RESUMO: A população em situação de rua no Brasil tem número considerável, mas algumas vezes é mal vista pela sociedade e em outras é simplesmente ignorada. Em razão do princípio da dignidade humana, de tratados e acordos internacionais à proteção da criança e ao tratamento digno devido a qualquer cidadão, nosso país constitui dívida enorme de efetivação de direitos às pessoas que vivem nessa condição, mais especificamente às gestantes, uma vez que há escassos estudos e projetos voltados ao amparo dessas mulheres, justificando, assim, a presente pesquisa. Objetiva-se analisar a situação de gestantes em situação de rua no país, apresentando os desafios e direitos, por vezes, negados a elas, questionando: Como resguardar os direitos da criança, sem negar os direitos das gestantes em situação de rua? Desse modo, utilizamos a metodologia bibliográfica, a partir de artigos científicos e jornalísticos e a legislação vigente. Dentre os autores, destacam-se Almeida e Quadros (2016) e Suarez (2019). As hipóteses evocam a necessidade de instrumentalização de políticas públicas específicas às gestantes em condição de rua, protegendo mãe e criança, prestando informação sobre direitos e peculiaridades da gestação, enquanto mãe e família, além de prestar acolhimento no período gestacional e acompanhamento médico e psicológico.
Sumário: 1. Introdução; 2. Pessoas em situação de rua no Brasil; 2.1 Aspectos legais de proteção à criança e da permanência no seio familiar; 3. Conclusão; 4. Referências
1.Introdução
Embora tenhamos uma taxa alta de pessoas em situação de rua no Brasil, há insuficientes políticas públicas voltadas aos aspectos que tangem aos direitos de crianças e adolescentes nessa condição, tampouco às mulheres gestantes nesse mesmo cenário, ainda que, sem dúvida, estejam em situação de risco e extrema vulnerabilidade.
A população de rua no Brasil ainda é formada, em sua maioria, por homens (82%) e, ainda mais restrito a homens negros (67%), o que faz com que a margem de estudos às mulheres gestantes sejam mais precários. Acredita-se que rua seja a própria sociedade, a resposta de uma parte não reconhecida pela população e de inúmeros anos de má gestão.
Contudo, o compromisso e a responsabilidade com políticas públicas voltadas aos direitos e proteção integral à criança e adolescente, seja pela família, seja pelo Estado e comunidade, tendem a fazer crescer também a preocupação com direitos que abrangem tal proteção, como o direito da mãe e da preferência da educação e manutenção da criança em sua família de origem, dado os benefícios que esse ambiente familiar dispõe.
Dessa forma, objetivamos analisar a situação de gestantes em situação de rua no Brasil e abordar sobre seus direitos e os desafios enfrentados por essas mulheres, que ficam, muitas vezes, às margens do olhar estatal, mas que como qualquer ser humano, precisam ser tratadas com dignidade, a partir de informações legais e acolhimento.
A pesquisa aponta para a necessidade de elaboração de política pública própria em relação às gestantes nessa condição, em virtude de especificidades inerentes à gestação, como a realização de exames e acompanhamento psicológico e médico, além da necessária efetivação da Lei existente n° 7.053 de 2009, Decreto que visa a proteção de pessoas em situação de rua.
2. Pessoas em Situação de Rua no Brasil
As histórias nas ruas ricas, tendo diversas causas, desde as questões de violência doméstica, estupro, a situações de desamparo familiar em razão do uso de drogas e alcoolismo, mas também encontramos pessoas que optaram por estar nas ruas, sem interesse de constituir família e obter um emprego.
É comum rotularmos o que seja levar uma vida normal, diante de uma sociedade composta de normas, na qual estabelece suas próprias regras de convivência, avançar no sentido de olhar para as pessoas que vivem em situação de rua e não julgar que sejam pessoas que “não querem nada na vida” ou “que são vagabundas” é um desafio, mas nem todos estão lá por opção, do mesmo modo que nem todos desejam sair dessa realidade.
O preconceito é perpetuado por gerações e faz com que essas pessoas sejam vistas como violentas e perigosas, quando, na verdade, muitos especialistas afirmam que essas pessoas tornaram-se violentas em razão da omissão do Estado e da ausência de gentrificação, que trata-se de um processo de mudança em centros urbanos, por meio de transformação de grupos sociais existentes neles, no sentido que as alterações feitas no local, como construção de edifícios ou pontos comerciais, acabam afetando a classe mais pobre, onde emergem as camadas mais ricas.
Consoante aos dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), no ano de 2016, existia cerca de 102.000 pessoas vivendo em situação de risco no Brasil. Em relação às mulheres gestantes inseridas nessa situação, os dados são alarmantes, e de acordo com Suarez (2019), 60% das 11 (onze) milhões de mulheres que criam seus filhos sozinhas, vivem em situação de pobreza. Somente na cidade de Recife, das 642 mulheres atendidas nos Centros POP (Centro Especializado responsável pelo atendimento às pessoas em situações de rua) em 2019, 39 eram gestantes.
Dados estatísticos sociais sobre o tema em nosso país são bastante escassos, com exceção de um ou dois estados federados que atuam, de forma isolada, em conjunto com organizações sem fins lucrativos propondo o atendimento a mulheres gestantes em situação de rua, oferecendo apoio e incentivo durante o pré-natal, bem como ofertando cursos para as mães, no intuito de tirá-las dessa situação que ameaça tanto à saúde e proteção da criança, quanto ao próprio direito da mãe em cuidar de seu filho (a).
Com efeito, a vulnerabilidade das mulheres em contexto de rua inferem resultados relevantes no que diz respeito à gravidez e a relação delas com a maternidade. Um estudo realizado durante seis meses, no Rio de Janeiro, por Almeida e Quadros (2016, p. 229), com mulheres que utilizam drogas e vivem em ambiente de rua demonstrou que de 180 mulheres entrevistadas, 92% delas afirmaram já ter engravidado ao menos uma vez, sendo que desse total apenas 11 informaram que nunca engravidaram e 5 delas não souberam responder com exatidão sobre a questão.
Salienta-se ainda que desse mesmo estudo, apenas 33% das mulheres confirmaram terem feito o exame pré-natal, ao menos uma vez durante a gestação, um índice baixo em relação ao próprio acesso da saúde a essas gestantes.
No município de Maringá, no Paraná, o número de mulheres grávidas em situação de rua tem crescido de maneira assustadora. Uma pesquisa realizada em 2015 pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) confirmou que a maioria das mulheres que procuram por auxílio em instituições é por motivos sociais, pelo uso de substância, por serem vítimas de violência e por estarem em situação de rua.
No Estado do Paraná, a 2° Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da capital reforça constantemente a necessidade de acompanhamento e atendimento dos órgãos públicos a gestantes em situação de rua, em especial, realizando encontros com cronograma de reuniões periódicas, em parceria com a Defensoria Pública, com intuito de acompanhar e analisar o crescente número de acolhimentos de bebês, filhos de mulheres em situação de extrema vulnerabilidade, como essas que estão na rua (Ministério Público do Paraná, 2019).
Nesse sentido, o MPPR (2019) busca analisar a efetividade de políticas públicas que atendam a essas mulheres, buscando o comprometimento de metas específicas, melhorando o diálogo com instituições de acolhimento, buscando ainda a celeridade no atendimento a mães nessa situação de forma individualizada, para que consigam preservar os direitos das crianças, e a proteção aos direitos da mãe, além da preservação da criança com sua família de origem alcança também o outro objetivo, que considera o acolhimento institucional uma exceção.
Até o ano de 2018, apenas um projeto específico no estado de São Paulo atuava ativamente no atendimento contínuo a mulheres gestantes que moravam nas ruas, o projeto é denominado de “Menino e Menina” e tem como interesse precípuo atender as gestantes em todo o período da gravidez. No mesmo ano, o projeto já havia ajudado e atendido a mais de 60 (sessenta) mulheres, mudando a vida da maioria delas, segundo fonte da Rede Brasil Atual (2018).
O projeto “Menino e Menina” é um exemplo a ser seguido e pode servir como espelho para políticas públicas em todo o país, seus maiores objetivos buscam motivar as mulheres a ficarem com seus filhos, realizando exames necessários, como o pré-natal, no combate a doenças que podem ser prevenidas na gestação, oferecendo um acompanhamento com profissionais e agentes de saúde, recebendo também enxoval e produtos de higiene para os cuidados com o bebê, além de um lindo álbum de fotos feito durante o projeto, tudo isso com intuito de mantê-las fora das ruas e focada na necessidade de proteção e amor da família pela criança que logo chegará.
Cabe ainda salientar que o fato de que muitas mulheres, ao descobrirem que estão grávidas se escondem e não fazem o pré-natal dificulta a realização dos estudos sobre o assunto, tendo como razão principalmente o medo de perderem a guarda do filho, filho este que constituem um fator motivacional para elas saírem das ruas e planejarem um futuro com eles e, raras vezes, ao lado de seus companheiros (COSTA, et al., 2015).
Por isso, há uma emergente necessidade de se criar políticas públicas específicas para atender essas mulheres, tanto para informá-las de seus direitos e deveres como mães, quanto para atender às necessidades de saúde, seja física e/ou psicológica, que são exigidos e importantes no período gravídico.
2.1 Aspectos legais de proteção à criança e da permanência no seio familiar
Apesar do Decreto n° 7.053, de 2009 instituir uma Política Nacional para a População em Situação de Rua, buscando o estreitamento das relações do governo federal com representantes da sociedade civil, na tentativa de planejar e coordenar medidas referentes à população inserida nesse meio, raras são as ações ou políticas efetivadas nessa área, em especial, nos municípios, que são os que, de fato, sofrem com eventuais problemas e que precisam discutir e criar medidas que atendam a essa demanda.
É importante destacar que as normas legais brasileiras prevê a adoção como medida excepcional, optando sempre pela manutenção da criança com sua família original, inclusive, em casos de situação de risco à criança ou adolescente, é aconselhável que o juiz procure pelos parentes mais próximos, como tios, avós, etc., para acolher à criança, até que retome a segurança em seu lar ou que seja encaminhada a uma família substituta ou ainda ao acolhimento institucional.
Nesse aspecto, podemos afirmar que não é porque a gestante está em situação de rua que terá a perda da guarda de seu filho, é, inclusive, o que dispõe o Estatuto da Criança e Adolescente, Lei n° 8.069/1990, nos termos do art. 23, §1°:
Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar . (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 1 o Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em serviços e programas oficiais de proteção, apoio e promoção. (BRASIL, 1990)
Há, portanto, uma preferência pela permanência da criança no seio familiar, a não ser em caso de exposição à situação de vulnerabilidade, situação de perigo ou maus-tratos, também com fulcro na mesma legislação, que tem como objetivo primeiro a proteção integral da criança e adolescente.
Como alude o art. 19, do ECA a criança e adolescente possuem o direitos de serem educados no ambiente familiar, sendo casos excepcionais em família substituta, tudo para lhe garantir um desenvolvimento integral em ambiente que possa lhe proporcionar avanço e experiência mais agradáveis possíveis.
De acordo com a Norma Técnica lançada em 2015 sobre o tema, o Ministério da Saúde se contrapõe à ideia de que a vulnerabilidade das mães em situação de risco, por si só, seria causa para anular direitos constituídos legalmente e constitucionalmente à mãe, direitos esses fundamentais. Nesse sentido, o Ministério da Saúde aborda também sobre a importância não só de preservar os direitos da mãe à permanência com seu filho, mas também o acesso e direito à saúde que ambos possuem.
Nos termos dessa Norma Técnica n° 001- SAS e SGEP buscam alertar que a situação debilitada e frágil dessas mulheres não são condicionantes para a eliminação ou conservação dos direitos fundamentais, o fato de usarem bebidas alcoólicas e escolherem o uso de drogas não podem interferir automaticamente no direito de permanecerem com seus filhos ou impedi-las do acesso aos serviços públicos de saúde, significa dizer que os direitos dessas mulheres em ficar com seus filhos não podem ser efetivo por imposição do Estado em deixarem as ruas ou as drogas, considerando ainda que a situação que vivem não significa necessariamente que tenha sido essa uma escolha feita por essas mulheres.
Conforme foi demonstrada, essa ideologia também é o que prescreve a lei, o interesse mais real do legislador que busca proteger os direitos das crianças e adolescentes, sem ter que sacrificar os direitos maternos, buscando meios de abrigar essas pessoas e aplicar programas que facilitem sua reintegração à sociedade, de forma que tentem sair dessa situação e dar uma vida digna e de qualidade aos filhos.
A Defensoria Pública de Minas Gerais também reporta-se ao tema, no sentido que em Resolução publicada em 2014 solicitou a criação de abrigos para promover o acolhimento às mães e aos seus recém-nascidos, ainda que sejam usuárias de entorpecentes e, por se encontrarem nas ruas, estão em situação de risco social.
Ademais, a mesma resolução requer a ampliação de políticas públicas para oportunizar a reintegração da criança e adolescente à família natural, sendo tais políticas interligadas a todos os objetivos, em conjunto com a assistência social e à saúde, evitando, assim o acolhimento institucional ou o encaminhamento a famílias substitutas.
3.Conclusão
Nesse panorama, para a efetivação e consolidação dos direitos fundamentais ora enfatizados, exige-se que tenhamos um modelo que envolva planejamento e organização, uma assistência e regionalização da política pública criada, garantindo a sua implantação na perspectiva das necessidades que possuem essas gestantes.
Dessa feita, justifica-se e reitera-se a necessidade de apoio e parceria dos setores públicos, bem como de instituições privadas e da sociedade, no fomento e promoção da conscientização de direitos, do acolhimento e proteção das mulheres em situação de rua, gerando, assim, uma sociedade mais humana e solidária, convergindo na promoção dos direitos humanos, da não-violência causada pelos reflexos das desigualdades sociais e das drogas, além do retorno e novas oportunidades à vida dessas mulheres.
4.Referências
ALMEIDA, Diana Jenifer Ribeiro de; QUADROS, Laura Cristina de Toledo. A pedra que pariu: narrativas e práticas de aproximação de gestantes em situação de rua e usuárias de crack na cidade do Rio de Janeiro. Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais, v. 11, n. 1, p. 225-237, 2016.
BRASIL, Estatuto da Criança e Adolescente, Lei n° 8.069/ 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 05 jun. 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Nota Técnica conjunta N° 001 – SAS E SGEP, em 16 de setembro de 2015. Disponível em:<http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/33/Documentos/Nota%20t%C3%A9cnica-%20diretrizes%20e%20fluxograma%20mulher%20situa%C3%A7%C3%A3o%20de%20rua. pdf>. Acesso em: 05 jun. 2020.
COSTA, Samira Lima da et al. Gestantes em situação de rua no município de Santos, SP: reflexões e desafios para as políticas públicas. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 24, n. 3, p. 1089-1102, 2015.
IPEA. (s/a) População em Situação de Rua. Disponível em: < https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/populacao-em-situacao-de-rua/populacao-em-situacao-de-rua#:~:text=Conforme%20estimativa%20realizada%20pelo%20IPEA,situa%C3%A7%C3%A3o%20de%20rua%20no%20Brasil.>. Acesso em: 03 jun. 2020.
MINAS GERAIS. Defensoria Pública. Atuação conjunta das Defensorias Públicas da União e do Estado de Minas Gerais. Recomendação Conjunta número 01/201/ODHTCMG/DPDH/DPDH/DPUC. Belo Horizonte: CRESS, 2014. Disponível em: <www.cress-mg.org.br/arquivos/Recomendacao%20Conjunta%20Defensorias.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2020.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ, 29/08/2019. (2019) Ministério Público do Paraná faz trabalho de acompanhamento do atendimento de órgãos públicos a gestantes em situação de rua em Curitiba. Disponível em: <http://www.crianca.mppr.mp.br/2019/08/21852,37/Ministerio-Publico-do-Parana-faz-trabalho-de-acompanhamento-do-atendimento-de-orgaos-publicos-a-gestantes-em-situacao-de-rua-em-Curitiba.html>. Acesso em: 05 jun. 2020.
REDE BRASIL ATUAL (2018). Projeto oferece pré-natal para gestantes em situação de rua em São Paulo. Publicado em 10/05/2018. Disponível em: < https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2018/05/projeto-oferece-pre-natal-para-gestantes-em-situacao-de-rua/>. Acesso em: 03 jun. 2020.
SUAREZ, Joana. (2019). Recife: com um bebê e sem documentos. Publicado em 09/ 09/ 2019. Disponível em: < https://apublica.org/2019/09/os-dias-de-iriana-nas-ruas-de-recife-com-um-bebe-e-sem-documentos/#:~:text=Recife%20fez%20um%20censo%20em,gestantes%20%E2%80%93%20entre%20elas%2C%20Iriana.>. Acesso em: 03 jun. 2020.
Formada em Letras (Português/Inglês); especialista em Literatura Brasileira; Bacharela em Direito e Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade del Colúmbia, Asunção, PY.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FAUSTINO, LORENA SILVA E SILVA. Direitos das gestantes em situação de rua e a proteção à criança Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jul 2020, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54971/direitos-das-gestantes-em-situao-de-rua-e-a-proteo-criana. Acesso em: 23 dez 2024.
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