Resumo: a história da humanidade observou diferentes processos educativos até que, na contemporaneidade, o direito à educação pudesse se afirmar como um direito fundamental social. A educação já sofreu influência da filosofia, já observou modelos militarizados e até mesmo encontrou na fé religiosa a sua razão de ser. Hoje, é possível afirmar que a educação tem um caráter emancipatório, formando o cidadão para o mercado de trabalho e para o exercício crítico de seus direitos e deveres. Para tal, a Didática, como ciência, foi desenvolvida com finalidade de efetividade do ensino-aprendizagem. E as novas metodologias ativas são a concretização dessa didática para a efetividade.
Palavras-chave: história da educação; didática; direito educacional; metodologias ativas.
Keywords: the history of humanity has observed diferent educational processes until the right to education could be considered a social right. Education has been influenced by philosophy, it has observed militarized models and has encountered in religious faith its fundamentals. Today, it may be asserted that education has an emancipatory meaning, preparing the citizen to job market and to critical practice of rights and responsabilities. For that, Didactics, as a science, has been developped with the objective of learning effectiveness. And the new active methodologies are the real achievement of such effectiveness.
Keywords: history of education; didactics; right to education; active methodologies.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA ANTIGA: A PAIDEIA E A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA. 3. A EDUCAÇÃO NA ERA MEDIEVAL: A PATRÍSTICA E A ESCOLÁSTICA. 4. A EDUCAÇÃO NO RENASCIMENTO: O HUMANISMO, A REFORMA E O PROJETO DE CATEQUESE DOS PADRES JESÚITAS NO BRASIL. 5. A EDUCAÇÃO NO ILUMINISMO: AS NOVAS PEDAGOGIAS DE PESTALOZZI, HERBART E FRÖBEL E OS EXEMPLOS EDUCACIONAIS DO REINO DE PORTUGAL E DO BRASIL NOS SÉCULOS XVIII E XIX. 6. A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DA PRIMEIRA REPÚBLICA À DITADURA MILITAR NO BRASIL: POSITIVISMO, ESCOLANOVISMO E MOBRAL. 7. TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS CONTEMPORÂNEAS: METODOLOGIAS ATIVAS E DIDÁTICA PARA A EFETIVIDADE EDUCACIONAL. 8. CONCLUSÃO. 9. REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo geral fazer um apanhado de todos os períodos considerados na linha da História, de modo a relacioná-los com a educação e a formação dos sujeitos e sociedades. Foram considerados os fatores reais de poder que influenciaram ou transformaram o Brasil e o mundo em termos educativos, tomando por base diálogos interétnicos ou mesmo comparações intertemporais que demonstraram influências recíprocas da educação entre povos diversos ou influências da educação em diferentes tempos. Com isso, chegou-se a uma análise do direito educacional propriamente dito.
Assim, se hoje se observam as novas técnicas de ensino-aprendizagem, pergunta-se: como foi possível fazer a concepção dessas técnicas? Por que pensar numa didática para a efetividade do ensino-aprendizagem? Como funcionou a educação no passado e para quem ela funcionou? Em eu medida uma ideologia, um governo ou uma religião opera a educação?
Comparar o sistema educacional de ontem com o atual tem uma importância de despertar o indivíduo para o pensamento reflexivo: a observação dos noticiários de televisão, dos movimentos sociais, das atuações políticas, das injustiças e da própria lógica do capitalismo exige do cidadão um posicionamento perante tais fatos, não se isentando de atuar, seja pela via do voto, seja pela opinião, pela escritura, pela ação social, pelo exercício do consumo consciente, etc. A educação emancipatória tem uma função que extrapola a preparação para o mercado de trabalho.
Se a Paideia, no mundo grego antigo, preparava o jovem segundo métodos como o da maiêutica ou o da dialética, o mundo contemporâneo observa novos mecanismos para estimular nos alunos do ensino básico ou do ensino superior o interesse pelos estudos e a capacidade de autodesenvolvimento: são as denominadas metodologias ativas, sendo mencionadas como exemplos a game-based learning; a peer instruction, a problem-based learning; a inquiry-based learning; e a case-based learning.
O objetivo de tais metodologias é fazer uma integração entre a realidade do aluno e os objetivos educacionais, é possibilitar a visão do aluno como protagonista e uma posição horizontal entre discente e professor. O docente passa a ser mediador do processo de aprendizagem. É aquilo que se denominou nesta pesquisa de didática para a efetividade do ensino-aprendizagem.
Para a realização do presente trabalho, seguiu-se um procedimento de pesquisa bibliográfica, com reunião de livros e artigos científicos nas áreas de Direito, História e Educação. A pesquisa também foi conduzida segundo um critério qualitativo, com apresentação de posicionamentos pessoais e comparações doutrinárias. O método dedutivo foi colocado em prática, vez que foram observados os fatos históricos e deles foram sendo extraídas as consequências lógicas.
2. A EDUCAÇÃO NA GRÉCIA ANTIGA: A PAIDEIA E A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA
O processo de ensino-aprendizagem observou, ao longo do tempo, rupturas e transformações que implicaram a constituição e a modificação de sujeitos e sociedades. Em cada etapa da História da humanidade, foi possível a percepção de características peculiares dos métodos educativos segundo os contextos e a evolução dos sistemas morais, econômicos, políticos e culturais dos povos. Assim, a educação se vinculou diretamente aos fatos e aos fatores reais de poder.
Os modelos educacionais puderam ser verificados antes mesmo da época da praça pública na Grécia Antiga, mas ali houve um importante destaque: a denominada Ágora era um espaço onde as pessoas debatiam a política, a sociedade e demais temas que interessavam ao corpo coletivo. O sistema educativo grego – a Paideia – estava justamente intrincado a esse ambiente de trocas de informações e de conhecimento. A noção de permuta de ideias prevaleceu sobre um sentido de mera recepção automática de conteúdo.
E por que na Grécia Antiga foi possível o desenvolvimento de uma educação que não valorizou tanto a repetição/reprodução, mas sim a troca e o diálogo? Porque ali foi o palco de grandes expoentes da Filosofia. Exemplos foram Sócrates, que desenvolveu o método da maiêutica; Platão, que criou o Mito da Caverna como simbologia da busca da verdade e da caracterização de ignorância inerente ao ser humano; bem como Aristóteles, que desenvolveu o método peripatético e enxergou a educação como a formação do sujeito para a discussão de questões públicas e de Estado. A educação bebeu de fontes valiosas que contribuíram para todos os tempos.
Nesses termos, de acordo com a obra da autora Bortoloti, é possível afirmar acerca de Sócrates (2015, p. 65):
Como sua mãe era parteira e seu pai um escultor, recebeu uma educação tradicional aprendendo a ler e a escrever a partir da obra do poeta Homero e conhecendo as doutrinas filosóficas precedentes e contemporâneas, tais como Parmênides Zenão e Heráclito (JAPIASSÚ, MARCONDES, 2006, p. 256) Sócrates participou do movimento de renovação cultural iniciado pelos sofistas e entre eles circulava com muita tranquilidade, todavia usava em seus diálogos com os cidadãos um método bastante diferente do utilizado pelos sofistas. Em primeiro lugar podemos destacar que Sócrates não cobrava nada, pois não intentava ensinar nada a ninguém mas sim conduzir o indivíduo a conclusões corretas. Para isso usava uma forma de dialogar que ficou conhecida como maiêutica. A maiêutica nada mais era do que a condução do interlocutor a desenvolver seu pensamento sobre uma questão que ele pensava conhecer, e, assim, reconhecer a contradição, o erro. A atividade maiêutica, segundo Sócrates tinha como finalidade trazer à luz as ideias que pré-existiam na mente de seus interlocutores. Era preciso que o interlocutor estivesse grávido de ideias gerais, as quais julgava conhecer.
Se Sócrates trabalhou com a implantação de uma dúvida e o reconhecimento de contradições em cima daquilo que se julgava conhecer, Platão desenvolveu o método dialético. Trouxe as ideias de doxa e episteme para a teoria do conhecimento. O primeiro termo se referia ao mundo dos sentidos, o local de meras impressões, enquanto o segundo designava o plano inteligível, onde se situava a verdade. O ser humano precisava se desvincular das meras impressões do mundo das percepções sensitivas.
Todas essas considerações evidenciaram uma busca da emancipação do homem e isso ficou muito presente do Mito da Caverna de Platão: a saída da ignorância custou caro ao indivíduo personagem da narrativa. Ao tentar ajudar seus companheiros por meio da comunicação da verdade, foi morto, e isso evidenciou a capacidade humana de permanência na ignorância. A alegoria serviu para evidenciar a dualidade entre a implantação da dúvida e o estímulo da busca de novos conceitos.
A educação por meio de métodos emancipatórios e contestatórios, assim, foi colocada em prática desde a Grécia Antiga e veio aos dias atuais com sua função de crítica ao status quo. Colocou o indivíduo em seu papel de cidadão e de busca de soluções por uma realidade e um futuro melhor. Maiêutica e dialética foram, no passado, instrumentos de uma não aceitação simplória dos fatos – foram elementos de uma Paideia do esclarecimento.
Essa Paideia do esclarecimento só pôde ser observada a partir do momento em que, na pólis, a educação deixou de ser essencialmente militar. Esparta, por exemplo, formou, sobretudo, homens com habilidades para a guerra e mulheres com aptidão de gerar filhos sadios para o combate. Atenas observou realidade diferente. De acordo com Tôrres (2009, p. 295), “[...] A adoção de um modo de vida civil e não mais militar tinha com efeito transposto, e reduzido ao plano da competição esportiva, o ideal heroico”. Foi essa construção cívica que deu à luz a noção de ética na pólis.
O autor mencionado colocou a questão dos esportes na pólis grega: a formação dos sujeitos na cidade-estado democrática tinha esse viés de preparo físico e constituição de narrativas de identidades que trabalhavam a figura do homem vitorioso. Aquele sujeito que se colocou em posição de destaque e isso pôde, inclusive, ser um discurso que perpassou o transcorrer do tempo e o contexto do próprio âmbito político para o ingresso da sociedade de consumo que se observou muitos anos depois. Quanto ao consumismo, foi excluída a noção de ética. Esse diálogo entre eras/milênios foi observado por Rocha (2017, p. 64):
Desde a Idade Antiga, na Grécia, a preocupação com o corpo já exercia uma função importante nessa questão da identidade. Lessa e Rocha (2009, p. 156) destacam que na polis Atenas havia uma noção de “identidade política” que era buscada através da prática de esportes, de forma que os homens buscavam um padrão de beleza ou forma que se coadunasse com a ideia de ética. A educação era pautada na busca daquilo que era considerado como bom, e isso se dava por meio de “uma formação física de seus cidadãos, que se inicia na infância”.
Perceba-se que o discurso presente na polis é diferente daquele existente na sociedade de consumo: trata-se de uma valorização do corpo que está mais associada aos valores da cidade-estado, à noção daquilo que é bom para a comunidade e à valorização da força e honra como afirmações do herói grego. O corpo, para o atleta grego, é símbolo de destaque e prestígio.
Porém, há uma convergência de valores entre a sociedade de consumo e a sociedade ateniense que valoriza o corpo masculino: o discurso da vitória.
Importante lembrar: nem todos foram considerados cidadãos na Grécia Antiga, pois houve aqueles grupos marginalizados e escravizados. A esses, a cidadania não foi conferida. Eles não tiveram acesso à educação da mesma forma como os homens da elite, o que evidenciou a contradição da pólis grega, uma democracia de poucos. O constitucionalista Canotilho afirma:
[...] Como se vê, na cidade grega uns são mais iguais do que outros; a igualdade dentro de um esquema organizatório profundamente desigual, onde, ao lado do homem livre e igual (os hoplitos machos) e de não-homens (os escravos), existia um espectro ou continuum social de indivíduos cuja característica comum era a de se situarem «entre a escravatura e a liberdade». A polis não era uma sociedade democrática, mas um «clube de homens adultos» [...] (CANOTILHO, 2008, p. 28).
Da mesma forma como parcela da população foi marginalizada da educação no passado, foi possível observar, no processo de evolução das sociedades, exclusões nas democracias. Isso se deu através de apartheids ou segregação, como ocorreu nos Estados Unidos, ou pela via de políticas públicas deficitárias, que não atenderam a contento aos direitos fundamentais dos cidadãos, gerando verdadeira situação de boicote das minorias. Esse diálogo intertemporal possibilitou, ao longo do tempo, a própria organização de movimentos sociais pela luta de direitos.
Conforme já mencionado, as noções de ética e estética estiveram diretamente associadas à educação helênica. A questão da formação física foi trabalhada desde a infância dos homens. A honra e a glória foram atingidas pela afirmação do corpo do atleta virtuoso (LESSA; ROCHA, 2009). A educação era voltada sobretudo para uma afirmação política e de elite.
Por último, de modo a fechar a educação na realidade grega, importante lembrar que aquela sociedade sucumbiu diante da Guerra do Peloponeso no século V a. C. Isso ocorreu porque Atenas perdeu a batalha para Esparta, e todos os ideais de virtude, democracia, homem vitorioso e educação voltada para a formação do sujeito cidadão foram esfacelados com a integração da cidade-estado à cosmopolis, ou seja, à subordinação à realeza dos macedônios (CANDIDO, 2009). Foi justamente naquele contexto que aconteceu o ingresso de Atenas na prática da corrupção (VIEIRA, 2009).
O diálogo interétnico entre Esparta e Atenas foi destrutivo e o legado que deixou para sociedade atual – a ideia de oferecimento de “presentes” troca de favores – contrapôs totalmente a ética construída pelo ideal de virtude ateniense. Mesmo assim, a contribuição do modelo de educação grego para o mundo e, mais especificamente, para o Brasil, deu-se no sentido de busca de metodologias de ensino e aprendizagem que não se basearam apenas num paradigma de relação vertical entre professor e aluno. Não se retirou a importância do método repetitivo, vez que cabível para o ensino de matérias como matemática, mas o diálogo e a emancipação foram muito presentes em obras de autores das vertentes mais recentes da pedagogia progressista.
3. A EDUCAÇÃO NA ERA MEDIEVAL: A PATRÍSTICA E A ESCOLÁSTICA
A educação na era medieval trouxe uma característica bastante marcante: a presença do cristianismo como religião indissociável e que se desdobrou em duas correntes conduzidas pelos padres da Igreja Católica, que são a Patrística e a Escolástica. A primeira escola esteve vinculada ao neoplatonismo, enquanto a segunda se manteve ligada ao neoaristotelismo. Os grandes expoentes da época foram Agostinho de Hipona e São Tomás de Aquino.
Bortoloti (2015, p. 90) menciona que a Patrística tenta “[...] conciliar o cristianismo com o pensamento pagão [...]”. E isso se deu para que fossem contrapostas as denominadas heresias, de forma a converter aqueles que não seguiam a fé católica. Veja-se que aqui já existe uma espécie de manifestação de discriminação no que concerne àquilo que é diferente, com relação ao que não atende aos interesses do fator real de poder em evidência.
Essa educação de caráter fundamentalmente religioso foi discriminatória, igualmente, com relação às mulheres. É dizer: colocou-as em posição de submissão não só com relação ao corpo, mas também no que toca ao conhecimento, pois a elas era limitado o direito de leitura e escritura. Nesses termos, a religião atuou como dispositivo de biopoder, como forma de imposição disciplinar e regulação da construção de subjetividade (MORAIS, 2017). Rocha (2017, p. 65) afirma:
Fazendo um salto para a Idade Média, considere-se agora o corpo feminino. Abrantes (2009, p. 147) menciona que aquele era um contexto em que “os teólogos e filósofos consideravam que o corpo da mulher deveria se manter casto ou, no máximo, usado para a procriação, sendo negado o prazer sexual”. Diante disso, não havia uma preocupação com as formas do corpo como há na presente sociedade de consumo, vez que a mulher deveria dar ao marido os seus filhos e dedicar-se a Deus.
Esses foram apenas alguns exemplos que demonstram como houve construções discursivas diversas ao longo do tempo que influenciaram as pessoas com relação ao corpo, de acordo com os valores e a cultura.
Atualmente, poder-se-ia dizer que nem todas as pessoas estariam imbuídas de um verdadeiro egoísmo, no sentido de fazerem prevalecer o “ter” sobre o “ser”, mas elas simplesmente já incorporaram o discurso da sociedade em que estão vivendo, que não é o de viver segundo a simplicidade, mas sim de busca de padrões estéticos cada vez mais aperfeiçoados, seja por meio de cirurgias plásticas, seja através de academias de ginástica ou cosméticos que incorporam a mais alta tecnologia – é o viver segundo as regras do dono da casa, que é o mercado global, que utiliza a publicidade como instrumento de difusão das novas subjetividades.
A condição de submissão e repressão secular da mulher por meio da educação e da moral gerou, posteriormente, contestações e movimentos feministas já no século XIX. O corpo casto e a ideia de sexo frágil e perigoso pelo pecado original deram lugar, nos anos 1900, à autonomia sobre os direitos reprodutivos, ao direito de voto, à igualdade de tratamento perante os homens. As mulheres buscaram na dignidade da pessoa humana e nas teorias feministas os discursos necessários à superação da desigualdade de gênero.
Conforme já mencionado, no plano educacional, houve o desenvolvimento de duas filosofias durante o período medieval. Uma ainda na Alta Idade Média, a Patrística, de embasamento neoplatônico, que teve como expoente Agostinho de Hipona; e outra já na Baixa Idade Média, que foi a Escolástica, de embasamento neoaristotélico. Foi justamente nesse contexto dos medievos e na vigência das ideias de Santo Agostinho que foram lecionadas as chamadas sete artes liberais – trivium e quadrivium. Eram as artes que formavam o sujeito para aquilo que veio de Deus – o trivium – e para aquilo que era técnica do homem – o quadrivium.
Importante lembrar que a criança, no período medieval, foi considerada um adulto em miniatura. Não houve uma real preocupação com o seu desenvolvimento psicológico enquanto sujeito, mas havia, sim, um tratamento segundo a ideia de que a figura de um mestre era importante para a condução da alma em Cristo. A Patrística dava a instrução para o atingimento da salvação divina em Deus pela palavra da Bíblia.
Bortoloti (2015, p. 87) assim se refere à criança do período medieval:
Nos mosteiros, as crianças eram educadas por todos os seus membros até aos quinze anos de idade, educação que, da mesma forma como ocorria na Antiguidade, era marcada por repreensões e castigos. Todavia, não devemos compreender esses castigos como puro sadismo pedagógico, mas como um reflexo da ideologia teocêntrica do período, pois os castigos eram frequentes nas práticas religiosas do período.
Portanto, o sentimento de infância oscilou durante o período medieval entre o igualitarismo, confiante nos valores mais propriamente humanos dos Evangelhos, o pessimismo da mensagem paulina e a ideia de criança como ser produtivo, como herdeiro, merecendo espaço e tornado alguém que ‘promete’ para o mercado.
Posteriormente, com a reforma carolíngia, ocorreu a influência da cultura e da religião islâmica sobre os valores da Europa. Houve recuperação dos textos aristotélicos – neoaristotelismo –, uma vez que os árabes conservaram esse conhecimento e o repassaram aos povos europeus, passando a vigorar a Escolástica de São Tomás de Aquino. Foi um tempo de influência da minúscula carolíngia, uma nova forma de escrita, e também ocorreu uma incipiente maneira de se buscar o divino, que não foi mais através da figura do mestre, mas sim da busca interna.
Como a educação dos muçulmanos era baseada numa bipartição entre escola elementar e escola superior, foi ali que esteve presente o berço daquilo que hoje se conhece por universidade. As mesquitas lecionavam a instrução básica, enquanto as denominadas Casas de Cultura se dedicavam a estudos mais avançados. O período da Escolástica foi de intensa troca cultural, comercial e movimentação urbana, de forma que foram criadas escolas citadinas e as universidades nos grandes centros.
O diálogo interétnico não acarretou a superação dos valores religiosos, mas implicou a convivência com novas tendências educativas e a preservação da própria cultura grega clássica, que foi repassada dos islâmicos aos cristãos. Nesses termos, a influência de formação de sujeitos da Idade Média que se verificou no passado e que foi transposta para o presente foi a divisão do ensino em categorias, ou seja, um ensino superior lecionado em universidades e outro lecionado nas escolas descentralizadas. Mas foi apenas posteriormente, com a figura do Estado, que surgiram as escolas oficiais previstas em lei.
4. A EDUCAÇÃO NO RENASCIMENTO: O HUMANISMO, A REFORMA E O PROJETO DE CATEQUESE DOS PADRES JESÚITAS NO BRASIL
A teoria contratualista de Hobbes fundamentou o poder dos reis e a institucionalização de Estados, com a derrocada do feudalismo, sendo de destaque, também, a obra O Príncipe de Maquiavel. Foi nesse período que aconteceu a institucionalização da figura da escola oficial prevista em lei, aquela que prepara o sujeito segundo os próprios interesses estatais. Com isso, um maior número de pessoas teve acesso ao conhecimento.
Em artigo publicado na Revista Vozes dos Vales, Petean (2012, p. 5) caracterizou muito bem o período do Renascimento e da Era Moderna:
O mundo moderno que estava nascendo nos séculos XV e XVI valorizou a autonomia do sujeito que passou a ser visto como leitor e autor do conhecimento. O sujeito deixou de ser um mero produto de Deus e passou a ser responsável pelo conhecimento. A nascente ciência moderna de caráter empírico passou a valorizar o saber baseado na experiência sensível do indivíduo. O empirismo recusou todo saber que estivesse à margem ou anterior à experiência, negando, assim, o saber baseado nos escritos dos grandes homens do passado. Portanto, a valorização da experiência e a observação da natureza caracterizavam o mundo moderno que estava nascendo. A ciência buscou, na experimentação e na observação, as raízes do saber sobre o cosmos. Negou a tradição, vista como o reino do obscurantismo e do erro. Negou o saber dos grandes doutos da igreja e duvidou da “palavra revelada”. Ciência e crítica ideológica estavam juntas neste projeto de construção das bases de um novo saber. Era o nascer do saber empírico e experimental.
A Modernidade foi o palco de desenvolvimento do humanismo. Num primeiro momento, essa palavra significou a dedicação a estudos dos clássicos e das letras, mas posteriormente designou as filosofias centradas na figura do ser humano. No prefácio da obra Princípios Humanistas Constitucionais: reflexões sobre o humanismo do século XXI, Silva (2010, p. 7) aduz:
[...] o humanismo não designa uma doutrina unitária, pois como observa Ferrater Mora, o termo designa o movimento que, na Renascença, se voltou para os estudos das línguas e dos autores clássicos, chamado humanismo renascentista, mas também as tendências filosóficas que põem em relevo ‘um ideal humano’ [...].
Dessa forma, o humanismo foi pautado na secularização da cultura e do saber, foi baseado no afastamento com relação à religião e na valorização da razão. O diálogo intertemporal no que tange ao humanismo observou imensas contribuições para a sociedade atual. Essas relevantes marcas se fazem presentes no Direito e nas ciências humanas em geral. Um exemplo foi o desenvolvimento, já na época do Renascimento, da ideia de colocação do homem como o centro dos valores e das decisões, não mais prevalecendo a religião, e isso deu origem ao princípio pro homine, ou seja, a aplicação em prática de uma norma jurídica mais favorável ao ser humano, aquela capaz de melhor resguardar direitos fundamentais (ROCHA, 2010).
Um exemplo que poderia ser mencionado concerne ao próprio direito à educação, atualmente resguardado na Constituição Federal brasileira, o qual deve prevalecer sobre questões de orçamento público. Ou seja: há uma prioridade da educação sobre a reserva do possível, em se tratando de direitos fundamentais considerados mínimos existenciais, tais como o ensino fundamental. Dessa forma, um magistrado poderá dar uma sentença obrigando um município a construir uma escola ou a realizar concurso público para nomeação de professores da rede municipal.
No entanto, o humanismo não extinguiu a religião. No século XVI, que foi justamente aquele das grandes navegações, argumento e ideologia cristãos ainda se faziam presentes. Tanto é que, no caso das expedições portuguesas enviadas ao Brasil após o ano de 1500, o objetivo era a catequese de índios para reafirmação do poder da Igreja e imposição de uma educação baseada no trivium e quadrivium aos nativos. Essa educação também seguiu um modelo denominado inaciano, ou seja, aquele concebido por Inácio de Loyola.
O diálogo interétnico entre portugueses e índios permitiu uma troca: a aquisição da língua portuguesa e formação religiosa cristã pelos naturais do Brasil e aprendizado da língua tupi pelos padres da Igreja. Ocorre que esse contato se deu na base do etnocentrismo: foi uma discriminação cultural, uma vez que um indivíduo ou grupo se achou superior ao outro. Em nenhum momento a cultura nativa pôde ser considerada inferior à do homem branco europeu e o que ocorreu foi, mais uma vez, um mecanismo de biopoder, artifício da Igreja Católica sobre outros povos para a mantença de sua perpetuação.
Essa tentativa de mantença de longevidade do poder da Igreja por meio das missões jesuíticas era uma verdadeira manobra da Contrarreforma. As críticas protestantes estavam em plena vigência na época – a denominada Reforma –, e a reação da Fé Católica era justamente avançar na educação de índios e de até mesmo dos portugueses que estavam presentes na colônia. Esse objetivo acabou coincidindo com os escopos políticos do reino de Portugal na colonização do Brasil (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2008).
Ainda assim, Almeida (2014) aponta que esse modelo de ensino produziu influência até mesmo na educação brasileira atual. O diálogo intertemporal que pode ser realizado é no sentido de que o plano de estudos jesuítico, também chamado Ratio Studiorum, trouxe a contribuição curricular e a estrutura de diretrizes básicas. Veja-se:
Os jesuítas deixaram um legado de colégios organizados em rede, um método pedagógico e um currículo comum. Embora o processo de colonização tenha atuado como uma ferramenta de imposição cultural aos índios, como forma de exercer o domínio sobre eles, é por meio da Companhia de Jesus que a educação brasileira desenvolveu-se, atendendo às necessidades da sociedade, dedicando-se a educar a elite e sendo também responsável pela integração da cultura europeia e indígena, disseminando-as pelos colégios e igrejas.
O estabelecimento de uma estrutura organizacional e a sistematização do ensino foram relevantes para o processo educacional brasileiro. Ao trazer para o Brasil uma estrutura de diretrizes básicas, baseadas na Ratio Studiorum, possibilitou à educação em nosso país uma estrutura regimentar intensa, conforme um processo catequético, mas baseado em uma forma coerente e em um eficaz sistema de aprendizado para a época. Desse conjunto de normas que organizaram e estruturaram a educação jesuítica, o que não permanece, evoluiu, compondo a atual lei de diretrizes e bases da educação nacional (ALMEIDA, 2014, p. 124).
Faça-se um diálogo intertemporal com a atualidade: foi possível verificar, ao longo da história dos povos, que o comportamento etnocêntrico não se encontrou apenas na atitude pessoal das pessoas, mas pôde se fazer presente inclusive nos meios de comunicação. Assim, em estudo publicado por Denise da Costa Oliveira Siqueira e Euler David de Siqueira, intitulado “Etnocentrismo e imaginário nos discursos midiáticos sobre Paris”, foi possível perceber que os jornais de circulação local, as publicidades de turismo, o próprio cinema e até a televisão veicularam uma imagem da cidade de Paris como sendo a portadora das atrações turísticas mais esplendorosas do mundo, criando um discurso etnocêntrico (SIQUEIRA; SIQUEIRA, 2013).
A formação dos sujeitos e das sociedades com base em imposições etnocêntricas só geraram conflito e posteriores rupturas. Escravos negros rebelaram-se contra seus senhores, índios mataram invasores, o homem europeu que colonizou a América do Sul não deixou de sofrer resistência diante de sua ambição capitalista e “missão civilizatória cristã”. Aquilo que Michel Foucault denominou por biopoder e biopolítica, uma vez observado no contexto educacional de formação de subjetividades, evidenciou práticas didáticas de submissão e atendimento a ideologias e interesses específicos do fator real de poder em evidência.
Ainda dentro de uma ideia de diálogo intertemporal, no contexto do etnocentrismo: o combate a esse tipo de atitude foi estimulado pelo desenvolvimento da alteridade, a capacidade de apreender a visão do outro, da valorização da diversidade cultural. O direito à diferença veio à tona, com as minorias ganhando espaço na sociedade por meio de suas reivindicações e por meio da dignidade da pessoa humana constitucionalmente reconhecida (art. 1º, III da Constituição brasileira). Minorias étnicas, de gênero, de classe social e de diversas outras formas de expressão tiveram suas opiniões ouvidas.
Importante destacar isso porque foram as formas de desrespeito do passado que fizeram as modificações das configurações do presente. As novas formações de sujeitos e sociedades se deram com base na ideia de um multiculturalismo e respeito à diferença. A globalização favoreceu a diversidade cultural, mas ainda assim não houve uma padronização total de cultura e existiu, ainda, a presença de movimentos antiglobalização. No Brasil, observou-se uma multiplicidade de culturas em função da miscigenação de influências indígenas, africanas, europeias e asiáticas.
A questão do multiculturalismo e o respeito à diferença foi mencionada porque isso repercutiu nos currículos e nas políticas educacionais de vários países, de acordo com a postura política de determinados partidos políticos e dos governos de ocasião. A educação não pode desconsiderar que existem diferentes realidades políticas, de gênero, econômicas e culturais. E em sala de aula o professor deve estar preparado para lidar com essas diferenças, recebendo apoio e preparação por meio de políticas vindas do Estado.
Conforme já mencionado, veja-se que o Renascimento observou a questão da Reforma protestante: a Igreja viu sua imagem contestada em função de uma série de práticas, como vendas de indulgências, enriquecimento e adoração de santos. Martinho Lutero teve grande destaque na divulgação das ideias protestantes e, no que diz respeito à educação, defendeu que o monopólio da Igreja fosse extinto, passando o ensino a ser divulgado para qualquer do povo que quisesse ter acesso à Bíblia para se instruir na palavra de Deus. Obviamente, a Igreja repreendeu tal atitude: no concílio de Trento, definiu uma série de medidas que reforçavam a sua autoridade. Foi a denominada Contrarreforma.
Por último, para fechar a discussão sobre a educação no Renascimento, cite-se trecho da obra de Bortoloti (2015, p. 134) acerca do pai da Didática moderna, Comênio:
Para o educador, cientista e escritor tcheco Comenius (1592 –1670) todos os problemas que tumultuaram e perturbavam a humanidade seriam solucionados com o aprimoramento do processo educativo. Faltava até aquele momento um projeto de estudos adequado, um método que valorizasse a revolução científica. Enfim, para Comênio faltava tudo o que pudesse tornar o processo educativo atraente para os educandos. Almejava, dessa forma, alargar o programa de estudo para nele incluir o máximo número de disciplinais possíveis até criar um sistema de conhecimento universal, objetivo último de sua educação.
Em sua obra mais significativa, Didática Magna, apresenta um método que deveria servir para ensinar a todas as crianças agradavelmente. Trata-se de um método baseado na maturação da mente da criança e nos princípios que governam a evolução da mente humana. Comênio, na realidade, pretendia, através de experiências, facilitar o processo de aprendizagem, tornando-o mais interessante e envolvente para o educando. Estes princípios substituiriam a estrutura formal lógica, por uma configuração psicológica.
Foi por meio de Comênio que se passou a poder pensar numa educação para todos, com objetivos de formação ética e moral, uma pedagogia que enxergou a realidade do aluno como sendo indissociável do processo de ensino e aprendizagem. Isso teve profundas influências nas concepções posteriores de como se pensar a educação transformadora e efetiva na vida de crianças, jovens e até mesmo adultos, por meio da ideia de inclusão e do aprender mediante significados.
5. A EDUCAÇÃO NO ILUMINISMO: AS NOVAS PEDAGOGIAS DE PESTALOZZI, HERBART E FRÖBEL E OS EXEMPLOS EDUCACIONAIS DO REINO DE PORTUGAL E DO BRASIL NOS SÉCULOS XVIII E XIX
O período do Iluminismo foi marcado pelo predomínio da razão em contraponto à religião. Dessa forma, a educação acabou recebendo influências do humanismo, do antropocentrismo e de uma valorização da infância que já havia sido observada durante a fase do Renascimento. Assim é que surgiram os autores Pestalozzi, Herbart e Fröbel como expoentes de novas pedagogias para uma maior efetividade do ensino-aprendizagem, com embasamentos totalmente diversos de anteriores paradigmas religiosos ou de rigidez disciplinar.
Pestalozzi concebeu a pedagogia do afeto e com foco na formação moral do indivíduo. Tal autor encontrou em Rousseau uma grande influência e defendeu a laicização do ensino, bem como procurou, junto às crianças pobres, desenvolver um trabalho que não observasse uma disciplina autoritária, mas sim a busca da felicidade. “Pestalozzi enfatizava as conexões entre a pedagogia e sociedade pela disciplina e pelo trabalho, bem como a formação do homem, vista como exercício de liberdade, e da participação na vida coletiva, econômica e social” (BRETTAS, 2018, p. 427).
A formação do sujeito em Pestalozzi encontrou no pensamento autônomo e na observação do comportamento dos mestres a via de compartilhamento dos valores morais, o que tornou a educação harmônica e capaz de atender à sua real finalidade. O método de Pestalozzi esteve muito aliado à Psicologia, o que favoreceu o uso da técnica intuitiva como possibilidade de ativação da mente da criança. A contribuição do suíço, apesar de plenamente disseminada no mundo, ainda não encontrou amplo respaldo no Brasil (BRETTAS, 2018, p. 417).
Passando à análise do pedagogo Herbart: enxergou a educação como uma ciência e, se em Pestalozzi havia uma aproximação com a Psicologia, aqui houve uma tentativa de cientificidade, com observação de procedimentos a serem seguidos. Porém, ainda que houvesse essa noção de procedimentalização, a preocupação central continuava sendo uma formação moral. A formação do sujeito foi trabalhada pela via do controle comportamental, da instrução e da disciplina.
Já em Fröbel surgiu a noção de jardim de infância. Esse autor trabalhou com a ideia de ludicidade e brincadeiras como forma de aprendizado. Isso influenciou bastante as sociedades posteriores no que tange ao desenvolvimento de metodologias ativas e atividades lúdicas na educação básica, seja no Brasil, seja em outros países. O século XX observou, por exemplo, o ingresso de tais ideias em novas mídias tecnológicas, podendo-se falar em jogos de computador ou jogos de videogame capazes de colaborar na participação ativa do aluno.
Ainda no que diz respeito à educação no período do Iluminismo, foram observadas mudanças significativas no reino de Portugal que implicaram alterações das práticas educacionais no Brasil. A nomeação do Marquês de Pombal como primeiro-ministro resultou na extinção do ensino jesuítico e implantação do modelo iluminista de ensino-aprendizado. O sistema de Aulas Régias – Latim, Grego, Filosofia e Retórica – vigorou de forma gratuita.
Posteriormente, já no reinado de Dom Pedro I, foi adotado o método Lancaster de ensino primário oficial no Brasil. No Reinado de Dom Pedro II, não houve muitas modificações significativas no sistema educacional.
6. A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DA PRIMEIRA REPÚBLICA À DITADURA MILITAR NO BRASIL: POSITIVISMO, ESCOLANOVISMO E MOBRAL
Com o fim do império e promulgação da Constituição republicana de 1891, houve o estabelecimento de um novo projeto de educação. A base ideológica e filosófica da época era o positivismo de Augusto Comte, e os objetivos da demanda educacional seriam formar pessoas para ocupar os postos de trabalho do país que estava em construção. A pedagogia era a denominada liberal tradicional.
Esse foi um período em que se lecionava uma matéria denominada Educação Moral e Cívica. Um fato muito importante de ser mencionado seria uma reforma educacional promovida por Benjamin Constant no ano de 1890, que promoveu o ensino laico e a gratuidade da escola primária. Tal reforma estava baseada no positivismo.
No começo dos anos 1900, surgiu no Brasil o que ficou conhecido por escolanovismo, que foi um movimento de professores que tinham por objetivo contrapor uma educação que era baseada meramente no fator memorização e repetição de conteúdos. Isso foi muito inovador à época porque valorizou a capacidade do aluno de produzir conhecimento e de transformar a realidade.
Ocorre que o Brasil não teve sorte em sua História recente, tendo ingressado em uma ditadura militar nos anos 60. A partir daquele momento, a educação não tem mais o objetivo de promover nenhuma transformação social, mas apenas a mantença do status quo, a garantia do regime militar, com a permanência de disciplinas como Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e criação de uma política de alfabetização que teve sua qualidade bastante contestada, o denominado MOBRAL.
No que diz respeito à formação de sujeitos, esse modelo de educação pode ser considerado alienador, pois configura um projeto de ideologia nacionalista, modelo cívico-militar composto de elementos repressivos quanto aos conteúdos lecionados, que ficaram sujeitos à censura. Professores que contestaram o sistema foram presos ou torturados, alunos não puderam expressar a opinião de forma livre e somente após a promulgação da Constituição de 1988 é que se voltou a pensar e construir uma sociedade democrática.
7. TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS CONTEMPORÂNEAS: METODOLOGIAS ATIVAS E DIDÁTICA PARA A EFETIVIDADE EDUCACIONAL
A noção de um ensino que deve ser estendido a todos foi disseminada com a obra de Comênio no século XVII, sendo ele considerado o pai da didática moderna. Os pilares da educação atual se construíram com a obra Didática Magna desse pensador, que disseminou a ideia da universalização do ensino; a valorização da realidade do aluno; a observação da ética e dos valores; bem como a construção interdisciplinar dos saberes. Estava plantada a semente da evolução dos métodos de ensino-aprendizagem.
Diante disso, o professor da atualidade precisou se valer dos métodos didáticos clássicos e das novas metodologias de ensino que foram desenvolvidas ao longo do tempo. Tais métodos não se invalidaram, mas se complementaram. Houve a adaptação das estratégias à realidade dos alunos. O professor passou a se posicionar em termos filosóficos e instrumentais, sabendo usar metodologias como a aprendizagem baseada em jogos (game-based learning); a aprendizagem baseada em problemas; a peer instruction; a aprendizagem baseada em investigação ou mesmo a aprendizagem baseada em casos.
Precisou o professor, ainda, considerar a geração dos nativos digitais e se adequar ao mundo da cibercultura; teve de estar atento às modificações da lei que se refiram a políticas educacionais; bem como precisou considerar a realidade socioeconômica de seus alunos. Assim é que o próprio mestre, realizando a migração do mundo virtual, passando a entender o contexto da inclusão/exclusão e letramento digital dos alunos. Resta lembrar que a didática precisou se fazer presente em qualquer modalidade de ensino, seja presencial, seja na modalidade à distância.
Nesses termos, o direito à educação não se limitou à norma jurídica presente na Constituição Federal e nas leis formais. Também não se resumiu à declaração de bens jurídicos judicialmente tuteláveis, a exemplo da determinação pelos magistrados de que o Estado procedesse à construção de escolas, fornecimento de merendas ou vagas em creches públicas. Não foi suficiente equipar as escolas com microcomputadores, levando em consideração as diferentes realidades sociais de inclusão e exclusão digital.
O direito à educação foi além: adentrou no campo do próprio saber em si, perpassou o âmbito epistemológico do “fazer” educativo, da elaboração de metodologias e execução das referidas práticas. Isso porque não adiantou a presença do professor, da estrutura material, dos bens materiais, se a execução do plano estratégico de ensino se torna ineficaz. O direito à educação teve, então, além de suas outras denotações, a de “didática para a efetividade educacional”.
A reflexão que pôde ser realizada a respeito das metodologias ativas trouxe à tona o papel da Didática para a efetividade do ensino-aprendizagem como uma das vertentes do direito à educação no Brasil. É dizer: se antes se falava numa pedagogia que tinha por pressuposto processos educacionais mecânicos e desinteressantes, o desenvolvimento da própria ciência ou estudo dos “fazeres” do “educar” integram a noção de realização dos direitos fundamentais dos educandos.
A pedagogia progressista apresentou as tendências libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos, que contribuíram para a compreensão do conhecimento construído, para relação horizontal entre professor e aluno e para a aprendizagem significativa daquilo que é ensinado.
Das teorias da aprendizagem, o cognitivismo de três vertentes – construtivismo, sociointeracionismo e ensino significativo –, com autores como Jean Piaget, Vigotsky e Ausubel, aprimorou a noção de que o conhecimento de mundo do aluno e a mediação realizada pelo professor são os pontos chaves para que esse educando venha a encontrar reais significados para o que aprende. Essa seria a real função da Psicologia da Educação.
Assim, as metodologias ativas como a aprendizagem baseada em jogos (game-based learning), a aprendizagem baseada em problemas, a peer instruction, a aprendizagem baseada em investigação ou mesmo a aprendizagem baseada em casos, se são capazes de efetuar uma ação docente efetiva, eficaz, que gere no sujeito de direitos uma evolução ou progressão não só como discípulo de uma turma de sala de aula, mas também de natureza moral, há de se reconhecer que a ciência da Didática – o campo epistemológico – conseguiu imprimir no campo da materialidade dos direitos fundamentais a sua marca: a cidadania.
Essa cidadania foi prevista como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil no art. 1º, II da Constituição Federal. Trazer a Didática e as metodologias ativas para o próprio campo de discussão do exercício da educação cidadã é colocar em prática o art. 205 da Carta Magna:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).
No plano infraconstitucional, o direito à educação da criança e a seu exercício de cidadania são assegurados no artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - direito de ser respeitado por seus educadores;
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;
IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;
V - acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica.
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais (BRASIL, 1990).
Conforme já mencionado o game-based learning, enquanto metodologia ativa, representa a inserção do aluno no ciberespaço. Fundamenta-se na ideia de jogos educacionais, sendo que eles podem ser jogos digitais, jogos de tabuleiro ou outras modalidades. Os valores da vida são relatados nesses games e a ideia de transposição didática vem à tona: o saber científico é convertido numa forma de significação para a vida do educando, de forma que possa desenvolver processos cognitivos efetivos para a aprendizagem.
Nesses termos, entenda-se o game-based learning como uma metodologia ativa muito adequada ao cenário das gerações Z e Alpha, que é o de crianças extremamente bem relacionadas às tecnologias digitais, capazes de ter uma boa experiência de usuário – customer experience – com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).
Já a aprendizagem baseada em problemas (problem-based learning) “[...] tem como premissa básica o uso de problemas da vida real para estimular o desenvolvimento conceitual, procedimental e atitudinal do discente” (BOROCHOVICIUS; TORTELLA, 2014, p. 268). Essa metodologia prioriza, geralmente, o trabalho em equipe, no qual ocorrerão discussões interdisciplinares. O método é centrado no aluno que, uma vez em contato com uma situação que apresenta um problema, massa ao trabalho de pesquisa.
De acordo com Dourado e Souza (2015), esse método de ensino-aprendizagem se destaca tanto no ensino básico como no ensino superior, sendo que os problemas são utilizados como gatilhos para a aquisição de novos conhecimentos. É bem mais enfatizada a questão da compreensão dos conteúdos do que a mera memorização, e aí está um grande ganho dessa metodologia: representa a ideia daquilo que David Ausubel designou por aprendizagem significativa, aquela que se relacione com a realidade do aluno ou que produza algum significado real em sua vida.
Mencione-se agora a peer instruction: trata-se de uma metodologia que foi desenvolvida pelo professor de física da universidade de Harvard Eric Mazur, e que significa que os próprios discentes irão auxiliar uns aos outros em sala de aula, de forma que essa colaboração é que produzirá o aprimoramento individual.
Gitahy et al (2017) indicam que existem ferramentas de interatividade gratuitas que facilitam a colocação em prática dessa metodologia. Os autores indicam o Google Docs, o Plickers, o Kahoot e o Socrative, todos aplicativos que podem ser acessados na internet pelos alunos e pelo professor. Assim, afirmam Gitahy et al (2017, p. 649):
Essas são algumas ferramentas de interatividade gratuitas que podem ser usadas com a metodologia ativa peer instruction para poder inovar e diversificar a educação. Essas ferramentas auxiliam o professor em tomadas de decisão sobre conteúdo abordado em aula. Ajudam as aulas a se tornarem mais atrativas e mais dinâmicas para os estudantes.
Outra metodologia ativa que pode ser mencionada é a aprendizagem baseada em investigação, também conhecida por inquiry-based learning. Essa metodologia utiliza o método científico, tendo o professor como mediador do conhecimento. Dessa forma, Canto et al (2018) observam que, uma vez disponibilizado ou concebido um determinado ambiente de pesquisa, com materiais e recursos tecnológicos, passa-se à fase do desenvolvimento de perguntas e análise de dados.
Por último, mencione-se a case-based learning ou aprendizagem baseada em casos. Esse método é utilizado em muitas universidades, nas quais os alunos são instigados a lidarem com casos da vida concreta e, em cima de tais situações, devem desenvolver soluções práticas para resolver problemas ou devem elaborar novos estudos com base no modelo referencial.
Uma vez consideradas essas novas metodologias, se contrapostas com os modelos de ensino anteriores, baseados em finalidades de Estado, de ideologia de fé, ou mesmo em interesses de elite, o atual modelo de educação tem o foco na aprendizagem do aluno e no seu desenvolvimento para atuação perante o corpo coletivo. Se no Iluminismo os interesses da burguesia deram prioridade a um ensino individualista, hoje vigora uma noção de ética e fraternidade, responsabilidade social e ambiental.
Assim, o direito educacional pode ser encarado sob dois aspectos: o primeiro, seria o da materialidade do direito fundamental constitucional; o segundo; seria o da epistemologia ou ciência do “ensinar”, a didática para a efetividade do ensino-aprendizagem.
8. CONCLUSÃO
Dos fatos narrados, observou-se que o ser humano sempre buscou o saber segundo critérios racionais. Ora essa busca racional se deu com base numa liberdade de pensamento e exercício de crítica, como aconteceu na Grécia Antiga, no Iluminismo e nos tempos atuais, ora a racionalidade está vinculada a um interesse ideológico de um fator real de poder prevalecente que vai subjugar corpos, mentes e governos, como ocorreu na Idade Média e nas ditaduras. A educação não fica imune a esses percalços.
A função emancipatória da educação, conforme evidenciado no trabalho, deve ser cada vez mais colocada em evidência, pois o conhecimento existe para o exercício da cidadania, para o ingresso no mercado de trabalho e para a realização de uma vida plena em sociedade. O engajamento de ser estatal, da sociedade civil e do setor empresarial no desenvolvimento de uma educação multinível capaz de proporcionar o crescimento individual dos sujeitos e a evolução das sociedades, com produção de tecnologia e respeito à sustentabilidade.
Assim, as metodologias ativas como a aprendizagem baseada em jogos (game-based learning), a aprendizagem baseada em problemas, a peer instruction, a aprendizagem baseada em investigação ou mesmo a aprendizagem baseada em casos, quando bem desenvolvidas e postas em prática em sala de aula, cumprem com o objetivo do legislador constituinte que ergueu o direito educacional à condição de direito fundamental social e também cumprem com a função epistemológica da didática como efetividade para um ensino-aprendizagem de qualidade.
Diante dessa realidade é que se torna possível a superação de uma educação tecnicista obsoleta e a construção, tanto no Brasil como nos demais países, do cidadão consciente e responsável por si e pela comunidade em que vive, uma vez que a sua formação o preparou dentro de parâmetros emancipatórios.
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Thiago dos Santos Rocha é um advogado e autor de livros e artigos jurídicos, graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. É especialista em Direito do Consumidor, em Direito Constitucional Aplicado e em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio. Em seus textos acadêmicos, promoveu o diálogo entre Direito e Game Studies, abordando temas como: videogames e epilepsia; advergames e publicidade infantil; gameterapia e planos de saúde; videogames e política nacional de educação ambiental; etc. Também publicou obras na área de Direito Médico, tendo escrito os livros "A violação do direito à saúde sob a perspectiva do erro médico: um diálogo constitucional-administrativo na seara do SUS" (Editora CRV) e "A aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação médico-paciente de cirurgia plástica: visão tridimensional e em diálogo de fontes do Schuld e Haftung" (Editora Lumen Juris).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Thiago dos Santos. A história da educação e a construção de metodologias ativas no mundo contemporâneo: o direito educacional e a didática para a efetividade do ensino-aprendizagem Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jul 2020, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54898/a-histria-da-educao-e-a-construo-de-metodologias-ativas-no-mundo-contemporneo-o-direito-educacional-e-a-didtica-para-a-efetividade-do-ensino-aprendizagem. Acesso em: 23 dez 2024.
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