Resumo: O estado puerperal é um dos elementos constitutivos do crime de infanticídio, presente no artigo 123 do Código Penal. Entretanto, há controvérsias quanto à imprecisão do seu conceito, com relação à sua duração e, também, na realização da perícia, que acontece quando os vestígios já desapareceram. Então, essas questões precisam ser discutidas para que a conduta da mulher seja enquadrada adequadamente. Nesse cenário, a Medicina Legal, a Psicologia e a Psiquiatria trazem conceitos acerca do puerpério e consideram o estado puerperal como uma ficção jurídica. Assim, no presente artigo será analisada a possibilidade de imputação do crime de homicídio com causa de diminuição decorrente do artigo 26, parágrafo único, do Código Penal ou da inimputabilidade, ao invés do infanticídio.
Palavras chave: Estado Puerperal. Infanticídio. Puerpério. Culpabilidade.
Abstract: The puerperal state is one of the constituent elements of the crime of infanticide, present in article 123 of the Penal Code. However, there are controversies regarding the imprecision of its concept, in relation to its duration and, also, in the realization of the expertise, which happens when the traces have already disappeared. So, these issues need to be discussed so that the woman's conduct is properly framed. In this scenario, Legal Medicine, Psychology and Psychiatry bring concepts about the puerperium and consider the puerperal state as a legal fiction. Thus, in the present article, the possibility of imputing the crime of homicide with cause of decrease resulting from article 26, sole paragraph, of the Penal Code or of non-accountability, instead of infanticide, will be analyzed.
Keywords: Puerperal State. Infanticide. Puerperium. Culpability.
Sumário: Introdução. 1.0 Imprevisão conceitual. 2.0 A cruz dos peritos 3.0 Culpabilidade. Considerações finais
Introdução
O presente artigo tem como objetivo o estudo acerca do estado puerperal, elemento constitutivo do crime de infanticídio exposto no artigo 123 do Código Penal, bem como a análise acerca das principais controvérsias. Visto que, faz-se necessária a tipificação adequada da conduta da mulher influenciada por esse estado puerperal, de modo a analisar a possibilidade de aplicação no crime de homicídio com causa de diminuição de pena pelo artigo 26, parágrafo único ou a sua inimputabilidade em decorrência de psicose puerperal.
“Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
“Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:
Pena - detenção, de dois a seis anos.”
O estado puerperal e a sua relevância penal é um tema problema diante da imprecisão quanto à definição desse estado, quanto ao seu lapso temporal e a insuficiência da perícia, a qual é feita muito após a conduta delitiva, quando não há mais vestígios. Assim, de modo a satisfazer a interferência do Direito Penal apenas na ultima ratio, na defesa dos bens jurídicos relevantes, é preciso uma verificação mais concreta desse estágio. Sobretudo, para realizar sua aplicação em consonância com os princípios e regras do ordenamento jurídico.
Segundo o autor Genival Veloso França, esse estado é um dos temas de grande fragilidade no que concerne a sua determinação. Ele aborda, dentre outros aspectos, os modos de averiguação se a mulher esteve grávida, do puerpério e suas características, o diagnóstico do parto para diferenciar dos outros crimes, os sinais de parto recente e dos problemas da perícia.
O autor José Ribamar Ribeira Malheiros, entretanto, disserta mais especificamente sobre as controvérsias conceituais, temporais e periciais do crime e traz soluções pertinentes para a situação.
Por fim, de modo a auxiliar no devido enquadramento legal da conduta da mãe que mata o próprio filho, duas soluções serão propostas ao final. Visto que, é preciso considerar a culpabilidade da autoria no momento da ação delitiva, que pode estar reduzida em razão de alterações provenientes do puerpério, a exemplo da depressão pós-parto. Além disso, pode ter a sua culpabilidade eliminada se tiver acometida de alguma patologia psiquiátrica, como a psicose puerperal, conforme será demonstrado.
1. Imprecisão conceitual
A doutrina jurídica diverge bastante quanto ao conceito do estado puerperal. Há controvérsia acerca do início, fim e caracterização. Isso torna o elemento do tipo penal muito inconsistente. Além disso, ainda há confusão quanto à distinção em relação ao puerpério.
Dentre as concepções acerca desse Estado, há inúmeros posicionamentos doutrinários. Delton Croce, inclusive, afirma que pode acontecer em mulheres normais, mas que por dificuldades financeiras e interpessoais sofrem uma perturbação mental:
“Modernamente, o entendimento da Medicina Legal pátria admite por influência do estado puerperal o que, via de regra, pode ocorrer com gestantes aparentemente normais, física e mentalmente, que, estressadas pelos desajustamentos sociais, dificuldades da vida conjugal e econômica, recusa neurótica da maternidade, indesejável gravidez a viúva ou na casada com homem estéril, ou ainda o estado aviltante inerente à mãe solteira, o normal sangramento, enfim, uma série de fatores situacionais constituídos pelas perturbações psicológicas da adaptação à natalidade determinam enfraquecimento da vontade, obnubilação da consciência, podendo os sofrimentos físicos e morais, acarretados pela délivrance levá-las a ocisar o próprio filho, durante ou logo após a mesma. Basta a mulher ser parturiente, ou já puérpera, nesse diapasão. Outrossim, tem sido esse também o entendimento dos doutos julgadores e aplicadores da lei, os quais, arrimando-se no magistério de Almeida Júnior, admitem a influência do estado puerperal como o efeito normal e corriqueiro de qualquer parto, afirmando que, dada a sua grande freqüência, deve ser aceita sem maior dificuldade. E, não raramente, não consideram indispensável a perícia média para comprovar o estado puerperal (RT, 598:338, 421:91)”
Heleno Fragoso, por sua vez, estabelece que não há dúvidas quanto a existência desse Estado, que sempre vai ocorrer. Só que pode não gerar efeitos danosos do crime e a fragilidade da mulher acometida de problemas decorrentes da gravidez poderá estimular a influência deste a conduta delitiva.
Damásio de Jesus afirma que são as alterações psicológicas e físicas em razão do parto. Já Alfredo Farhat apud Muakad defende a dificuldade no diagnóstico, mas que seria um caso de redução da imputabilidade.
Genival Veloso França, por outro lado, configura mediante a presença da gravidez ilegítima, oculta. Não há alterações mentais, apenas a vontade de se livrar de uma gravidez completamente indesejada.
Marcos de Almeida apud Muakad, nesse diapasão, defende ser uma ficção jurídica, pois não existe tecnicamente na Medicina Legal. O que os médicos podem comprovar é algum surto psicótico.
O entendimento que tem sido adotado, de acordo com Almeida Jr apud Irene Batista Muakad, é que a mão sofre de uma moderada perturbação:
“(...) O estado puerperal refere-se aos casos em que a mulher mentalmente sã, mas abalada pela dor física do fenômeno obstétrico, fatigada, enervada, sacudida pela emoção, vem a sofrer um colapso de senso moral, uma libertação de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho. Seria, então, uma situação intermediária, até normal, da mulher que, sob trauma da parturição e dominada por elementos psicológicos peculiares, se defronta com o produto talvez indesejado e temido, de suas entranhas (...)”
A imprecisão do conceito do crime de infanticídio refere-se ao que seja estado puerperal e quanto tempo dura. Quanto ao tempo, o Código Penal traz os termos “durante o parto” ou “logo após”. Só que surge uma controvérsia quanto ao “durante o parto”. Como pode ser nesse período se é o puerpério que causa? Como a causa está misturada com a conseqüência?
Independente desse discussão teórica é precisa identificar o início e o término do parto. O início se dá com a eliminação do tampão mucoso de Schoëreder do canal cervical para a cavidade e/ou exterior, posterior travessia do canal do parto e conseqüente nascimento para o meio exterior.
Ademais, o termo “logo após” encontra conflito. Alguns autores entendem que seria imediatamente após a saída da criança do ventre materno. Outros, no entanto, afirmam ser até o corpo da mulher retornar às condições iniciais.
O termo estado puerperal, como explicitado acima, possui definições distintas a depender do referencial teórico doutrinário utilizado. O referido estado não encontra guarida nem na perícia médica. Isso porque, não há conceito definido e nem meios concretos de verificar esse estágio, já que os vestígios desaparecem até o momento da análise. Nesse aspecto, surge uma insegurança jurídica capaz de penalizar inadequadamente a ação criminosa.
O puerpério, por outro lado, é um estado bem definido no campo da Medicina, inclusive quanto a sua duração. Ocorre com o início da gravidez e termina com a involução total das modificações conseqüentes desse período frutífero.
Não é, porém, sinônimo do estado puerperal. Então, o Direito deveria seguir a mesma linha da Medicina Legal, Psiquiatria e Psicologia. Assim, seria possível conferir tratamento mais adequado para a conduta tipificada pelo Infanticídio, ao invés de permanecer com um conceito indefinido e impossibilitado de ser periciado, já que os peritos estão desprovidos de elementos suficientes.
2. A cruz dos peritos
Não há uma conclusão precisa sobre o estão puerperal. O diagnóstico realizado tardiamente dificulta a sua averiguação. É necessário realizar uma anamnese psiquiátrica, provida de coleta de informações sobre o histórico pessoal e familiar, exames complementares e, conforme o autor Jose Ribamar Ribeiro Malheiros, análise de criminogênese e criminodinâmica:
“(...) que o examinador preste especial atenção à criminogênese e à criminodinâmica do caso, que são métodos seguros para investigar a imputabilidade do agente, A criminogênese preocupa-se em esclarecer o porquê do comportamento criminoso. Pode corresponder à própria psicopatologia criminal, como é o caso do sujeito que informa haver praticado tal ação sob o comando da voz divina. A criminodinâmica é o estudo do comportamento do indivíduo durante o iter criminis. Devem-se esmiuçar suas atividades antes, durante e depois do fato.”
A mãe deve ser periciada para que seja demonstrado o parto ocorrido recentemente ou muito antes da perícia. Além disso, é preciso considerar as condições psicológicas de modo a diagnosticar, ou não, o estado puerperal. Na criança, por sua vez, é realizada a necropsia.
No que tange à vítima, é necessária a comprovação da vida extrauterina através das docimácias, o período do tempo que permaneceu vivo e a detecção da causa da morte. Tudo isso mediante as técnicas periciais específicas.
Ao perito não é possível relatar a causa jurídica da morte. Isso ficará a cargo da autoridade investigativa. Então, é preciso descrever, por exemplo, se o feto nasceu com ou vida ou morte, a fim de possibilitar a diferenciação ao crime de aborto. Uma grande dificuldade que sofrem é quando a criança periciada é prematura, mais precisamente entre o 5º e o 6º mês gestacional. Porém, os demais exames poderão solucionar esse problema.
Para buscar os efeitos do puerpério da autora do delito, exames para a detecção de parto recente ou antigo são realizados. Quanto ao parto recente, é determinado pelas evidências físicas no corpo, como a alteração vaginal, mamária e do orifício uterino. Já que a passagem do tempo promove o desaparecimento dos traços que poderiam evidenciar a gravidez, o parto antigo é de difícil constatação.
O puerpério pode ocasionar males psiquiátricos específicos: a disforia pós-parto, depressão pós-parto e a psicose puerperal. Ambas são determinadas clinicamente. Então, há a análise de como a genitora se sentiu na gravidez e no parto, se houve ocultação de cadáver, se há recordação sobre o acontecimento e seus antecedentes de doenças mentais. Ademais, se surgir dúvida quanto a maternidade, será feito um exame de DNA com o sangue do cadáver ou algum conteúdo biológico, como a mandíbula ou osso longo, pelo maior retardo na contaminação por microorganismos.
No entanto, conforme crítica abaixo do autor José Ribamar Ribeiro Malheiros, não há nesses questionamentos do perito a investigação quanto a estado puerperal: “Em nenhum item refere-se à investigação do ‘estado puerperal’; Valoriza o passado progresso, no sentido de patologias psiquiátricas já existentes”.
O estado puerperal possui vários conceitos no âmbito médico e jurídico. Na prática forense, o que se verifica é a confusão entre o que seja puerpério e o estado puerperal. Isso porque, esse Estado é tido como um fato comum decorrente da gravidez, mas na realidade isso acontece em relação ao puerpério. Então, a presunção relativa que ocorre nos tribunais é maléfica para a tipificação do delito. A mulher pode estar acometida de uma doença psiquiátrica em função do puerpério que a torne inimputável e, caso fosse realizada a perícia, isso seria detectado.
Outro grande problema é que a perícia é normalmente realizada muito tempo depois da ocorrência do crime. Então, os sinais que poderiam evidenciar um problema psiquiátrico desaparecem. Sendo utilizada a prova testemunhal e os relatos da mãe para suprir a ausência de vestígios. Fora isso, é corriqueira a clandestinidade do delito, dificultando a determinação de responsáveis ou isenções de pena. Nesse diapasão, os laudos cadavéricos abaixo realizados em 2001 pelo IML-DF, trazidos na obra de José Ribamar Malheiros: Infanticídio. Crime ou Ficção Jurídica, demonstram a impossibilidade de determinação da causa da morte em razão da perícia realizada em parto tardio:
Laudo cadavérico de 2001-IML-DF dispôs:
“Apresentação: Cadáver em estado de putrefação, com esqueletização de face, crânio, pescoço e tórax, envolto em saco plástico. IDENTIFICAÇÃO: feminino, confirmado com a confirmação do útero encontrado íntegro, cor branca, com pele íntegra nas regiões dorsais e anterior coxa esquerda. EXAME EXTERNO: cadáver com 47 centímetros de comprimento, com características de recém-nascido entre 36 e 40 semanas, que a morte ocorreu entre 3 e 12 dias, não há sinais de fraturas ósseas, vísceras torácicas e abdominais estão em putrefação, o cérebro está liquefeito, decido as alterações da putrefação. Não tenho elementos para confirmar a causa da morte. DISCUSSÃO: Devido ao adiantado estado de putrefação não temos elementos para confirmar a causa da morte e se esta foi ou não intraútero. CONCLUSÃO: A morte ocorreu por causa indeterminada.”
Assim, é evidente a necessidade de ser desconsiderado esse fictício “estado puerperal” e verificado, em sede de perícia, o puerpério. Entretanto, faz-se obrigatória a realização da perícia em parto recente, para possibilitar o diagnóstico das patologias psiquiátricas e adequado enquadramento da conduta da genitora no homicídio, aborto ou inimputabilidade, ao invés do infanticídio.
3. Culpabilidade
A culpabilidade possui os conceitos formal e material. O formal corresponde ao juízo de imputação do agente que cometeu um ato ilícito e deve ser penalizado com uma pena em concreto. O conceito material, por sua vez, é a determinação do ser humano como responsável pelas suas atitudes danosas.
Os inimputáveis são aqueles que não possuem culpabilidade. Eles são vulneráveis e necessitam de cuidados especiais. Desse modo, não é admitida a imposição de punições mais rigorosas do que as sanções dos agentes imputáveis.
O artigo 26, parágrafo único, do Código Penal expõe que se o agente não tinha possibilidades de compreender o caráter ilícito da ação, teria uma redução da pena imposta de um a dois terços. A compreensão desse artigo é baseada na chamada culpabilidade diminuída, reduzida ou parcial. A opinião de vários autores acerca do estado puerperal no infanticídio é que nesse crime haveria exatamente esse caso de incapacidade parcial.
Porém, diante da observância do princípio da legalidade estrita, esse Estado não é claro, preciso e nem simples de detecção (para os que defendem ser possível). Então, a proposta de tratar a ação criminosa da mulher que mata o próprio filho como um homicídio com causa de diminuição de pensa em função do artigo 26, parágrafo único, é mais claro, preciso e normalmente de simples detecção pela perícia.
O grande problema é que o estado puerperal não existe como patologia nos tratados médicos. Por isso, há divisão no que concerne a sua real configuração. Nesse ínterim, seria coerente a revogação do art. 123 do Código Penal e aplicação do homicídio com redução de pena em função das alterações psicológicas e fisiológicas decorrentes do puerpério e não do fantasioso estado puerperal.
A inimputabilidade penal, por sua vez, está descrita do artigo 26 do Código Penal e o artigo 27 traz a necessidade de serem observados os critérios cronológico e biopsicológico. O critério cronológico relaciona-se com a idade do autor do delito, que não pode ser menor do que dezoito anos. Enquanto que o critério biopsicológico tem relação com a existência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto e com a redução do discernimento.
“Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
Com isso, para a constatação da inimputabilidade penal, é precisa verificar a existência de transtorno mental, o nexo de causalidade entre esse condição e se a conduta estava provida de capacidade de compreensão do seu caráter ilícito. O artigo 28 do Código Penal, porém, traz situações nas quais não há exclusão da inimputabilidade. São elas: a emoção ou a paixão e a embriaguez voluntária ou culposa.
A depender do entendimento do Tribunal do Júri, a genitora pode ser encaminhada diretamente ao banco dos réus ou há a desclassificação do homicídio para o infanticídio, sem a realização de perícia, a partir da presunção relativa. Nesse sentido, Eça apud José Ribamar Ribeiro Malheiros defende a obrigatoriedade da realização de exame médico-legal, em razão da possibilidade de ocorrência de doença mental ou atuação do art. 26, parágrafo único:
“Como podemos ver, a dúvida existente em relação à puérpera é se há ou não há uma anormalidade mental e de que ordem é ela; a conclusão a que se segue automaticamente é de que a mesma deverá sempre ser examinada por um psiquiatra, o único técnico capaz de dar uma diretriz adequada para que seja seguida pelo juiz do feito, que então, de posse do exame e suas conclusões, poderá julgar o caso e encaminhá-lo de maneira justa e adequada. Nestas condições consideramos que, se existe um artigo do código penal (art. 26) próprio para a elaboração dos exames de sanidade mental, ou seja, o artigo que ajuda a elucidar as reais condições mentais do indivíduo que cometeu um crime onde pairam dúvidas de sua integridade mental, não há porque não enviar a puérpera para exames, já que ela também apresenta alterações mentais a serem esclarecidas.”
O que não pode acontecer é a penalização injusta e indevida de mulheres que, inimputáveis, matar o próprio filho nos moldes do artigo 123 do CP.
Quando o sujeito ativo o delito se tratar de inimputável, caberá o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e posterior absolvição do réu com aplicação de uma medida de segurança. O magistrado poderá internar o inimputável ou determinar o seu tratamento ambulatorial, nos moldes do artigo 97 do CP:
“Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 3º - A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 4º - Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
A Medicina Legal, com o auxílio dos conhecimentos da Psicologia e da Psiquiatria, possui meios de diagnosticar problemas decorrentes do puerpério, como a psicose puerperal. Caso haja esse diagnóstico, será possível enquadrar a mulher como inimputável, diante da completa ausência de autodeterminação, consciência da ilicitude da conduta e discernimento.
A Psicologia e a Psiquiatria, no mesmo sentido, elucidam que a disforia pós-parto não promove a redução da consciência da parturiente. Enquanto que a depressão pós-parto promove a diminuição da culpabilidade, em consonância com o artigo 26 do Código Penal. Por fim, a psicose puerperal elimina completamente a autodeterminação feminina, tornando-a inimputável.
Considerações finais
O infanticídio é entendido por boa parte da doutrina como uma moralidade privilegiada de homicídio em razão da influência do estado puerperal, que pode acarretar diminuição do seu grau de consciência. No entanto, em função das controvérsias constantes nesse Estado quanto ao conceito, duração e perícia, não é possível a continuidade da aplicação do artigo 123 do CP. Um dos elementos desse tipo é fictício e, em respeito ao princípio da legalidade estrita, deve ser revogado.
Diante da ficção jurídica do estado puerperal, é preciso aplicar um tratamento mais condizente com a real situação da mãe que matou o seu próprio filho. Então, há a possibilidade do puerpério, e não do estado puerperal, de acarretar perturbações de modo a alterar a sua consciência. Como no puerpério é possível detectar a existência de males psíquicos através da perícia, o artigo 121 c/c artigo 26, parágrafo único do Código Penal, serão aplicados.
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Art. 26 (...) Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
O estado puerperal deve ser desconsiderado, ante a sua insuficiência conceitual e pericial. O puerpério, porém, por ser possível a sua constatação pela realização de exames, poderá ser a causa da conduta delituosa e causa de redução da culpabilidade, pela adoção do art. 26, § único, do CP.
Carmignani apud Magalhães Noronha, inclusive, define o homicídio como a destruição violenta da vida um ser humano realizada por outrem: “La strage dell’uomo ingiustamente commessa da altro uomo”
Então, a combinação do homicídio com a perturbação mental do § único do art. 26 do CP será uma medida adequada a ser adotada diante da morte da criança.
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