RESUMO: O cerne do presente estudo consiste na análise processual da atuação da Fazenda Pública, a qual vem ganhando cada vez mais importância no cenário jurídico brasileiro. Assim, este artigo tem como escopo a abordagem das diversas formas de participação processual da Fazenda Pública, analisando suas nuances e seus procedimentos. Para tanto, foi realizada pesquisa doutrinária, tomando como base os autores Leonardo Carneiro da Cunha, José dos Santos Carvalho Filho e Teori Albino Zavascki (in memoriam), bem como a legislação pertinente. Procurou-se, portanto, apresentar as prerrogativas atribuídas à Fazenda Pública sob o enfoque da nova sistemática estabelecida pelo Código de Processo Civil de 2015. Nesse sentido, verificou-se as diversas maneiras do Poder Público tutelar o interesse público disponível, garantindo, com isso, que as questões relativas ao erário sejam devidamente protegidas.
PALAVRAS-CHAVE: FAZENDA PÚBLICA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DISPOSIÇÕES LEGAIS. PRERROGATIVAS FAZENDÁRIAS. FORMAS DE ATUAÇÃO.
ABSTRACT: The core of the present study is the procedural analysis of the performance of the Public Treasury, which is becoming increasingly important in the Brazilian legal scenario. Thus, this article aims to address the various forms of procedural participation of the Public Treasury, analyzing their nuances and procedures. To this end, a doctrinal research was carried out, based on the authors Leonardo Carneiro da Cunha, Jose dos Santos Carvalho Filho and Teori Albino Zavascki (in memoriam), as well as the relevant legislation and case law. Therefore, we tried to present the prerogatives attributed to the Public Treasury under the focus of the new system established by the Civil Procedure Code of 2015. In this sense, it was verified the various ways of the Public Power to protect the available public interest, thus ensuring , that matters relating to the treasury are properly protected.
KEYWORDS: PUBLIC ADVOCACY. CIVIL PROCEDURAL LAW. LEGAL PROVISIONS. PUBLIC ADVOCACY PRERROGATIVES. FORMS OF ACTION.
Sumário: 1. Introdução – 2. Cenário processual e regime jurídico; 3. Conceituação de Fazenda Pública; 4. Atuação em juízo: prerrogativas do Poder Público; 5. Conclusão; 6. Referências
1 INTRODUÇÃO
O trabalho em questão embasa-se, num primeiro momento, nas prerrogativas e nas formas de atuação da Fazenda Pública quando em juízo; num segundo momento, faz-se um cotejo analítico com os preceitos constantes do Código de Processo Civil de 2015, a fim de que se verifique, com maior aprofundamento, as implicações práticas afetas à Fazenda Pública.
Anteriormente, ainda sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, constatou-se a necessidade de alguns institutos sofrerem alteração, haja vista a crescente ocorrência de situações peculiares. Tendo em vista, então, que o novo Código de Processo Civil, Lei n. 13.105/15, estipulou como principais objetivos a eficiência e a celeridade na prestação jurisdicional, tem-se que se tencionou reduzir burocracias que ensejavam uma morosidade no trâmite processual e, com isso, reduzia o alcance da efetividade da justiça na sociedade.
Entendimentos a favor das prerrogativas estabelecidas à Fazenda Pública são comumente defendidos, sendo que eventual posição privilegiada da Fazenda Pública em juízo é tida por essencial para muitos autores, tais como Leonardo José da Cunha, ao asseverar que:
Para que a Fazenda Pública possa, contudo, atuar da melhor e mais ampla maneira possível, é preciso que se lhe confiram condições necessárias e suficientes a tanto. Dentre as condições oferecidas, avultam as prerrogativas processuais, identificadas, por alguns, como privilégios. Não se trata, a bem da verdade, de privilégios. Estes - os privilégios - consistem em vantagens sem fundamento, criando-se uma discriminação, com situações de desvantagens. As "vantagens" processuais conferidas à Fazenda Pública revestem-se com o matiz de prerrogativas, eis que contêm fundamento razoável, atendendo, efetivamente, ao princípio da igualdade, no sentido aristotélico de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual. (CUNHA, 2006, p. 73)
Considerando as relevantes mudanças trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, é de se ressaltar aquelas atinentes à Fazenda Pública, merecendo, pois, devido detalhamento. Sabe-se, mister consignar, que os litígios nos quais o Poder Público encontra-se presente movimentam grande parte da máquina judiciária.
Outrossim, é de conhecimento a existência das diversas prerrogativas processuais que concedem tratamento diferenciado à Fazenda Pública, quando em juízo, tais como: alterações consideráveis no tocante aos prazos processuais, reexame necessário (remessa necessária), despesas, honorários, custas, intervenção anômala, pedido de suspensão de segurança, cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública etc.
O estudo em questão, então, propõe-se a analisar em que medida as referidas mudanças impactarão na atuação da Fazenda Pública, buscando compreender algumas de suas prerrogativas e em quais procedimentos tais se fazem presentes. Consigne-se, aliás, os pensamentos de processualistas civis acerca da matéria, os quais foram utilizados no presente desenvolvimento textual.
2.CENÁRIO PROCESSUAL E REGIME JURÍDICO
Nas palavras de Grinover “o Estado, portanto, regula as relações intersubjetivas entre as pessoas, atuando através da legislação e da jurisdição”. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2014, p. 37-57). A atuação da Fazenda Pública vem gerando estudos capazes de, ao mesmo tempo em que há um aprofundamento teórico, objetiva desburocratizar a relação processual. Com efeito, vê-se que há a necessidade do Estado de resolver questões levadas a seu conhecimento, utilizando, para tanto, o processo, o qual é desencadeado mediante um procedimento. Em outras palavras, o processo é instrumento do direito material, de maneira que as regras e os princípios processuais não podem ser utilizados para modificar os resultados.
Nesse sentido, para uma melhor atuação do Poder Público, algumas prerrogativas lhe são atribuídas, com o fito de resguardar o interesse público numa relação processual. Há o que a doutrina pátria denomina de regime jurídico-administrativo, o qual é fundado em dois princípios, quais sejam, supremacia do interesse público sobre o privado e indisponibilidade do interesse público pela Administração.
Na tentativa de explanar as características de aludido regime, administrativistas e processualistas civis foram, ao longo do tempo, estabelecendo institutos capazes de melhor justificar a existência de tal regime. Desse modo, ressalte-se a posição de Di Pietro, na qual a autora certifica que o regime diferenciado compõe-se de privilégios e de restrições, os quais:
Ao mesmo tempo em que as prerrogativas colocam a Administração em posição de supremacia perante o particular, sempre com o objetivo de atingir o benefício da coletividade, as restrições a que está sujeita limitam a sua atividade a determinados fins e princípios que, se não observados, implicam desvio de poder e consequente nulidade dos atos da Administração. (DI PIETRO 2014, p. 61).
Tem-se que indisponibilidade do interesse público decorre daquilo que a doutrina e jurisprudência consideram como princípio constitucional republicano. Nesse sentido, caso os bens públicos sejam de toda a sociedade, não cabe ao agente público desfazer-se deles imotivadamente, semelhantemente como se estivesse procedendo com um bem particular.
Há conceitos, atividades e bens públicos que, por serem necessário à atuação estatal, devem ser considerados inalienável e insuscetível de renúncia. Inexiste, pois, disponibilidade no que atine ao núcleo fundamental de serviços, funções e bens genuinamente públicos.
Ressalte-se, entretanto, que há atividades e bens que, considerando sua imensurável importância, não podem ser alienados, mesmo que haja algum tipo contrapartida. Cite-se, a título exemplificativo, a renúncia à atividade legiferante ou a titularidade do poder de polícia.
3.CONCEITUAÇÃO DE FAZENDA PÚBLICA
Em juízo, tem-se que a representação estatal goza de prerrogativas processuais que objetivam proteger o erário, ou seja, patrimônio público propriamente dito, tais como prazos processuais diferenciados, intimação pessoal, remessa necessária, disposição específica sobre a forma de cumprimento da sentença desfavorável à Fazenda Pública.
Essas prerrogativas conferidas ao Estado, por vezes, foram objeto de crítica por parte de doutrinadores e estudiosos do direito, haja vista que as prerrogativas foram consideradas responsáveis pela morosidade do processual. Há, portanto, uma tendência de crítica e resistência desses mecanismos. A ideia é de que essas prerrogativas estão se tornando anacrônicas, porquanto a Fazenda Pública atualmente goza de adequados quadros incumbidos de sua defesa processual, sendo que esse regime de prerrogativas processuais surge, por vezes, como um voto de desconfiança do Poder Público em seus próprios agentes. Tal ideia, no entanto, foi rechaçada e, atualmente, é minoritária a corrente que assim pensa.
Tem-se que se denomina “Fazenda Pública a presença de pessoa jurídica de direito público interno em juízo, independente de a demanda versar sobre matéria financeira ou fiscal” (CUNHA, 2011, p. 15). Há, portanto, a presença do direito público, o qual implica a reconhecer um interesse público que permeia as mais diversas relações processuais.
Ademais, para Carvalho Filho, “o interesse público, portanto, deve coincidir com a busca do bem comum. Não implica na simples soma de interesses individuais, mas na concretização do interesse coletivo” (CARVALHO FILHO, 2010, p.73). Entretanto, é de se salientar que a indisponibilidade do interesse público não implica que o Poder Público não possa ou não deva, em determinadas ocasiões, submeter-se às pretensões de outrem ou até mesmo ficar inerte face a pretensões específicas.
4.A ATUAÇÃO EM JUÍZO: PRERROGATIVAS DO PODER PÚBLICO
Os mecanismos de atuação no processo são também previstos em prol da Fazenda Pública, haja vista que as chamadas prerrogativas são somente processualmente estabelecidas levando-se em consideração eventuais dificuldades que poderiam obstaculizar o adequado exercício da defesa. Trata-se, em verdade, das regras destinadas a impedir que a simples omissão na prática de atos processuais, pelo representante da Fazenda em Juízo, venha a acarretar ao ente público consequências negativas que poderiam conduzir à sua derrota no processo.
Citando algumas prerrogativas, as quais já eram existentes no antigo e estão no Código de Processo Civil de 2015, verificam-se o duplo grau de jurisdição, presente no artigo 475, inciso I e II do Código de Processo Civil de 1973 e no artigo 496, inciso I e II do novo Código de Processo Civil; a possibilidade de ter o prazo estendido para recorrer e para contestar, no artigo 188 do Código de Processo Civil de 1973 e artigo 183 do novo Código; a isenção do pagamento de custas, estipulada no artigo 4º da lei 9289/96, entre outras.
Diante disso, vê-se que a remessa obrigatória, também conhecida como reexame necessário (ou, para alguns, dupla grau de jurisdição obrigatório), prevista no artigo 475, inciso I e II, do Código de Processo Civil de 1973 e artigo 496, inciso I e II, do Código de Processo Civil de 2015, compreende a necessidade de haver uma revisão, por um Tribunal, de uma sentença proferida pelo juiz de primeiro grau, para que traga legitimidade para iniciar a execução do que foi decidido.
A reanálise ocorre independentemente de uma das partes interpor recurso. O instituto ora analisado é “também conhecido como duplo grau de jurisdição obrigatório ou remessa ex officio - é um instituto típico e exclusivo do regime jurídico de direito processual público. Sua aplicação atualmente está relacionada diretamente à participação do ente público na demanda” (BARROS, 2011, p. 117). Depreende-se, portanto, que os autos subirão ao Tribunal conforme forem verificadas as condições estabelecidas na competente legislação, o que faz por obstar o trânsito em julgado do feito. É de se concluir, portanto, que “igualmente, não há que se falar em trânsito em julgado, e, assim que verificada a falta equivocada do duplo grau de jurisdição, os autos devem ser remetidos de ofício ao Tribunal” (MARINONI; MITIDIERO, 2011, p. 452). A legislação assim dispõe:
Artigo 475: Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública.” (CPC/73)
“Artigo 496: Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal. (CPC/15)
Seguindo na análise das prerrogativas legais, verifica-se a existência da dilatação de prazos. Os prazos processuais diferenciados encontram guarida no art. 183 do novo diploma legal, havendo a ressalva, no parágrafo segundo do artigo mencionado de que será inaplicável o prazo dobrado quando houve um prazo legalmente estabelecido de forma expressa:
Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.
§ 1º A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.
§ 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público.
O legislador estabeleceu, conforme se vê no excerto da legislação, a diferenciação de prazo – em dobro – para as manifestações da Fazenda Pública. Anteriormente, o Código de 1973 estabelecia prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer. A razão de ser dessa diferenciação encontra guarida no interesse público, expondo SILVA que:
Não se pode olvidar, nesse diapasão, que a boa defesa da Administração privilegia o interesse público. Esclareça-se, uma resposta judicial digna em patrocínio judicial da Administração afora sua grande importância na proteção ao erário, o que é do interesse geral, apresenta relevância basilar para que a Administração, quando equivocada, possa voltar aos trilhos da juridicidade. (SILVA, 2012, p. 808)
Demais disso, é sabido que a Fazenda Pública encontra-se presente em boa parte das relações processuais em curso, seja como autora ou ré. Nesse contexto, a dilação de prazos caracteriza-se como condição imprescindível à igualdade material no processo, haja vista que as procuradorias jurídicas acompanham grande número de demandas judiciais – e, também, extrajudiciais.
A dilação de prazo justifica-se, outrossim, pela complexidade de demandas que envolvem a Fazenda Pública, as quais necessitam de prazo considerável para estudo e análise. Registre-se, na oportunidade, que a redução de prazo para contestar, passando de quádruplo para em dobro, implicará na gestão administrativa, da qual se aguardará o devido atendimento aos pleitos de informações oriundos das procuradorias jurídicas, mormente frente à nova disposição de prazo. Frise-se que o prazo em dobro é a regra, não sendo aplicável quando a lei dispuser outro prazo para a Fazenda Pública.
Reforçando a ideia de necessidade de prazo diferenciado, oportuno consignar o ensinamento de Marco Aurélio Ventura Peixoto:
A Fazenda Pública não reúne, para sua defesa em juízo, as mesmas condições que tem um particular na tutela de seus interesses, já que mantém uma burocracia inerente à sua atividade, como dificuldade em ter acesso aos fatos, elementos e dados da causa. (PEIXEITO, 2012, p. 49)
No que tange à forma de cumprimento da sentença desfavorável à Fazenda Pública, o CPC/15 reserva o Capítulo V para dispor sobre o tema. A execução de título judicial na qual a Fazenda figure como devedora passa a ser tratada como mais uma fase do processo, isto é, fase de cumprimento, sendo desnecessária uma nova ação com vistas à execução.
Tem-se que no regime processual civil anterior, a Fazenda Pública era citada para a oposição de embargos. Atualmente, deverá ser requerido pelo credor o cumprimento de sentença com a intimação da devedora para apresentar a sua impugnação. O tema em questão encontra-se disciplinado no artigo 534 do novo CPC. Tal dispositivo processual deve ser interpretado em consonância com as regras especiais conferidas à Fazenda Pública, pois esta ocupa posição diferenciada das demais pessoas físicas e jurídicas de direito privado.
A Fazenda Pública, portanto, é dotada de algumas prerrogativas que lhe conferem um tratamento diverso daquele que é dado aos particulares. Tendo em vista que a Fazenda Pública atua no processo em virtude da existência do interesse público, é o mencionado interesse público que justifica a atuação processual mais otimizada e ampla, evitando condenações que gerem prejuízos ao erário.
É nesse sentido que são concedidas prerrogativas processuais à Fazenda Pública para que o erário seja preservado. Frise-se que tais prerrogativas da Fazenda Pública, de igual modo, possuem fundamento no princípio da Igualdade, insculpido no art. 5º, caput, da Constituição Federal.
O já mencionado artigo 534 do Código de Processo Civil de 2015 versa sobre o instituto voltado para o reconhecimento da exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda. Desse modo, não é mais necessária a propositura de um processo autônomo para executar o que é devido, devendo ser efetuado em fase de cumprimento. Assim sendo, observa-se que o pagamento de quantia certa deverá ser precedido de documentação arrolada no art. 534:
Art. 534. No cumprimento de sentença que impuser à Fazenda Pública o dever de pagar quantia certa, o exequente apresentará demonstrativo discriminado e atualizado do crédito contendo:
I - o nome completo e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do exequente;
II - o índice de correção monetária adotado;
III - os juros aplicados e as respectivas taxas;
IV - o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados;
V - a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso;
VI - a especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados.
§ 1º Havendo pluralidade de exequentes, cada um deverá apresentar o seu próprio demonstrativo, aplicando-se à hipótese, se for o caso, o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 113.
§ 2º A multa prevista no § 1º do art. 523 não se aplica à Fazenda Pública.
Note-se, ademais, que ao exequente (credor) caberá o ônus de detalhar o crédito; em se tratando de mais de um credor, o valor deverá ser individualizado. Tais disposições ensejam num adequado direcionamento do patrimônio público com vistas ao pagamento da condenação judicial, além de se possibilitar um exercício da ampla defesa por parte da Administração Pública.
Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, o processo de execução continuou existindo, todavia, aplicando-se somente nos casos que versarem sobre título executivo extrajudicial. Destarte, quando o título de crédito é proveniente de meio judicial, a modalidade cabível para buscar a satisfação do direito é pelo cumprimento de sentença. Após o trânsito em julgado da sentença, o devedor deverá pagar a importância líquida determinada dentro de quinze dias. Caso não seja dessa forma cumprido, ou tenha sido depositado valor insuficiente, proceder-se-á à execução, com a aplicação de multa correspondente a 10%, exposta no artigo 523, §1º, do aludido Código. Saliente-se que o executado terá o prazo de quinze dias para oferecer impugnação sobre o valor, caso não ocorra o pagamento voluntário.
Abordando a temática relacionada ao processo, são precisas as palavras do saudoso Ministro Teori Zavasck no sentido de que:
A função de todo o processo é a de dar a quem tem direito tudo aquilo e exatamente aquilo a que tem direito. No que se refere especificamente ao processo de execução, que se origina invariavelmente em razão da existência de um estado de fato contrário ao direito, sua finalidade é a de modificar esse estado de fato, reconduzindo-o ao estado de direito e, desse modo, satisfazer o credor. Este, por sua vez, tem interesse em que a satisfação se dê em menor tempo possível e por modo que assemelhe a execução forçada ao cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor. (ZAVASCKI, 2004, pg. 91 e 92).
Entrementes, tratando-se de arguição, por parte do Poder Público, de inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação, de modo a impugnar a execução, reza o § 5º que:
§ 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.
Nessa hipótese, a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo implicará em vício capaz de afastar o cumprimento da sentença que neles se fundamentou. O código dispõe que se a decisão do Supremo Tribunal Federal houver sido proferida após o trânsito em julgado da sentença que originou a execução, caberá ação rescisória (§ 8º do art. 535). Referido dispositivo guarda consonância com a doutrina constitucionalista brasileira e resguarda o interesse coletivo – representado pela Fazenda Pública.
Com relação os honorários advocatícios, o CPC/2015 trouxe foi inovador ao dispor no art. 85, § 3º regra específica e objetiva, tanto em decisões contrárias ou favoráveis ao Poder Público, readequando os critérios referentes aos honorários de maneira a reajustar e contemplar de maneira justa a remuneração dos advogados, com a previsão de percentuais mínimos e máximos de acordo com o valor envolvido em cada causa, o que trouxe a necessária racionalidade ao sistema, mormente com a possibilidade de majoração dos honorários em casos de recursos manejados pelas partes.
O art. 85, §3º, do CPC aduz inovação que muitos operadores do Direito, sobretudo os advogados, lutavam para conseguir, qual seja, o estabelecimento de honorários de sucumbência contra a Fazenda Pública, que, apesar de ser legal, muitos juízes não concediam, ou os fixavam em valores irrisórios.
Todavia, sob a égide do Código Processual Civil de 2015, não há mais a possibilidade de se decretar, como honorários advocatícios, valor menor que 10% quando compreender até 20 salários mínimos o valor da causa. Ocorre que, face ao constante do artigo 85, §3º, do Código de 2015, deve-se respeitar a porcentagem predisposta correlacionada com o valor da causa, havendo a apreciação equitativa do juiz somente nas ações de quantia inestimável.
Os critérios adotados pelo CPC/2015 poderão configurar em um importante filtro para garantir a efetiva promoção dos direitos dos jurisdicionados nas demandas judiciais em que forem vencedores. Trata-se, portanto, de uma análise econômica do direito que a Fazenda Pública deverá realizar para verificar se, em processos em que há o reconhecimento do mérito favorável à parte contra qual litiga, seria viável economicamente a interposição de recurso quando flagrante a possibilidade de insucesso, isto é, deve-se analisar o impacto financeiro no orçamento público que a adoção de medidas judiciais procrastinatórias eventualmente poderiam ter e se realmente é recomendável protelar a satisfação do direito já conquistado pelo jurisdicionado.
5 CONCLUSÃO
A nova sistemática processual apresentada pela Lei nº 13.105, de 16.03.2015, acarretará mudanças para as partes no processo, sobretudo para a Fazenda Pública. Note-se que o espírito da citada legislação é de concretizar a efetividade processual, estabelecendo-se modificação das prerrogativas conferidas ao Poder Público.
As prerrogativas não foram extintas, mas readequadas à realidade processual. Conclui-se, portanto, que o resultado desse novo paradigma será, em regra, uma vantagem para o erário e, por conseguinte, para toda a sociedade.
A pesquisa motivadora do presente trabalho resulta em uma conclusão na qual é possível inferir que houve um favorecimento razoável e justificável à Fazenda Pública em sua atuação em juízo, além, também, de notar que a jurisprudência contribui mais para o trâmite processual em que a Fazenda Pública é parte do que a legislação propriamente dita, algo que o vigente CPC almeja corrigir.
A título exemplificativo, o atual Código de Processo Civil modificou veementemente o procedimento adotado pelo CPC/73 no que concernia o processo de execução contra a Fazenda Pública, conforme a dicção de seu art. 730. Não há mais, dessarte, a necessidade de ser instaurado um processo autônomo de execução, com a citação da Fazenda Pública para a oposição de embargos, mas será requerido pelo credor o cumprimento de sentença, com a intimação da devedora para apresentar a sua impugnação. É ônus do exequente a apresentação do crédito discriminado, havendo necessidade do trânsito em julgado para a expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor, conforme o disposto no art. 100 da Constituição Federal.
Haja vista que o Poder Público em juízo representa a própria sociedade, defendendo não só um interesse particular, mas o interesse patrimonial compreendido no seio social, percebe-se a sua relevância na esfera jurídica. Assim, merece ser contestado o fato de as reformas ocorridas nos institutos mencionados configuram o necessário para efetivar a celeridade processual ou se se utilizaram das prerrogativas como forma de justificar a demora na prestação jurisdicional.
As prerrogativas concedidas à Fazenda Pública, entretanto, são a própria aplicação do princípio da igualdade, porquanto os institutos são imprescindíveis à garantia da igualdade entre o particular e o Poder Público, vez que a relevância prática discutida no bojo de uma demanda judicial envolve o interesse patrimonial da sociedade como um todo.
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Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Pós-graduado em Direito Processual Civil e em Direito Administrativo. Servidor público do Tribunal de Justiça do DF - TJDFT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENDES, DANIEL DE MORAIS. A atuação da fazenda pública e a implicação de suas prerrogativas na sistemática processual civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jul 2020, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54849/a-atuao-da-fazenda-pblica-e-a-implicao-de-suas-prerrogativas-na-sistemtica-processual-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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