. A lei também autoriza que o registro de medidas protetivas seja feito no banco de dados protegido pelo CNJ.
No mês seguinte, em junho foi aprovada a Lei 13.836/19, alterando o Art. 12, tornando obrigatória a informação do estado de pessoa com deficiência da mulher vítima de agressão domestica ou familiar.
Existem leis estaduais pelas quais o estado proíbe a nomeação no âmbito da administração pública direta e indireta de pessoas que cometeram delitos previstos na Leia Mara da Penha.
Ainda, merece destaque a aprovação recente da Lei nº. 13.104/2015, que instituiu o crime de feminicídio no Brasil, a partir do acréscimo da qualificadora do art. 121, § 2º, VI, no Código Penal. Dessa forma, o crime de homicídio recebe nova qualificadora quando cometido contra mulheres: “contra a mulher por razões da condição do sexo feminino”.
O preconceito e a discriminação existem até hoje, em decorrência do sistema patriarcal. As maiores ocorrências de violências contra as mulheres decorrem das relações conjugais. Neste seguimento, Oliveira (2017, p. 641) assegura que “As mudanças operadas pela Lei Maria da Penha e sua perspectiva feminista têm gerado resistências cotidianas, especialmente partindo das interpretações judiciais nos pontos de tensão entre o feminismo e a perspectiva neutra/androcêntrica do direito”
Desse modo, conclui que a Lei Maria da Penha criou vários mecanismos que busca proteger a mulher principalmente dentro do convívio familiar e de forma mais relevante nas relações conjugais. E que a partir dela muitas outras leis foram sancionadas para dar maior proteção a essas mulheres vítimas de violência, e coibir ainda mais os agressores.
3.1 CICLOS DE VIOLÊNCIA
Infelizmente, mesmo com todos os avanços a respeito da igualdade de gênero, o homem ainda se sente como dono da mulher como se ela fosse objeto, e a sociedade acaba por proteger esta superioridade, ensinando desde que eles são crianças a não chorar, não levar desaforos para casa, não ser “mulherzinha”, por isso, é com estes incentivos que recebem desde a infância que os homens se acham no direito de fazer o uso da força física sobre as mulheres. (DIAS, 2010, p.19).
Conforme a mesma autora (DIAS, 2010, p.19):
“[...] a violência doméstica é o germe da violência que está assustando todos. Quem vivencia a violência – muitas vezes até antes de nascer e durante toda a infância – só pode achar natural o uso da força física. Também a impotência da vítima – que não consegue ver o agressor punido – gera, nos filhos, a consciência de que a violência é um fato natural. (...) a crença na impunidade, além do temor, faz com que muitas mulheres não denunciem a violência de que são vítimas. (...) É difícil “denunciar” alguém que reside sob o mesmo teto, pessoa com quem se tem um vínculo afetivo e filhos em comum e que, não é raro, é o responsável pela subsistência da família.”
Uma vez que não contida, a violência doméstica torna- se um ciclo, por isso é essencial pensar em vários contextos relacionados a isso, como nas crianças que crescem nesse tipo de ambiente e levam sequelas psicológicas para o resto de suas vidas, passando a também a possuir esse tipo de comportamento.
Na maioria de relatos e denúncias, essas crianças presenciam o pai beber todos os dias, chegando em casa embriagado e agredindo suas mães. Com isso, essas mulheres passam a sofrer diariamente violência psicológica e emocional, sua autoestima é destruída por esses companheiros. Os filhos crescem com medo, tornando-se também agressivos uns com os outros, pois suas ideias acerca de família são distorcidas. As meninas passam a achar que sempre terão que ser submissas ao gênero masculino, enquanto os meninos irão crescer acreditando que quem manda é o homem.
A violência doméstica torna-se tão repetitiva, que os filhos que serão futuros esposos e futuras esposas, passarão a creditar que a vida deles serão iguais aos dos seus pais, pois estes são os maiores responsáveis pela formação do caráter de seus filhos. É neles que os pequenos crescem se espelhando, muitos dizem: “quando eu crescer quero ser igual ao meu pai, ou igual a minha mãe”, salientando o seu papel de proteger, educar e dar bons exemplos aos seus filhos. Contudo, por terem uma desestruturação familiar pautada na violência, dificulta a mudança nesse padrão de comportamento.
Esse ciclo da violência é perverso. Em um primeiro momento, ocorre o silêncio da vítima e a indiferença para a situação, logo depois a violência psicológica se transforma em violência física e a vítima passa a procurar explicações em si para as atitudes do parceiro. No que depender do homem, a culpa sempre será da mulher, e dado ao medo que possui acaba perdoando a atitude do companheiro, porém com isso apenas abre mais espaço para que a violência continue. (DIAS, 2010, p. 23-24).
A falta de coragem da maioria dessas mulheres, de denunciar seus agressores, as tornam suscetíveis ao aumento da violência. Muitas delas carregam feridas que jamais cicatrizarão. A psicóloga norte américa Lenore Wlaker identificou que as agressões cometidas em um contexto conjugal sucedem dentro de um ciclo que é constantemente repetido.
A fase 1 é chamada de Aumento da tensão, é quando o agressor mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes, chegando a ter acessos de raiva. Ele também humilha a vítima, faz ameaças e destrói objetos. A mulher tenta acalmar o agressor, fica aflita e evita qualquer conduta que possa “provocá-lo”. As sensações são muitas: tristeza, angústia, ansiedade, medo e desilusão são apenas algumas.
Em geral, nesse primeiro momento, a vítima tende a negar que isso está acontecendo com ela, esconde os fatos das demais pessoas e, muitas vezes, acha que fez algo de errado para justificar o comportamento violento do agressor ou que “ele teve um dia ruim no trabalho”, por exemplo. Essa tensão pode durar dias ou anos, mas como ela aumenta cada vez mais, é muito provável que a situação levará à Fase 2.
Já a fase 2 é chamada de Ato de violência, correspondendo à explosão do agressor, ou seja, a falta de controle chega ao limite e leva ao ato violento. Aqui, toda a tensão acumulada na fase 1 se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial. Mesmo tendo consciência de que o agressor está fora de controle e tem um poder destrutivo grande em relação à sua vida, o sentimento da mulher é de paralisia e impossibilidade de reação.
Nesse momento, ela sofre de uma tensão psicológica severa, caracterizada por insônia, perda de peso, fadiga constante, ansiedade, sente medo, ódio, solidão, pena de si mesma, vergonha, confusão e dor. Ela também pode tomar decisões, sendo as mais comuns: buscar ajuda, denunciar, esconder-se na casa de amigos e parentes, pedir separação e até mesmo suicidar- se. Geralmente, há distanciamento do agressor.
Por fim, a fase 3 chama-se Arrependimento e comportamento carinhoso, também conhecida como “lua de mel”, esta fase é marcada pelo arrependimento do agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação. A mulher se sente confusa e pressionada a manter o seu relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem filhos. Em outras palavras: ela abre mão de seus direitos e recursos, enquanto ele diz que “vai mudar”.
Há um período relativamente calmo, em que a mulher se sente feliz por constatar os esforços e as mudanças de atitude, lembrando também os momentos bons que tiveram juntos. Como há a demonstração de remorso, ela se sente responsável por ele, o que estreita a relação de dependência entre vítima e agressor. Um misto de medo, confusão, culpa e ilusão fazem parte dos sentimentos da mulher. Por fim, a tensão volta e, com ela, as agressões da Fase 1.
Com o passar do tempo, os intervalos entre uma fase e outra ficam menores, e as agressões passam a acontecem sem obedecer à ordem das fases. Em alguns casos, o ciclo da violência termina com o feminicídio, que é o assassinato da vítima. Na maioria das vezes a vítima se silencia diante da violência e com isso o agressor não se sente culpado pelos seus atos.
O termo feminicídio não é muito conhecido pela população, portanto, defini-lo é de suma importância para levar adiante a temática de buscar por igualdade de gênero.
A primeira pessoa a citar a palavra feminicídio foi a feminista Diana Russell no Tribunal Internacional de Crimes Contra Mulheres, em Bruxelas. A expressão foi referida para definir toda forma de crime e opressão sexual contra mulheres, abordando o fato de que homens causavam a morte odiosa de mulheres, segundo ela (Russell, 1976):
“A partir da queima de bruxas no passado, para o mais recente costume generalizado do infanticídio feminino em muitas sociedades, com o assassinato de mulheres para os chamados ‘direitos a honra’, percebemos que o feminicídio vem acontecendo há muito tempo.”
Com o passar do tempo, a expressão feminicídio foi sendo aprofundada, passando a ter o significado de assassinato de “femininas” causado por homens pelo simples fato de serem “femininas’, em outras palavras, é o homicídio de mulheres pelo simples fato de serem mulheres. Diana Russell usa do termo feminina, para deixar claro que sua aclaração engloba também as crianças femininas e idosas femininas.
Pasinato (p. 231), expõem que as mulheres não devem ser vistas na sociedade apenas na forma de sujeitos passivos, fazendo com que não estejam incluídas como membro daquela sociedade, devendo elas terem participação passiva em todos os processos, principalmente, os de suas lutas. Com isso, vê-se a importância de uma mulher como Diana Russell ser pioneira em mais uma busca por igualdade.
Com a criação da Lei 13.104/2015, a legislação assegura penalidades mais graves para homicídios que se encaixam na definição de feminicídio, ou seja, que envolvam “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.
Para que o termo “Feminicídio” pudesse ser usado como qualificadora do crime de homicídio, com a Lei nº 13.104/2015, teve todo um processo histórico de combate à violência contra a mulher em nosso país. Decretada para incluir no Código Penal, como uma circunstância qualificadora do crime de homicídio, colocando o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Uma vez que antes não existia nenhum tipo de punição específica para os homicídios interpretados contra mulheres em razão de seu gênero.
Para o crime ser classificado como feminicídio, tem que se ajustar em tipos de casos: Violência doméstica e familiar, assassinato, estupro, entre outros. O primeiro refere-se quando o crime é praticado por um familiar da vítima ou que já havia mantido algum tipo de laço afetivo com ela, sendo o mais comum no Brasil, ao oposto de outros países da América Latina, onde a violência contra a mulher é cometida por desconhecidos, normalmente com a presença de violência sexual.
A criação da Lei 13.104/15 veio através de uma recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (CPMI-VCM), que, entre março de 2012 e julho de 2013, investigou a violência contra as mulheres nos entes da federação, promovendo meios para impedir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Conforme o § 8o do art. 226 da Constituição Federal, há a convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e a convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a Mulher, que salienta sobre a necessidade da criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, utilizando o Código Penal e a Lei de Execução Penal e tomando outras providências.
Tal artigo da lei, “Trata de uma qualificadora de natureza subjetiva, na medida em que diz respeito aos motivos determinantes do crime”. (CAPEZ, F., p. 253, 2016) e é referenciada para a criação da lei do feminicídio, pois coloca a família como base da sociedade e tendo direito de especial proteção do Estado, o que pode ser visto também no § 8º: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”
O Estado assegura a assistência a família, mas a violência contra as mulheres continua acontecendo, uma vez que a mulher não quer a dissolução da família, pois tudo o que ela almeja e que se finde a violência. Muitas vezes, essas mulheres se submetem a conviver com a violência, porque não querem ver seus agressores presos, muitas vezes aceitando-os novamente quando saem da prisão.
O Mecanismo criado para coibir essa violência não tem eficácia dentro de um lar. A maioria das mulheres se tornam dependentes psicologicamente de seus companheiros, não conseguindo se separar e nem dar um basta nas violências. Além disso, muitas não têm uma profissão, não trabalham, e não saberiam viver e sustentar a família sozinhas. Portanto, cabe ao Estado não somente proteger da violência física, mas do desamparo causado pela separação.
Para isso, a criação de políticas educacionais seria a melhor forma de levar para essas famílias a modificação que tanto almejam, pois estaria alertando e encorajando toda a família contra a violência. Ademais, o conhecimento de uma profissão para a mulher a partir do oferecimento de cursos e empregos para essas mulheres que estiverem desempregadas.
Para concretizar a mudança, os homens devem ser orientados e tratados contra a agressão de mulheres, a partir de campanhas midiáticas por meio da televisão, celular, internet, com políticas educacionais que promovam o conhecimento da igualdade entre os gêneros, podendo impactar toda a sociedade, salientando que a desigualdade só leva a violência e que papel da mulher na sociedade pode ser o mesmo que o dos homens.
4.1 ASPECTOS SOCIOJURÍDICOS ACERCA DA LEI Nº 13.104/2015 (FEMINICÍDIO)
O assassinato de mulheres em razão de seu gênero, conforme a doutrina o feminicídio se subdivide em três tipos: feminicídio Íntimo, quando há um vínculo afetivo ou de parentesco entre agressor e vítima; Feminicídio por conexão no qual abrange a situação em que uma pessoa do gênero feminino é morta por um homem ao tentar interferir a morte de outra mulher, e por último o feminicídio não íntimo, em que não há vínculo de afeto ou parentesco entre o agressor e a vítima, mas é caracterizado como crime por estar dentro dos tramites estabelecidos e é afirmado como crime estipulado. (ROMERO, 2014).
Ao se tratar de homicídios em desfavor ao gênero feminino, percebe-se que não se dá da mesma forma e pelos mesmos pressupostos de como acontece nos assassinatos de homens. Sendo os homens que assassinam, motivados por relações doentias de poder e de posse pelo corpo da mulher. Ao ver superficial, embora bem contundente, possa ser caracterizado um crime “democrático”, pois escolhe o gênero da vítima, pautando-se na dificuldade de respeito a outro ser humano.
Perante o respectivo ponto de vista legalista, predomina mencionar a Convenção Interamericana para prevenir, erradicar e punir a violência contra a mulher, promulgada pelo Decreto 1.973 (1º de agosto de 1996), com o objetivo de incluir no Código Penal uma circunstância qualificadora do crime de homicídio, incluindo o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Sendo que não existia antes nenhum tipo de punição específica para os homicídios interpretados contra mulheres em razão de seu gênero.
No § 2º, foi inserido tal preceito explicativo da expressão "razões da condição de sexo feminino", especificando que acontecerá em duas determinadas hipóteses: violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A referida lei adicionou o §7º ao Artigo 121º do CP concernindo circunstâncias do aumento de pena para o crime.
Tal aumento de pena será de 1/3 até a metade se for praticado em algumas situações, como na gravidez ou nos 03 meses posteriores ao parto, contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência e na presença de ascendente ou descendente da vítima
Segundo Fernando Capez (2011, p. 19) “A missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade etc., denominados bens jurídicos.” E o autor diz ainda:
“O direito penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessários à sua correta e justa aplicação”.
O Brasil atravessa por uma fase em que as Leis Penais de cunho representativo simbólico estão sendo elaboradas pelo legislador infraconstitucional. Tais Leis de acordo com Capez (2010, p. 19), “tem uma determinada carga moral forte e emocional, obtendo-se uma demonstração intenção pelo Governo tendo um legislador infundindo na sociedade”. Assim, o dizer que ele concebe a rigorosidade do julgamento, faz com que acabe findando por ser ineficaz na prática, trazendo triviais símbolos de inflexibilidades excessivas que decai no vazio.
Decorre que a nova lei, controla a violência contra as mulheres transmitindo, conduzindo e preocupando-se em sanar ou remediar a vontade de um público eminente, que tem anseio, vontade e cobiça por leis mais severas e benéficas a essa situação de cujo predominante na realidade do social e pena com mais rigor e severidade punitiva (GOMES, 2015).
Em 1980, esse acontecimento ganhou nitidez no meio social, por intermédio da organização política dos grupos feministas que começaram a reivindicar o reconhecimento dos direitos das mulheres e políticas públicas de justiça de gênero (ACOSTA, 2015).
Ainda suscita controvérsias e discussões a respeito da referida lei, pela abrangência da atitude violenta como transgressão não seria o trâmite capaz para abrandar ou o banimento deste fato da existência social (GOMES, 2015). Os aspectos jurídicos são inerentes a toda trajetória da violência sofrida por parte da mulher e toda contextualização que cada jurídico tem acerca da lei sancionada em 2015. Tendo-se vários questionamentos e posicionamentos em razão da proferida lei.
Contudo, os questionamentos que se encontram em torno da legislação, a criminalização e a responsabilização do feminicídio são relevantes para uma representação jurídica e social, aludindo à luta por justiça de gênero, sendo um dos caminhos para a integração da igualdade entre as pessoas e da dignidade humana.
5 RELATOS DE EXPERIÊNCIAS DE MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
Raquel Gonçalves Dutra, 43 anos, divorciada, mãe de cinco filhos, sendo três filhas biológicas e dois filhos de criação, cursou apenas o ensino fundamental, após 3 anos separada do pai de suas filhas biológicas se viu numa situação de vulnerabilidade, na qual a crise econômica tomava conta de sua família.
O seguinte relato foi feito por mim, que sou irmã da Raquel:
“Devido aos seus problemas financeiros, se envolveu com um primo do seu ex-marido que era presidiário. Lembro-me como se fosse hoje, era final de ano, Raquel me convidou para passar o natal em sua casa, resolvemos ir até o local para dar felicitações natalinas. Ao adentrar a casa de Raquel, me deparei com um homem estranho e mau encarado, logo percebi que ele usava tornozeleira eletrônica. Fiquei um pouco constrangida de ficar lá por causa da presença daquele homem, uma vez que já sabia que ele estava preso por roubo seguido de morte. Em uma outra ocasião perguntei a ela o que ele fazia na casa dela, escutando como justificativa que ele era primo das filhas dela.
Meses depois, fiquei sabendo que ele havia quebrado a tornozeleira tornando-se foragido da justiça. Ele era considerado um bandido de alta periculosidade e procurado por vários crimes. Raquel passou a se envolver maritalmente com aquele individuo, ela alegava que ele era bom e que dava dinheiro para pagar o aluguel, as despesas da casa e também para comprar coisas para ela e seus filhos.
Com o passar do tempo, Raquel que morava de aluguel, foi morar em um conjunto habitacional construído pelo governo. Lá ela pagava uma pequena parcela de cinquenta reais pela casa que havia ganhado. Com o dinheiro que ela ganhava do seu companheiro, ela construiu um muro bem alto e também construiu uma cozinha bem grande e uma área na casa nova. Poucas vezes fui visita-la, pois trabalhava de dia e estudava a noite, e também não me sentia confortável em saber que ela estava envolvida com um bandido.
Raquel tinha uma doença que não tem cura, mas com os remédios levava uma vida quase que normal, das últimas vezes que falei com ela, ela reclamava muito de dores de cabeças constantes. Raquel começou a cobrar do seu companheiro que ele mudasse de vida, pois ela sabia que ele prestava serviço ilícitos para várias pessoas, com o passar do tempo e inúmeras cobranças por parte dela, a vida dela ficou ameaçada por ele e também por certa individua que Raquel conhecia e sabia que ele fazia serviço sujo para ela. Mas Raquel jamais acreditou que aquele homem pudesse tirar a vida dela, porque ele dizia que a amava.
No dia 21 de maio de 2016, era um sábado, liguei para Raquel e chamei ela para irmos no sitio da minha irmã, pedi que ela fosse comigo, pois eu iria de moto e precisaria de alguém para segurar minha filha que era bem pequena na época. Raquel disse ao telefone que não poderia ir, pois estava com muita enxaqueca e não estava suportando barulhos, então me despedi dela e fui junto com outra irmã e minhas filhas para o sitio, lá estavam minha irmã junto com seu esposo, seus filhos e minha mãe. Quando foi no domingo bem cedinho, recebo uma ligação do meu esposo dizendo que tinha uma notícia ruim e que era pra eu ficar calma e saber passar a notícia para minha mãe que é idosa. Meu coração disparou e comecei a tremer antes que ele me desse a notícia, então ele falou que minha irmã Raquel havia levado um tiro na cabeça e que estava entre a vida e a morte, e que seria levada para o hospital de Cacoal assim que chegasse uma ambulância. Quase morri do coração, tentei me controlar e segurar a emoção para dar aquela trágica notícia para minha mãe e minhas irmãs. Ninguém segurou a emoção, minha irmã desmaiou e minha mãe ficou paralisada, em seguida dei um jeito de arrumar um carro para nos trazer para a cidade. Antes de chegarmos ao hospital, meu esposo ligou dizendo que ela não iria mais para Cacoal, que já não dava mais tempo. Dali pude notar que ela havia morrido.
Ao chegarmos no hospital, estavam lá meu esposo, as filhas dela e minhas outras irmãs, logo nos deram a notícia que ela havia falecido. Pedi para vê-la, e minha mãe quis ir junto, antes o médico teve que dar remédio de pressão para ela, pois estava muito alta sua pressão. Pedi a ela que ficasse forte, se não, não deixariam a gente ver o corpo da minha irmã. E lá fomos nós, pelo corredor frio e longo do hospital, o coração não cabia na boca, a vontade era de gritar e sair correndo, mas pensei muito na minha mãe e fingi que estava bem. De longe avistamos um corpo enrolado em um lençol branco, em cima de uma pedra no corredor do hospital, lá estava minha irmã Raquel enrolada como um objeto, largado naquele corredor, pedi ao moço que se aproximou para vê-la, ele respondeu, vocês tem certeza que querem ver, minha mãe respondeu claro que quero ver minha filha. Quando ele desenrolou o lençol, foi uma visão muito impactante e assustadora, pois eles haviam raspado todo o cabelo dela, e vi aquele crânio com um buraco acima da testa, parecia um papel, branco e sem sangue nenhum. Causa da morte (choque hipovolêmico causado por hemorragia que provoca a perda excessiva de sangue, podendo acontecer devido a feridas ou cortes muito profundos).
Nesse momento não consegui segurar a emoção e desmoronei. Raquel havia levado um tiro na cabeça as 5hs da manhã, o assassino entrou em sua casa enquanto ela dormia, e atirou na cabeça dela, ao ver que ela não teve morte súbita, ele esperou até amanhecer o dia para se certificar que ela morreria de hemorragia e então não falaria a ninguém que foi ele quem atirou nela. Fiquei imaginando a agonia, o sofrimento dela, com partes do cérebro em seu rosto, sua boca e agonizando, pedindo pro socorro enquanto ele estava lá, esperando-a morrer. Quando amanheceu o dia e ele percebeu que ela estava viva, ou respirando ainda, decidiu ligar para as filhas dela, na ligação ele falou, chama o bombeiro e vem aqui que a sua mãe tentou se matar.
Nisso minhas sobrinhas foram para lá, e ele tratou de fugir, levando a bolsa dela, com dinheiro, relógio, corrente de ouro e o celular dela. As meninas acreditaram que iam chegar lá e encontrar a mãe com um tiro no braço ou na perna, mas infelizmente ao chegarem lá se deparam com mãe agonizando, tentando respirar e se engasgando com sangue e pedaços da massa encefálica, imagino ter sido a cena mais triste da vida delas, e os bombeiros demoram cerca de quase duas horas para chegarem, pois eles achavam que era trote, por se tratar de uma bairro com muitas ocorrências policiais. Ele fugiu, e ela não teve a chance alguma de sobreviver, uma vez que perdeu todo o sangue do corpo. O assassino foi preso um mês depois, escondido em uma fazenda no Mato Grosso, até hoje cumpre pena em regime fechado aqui em Ji-Paraná, mas não foi condenado pela morte dela ainda, está cumprindo pena por outros assassinatos cometidos antes do dela.
A vida nunca mais foi a mesma para nós, minha mãe que já era hipertensa, adquiriu diabete emocional causada pelo trauma, e hoje toma insulina duas vezes ao dia, a tristeza ficou estampada em seu rosto, marcas que não se apagam jamais.
É com muita dor e tristeza que relato o crime de feminicídio da minha irmã, e sei que muitas mulheres são assassinas e que na maioria das vezes seus crimes ficam impunes. Por fim, quero deixar expresso aqui o meu sentimento de profunda tristeza e indignação a esses agressores, que ao mesmo tempo que falam eu te amo, também são capazes de brutalmente assassinar suas esposas ou companheiras.”
6 CONCLUSÃO
O presente artigo, escolhido como trabalho de conclusão de curso, teve como objetivo expor a luta das mulheres pela igualdade de gênero, desse modo, colocando um fim nas violências sofridas por elas no decorrer de toda a história da humanidade.
Ao longo dos séculos, pode-se observar que as mulheres foram obrigadas desde crianças a acreditarem que o seu papel seria o de submissão. Fazendo com que a busca pela igualdade de gênero fosse impedida pela cultura patriarcal, imposta por uma sociedade machista. Às mulheres, só cabiam os afazeres domésticos e o cuidado com os filhos.
Com o tempo, a violência praticada contra a mulher tomou uma enorme proporção, materializando-se por meio de estupros, assassinatos, agressões físicas e morais, jogos de manipulação e palavra cruéis, ferindo-a profundamente física e psicologicamente. Muitas são mortas perversamente pelas mãos de seus agressores, quando não, tentam suicídio por se sentirem desamparadas, humilhadas e expostas sem perspectivas positivas.
No decorrer do estudo, nota-se nos posicionamentos de vários doutrinadores e juristas, que as mulheres estão progressivamente conquistando seu espaço. Como exemplo, tem-se a Lei Maria da Penha, que foi um marco no reconhecimento pelas atrocidades cometidas contra a mulher.
Além disso há a Lei do Feminicídio, que alterou o código Penal Brasileiro, fazendo com que esse tipo de violência entrasse para o rol dos crimes hediondos e qualificando-o como o maior crime contra a vida, que é o homicídio. Tal Lei trouxe um grande avanço para a sociedade, elencando no Art. 21, VI, do Código Penal Brasileiro, de crime praticado “contra a mulher por razão da condição de sexo feminino”.
Vale ressaltar que tanto criação da Lei Maria da Penha, bem como, a Lei do Feminicídio, é de fundamental importância para que o Poder Público engaja-se na luta pela erradicação da violência e o extermínio de mulheres, criando cada vez mais políticas educacionais e endurecendo ainda mais as penalidades, na tentativa de pôr um fim as agressões e assassinatos dessas mulheres. E que se faça valer a Lei, consolidando os direitos humanos relacionados a dignidade da mulher.
REFERÊNCIA
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Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
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