A importância de perceber processos destrutivos que põem em xeque a ordem social – qualquer ordem social representativa – quando se criam derivações, difíceis de identificar prontamente, do conceito de legitimação.
1. O que a Filosofia nos ajuda a entender
Em 1982, um jovem paulista terminava seu trabalho de mestrado em Filosofia, sob a orientação de Bento Prado Júnior, respeitado professor que lecionou no Brasil e na França, deixando uma extensa obra iniciada com estudos sobre a subjetividade, com base no pensamento de Henry Bergson, expandida para temas do existencialismo de Sartre, psicanálise, violência e uma ambiciosa análise do pensamento completo de Rousseau.
O jovem mestre Nelson Brissac Peixoto publicou então sua tese, que veio a ser tornar um dos textos mais originais do estudo da Filosofia em nosso país, sob o título sugestivo de “A Sedução da Barbárie”.
Seu livro enfoca o período da chamada República de Weimar, na Alemanha, que se estendeu desde o fim da I Guerra Mundial até a ascensão do nazismo em 1933.
Todos os movimentos que marcaram o modernismo, de modo disperso e até radicalmente conflitante, como o futurismo, o dadaísmo e o surrealismo repercutiram intensamente na Alemanha, que só então experimentava a vida social sob um regime republicano.
A par dos movimentos referidos, pontuaram também outros, surgidos lá mesmo, entre os germânicos, dos escombros da I Guerra, centrados na Escola de Arte Bauhaus, no Instituto para Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt (mais conhecido como “Escola de Frankfurt”) e no expressionismo.
Embora se possa dizer hoje que lhe falte rigor, essa virtude que os acadêmicos franceses tanto dizem amar, mas nem sempre praticam (como mostram as análises assistemáticas de Michel Foucault e de todos os pós-modernistas), o livro de Nelson Brissac Peixoto parece que resulta de uma aceitação desse risco.
Aquela que o grande historiador Peter Gay veio a chamar de “A Cultura de Weimar” (em outro livro precioso, com esse título) era sobremodo instável, pois explorava limites.
O cinema expressionista, a literatura de Thomas Mann e de seu irmão Heinrich Mann, assim como a música de Gustav Mahler que ainda repercutia, mostravam que se vivia então no solo germânico uma grande experiência de despedida do mundo clássico das escolas literárias, filosóficas e musicais, e que a “Belle Époque”, o simbolismo, o parnasianismo, tão marcadamente sentidos e expressados na França e na Áustria, jamais seriam revividos ali.
Como mostrava a pintura modernista, sobretudo a de Pablo Picasso, assim como a nova música erudita que era experimentada, parecia que a obra de arte não se concluía inteiramente, apenas terminava no ponto em que o artista escolhia, mas tanto poderia ter terminado antes ou depois.
Um documentário de Henri-George Clouzot, “O Mistério de Picasso”, revela isso. O pintor reiniciava e fazia interferências em suas telas, encobrindo e remontando as imagens anteriores.
Assim, não é de estranhar que “A Sedução da Barbárie” deixe transparecer exatamente essa atração, que só pode ser explicada como um efeito difuso, de ir em direção ao desconhecido, pois não há um só fato determinante ou desencadeador da iniciativa em participar.
O mergulho nas transformações, tanto no sentido de entendê-las como no de vivê-las, criou uma vis attractiva que prezava pouco os riscos, em favor da intensidade do momento transformador, que – no entanto – poderia ser destrutivo, como acabou acontecendo.
Talvez por isso, o jovem autor Nelson Brissac Peixoto tenha se fixado mais em examinar a participação (e as metamorfoses) do húngaro György Lukács e dos filósofos alemães Walter Benjamin, integrante e inspirador da “Escola de Frankfurt”, e Ernst Bloch, pois todos eles produziram um pensamento filosófico marcado por uma abordagem original da realidade, através do reconhecimento de uma situação mutante e que não estava direcionada exatamente para nenhum fim, pelo menos que estivesse contido dentro dos parâmetros do racionalismo positivista.
A Revolução Russa seguia seu caminho no sentido do centralismo, que afinal se consolidou com Stalin exatamente naqueles anos, e a tentativa revolucionária alemã de 1923, visando a repetir a experiência soviética, fracassou.
Na verdade, a Alemanha viveu uma situação revolucionária que alguns autores descrevem como sendo uma continuidade, entre 1918, quando houve a deposição do kaiser e a instalação da república, e 1923.
O mundo montado para a cena política era, porém, apenas o palco em que podia ser encenada a peça “Mefisto”, de Klaus Mann (filho de Thomas Mann), ou ser projetado o filme “Anjo Azul”, baseado na obra de Heinrich Mann, “Professor Unrat”, que lançou Marlene Dietrich ao estrelato (como a mulher fatal que seduz o velho professor obsedado pelo comando do desejo) há exatos noventa anos atrás, em abril de 1930.
Desse modo, como em êxtase diante dos dramas abissais vividos nos tempos da República de Weimar, o filósofo (tanto quanto o artista) desempenhava na verdade o papel de flâneur, o observador que passeava reconhecendo a cidade e os seus movimentos, sua apreensão e seu pânico, a sua percepção premonitória e a sua brutalidade, de sorte que ninguém sabia de qualquer caminho que pudesse ‘dar certo’, mas a ação em busca de algum (de qualquer um) se sobrepunha à espera.
Afinal, depois de encerrado violentamente o fascinante período de experimentação da República de Weimar, Gyorgy Lucáks redirecionou sua obra, alinhando-se ao stalinismo ortodoxo e renegando seu mais difundido livro, “História e Consciência de Classe”, como idealista.
Walter Benjamin deixou um grande acervo de ensaios e análises culturais, cuja riqueza impressiona até hoje, tanto quanto a permanência de seu estilo, ainda cativante.
Ele foi o primeiro tradutor para o alemão de “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust, e - tanto quanto esse autor icônico -, era profundamente conhecedor do período da ‘Belle Époque”.
Também examinou com originalidade a estética do barroco, apontando-a como sendo a percepção de um momento de impasse que se seguiu ao término do Renascimento, quando foi constatada finalmente a ruptura com a ordem medieval sem que tivesse sido estabelecida outra.
Até hoje a herança de Benjamin tem interpretações disputadas, ora com valorização dos estudos estéticos, ora com melhor acolhida para os ensaios políticos e sociais.
Em “A Mente Imprudente”, o professor e articulista americano liberal Mark Lilla reserva um capítulo para Walter Benjamin. Ali compara sua produção ensaística com a correspondência que manteve por toda vida com o teólogo judeu Gershom Scholem, para concluir que Benjamin também incorreu na “síndrome de Siracusa”, ou seja, como Platão, viveu a experiência decepcionante de imiscuir-se na prática política, sem conhecê-la e pretendendo nela decalcar os seus conceitos teóricos.
Afinal Benjamin teve a marca da melancolia, que sempre carregou, como traço marcante de sua morte: tentando escapar da invasão nazista da França, onde estava exilado, encontrou a fronteira com a Espanha fechada.
Suicidou-se com uma dose excessiva de morfina no quarto de uma hospedaria.
No dia seguinte, a fronteira para Portbou, Catalunha, foi aberta, e é lá que se encontra seu túmulo, ponto obrigatório de visita dos passantes.
Contudo, na vida e na morte de Benjamin há muitas inspirações... e muitas fontes.
A partir de 2001, novos estudos foram feitos e passou a ser sustentado o assassinato dele, a mando da polícia de Stalin, a partir da reavaliação do laudo de necropsia, que apontou uma hemorragia cerebral como causa da morte e a ausência de substâncias químicas no sangue.
Além disso, o filósofo portava os manuscritos de um livro novo que escrevia desde a celebração do Pacto Molotov-Ribbentrop (entre a Rússia de Stalin e a Alemanha de Hitler), que o decepcionara definitivamente, e eles desapareceram. (Fonte: Folha de S. Paulo, 4 de julho de 2001, artigo de Sérgio Dávila, “Morte de Benjamin tem nova teoria”).
De fato, desde a Guerra Civil Espanhola, como relatado com minúcias por George Orwell, entre outros, a NKVD (antecessora da KGB) vinha matando sumariamente os adversários do stalinismo, tanto que pouco depois, em 1940, eliminou Leon Trotski. O ex-coronel da KGB Vladimir Putin teve, portanto, uma boa escola para matar todos os seus adversários políticos, o que continua impunemente a fazer.
Já Ernst Bloch teve uma longa vida de professor. Depois da II Guerra localizou-se na Alemanha Oriental e lá era festejado como ilustre teórico marxista. Entretanto, quando Nikita Khrushchov mandou erguer o muro de Berlim, passou para o lado ocidental e permaneceu até sua morte trabalhando nos temas da utopia e da esperança, que unificou, entendendo que não se trata nem de um lugar, nem de uma conquista, mas de um processo.
Não renegou sua obra desde os tempos de Weimar, mas - como bom scholar -, redirecionou-a para seus novos alunos, que já eram bem outros, embora não o admirassem menos que os primeiros.
Por fim, o jovem Nelson Brissac Peixoto tornou-se professor, ainda exerce essa profissão, mas não se pode dizer que prossiga no estudo da Filosofia.
Seus interesses são variados, vão da organização das cidades até a arquitetura, do cinema à curadoria cultural. Aproximou-se do Instituto Moreira Salles e chegou a fazer o roteiro cinematográfico para um documentário sobre o modo de vida americano.
Embora seu texto de mestrado fosse promissor, nenhum outro apareceu, de modo que a singularidade daquele trabalho ficou ainda mais marcada.
Hoje ainda o livro produz um paraefeito: mostra como os pensadores atuais pensam mal, enganam, são superficiais e não têm coragem para perceber e analisar os resultados dramáticos de uma ruptura de padrões civilizatórios que está na iminência de ser vivida de novo.
2. A crise dos sistemas mostra um mundo em que a superestrutura política, jurídica e institucional tem que lidar com uma inédita ausência de respostas
Onde está a pertinência de tudo isso com os dias correntes?
Está em que a pandemia que ora grassa reapresenta hoje a “sedução da barbárie”.
Os governos são questionados pelo que fazem e pelo que deixam de fazer. Seus intérpretes e dirigentes maiores têm comportamentos erráticos. Nos Estados democráticos se veem tantos erros como nos autoritários; há igualmente tantas incertezas e incógnitas quanto ao que virá na pós-pandemia.
Com o confinamento, não existe mais o aprendizado do flâneur. Toda e qualquer observação decorre da comunicação eletrônica, com seu mar de erros, impropérios, raivas incontidas e narrativas intermináveis de versões estapafúrdias.
A certeza maior vem daqueles que não querem mudar.
A burocracia sonha com a volta ao seu status de nobreza, embora sem título, mas com ‘garantias’ e renda assegurada.
Os novos constitucionalistas se amparam no desejo de retorno do império da lei, isto é, da lei confusa, da segunda mais extensa Constituição do mundo que vigora no Brasil (só é menor do que a da Índia, porque lá vigoram regras relativas às regiões e etnias junto com as outras, de vigência nacional), que já conta agora com mais de cem emendas em apenas trinta anos.
As pessoas ligadas a negócios querem que a globalização agora dê certo, embora não atinem no porquê ela deu errado, inclusive no que respeita à disseminação quase instantânea da pandemia galopante que assedia o mundo todo.
A nova peste colocou em xeque o sistema representativo, as repúblicas, a filosofia, a informação, os médicos de TV, os cientistas que se contradizem mais do que os teólogos de Bizâncio e – quem diria? – os videntes, que desta vez não previram nada.
O sonho de Weimar se renovou e agora se esgota.
Slavoj Zizek, o filósofo esloveno que colhe adjetivos como “brilhante” e qualificativos como “grande vigarista internacional”, expõe sua catarse na quarentena ao seu modo apoplético, no último livro “Pandemia”, entendendo que a fragilidade do Ocidente e do capitalismo os obriga a converterem-se a uma terapia comunista para sobreviver e salvar sua economia.
Por terapia comunista o esloveno suado que, segundo um cronista que o entrevistou para a revista Piauí, tem a aparência de um grande urso cinza, entende que seja uma prática keynesiana mais intensiva, para os que não estão prevenidos e irão se assustar com a designação por ele dada, como aconteceu com o ignorante chanceler brasileiro.
O respeitado Giorgio Agamben, que até há pouco tempo anunciava uma teoria da desconstituição, agora elevou a uma potência etérea seu principal tema sobre o estado de exceção, a ponto de negar a existência da pandemia e denunciar as medidas governamentais como conspiração para violar as garantias legais.
Isto que ele é um dos principais filósofos italianos atuais, autor de uma vasta obra, conferencista e ex-aluno de Heidegger.
Já o fabricante de best sellers Yuval Harari usa de seu método difuso-confuso-profuso para obter um enfoque filosófico-arqueológico-místico e para pregar temas de auto-ajuda, tais como o desejo de que a humanidade se reencontre numa grande harmonia e solidariedade, e para que a globalização acidentada que vimos tendo desde o início deste Século repouse na confiança mútua e na grande comunhão da idiotia, no que é seguido de perto pelo filósofo suíço Alain de Botton, que passou a pregar métodos para suportar a pandemia, um tipo de reinvenção da terapia cognitivo-comportamental dentro do pensamento filosófico.
Nenhum deles nos socorre da barbárie que se avizinha.
Todos mostram a sua grande arma da ilusão quando as pessoas são seduzidas por simplificações, retornos quiméricos ou com a possibilidade de se porem a salvo de um mal que está em toda parte.
O risco dessa sedução é o de encontrar uma fronteira fechada e então o que vai acontecer na verdade ninguém sabe.
De qualquer forma o que acontecer ou não será contado de diversas maneiras.
A incredulidade será sempre sugerida, mas é exatamente isso que permitirá – e já está permitindo – a vitória dos credos.
Na verdade, a pandemia desmontou os alicerces que tínhamos por estáveis da civilização ocidental.
Esses sustentáculos não estavam no capitalismo, como apressadamente seus críticos possam concluir. Toda a história do capitalismo ocorreu dentro do processo civilizatório ocidental como, antes dele, também aconteceu com o feudalismo e o mercantilismo, por exemplo, e com a produção das duas revoluções industriais e a revolução da informática.
Não é a economia interna de um sistema econômico que sai abalada, como pareceu ao escalofobético Slavoj Zizek, mas todo o processo histórico de pensar e produzir sistemas.
Como se vê, a característica principal do fenômeno que está sendo vivido consiste na ausência de respostas. Não se trata de uma oposição entre teorias políticas e jurídicas sobre a estruturação do mundo, nem entre ideologias conflitantes e, menos ainda, da busca de meios alternativos para organizar a vida social.
Nenhum reordenamento pode ser concebido no momento. Nenhum New Deal parece possível, nenhum Plano Marshall ou mesmo as práticas da economia de Keynes em larga escala parecem oferecer alternativas políticas.
Reestruturar a representação política também tem sua inspiração quimérica, uma vez que o mundo todo, com sua diversidade de situações, está submetido aos circuitos de relacionamento que anularam a força de propagação de um regime como alternativa a outro.
Por fim, as tentativas de regulação jurídica de situações individuais e de grupos resulta sempre em medidas coercitivas, pois parece que só elas estariam adequadas a vencer um inimigo mal identificado, de origem obscura, que foge a um controle eficaz e completo, proporcionando um atendimento médico que é mais de suporte do que de cura.
3. Quando o ‘retorno à normalidade’, a ‘retomada’, ou o ‘reingresso na globalização’ terão de disputar sua presença no futuro com a perda de continuidade com um passado recente, pois ‘as coisas não voltarão a ser como eram antes’
Não seremos mais os mesmos, já sabemos.
Não retornaremos ao mesmo lugar, pois o tempo já passou, mudando radicalmente a percepção de mundo nestes meses de 2020, de modo que aquilo que entendíamos como ‘mesmo lugar’ é apenas um lugar no passado.
Mas não sabemos o que o desafio diário feito por novos déspotas, incompetentes novos ou novíssimos hagiógrafos nos trará.
Muitos dos que apontam caminhos hoje não se inibirão de indicar outros amanhã.
Seus estranhos caminhos andam sempre em torvelinho.
Há em tudo isso uma profunda desorganização que atrai o registro remoto do que foram as invasões bárbaras.
O cineasta canadense Denys Arcand deu esse nome de “Invasões Bárbaras” ao segundo filme de sua trilogia, iniciada com “O Declínio do Império Americano”. Neste último, que se tornou surpreendentemente atual, ele trabalhou a tese do desencontro das teorias acadêmicas explicativas do mundo com o espírito hedonista que se havia apropriado do modo de vida americano.
Já nas “Invasões Bárbaras” ele trata do imaginário que cerca a dissolução das relações internas, estabelecidas na vida social, de modo que nada mais funciona e o ser humano só tem o escape de voltar a ser contemplativo.
A chave para entendimento da sedução da barbárie, entretanto, talvez esteja em outro lugar e possa ser assim formulada:
Quando as pessoas perdem a identificação, no que foram e na projeção do que virá, as referências tornam-se tortuosas e fugidias e novos referenciais não são estabelecidos, porque eles vêm vestidos com a capa da brutalidade, da ignorância, das palavras de ordem e da improvisação, pois era isto que existia nos primórdios que pensávamos ter superado.
Surge, então, a hora e a vez do homem medíocre.
E quem ele é?
É todo aquele que, quando se defronta com uma pessoa superior, inquestionavelmente excepcional, acha-se um igual; quando encontra outra pessoa simples, semelhantes a ele, com os receios e incertezas próprios da nossa condição, considera-se um superior.
Este é o ser humano que quer nos arrastar para seu mundo arcaico e deformado, onde os traços da sofisticação e da sensibilidade são defeitos, e as “virtudes” bárbaras são saudadas mais uma vez.
Tal é o homem que volta a ter voz, e uma voz muito potente, que deixa em segundo plano o conhecimento científico arduamente disputado palmo a palmo por gerações anteriores, pois – antes que o conhecimento mesmo – o que declina é a crença de que a ciência possa alcançá-lo e difundi-lo.
Também há dispersão e desmentidos entre os cientistas, e isso não ocorre somente – como seria próprio para quem faz investigações prospectivas - nas suas áreas de estudo.
Pessoas que adquirem conhecimento científico também querem ser celebridades.
Astrônomos querem se aprofundar no misticismo. Neurocientistas opinam sobre futebol. Racismo é um assunto que assoma em ondas e cada vez é mais maltratado, pelos que têm outra área de interesse principal, e são apenas visitantes desse tema, quando ele ganha destaque. Médicos incursionam sobre o sistema legal.
Noam Chomsky é um pesquisador americano que trabalhou com teorias sobre as vinculações matemáticas da estrutura linguística, mas quem sabe disso?
Desde pelo menos a época da Guerra do Vietnam ele só aborda, com uma desenvoltura que está marcada pela intencionalidade (e, portanto, tem muito pouco do critério científico) os assuntos políticos e filosóficos os mais variados, perfazendo um caminho que o tornou uma personalidade internacional que está marcada pelas incompreensões de seu próprio país.
Este é só um exemplo, não maior do que inúmeros outros.
A estranheza é um sentimento que tomou o lugar da identificação, de modo que a primeira somente declina e a segunda só pode assomar em relação a coletivos provisórios, que são os movimentos.
As palavras de ordem que os guiam ganham proporções que outrora tiveram as revelações de profetas – a favor de mulheres assediadas, ou contra a discriminação racial, ou pelo direito de minorias (que se multiplicam em novas minorias incertas), ou contra algum produto, consumo ou prática que a humanidade explora por muitos séculos e, finalmente, por dietas, ginásticas, meditações, partos, ocultismos ou crenças esotéricas e de autoajudas tão variados quantos são os salvadores.
Como as tradicionais instituições que responderiam melhor pela conservação das estruturas sociais de referência – religiões, regras morais incorporadas por gerações, costumes padronizados, escola, partidos políticos tradicionais com base ideológica, universidades, o Direito e o Judiciário – enfrentariam a dissolução, quando esta decorre de forças sociais dispersivas, que só se coordenam através de movimentos?
Terá chegado a hora de “formação” do “homem sem qualidades”, como ele foi descrito pelo escritor austríaco Robert Musil desde “O Jovem Törless”? Ou de “O Conformista”, do italiano Alberto Moravia, levado ao cinema por Bernardo Bertolucci? Eles já estarão sendo arregimentados pelos movimentos que supostamente os emancipam?
Só saberemos depois que a pandemia de Covid-19 afrouxar o torniquete com que comprimiu a civilização, a qual se reerguerá em novas bases, para ter continuidade, para seguir novos rumos ou ainda para sofrer ajustes traumáticos de acordo com as forças que emergem segundo seus novos núcleos difusores na China, Rússia, Irã e Turquia.
Até lá, todas as crenças estabelecidas estão em jogo e saber quais delas ainda vingarão é uma aposta, enquanto a barbárie de novo assombra o Ocidente.
E por que o Ocidente?
Porque é nele que se produzem as mais radicais mudanças, onde há liberdade para a dispersão, onde “o que é sólido desmancha no ar” e onde os ventos sopram em todas as direções, esperando que descubramos - por nossa exclusiva conta e risco - qual delas é a melhor.
Desembargador aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, com estágio na Escola Nacional da Magistratura da França, Seção Internacional, em Paris, e autor dos livros "A Justiça Agoniza" e "A Resistência da Verdade Jurídica".
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CABEDA, Luiz Fernando. “A Sedução da Barbárie” em um país que verga sob a pandemia e a crise institucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jul 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54878/a-seduo-da-barbrie-em-um-pas-que-verga-sob-a-pandemia-e-a-crise-institucional. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
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Por: Marcos Antonio Duarte Silva
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Por: LETICIA REGINA ANÉZIO
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