Um país subdesenvolvido e parcialmente afastado do sistema internacional há algumas décadas tomou uma atitude que ainda hoje desafia os estudiosos do Direito Internacional e das Relações Internacionais. Percebendo que em uma organização internacional estavam a discutir o país-sede para uma grande conferência internacional, o Estado, até então visto como pária pelos outros países, decide se aventurar numa candidatura para sediar o evento e demonstrar ao mundo que poderia ser diferente. Após uma árdua campanha, escolhido, organizou aquela que foi a maior conferência internacional do século XX, o tema era Meio Ambiente e Desenvolvimento, a cidade era o Rio de Janeiro, Brasil.
A Constituição Federal de 1988 em todo o seu texto determina uma série de condutas ao povo brasileiro, ao que, e.g., dispõe no artigo 3º, II, o objetivo fundamental de “garantir o desenvolvimento nacional”, bem como em seu artigo 4º, IX, prevê que o país atuará nas suas relações internacionais sob uma série de princípios, entre eles o da “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”, ademais da exaustiva previsão constitucional do desenvolvimento sustentável e a defesa do meio ambiente. À luz da redação constitucional e da tradição da política externa brasileira que contribuiu para a elaboração do Direito Ambiental Internacional e para o desenvolvimento econômico do país, verificamos que as condutas do país estão afetando a imagem do Brasil e quais podem ser os prejuízos sofridos pela conduta da política interna e externa, nos remetendo ao histórico da política externa nacional nas organizações internacionais e sua contribuição na formulação de um Direito Ambiental que traz louros ao país seja nas negociações diplomáticas quanto na atração de investimento estrangeiro direto.
Desde a divulgação da reunião ministerial ocorrida no dia 22 de abril, muito se especulou sobre quais seriam as reais intenções de alguns dos ministros do governo atual ou do chefe do Executivo. A mera indagação de parte de falas como a do ministro do Meio Ambiente sobre uma eventual flexibilização da legislação ambiental gerou repercussões internacionais que podem ser indesejadas ao país na seara política e econômica. Neste ponto não podemos ignorar que determinados Estados ou Blocos internacionais observam o Brasil com interesses específicos, especialmente na área comercial, como é o caso da União Europeia que, em que pese tenha assinado o acordo comercial com o Mercosul em 2019, precisa da aprovação dos parlamentos dos seus vinte e sete membros para uma possível aprovação do Acordo Mercosul-União Europeia que poderia resultar em um mercado de 780 milhões de pessoas, abrangendo 25% da economia mundial[1].
Grupos empresarias e fundos de investimento, muitas vezes formados por fundos soberanos ou pensões de determinadas categorias profissionais no Exterior, com regras mais rígidas sobre investimento e mediante a pressão interna e externa dos seus conselhos ou das populações dos seus países se veem no dilema de investirem em um país em desenvolvimento, com grande possibilidade de ganho, mas que possa ter condutas contrárias aos interesses ambientais defendidos pelos grupos. Frisamos que o temor dos impactos ambientais sobre as populações dos países desenvolvidos, muito se deu pela divulgação de imagens dos danos ambientais em várias partes do mundo que foram exibidas nos televisores dos moradores de nações desenvolvidas, como apontou Antônio Teixeira de Barros:
“A emergência da agenda ambiental, antes mesmo do êxito mediático, foi marcada pela polarização entre elementos dramáticos e racionais, desde os marcos mais remotos, em decorrência das discussões sobre as consequências da I Guerra Mundial, especialmente devido ao uso de substâncias químicas. Tal cenário antecedeu o agendamento jornalístico propriamente dito, o deu origem, inclusive, à denomina jornalismo ambiental.”[2].
Dado o grau de sensibilidade do tema, difuso por si próprio, e ainda que os atos do governo brasileiro possam apenas se resumir em discurso, não em ação efetiva, o conteúdo anunciado causa estresse nos investidores e países que mais possuem interesses no Brasil. A incerteza política, somada aos rumos da economia, convulsiona a tomada de decisão dos diversos players e pode resultar em déficits comerciais e na fuga de investimento estrangeiro direto, muito mais valioso que os capitais especulativos que aportavam no país há não muito tempo.
Se fosse possível, como em uma ilha autárquica, tomarmos atitudes estritamente soberanas e realizássemos uma série de flexibilizações legais ou infralegais em matéria ambiental, teríamos também que lidar com as “barreiras” impostas pelo Constituinte de 1988 que, perpassou toda a Constituição impondo padrões de desenvolvimento sustentável e respeito ao meio ambiente. Por mais que a teoria do controle dos atos políticos apresente limites à análise da atuação de um dos Poderes – no caso, do Poder Executivo – não se olvida que esses atos políticos devem ser respaldados no texto constitucional, que é a moldura que impõe os limites do retrato. Ficaria inviável em termos teóricos e práticos, que o artista do momento transpusesse os limites do quadro, trabalhando além do permitido ou fora das regras, assim também deve ser tratado o governante em quaisquer esferas dos entes federativos, que devem observar os limites constitucionais na sua gestão política.
No fim dos anos 1980, em paralelo a todo esforço da Assembleia Constituinte, o hercúleo esforço de juristas, ambientalistas e diplomatas brasileiros, como Paulo Nogueira Batista[3], deu a oportunidade ao país austral e periférico sediar a Conferência Rio-92, em 1992, cujos resultados reverberaram, vinte anos mais tarde, na Rio+20, provando a competência da intelectualidade, dos cientistas e da administração pública brasileira em gerir um evento daquela proporção e demonstrar que lhe interessava zelar pelo seu patrimônio natural representado pela floresta amazônica brasileira.
A atuação do país ao buscar convidar o mundo para uma conferência ambiental, apesar de parecer revolucionária, resguardava uma posição soberanista já apresentada na Conferência Ambiental de Estocolmo em 1972, mas que se renovara, apresentando uma fronte colaborativa, como típico da prática brasileira, como o saudoso chanceler Azeredo da Silveira um dia afirmou sobre o Itamaraty de que “a melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se”[4]. Foram aquelas posições brasileiras que contribuíram para uma série de princípios do Direito Ambiental assinados nas conferências ambientais e internalizados em nossa Constituição Socioambiental e no arcabouço jurídico resultante.
É pelo caráter multilateralista e do viés agregador do Brasil que o país se tornou maior, o que nos remonta a Rui Barbosa quando representou o Estado Brasileiro na II Conferência de Haia em 1907, ao defender o princípio da igualdade jurídica entre os Estados[5], ou aos episódios em que o país auxiliou na formação de instituições formuladoras de um Direito que contribuísse para o desenvolvimento nacional e internacional, como na criação da ONU ou nas conferências ambientais. Se afastar do mundo não é da nossa tradição, que sempre foi a nos renovarmos com vistas ao desenvolvimento sustentável nacional e ao crescimento do país. Relembremo-nos para o bem dos que herdarão este país.
[1] Mercosul e UE fecham maior acordo entre blocos do mundo. Disponível em <https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-06/mercosul-e-ue-fecham-maior-acordo-entre-blocos-do-mundo>. Acesso em 06 de julho de 2020.
[2] BARROS, Antônio Teixeira de. A TV como agente político da visibilidade ecológica no Brasil: uma perspectiva sociológica. Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.6, no 1, p. 273, jan./jun. 2016.
[3] LIMA, Lucas Oliveira Barbosa. O negociador – um perfil do embaixador Paulo Nogueira Batista. JUCA, Revista do Instituto Rio Branco, nº 04, p. 16, ano 2010.
[4] BARRETO FILHO, Fernando Paulo de Mello. Os Sucessores do Barão: relações exteriores do Brasil, v. 2: 1964-1985. São Paulo: Paz e Terra, 2006, p. 241.
[5] CARDIM, Carlos Henrique. A Raiz das Coisas. Rui Barbosa: O Brasil no Mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p, 183.
Mestrando em Ciências Aeroespaciais no PPGCA da Universidade da Força Aérea. Advogado e professor, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2014). Especialista em Direito Ambiental, Direito Constitucional e Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes. Tem experiência na área de Direito Público, especialmente Direito Internacional Público e Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Thiago dos Santos. O Resgate do Brasil e do Direito Ambiental Internacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2020, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54984/o-resgate-do-brasil-e-do-direito-ambiental-internacional. Acesso em: 23 dez 2024.
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Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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