RUBENS ALVES DA SILVA
(orientador)
RESUMO: Haja vista as mais diversas interpretações possíveis da Constituição Federal de 1988 que em seu artigo 205 diz que a educação é dever do Estado e dos pais, acabou por comparar a metodologia do Homeschooling, educação domiciliar, como algo proibido, ilegal, interferindo, portanto no direito dos pais de decidirem qual a melhor forma de ensinar seus filhos, interpretação essa que persiste no tempo sem acompanhar no mesmo ritmo a evolução educacional do mundo, haja vista tal evolução, foi possível questionar, quais os fatores envolvidos na interferência do estado no direito de escolha dos pais na forma de educar seus filhos, com base na Constituição Federal de 88? E se existe real conflito entre o Homeschooling e a Constituição Federal de 1988 os Projetos de Lei a respeito do tema são ilegais? Ou os pontos de conflito podem ser resolvidos de alguma forma pelos Projetos de Lei existentes? Desde a Constituição Federal de 1934 é firmada a obrigatoriedade escolar, que envolve, a um só tempo, a obrigação de o Estado oferecer escolas e a obrigação de os pais enviarem seus filhos às mesmas, mesmo com as modificações das Constituições estas obrigações persistem e é com base na proteção dada pela Constituição presente que devemos analisar os conflitos entre a norma vigente e a nova metodologia educacional proposta pelo Homeschooling.
Palavras-chave: Homeschooling. Educação. Domiciliar. (Devem constar do texto do resumo)
Introdução
O homeschooling está ganhando adeptos no Brasil, porém ainda é uma novidade tanto para grande parte da população quanto para os legisladores.
Os adeptos do homeschooling alegam que há lacunas na legislação brasileira, o que pode possibilitar a defesa dessa modalidade de educação, envoltos esse nos direitos fundamentais no bojo do art. 5° da Constituição Federal de 1988, além do mais, criticam o sistema de ensino por sua homogeneidade, argumentam que há defasagens estruturais no modelo de ensino público brasileiro, declaram questões de violência, de drogas e de bullying em sala de aula, além dos argumentos de foro religioso e moral.
No entanto, outro aspecto do tema também se apresenta apoiado em outro artigo da Constituição Federal de 1988, o artigo 205 que diz: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”.
Na tentativa de pacificar a discussão sobre o assunto, o Brasil tem vários projetos de lei voltados para o tema disponíveis para aprovação, como por exemplo, a PL3179/2012, PL 3261/2015 e a PL 490 de 2017.
Embora o visível interesse em apaziguar conflitos referentes ao tema ainda não foi possível chegar a uma conclusão não conflitante com os direitos e obrigações protegidos pela Constituição Federal de 1988 que referem-se ao tema, gerando a necessidade de novos estudos e debates sobre o mesmo.
HOMESCHOOLING E CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A temática do Homeschooling como alvo de debate no Brasil vem ganhando espaço, inclusive no âmbito jurídico; onde de um lado estão os pais ou responsáveis lutando pelo direito individual de escolher o que julgam ser a melhor forma de educar seus filhos e do outro lado a Constituição Federal do Brasil de 1988, que no seu o artigo 205 que diz: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”.
O Homeschooling surgiu nos Estados Unidos nos anos 70 baseado num movimento de reforma da educação, a ideia inicial era transformar as escolas em locais em espações de aprendizagens lúdicos, variados e cheios de estímulos, onde as crianças de desenvolvem-se de acordo com sua curiosidade e experiências vivenciadas porém ainda no final da mesma década a ideia inicial sofreu bruscas modificações, passando a defender a proposta da prática de educação domiciliar (homescholling), onde as crianças ficariam distanciadas dos problemas e vícios presentes nas instituições escolares. (ANED, 2017).
No Brasil a ideia do Homeschooling começou a surgir somente nos anos 90 ganhando visibilidade com o Projeto de Lei (PL) n⁰ 4657/94, do Deputado Federal João Teixeira, tal PL visava regulamentar a Educação domiciliar para os alunos do ensino fundamental, porém o projeto foi rejeitado. Somente nos anos de 2002 2008, 2012 e 2015 e no ano de 2009 através de uma Proposta de Emenda a Constituição (PEC), voltou-se a tratar do assunto, porém sem sucesso enquanto uns foram rejeitados outros foram retirados de pauta; exceto a PL 31799/12 do Deputado Lincoln Portela que ainda está em tramitação. (ANED, 2017).
No ano de 2010 um grupo de pais/responsáveis insatisfeitos com a educação que seus filhos estavam recebendo nas salas de aula e baseando – se na premissa de que o Brasil não possuía nenhuma lei que proibia a prática do Homeschooling criaram a Associação Nacional de Educação Domiciliar – ANED, tendo como base o princípio da legalidade: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. (ANED, 2017).
Quando falamos de medidas infraconstitucionais que tratam da temática da educação domiciliar no Brasil, devemos considerar principalmente o Projeto de Lei n⁰ 31799/12 do Deputado Lincoln Portela, que trás como raciocínio principal a alteração do artigo 23 da Lei n⁰ 9.394 de 1996, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que diz: “A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o processo de aprendizagem assim o recomendar.” A proposta pede que seja acrescido ao referido artigo a possibilidade de escolha dos pais pela educação domiciliar de alunos do 1⁰ ao 9⁰ ano.
Os apoiadores desse projeto alegam que há uma interpretação equivocada do artigo 205 da Constituição Federal de 1988, pois o artigo diz: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família (...)”, ou seja, a família estaria protegida para escolher a forma de educar seus filhos que achar mais adequada e sem a imposição da matricula regular em instituição especifica de ensino.
Ainda segundo o PL n⁰ 3179/12, os alunos de ensino domiciliar estariam sujeitos a avaliações periódicas de aprendizagem, nos mesmos termos de diretrizes gerais estabelecidas pela União e das respectivas legislações locais sobre o referido tema.
Porém no ano de 2018 o Projeto de Lei n⁰ 3179/12 sofreu forte impacto negativo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou ilegal a prática de educação domiciliar no Brasil, mas a decisão baseou –se em grande maioria por afirmar não haver no Brasil uma legislação que regule a prática do Homeschooling no Brasil e não por ir de forma totalmente contrária a Constituição Federal de 1988 deixando uma margem de esperança aos seus adeptos.
Segundo posicionamento do Ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, que votou contrário a proposta do Homeschooling: “o pensamento constitucional é republicano e coletivo, e as crianças devem ouvir opiniões diferentes e isso estaria garantido na lei atual.”
Quanto ao ponto de vista legal, a obrigatoriedade da matrícula em escolas, delibera questionamentos sobre as possíveis lacunas na legislação que abririam espaço para o homeschooling.
Os apoiadores dessa proposta educacional assim como os críticos baseiam-se na Constituição federal de 1988. Para defender, entre outros artigos, o 229 da Constituição Federal de 1988, onde expressa: “Os pais tem o dever de assistir, criar e educar os filhos menores...” , bem como nos artigos 205 e 206 também da Constituição não possuem imposição de matricula em escola, garantindo portanto o direito de escolher livre e prioritariamente, o tipo de educação que desejar para seus filhos, isso sem desobedecer a Carta Magna que rege o país. (BARBOSA, 2013).
Da análise minuciosa dos textos legais, verifica-se que tanto os argumentos favoráveis quanto os contrários ao homeschooling baseiam-se não somente em artigos da Constituição Federal de 1988, mas também nos princípios constitucionais, criando assim uma colisão entre tais, cabendo ao Judiciário a decisão sobre tais questão, fator esse que não tem sido diferente com o passar dos anos, já que em todos os casos, o mesmo tem decidido contra a modalidade de ensino, sobre a justificativa em sua maioria, de que a prática é contrária ao que se insere a Constituição Federal de 1988, assim como é contrária aos objetivos estabelecidos para a educação em um estad democrático de direito. (BARBOSA, 2013).
As objeções mais recorrentes no debate entre o Homeschooling e as normas expressas na Constituição Federal do Brasil de 1988 centram-se entre outras coisas no papel da escola no que tange a socialização e a formação para a cidadania; entretanto é possível reconhecer que tanto as experiências internacionais e nacionais, ainda que incipientes, a revelaram a necessidade de revisão de tais pressupostos, dirimindo o “mito” da falta de socialização e formação para a cidadania nas experiências do ensino em casa. (BARBOSA, 2013).
Levando em consideração todos os questionamentos supracitados neste texto não estarem esgotados e demonstrarem necessidade de estudos e debates ainda mais aprofundados sobre o homeschooling e a possibilidade de normatização sem que o mesmo vá a desencontro com as normas estipuladas pela Constituição Federal de 1988 acabam incorrendo em outras relevantes questões relacionadas às fronteiras do direito à educação, bem como a privatização da educação. Estas decorrem sobretudo de dois aspectos: diante da escolha que os pais fazem ao transferir a educação de seus filhos da escola para o âmbito privado familiar. (ADRIÃO, 2015).
A Constituição Federal de 1988 converte a educação em direito subjetivo, o que é fundamental para compreendermos como se deve configurar a relação entre indivíduo e Estado, em relação a prestação educacional. De modo que, a reflexão sobre o direito educacional não passa simplesmente pela descrição da legislação de ensino, mas em perceber como são interpretadas e cumpridas as determinações constitucionais (VIEIRA, 2001).
Quando analisamos o artigo 6⁰ da Constituição, observamos que a educação é definida como direito social e não direito individual, pois o texto diz: “São direitos sociais a educação, (...), na forma desta Constituição”. Isso significa que a obrigação pelo desenvolvimento pleno do indivíduo é da sociedade e exige um posicionamento diferente do Estado.
Carlos Roberto Jamil Cury (2002) diz que o regime jurídico da educação brasileira não obriga que a educação seja feita em instituições escolares. Ele argumenta em relação a esse ponto da seguinte maneira:
A legislação brasileira, ao tornar o ensino fundamental obrigatório para todos, jamais determinou que, forçosamente, ela se desse em instituições escolares. Se a instituição escolar é obrigatória, a escola não o é. Veja-se o caso do artigo 24, II, c, das atuais diretrizes e bases da educação nacional, Lei 9.394/96, que inclui como uma das regras comuns da educação básica a possibilidade de inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino, independentemente, de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato (p. 571).
A Constituição de 1988 trata do direito fundamental à educação no Capítulo III, Seção I, do Título VIII (Da ordem social), e a ele dedica 10 artigos, dos quais permita-se transcrever os seguintes:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
(...)
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III – “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino (...)”.
“Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria;
(...)
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ “3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola”.
Pela simples leitura dos artigos acima, conclui-se, portanto, que o Estado brasileiro se obrigou a garantir a prestação do ensino fundamental a todos os seus cidadãos, independentemente da idade e sob responsabilidade da autoridade competente. Tal dever também é confiado à família, que, por esse motivo, está sujeita à fiscalização do Estado para que seja assegurada a frequência à escola. (NETTO, 2005).
Não imagino a utilização do termo conclusão ao fechar a linha de pensamentos no presente trabalho, aja vista o enorme leque de colocações divergentes e mesmo assim coerentes que se dividem no conflito entre a Constituição Federal de 1988 e o homeschooling, necessitando de aprofundamentos de pesquisas e analises sobre o referido tema, mas conclui-se, no entanto que permanece no Brasil a posição soberana da Carta Magna vigente.
REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE EDUCAÇAO DOMICILIAR – ANED; disponível em: www.aned.org.br. Visitado em: 22/05/2019 às 15h30.
ADRIÃO, T.M.F. Dimensões da privatização da educação básica no Brasil a partir de 1990: Um diálogo com a produção acadêmica. Tese (Livre-docência). Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015.
BARBOSA, L. M. R. Ensino em casa ou na escola? Respostas do Poder Judiciário brasileiro. Cadernos Cenpec, V. 3, n. 1, P. 1 – 12, set 2013.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.
BEUREN, Ilse Maria; RAUPP, Fabiano Maury. Metodologia da pesquisa aplicável às ciências sociais. In: BEUREN, Ilse Maria (org). Como elaborar trabalhos monográficos em contabilidade: Teoria e Prática. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 200.
CURY, C.R.J. Educação escolar e educação no lar: espaços de uma polêmica. Educação e Sociedade. Campinas, v. 27, n. 96, p. 667-688, out. 2006.
Internet 1: www2.camaraleg.br – artigo de 20/09/2018 – consulta em: 22/05/2019 às 16h01.
MOTTA – ROTH, Désirée; HENDGES, Graciela H. Produção textual na universidade. São Paulo, 2010.
NETTO, Domingos Francielli. Aspectos Constitucionais e infraconstitucionais do ensino fundamental em casa pela família. 2102/2005. Disponível em: http// bdjur.stj.go.br
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 23. Ed. São Paulo: Cortez, 2007. P. 122 – 123.
VIEIRA, A.O.P. “Escola? Não, obrigado”: Um retrato da homeschooling no Brasil. Monografia (Graduação). Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, 2012.
Bacharelando em direito pelo CEULM/ULBRA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, FRANCISCO HELDER DE LIMA. Homeschooling e Constituição Federal de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jul 2020, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54885/homeschooling-e-constituio-federal-de-1988. Acesso em: 23 dez 2024.
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