DARA SOUSA SANTOS[1]
PAULO THIAGO FERNANDES DIAS[2]
(coautores)
RESUMO: Trata-se de artigo científico dedicado ao estudo da relação estreita entre a exploração midiática de fatos penais e a ampliação do Sistema Penal. A metodologia utilizada consiste na abordagem descritiva e exploratória, baseado em pesquisa bibliográfica, para lastrear toda a compreensão sobre o tema. Recorreu-se a referenciais teóricos de cariz sociológico, especialmente no que tange à Criminologia Midiática. Ademais, discute-se a própria relação de consumo estabelecida entre os detentores dos principais veículos de mídia, o crime, enquanto produto, e a população, na condição de consumidora de violência ou de notícia-crime. Observou-se que quanto mais se intensifica uma cobertura midiática sobre determinado caso potencialmente criminoso ou não, representantes dos setores estatais legislativo e judiciário se esforçam para, apressada e punitivamente, responder ao apelo público.
Palavras-chave: Mídia. Populismo Penal Midiático. Controle Criminal. Punitivismo.
ABSTRACT: This is a scientific article dedicated to the study of the close relationship between the media exploitation of criminal facts and the expansion of the penal system. The methodology used consists of a descriptive and exploratory approach, based on bibliographic research, to support all the understanding on the subject. It was resorted to theoretical references of sociological nature, especially with regard to Media Criminology. Moreover, the very relationship of consumption established between the holders of the main media vehicles, crime as a product, and the population, as a consumer of violence or news-crime, is discussed. It was observed that the more media coverage on a potentially criminal or non-criminal case is intensified, the representatives of the state legislative and judiciary sectors strive to quickly and punitively respond to the public appeal.
Keywords: Media. Criminal Populism Media. Criminal Control. Punitivism.
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como objeto o estudo da influência que a cobertura midiática de casos criminais possui com os apelos por mais tipos penais, agravamentos de penas e redução de garantias penais, repercutindo no recrudescimento do punitivismo, uma marca da tradição jurídico-penal brasileira.
Desde os tempos antigos, as sociedades manifestavam considerável interesse pela solução de casos tidos como intoleráveis, com destaque, a depender da quadra histórica e da localidade, para os feitos de natureza penal.
No começo da evolução humana, abordava-se a delinquência de diferentes maneiras. Na civilização romana, foram criadas as penas-espetáculos. Estas vinham com a introdução do indiciado em recintos repletos de animais selvagens ou, ainda, em uma cruel batalha corporal, das quais raríssimos permaneciam vivos. Tais rituais eram contemplados pela população romana (BITENCOURT, 2009).
Com a queda da civilização romana e, por conseguinte, a chegada da Idade Média, o interesse da população pela punição de condenados continuou. Nesse tempo, as punições eram realizadas com fogueiras típicas da inquisição, que aglomerava ao seu redor inúmeros expectadores (BITENCOURT, 2009, p. 30).
Destaca-se que “[...], aquilo que designamos meios de comunicação de massa tem origem no mesmo período histórico em que a prisão se afirmou como instrumento de controle” (GOMES, 2015, p. 9). Refere-se, assim, ao século XV, quando a pena de prisão deixou de ser mera cautela e também Guttenberg elaborou a tecnologia de repetição de textos, permitindo a circulação dos jornais impressos (GOMES, 2015).
O tema a ser apresentado tem como objetivo expor o populismo midiático e o recrudescimento do punitivismo no Brasil, demonstrando a influência causada pela exploração política e comercial do crime nos setores estatais competentes para a produção de atos normativos e para a tomada de decisões judicias. Em suma, esta investigação aborda a interação entre os sistemas punitivo e comunicacional, a fim de verificar a relação intrínseca estabelecida, inclusive historicamente, entre eles.
Significa dizer, estuda-se a comercialização do crime, enquanto produto a ser consumido pela massa e, também, a maneira como a exploração midiática desse produto (delito) gera demandas políticas por mais criminalizações, limitações de direitos e punições. Trata-se de uma relação mercadológica e política, conforme se depreende da pesquisa de Gomes (2015, p. 9):
O crime-notícia e o crime-espetáculo transformaram-se em dentes de uma engrenagem que move o mercado da informação – onde o lucro é a meta – e que reforçam a influência dos mass media sobre as agências de controle penal (criminalização primária e secundária).
O contexto social da maioria dos países evoluiu para uma nova era, conhecida como a da informação, definida como “[...] substituto para o complexo conceito de ‘sociedade pós-industrial’ e como forma de transmitir o conteúdo específico do ‘novo paradigma técnico-econômico’” (WERTHEIN, 2000, p. 71). Assim, a mídia ganha um espaço outrora não vivenciado, atraindo os enfoques de todos os assuntos que ganham repercussão entre os grupos culturais. Informação essa que circula em escala global e quase que simultaneamente, haja vista a cada vez maior utilização, sem filtro, da tecnologia e da internet pelas pessoas.
A princípio, a mídia atuava em questões meramente informativas, abordando os acontecimentos que percorriam no dia-a-dia. A reprodução das notícias percorria a essência midiática, por tantas vezes, em tempo real era impossível acompanhar o que ocorria.
Em contrapartida, a imprensa atua como interventora, muitas vezes manipulando as informações do universo criminal. Assim, o punitivista discurso midiático explora uma necessidade na aplicação de uma rigidez, fazendo importar a ideologia de um sistema penal falho e incapaz de produzir êxito.
Para fins didáticos, esta pesquisa promoverá a distinção que parte da doutrina tece sobre imprensa e mídia, mas utilizará a última como gênero do qual a primeira é espécie. Mídia, portanto, será trabalhada como mass media.
O expressionismo do populismo penal midiático consiste, sobretudo, em provocar uma falsa ideia de imprecisão na aplicação de penas e controle criminal, sendo necessário uma revisão das normas que conduzem a segurança estatal.
2 DA MÍDIA
Existem diversas maneiras de propagar ideias e informações, sejam essas informações boas ou ruins, podendo-se mencionar a internet, o rádio, a televisão, os jornais impressos, os programas de celular, as revistas, entre outros. Esses meios de comunicação influenciam no dia a dia da sociedade, trazendo a compreensão e a construção da realidade, e o fazem através da transmissão de opiniões e acontecimentos.
Sobre o conceito de mídia, de acordo com Almeida (2007, p. 12), pode ser escrita como: “o conjunto das diferentes empresas de comunicação: emissoras de rádio, televisão, portais da internet, cinema, revistas e jornais impressos em seus diferentes ramos, como jornalismo, entretenimento e publicidade”.
O conceito de mídia elaborado pelo citado autor, trata-se certamente dos tipos de comunicação que a sociedade pode usufruir, tendo em vista essas modalidades, destaca-se o entretenimento e a publicidade. Juntamente com a mídia, a imprensa é de grande importância para a sociedade, inclusive no processo democrático, quando parte da divulgação der informações para a população. Acerca deste assunto, corrobora Souza (2010, p. 26):
A invenção dos canais técnicos de difusão e transmissão de mensagens – los-mas-media- origina um novo tipo de instituição social com funções também novas, ou seja, de estruturar e reestruturar por meio de um ritual midiático os aparentes símbolos de comportamento social, mediante uma interação constante com a opinião pública.
Ainda, segundo o Dicionário Júnior da Língua Portuguesa (2005, p. 408), a palavra mídia significa: “1- todo o suporte de informações (rádio, televisão, imprensa, publicação na internet, videograma, satélite de comunicação etc.); 2- Conjunto de meios de comunicação social”.
Conforme Sousa (2004 apud MIRANDA, 2007), as pessoas sempre possuíram a necessidade de procurar formas para comunicar aos seus semelhantes suas descobertas e as histórias que seriam relevantes para seu conhecimento. Sempre havia a necessidade de transmissão de cultura aos seus descendentes.
A escrita terminou influenciando bastante para o desenvolver dessas descobertas, além de desencadear maior transmissão de histórias a todos, que seriam repassadas aos descendentes. Sousa (2004 apud MIRANDA, 2007) afirma que os iniciadores no campo da imprensa foram os gregos, com os Efemérides, e os antigos romanos, com os Actas. O autor enfatiza ainda que a produção de livros, jornais e revistas, transformou a civilização e moldou a esfera pública moderna, modificando a cultura. A Revolução Gloriosa e a Revolução Francesa devem muito à imprensa. A Revolução Industrial utilizou-se bastante desta para a divulgação de produtos e serviços.
No Brasil, o surgimento da imprensa ocorreu com a chegada da corte portuguesa, em setembro de 1808, no Rio de Janeiro, com a abolição da censura Régia. Em São Paulo, 1894, foi fundado o jornal a Tribuna de Santos, que inicialmente circulava duas vezes por semana. Somente em 1896 passou a ser diário, até os dias de hoje. O jornal passou por diversas fases, dentre elas: monarquista, populista, moderna etc. E com o passar do tempo, a imprensa foi se desenvolvendo bastante (SOUSA, 2004 apud MIRANDA, 2007).
Precisamente em alusão à televisão, e à concorrência que essa plataforma trava com outros tipos de mídia para a obtenção do denominado furo jornalístico, Bourdieu (97, p. 38-41) assevera que esse processo concorrencial leva à pressão, que, a sua vez, gera a pressa/urgência na divulgação da notícia, limitando ou impossibilitando a capacidade da audiência de refletir acerca do que vê, lê e ouve. Assim, o público perde a condição de ser pensante e se torna, conforme Bourdieu (1997) uma espécie de fast-thinker.
Nesse contexto trabalhado por Bourdieu (1997), em que a velocidade da notícia compromete a reflexão sobre a informação, no âmbito do noticiário policialesco, verifica-se que o crime-notícia-produto se aproxima de uma espécie de fast-food cultural. Uma tática perfeita para gerar comoção e impacto na sociedade apressada, sem tempo para refletir, porém ávida consumidora de notícia-crime-produto.
Porém, nada se compara com o desenvolvimento da internet. Os jornais tiveram que se adaptar a essa nova realidade e velocidade de informações. Atualmente os jornais continuam anunciando suas matérias normalmente, todavia quase sempre expondo seus conteúdos também na internet (MIRANDA, 2007).
Dessa forma, a internet transformou-se em uma ferramenta de extrema importância para reunir o rádio, televisão e jornal em um só ambiente. Tem-se usado bastante softwares de comunicação, ou seja, aplicativos utilizados para trocas de textos instantaneamente, além de vídeos, áudios, fotos, através de conexão da internet. E o principal meio de acesso a essas informações é através dos celulares. A vista disso, depreende-se que os meios de comunicação têm atuado de forma cada vez mais veloz quanto ao jogo de informações. Um crime cometido em qualquer lugar do país pode ser visto por todos que têm acesso a esses aplicativos, sem comentar que ainda podem ser anunciados em programas de televisão, jornais e rádio.
Além disso, a difusão da notícia é tamanha que, em razão da pressão, pouco tempo sobra para o consumidor da notícia-crime verificar, inclusive, a veracidade da fonte. Ele, o consumidor, precisa expressar, em regra nas redes sociais, a sua repulsa ao que acaba de consumir. Com isso, grupos homogêneos são formados em torno do compartilhamento de determinadas compreensões sobre fatos penais, dos quais pensam conhecer. É a mobilização mediante a superficialidade/instantaneidade/manipulação da notícia-crime-produto (WOJCIECHOWSKI, 2015).
Perceptível fenômeno atual, nos distintos veículos de informação e entretenimento (televisão, periódicos, música, literatura, cinema, teatro, artes plásticas, moda, esporte), na urbe underground e no mundo virtual, a proliferação de imagens do crime e da violência. O nível de exposição e os espaços que se abrem à recepção destas imagens – novos locais de publicação e inúmeras ferramentas de divulgação, sobretudo através do cyber-espaço –, poluem de questão criminal a cultura contemporânea. Outrossim, a velocidade na qual as representações da violência circulam torna a experiência do crime e do desvio alheia a quaisquer barreira espaço-temporais (CARVALHO, 2013, p. 85).
Compreende-se então que a mídia se tornou instrumento indispensável à sociedade, devido às suas inúmeras facetas disponibilizadas a todos. E desde já se prevê que ela é capaz de fazer com que a comunicação atinja um maior número de pessoas. No entanto, quando se relaciona a mídia e o julgamento dos crimes, esse instrumento termina influenciando a sociedade, que vê, através dela, a temática sendo debatida na rede social, nas ruas, terminando por pensar conhecer a verdade dos fatos. Essa sociedade, através da mídia, já condena o réu.
No que diz respeito ao sistema penal, a influência midiática reforça seu caráter repressivo ao replicar o discurso do castigo e da exclusão do inimigo (criminoso), aproveitando-se dos dividendos mercantis que o crime-notícia proporciona. Em termos político-criminais, é quase como transformar os meios de comunicação em um supraparlamento, uma suprapolícia e um suprajuiz (GOMES, 2015, p. 14).
Ademais, consoante informações atribuídas no decorrer do dia, essas informações vêm tornando-se essenciais para a sociedade manter-se informada do que está acontecendo em seu entorno, fazendo com que a mídia seja de grande importância para a convivência brasileira. A mídia e a imprensa basicamente andam juntas, porém, a imprensa está interligada ao fato de ser uma condução no qual se espalham as informações, agindo, em diversas ocasiões, de uma forma a influenciar as decisões da população (SOUZA, 2010, p. 89).
Por outro lado, existem meios de comunicação que são utilizados de forma errada pela mídia: a televisão, internet, entre outras, que acaba prejudicando diretamente certas pessoas, que, por diversas vezes, usam os programas para exibir dramas pessoais da população, ocasionando evidente sensacionalismo.
2.1 A influência da mídia frente à sociedade
Com o decorrer dos anos, a mídia passou por diversos estágios de crescimento, que sempre estiveram diretamente relacionados com o desenvolvimento das economias e sociedades à sua volta. Com isso, os livros, jornais e revistas transformaram a seu modo a civilização, moldaram a esfera pública, e consequentemente modificaram a cultura. Um dos motivos determinantes que contribuíram diretamente nas grandes mudanças políticas e sociais da humanidade foi a da Revolução Francesa, entre outros (MIRANDA, 2007).
A mente humana sempre se relacionou com os nossos comportamentos. Desde os tempos primórdios, várias instituições que detinham o poder utilizaram-se da mídia como alvo de investimento do poder disciplinar, com a finalidade de manipular o homem.
Atualmente, pode-se também perceber esse processo. Ela – a mídia – surge como um fenômeno que invade a todos, de forma dominante, estabelecendo formas e normas sociais, fazendo muitas pessoas enxergarem o mundo por suas lentes. Vem sendo utilizada como instrumento de manipulação a serviço de interesses particulares, reordena ideias, noções, faz brotar novos modos de subjetividade, o que pode ser vantajoso ou não, tanto em aspectos individuais quanto no aspecto social. Ela vem gerando mudanças de atitudes e comportamentos, substituindo valores e verdades, modificando e influenciando contextos sociais (SILVA; SANTOS, 2004).
Os meios de comunicação são armas poderosas verticais e concentradas nas mãos daqueles que controlam o fluxo de informações, “os detentores do saber”. Podem ser reconhecidos também como agentes formadores de opiniões e criadores-reprodutores de culturas, uma vez que interferem, formam e transformam a realidade, bem como os modos de pensar e de agir do homem. A mídia é considerada o Quarto Poder, isto é, o quarto segmento econômico do mundo, sendo a maior fonte de informação e entretenimento que a população possui. Ela é uma espécie de controle social, que valoriza o processo de massificação da sociedade, resultando num contingente de pessoas que caminham sem opinião própria (SILVA; SANTOS, 2004).
2.2 O Poder midiático na esfera do Sistema Penal
O sistema jurídico brasileiro é influenciado constantemente pela imprensa e mídia, sobretudo dentro do sistema de processo penal, no qual muitas vezes surgem informações polêmicas, com opiniões que são transmitidas por todos os meios de comunicação. Contudo, essas opiniões, em diversas ocasiões, acabam por influenciar os julgamentos criminais no Judiciário, sobretudo os feitos de competência do Tribunal do Júri, pois existem um maior empenho da população em matérias quando envolvem esses atos criminosos.
Além disso, por intermédio dessas notas conduzidas pelos meios de comunicação, o desenvolvimento do clamor social e da opinião pública se deparam estreitamente conexos, visto que como acabam por ser divulgados a um mesmo ramo de notícias, criando um acordo único sobre o crime.
Nesse viés, essa interferência midiática dentro do Direito Penal e Processo Penal está cada vez maior, pois os nossos meios de informação utilizam um discurso extremamente punitivista, a qual explora exageradamente um maior rigor penal, isto é, mais repressão, leis penais mais duras, sentenças mais severas e uma execução penal sem benefícios (ALMEIDA; GOMES, 2013).
Um pouco em todos os tempos, mas na atualidade cada vez mais o processo penal interessa à opinião pública. Os jornais ocupam boa parte de suas páginas para a crônica dos delitos e dos processos. Quem as lê, aliás, tem a impressão de que existem mais delitos do que boas ações neste mundo. A eles é que os delitos assemelham-se às papoulas que, quando se tem uma em um campo, todos delas se apercebem; e as boas ações se escondem, como as violetas entre as ervas do prado. Se dos delitos e dos processos penais os jornais se ocupam com tanta assiduidade, é que as pessoas por estes se interessam muito; sobre os processos penais assim ditos célebres a curiosidade do público se projeta avidamente. E é também esta uma forma de diversão: foge-se da própria vida ocupando-se da dos outros; e a ocupação nunca é tão intensa como quando a vida dos outros assume o aspecto de drama. O problema é que assistem ao processo do mesmo modo com que deliciam o espetáculo cinematográfico, que, de resto, simula com muita frequência, assim, o delito com o relativo processo. Assim como a atitude do público voltado aos protagonistas do drama penal é a mesma que tinha, uma vez, a multidão para com os gladiadores que combatiam no circo, e tem ainda, em alguns países do mundo, para com a corrida de touros, o processo penal não é, infelizmente, mais que uma escola de incivilização (CARNELUTTI, 2002, p. 12).
Nesse diapasão, essa maneira utilizada pela grande mídia como uma forma “infalível” de resolver o problema da criminalidade, é repassado diariamente como um retrato de ideia equivocada da proliferação desenfreada da violência dentro do país, pois através dessas divulgações conseguem-se alimentar a sociedade com um sentimento de vingança e pela ideia de que o cárcere e a pena de morte teriam condições de paralisar a conduta criminosa.
Ademais, essas informações repassadas levam a sociedade à acreditar que não há outra maneira de agir em cima do agressor e que somente através de impor um rigor mais punitivo é a solução de resolver-se os problemas de criminalidade. Vende-se a vingança (exclusão) como remédio para o mal causado pelo criminoso.
Outrossim, essa supervalorização do crime o que é característico do chamado Populismo Penal Midiático procura criar ou ampliar por meio de eficientes técnicas de manipulação a sensação de insegurança e o sentimento de medo nas pessoas comuns (MISSI, 2017).
Não obstante, esse processo de midiatização do crime e da violência estimula a prisão não como uma forma de reabilitar, mas sim como meio de vingança perante o delinquente, pois a exploração do produto-crime-notícia procura expressar através do castigo toda a repulsa ocasionada pelo ato praticado.
Dessa maneira, Zaffaroni aponta que:
Los políticos desconcertados Suelen creer que con concesiones a la criminología mediática contienen su embate y cuando se percatan de que eso no lo detiene sino que lo potencia, aumenta su desconcierto. Ignoran que la criminología mediática no tiene límites, va en un crescendo infinito y acaba recla- mando lo inadmisible: pena de muerte, expulsión de todos los inmigrantes, demolición de los barrios precarios, desplazamientos de población, castración de los violadores, legalización de la tortura, re- ducción de la obra pública a la construcción de cárceles, supresión de todas las garantías penales y procesales, destitución de los jueces, etcétera (2011, p. 403).
Constrói-se, por conseguinte, uma realidade paralela à qual é dado maior ênfase ao delito praticado, isto é, à expansão do poder punitivo junto ao apoio popular objetivando propagar a construção de mais presídios, aumentar o contingente policial, mais poder a polícia, mais vigilância de toda a população, mais controle, dentre outros fatores.
3 POPULISMO PENAL E PUNITIVISMO
Conforme já exposto, o populismo penal é um discurso e, ao mesmo tempo, uma prática punitiva, método, procedimento ou um movimento de política criminal paralelo com características próprias (FERRAJOLI, 2012, p. 57).
Da sua parte, Zaffaroni considera que o termo popularismo é o mais adequado, haja vista que se está diante de uma versão atualizada, remodelada do autoritarismo fundante dos sistemas de justiça da América Latina:
Acho que o novo ‘popularismo penal’ (não é ‘populismo’, que é outra coisa, especialmente na América Latina) é uma demagogia que explora o sentimento de vingança das pessoas, mas, politicamente falando, é uma nova forma do autoritarismo. A violência aumenta porque aumentou a miséria. Os anos 1990 foram os anos do festival do mercado: os pobres ficaram mais pobres e alguns ricos, nem todos, mais ricos. Os mesmos autores dessa política de polarização da sociedade são os que hoje pedem mais repressão sobre os setores vulneráveis da população. Querem mais mortos e, entre infratores e policiais, mais ‘guerra’. No final, eles são invulneráveis a essa violência. A ‘guerra’ que pedem é a ‘guerra’ entre pobres. Na medida em que os pobres se matem entre si, não terão condições de tomar consciência da sua circunstância social e, menos ainda, política. O perigo para os reacionários não é a morte nas favelas, nem a morte dos favelados, nem a morte dos policiais, mas o risco de os pobres se juntarem e tomarem consciência da armadilha penal. Essa política dos chamados comunicadores sociais e políticos sem programas, que só querem mais poder policial, no fundo é a neutralização da incorporação das maiorias à democracia. É manter um mundo não civilizado marginalizado do mundo civilizado. O mundo da favela e o mundo da Barra! Na medida em que os da favela se matam (aí estão incluídos os policiais), a Barra não tem perigo de invasão, só algum criminoso isolado, mas nada de reclamação política, nada da consciência dos excluídos, nada que possa pôr em perigo as estruturas de classe, que se tornam estruturas de casta na medida em que a sociedade impede a mobilidade vertical, máxima aspiração dos ‘popularistas penais’” (2007, p. 131).
Infelizmente, na atualidade o Direito Penal vem sendo tratado e visto pela população como um diploma emergencial, isto é, como uma válvula de escape do governo para tudo aquilo que não conseguem resolver com as políticas públicas.
Essas plataformas políticas e eleitoreiras forjadas ao fogo de leis penais abusivas e bizarras, usam-se de um país assolado progressivamente pela criminalidade para lançar “soluções” que visem resolver os fatos geradores sociais. No entanto, ao promoverem discursos, com temas como, por exemplo, maioridade penal, corrupção, pedofilia, entre outros, o pensamento que quer incutir-se na mente da sociedade é que a única fórmula para se combater o crescente índice de criminalidade é através de leis penais mais rígidas.
Nesse contexto, essa ilusão equivocada sobre o direito penal implantada na mente da sociedade é de inteira responsabilidade do Poder Legislativo deste país, que diga-se de passagem tem feito um uso miserável dessa respeitável ciência do direito. Ademais, essa invocação do direito penal deve ser feita consoante prescrição de um remédio no intuito de combater uma determinada doença, ou seja, o uso descontrolado e indiscriminado além de não resolver o problema, traz sérias consequências a doença.
Nesta linha de pensamento, assim explicou o professor Greco, ao afirmar que “existe um sentimento natural do homem, ao nosso sentir plenamente egotista, preconceituoso e vingativo, de somente invocar o direito penal máximo ou direito penal do inimigo para o outro, nunca para si.”
No final dos anos de 1970, políticos, jornalistas e acadêmicos norte-americanos, irresponsavelmente criaram o movimento pela lei e pela ordem, a qual espalhou-se como uma praga pela Europa e Américas (BEST, 2001).
Desde então, anualmente políticos do mundo inteiro dirigiam aos Estados Unidos para conhecer tal roteiro. Aprendem inicialmente, que os cidadãos já não interessam mais pela política, justamente pelo fato desta haver se tornado irrelevante e não conseguir resolver os problemas destes, e que levantar a bandeira a fim de tratar o crime com mais dureza é a excelente saída para os políticos conseguirem popularidade.
Essa retórica e ordem, inclui algumas estratégias, quais sejam: desmoralizar o sistema criminal, qualificando-o como fraco e lerdo, e, inclusive, retirar do mesmo a possibilidade de opinar sobre as estratégias de prevenção e combate ao crime. Além disso, essa ideia de aparecer junto às vítimas e estimular as reações de revanche e vingança, bem como dividir a população entre os cidadãos de bem e os crápulas fazem parte de todo o processo de recrudescimento do roteiro proposto.
O estabelecimento do populismo penal no Brasil, e suas principais medidas em direção a uma política de lei e ordem (populismo penal, portanto), são frutos do período de democratização, após a Constituição de 1988 (GAZOTO, 2010).
O populismo penal é uma realidade no Brasil, mesmo com características próprias, no entanto com funcionamento a qual difere em relação à Europa Ocidental e os Estados Unidos, originários de tal movimento. Assim, essa interferência no funcionamento das instituições democráticas e nos direitos civis e políticos dos brasileiros refletem uma resistências para efetivação do populismo penal existem, mas enfraquecidas pela aliança entre políticos, mídia e vítimas.
Nesse contexto, desde a promulgação da Constituição de 1988 permite-se afirmar que a democracia brasileira talvez enfrente sua pior crise, devido ao estado de incerteza e insegurança causado pelo atual cenário político, econômico e social.
Com estatísticas criminais cada vez mais assustadoras, os discursos de ódio e os clamores punitivistas vêm ganhando força e conquistando audiência e adeptos, os quais disseminam opiniões prontas e infensas a qualquer reflexão crítica. Mais. Essa comentada compulsão social por mais tipos penais e mais punições repercute na atuação dos setores políticos da República, reféns que são da opinião pública (ou publicada?):
Los políticos atemorizados u oportunistas que se suman o someten a la criminología mediática aprueban esas leyes disparatadas y afirman que de ese modo envían mensajes a la sociedad, confundiendo la ley penal con internet. Por supuesto que estas leyes no tienen ninguna incidencia sobre la frecuencia criminal en la sociedad, aunque conforme a su identificación mágica de la imagen con el objeto, la criminología mediática considera que aumenta la seguridad (ZAFFARONI, 2011, p. 380).
Os clamores sociais são norteados para o agigantamento do Sistema Penal e para a criminalização de atos que o Direito Penal não deveria abarcar, conforme explica Dantas (2017, p. 12):
“[...] tal como a hombridade de um indivíduo, como exemplo, requerer que seja elaborada uma lei a fim de assegurar que concursos de beleza sejam realizados de forma proba e tenham como resultado apenas por mérito das pessoas candidatas ao título”.
Nessa esteira, à medida que o Direito Penal avança fica explícito que leis penais mais severas não são capazes de solucionar o problema da crescente criminalidade, contudo, a ideia de abarcar todos os menores problemas que foi dada ao Direito penal é falsa, tornando-a inútil.
Nesses termos, para todo ato considerado novo cria-se uma nova lei, vemos assim os então chamados “crimes plásticos”, como por exemplo os tipificados nos artigos 154-A e 266, 298, parágrafo único (falsificação de cartão), incluídos pela lei nº 12.737/2012, que foi elaborada em decorrência de atos cometidos contra a atriz Carolina Dieckmann, no ano de 2012.
Torna-se óbvio a intenção educacional do Direito Penal no Estado brasileiro. Algumas tipificações e agravamento de penas são decorrentes da falta de educação social, que caso houvesse, sequer existiria a necessidade de tipificação da conduta (DANTAS, 2017, p. 13).
Desse modo, a função do Direito Penal não é educar, no entanto é esta a postura que se vê dentro do Ordenamento Jurídico Pátrio. Caminhando na contramão do lecionado por Beccaria (2013, p. 87/89), pois vem-se aumentando os tipos penais no Brasil e agravando as penas, e a sociedade perdendo educação de valores e instrutiva, uma vez que as penalidades estão servindo apenas como medida de controle social.
Assim, em todos os aspectos, quanto mais educada for a sociedade, e maior intimidade e cooperação existir entre seus membros, faz-se necessária uma menor atuação do Direito Penal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando o que foi estudado, pode-se perceber que o poder da mídia no desenvolvimento da opinião pública pode, por diversas ocasiões, influenciar os julgamentos criminais, pois se gera maior empenho da população em matérias quando envolve atos criminosos, e por meio disso, essas notas são conduzidas pelos meios de comunicação. O desenvolvimento do clamor social e da opinião pública se mostra estreitamente conexo, visto que como acabam por ser divulgados a um mesmo ramo de notícias, criam um acordo único sobre o crime.
Apesar disso, se for realizado de maneira irresponsável e parcial, pode acabar elaborando um julgamento de valor comum sobre os suspeitos e das circunstâncias, que têm sua dignidade arrasada, assim como a vida de seus familiares e sua vida privada divulgadas. Há ainda o agravante de que com o processo por agilidade na transmissão de informações, diversas vezes, não tem tempo apto para uma melhor investigação sobre essas veracidades.
A mídia capta um fortíssimo poder de persuasão e de desenvolvimento de opinião pública, pois, tais direitos como a honra, a intimidade, a imagem do indivíduo e, sobretudo, seu presumido estado de inocência, o qual é assegurado até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória, é desamparando por uma verdadeira condenação prematura do indivíduo, desobedecendo as normas processuais e expondo-o a circunstância vexatória e humilhante sem que sequer consiga se defender.
Por outro lado, a desestruturação do Estado, a falta de educação ética e moral da população e a modernidade, segundo a qual afasta o convívio das pessoas, inexistindo intimidade e ciência sobre o próximo, faz parecer que o direito penal tem vivido um recrudescimento o qual vai de encontro a qualquer processo de redemocratização.
Nesse cenário, é preciso uma mudança da mentalidade punitiva, o reconhecimento da falência do modelo desse encarceramento em massa, visando a compreensão que uma justiça meramente retributiva ignora as desigualdades presentes nessa sociedade herdeira do escravismo e não trará qualquer benefício para a população.
REFERÊNCIAS
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[1] Bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão, IESMA/UNISULMA. Imperatriz/MA, telefone: (99) 99176-1918, e-mail: [email protected]
[2] Advogado. Doutorando em Direito Público pela UNISINOS. Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela UGF. Bacharel em Direito pela UFPA. Professor universitário no IESMA/UNISULMA e UNICEUMA. Imperatriz/MA, telefone: (99) 99122-3751, e-mail: [email protected]
Servidor Público Estadual. Bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão, IESMA/UNISULMA. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Centro Universitário UNIAMÉRICA. Imperatriz/M
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, KHAYAM RAMALHO DA SILVA. Populismo penal midiático e sua forma vingativa de punir: o Pro-cesso Penal do espetáculo e a exploração comercial do crime Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jul 2020, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54847/populismo-penal-miditico-e-sua-forma-vingativa-de-punir-o-pro-cesso-penal-do-espetculo-e-a-explorao-comercial-do-crime. Acesso em: 23 dez 2024.
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