Resumo: O presente artigo trata da Instrução Normativa nº 81/2020 do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Indústria e de seus aspectos polêmicos em relação as Sociedades Limitadas no contexto surgido com a Declaração dos Direitos da Liberdade Econômica.
Palavras chave. Direito Empresarial. Lei de Liberdade Econômica. Registro Empresarial. Instrução Normativa nº 81/20. DREI. Quotas preferenciais nas Sociedades Limitadas.
Introdução ao Tema
A regulamentação legal das Sociedades limitadas no Brasil remete à edição do Decreto nº 3.708/1919, chamada Lei das Limitadas. Com efeito, trata-se de um tipo societário relativamente tardio cujos pilares marcantes são a responsabilidade limitada dos sócios e a contratualidade justamente pelo fato de sua concepção ter sido idealizada com o escopo de atender aos desejos/necessidades de pequenos e médios empreendedores, possibilitando o benefício da separação patrimonial – e com isso a limitação do fator risco do empreendimento – entre os bens sociais e os pessoais daqueles que viessem a institui-la.
Com o Código Civil de 2002 e a tentativa de unificação do Direito Privado, esse tipo Societário veio a ser disciplinado em capítulo próprio daquele diploma entre os artigos 1.052 a 1.087. Se, por um lado, a atual disposição das limitadas buscou superar antigos problemas acerca da insuficiência da regulamentação anterior, por outro, promoveu-se uma aproximação das limitadas mais ligadas à aspectos burocratizantes das sociedades anônimas[1].
A bem da verdade, o anseio real era de que a dita aproximação se desse em outro sentido, qual seja: a de conferir às limitadas a possibilidade expressa de utilização de estruturas e/ou tecnologias societárias otimizantes.
A importância e interesse por essa espécie societária ultrapassa o estudo meramente acadêmico na medida em que as limitadas são com larga e absoluta vantagem o tipo societário mais escolhido por aqueles que se lançam ao exercício regular da atividade empresarial.
Assim, a forma de intervenção legislativa sobre o assunto tem o condão de ocasionar impactos positivos ou negativos na economia do país, tendo a atuação do DREI importantes implicações no dia-dia desse e dos demais tipos societários.
Desenvolvimento
2.1 A Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica e a Empresa.
É indissociável ao entendimento da Instrução Normativa nº 81/2020 do DREI a remissão ao marco legal propulsor das mudanças desburocratizantes que esse ato busca implementar, fruto da atual política econômica governamental que culminou na Lei nº 13.874/2019, conhecida como Lei da Liberdade Econômica.
Com efeito, a dita lei tem o papel contrapor e relembrar aos operadores do Direito e, porque não, a cultura jurídica como um todo que, muito embora a leitura civil-constitucional dos institutos de direito privado possibilite a repressão de condutas abusivas dos agentes privados, a aplicação dos institutos não deve afastar de outros valores iguais e constitucionalmente garantidos como a livre-iniciativa, a autonomia privada e a subsidiariedade estatal na intervenção do domínio econômico[2].
Aliais, quando se recorre a funcionalização do direito privado, especialmente quanto a releitura dos institutos civilistas como forma de reafirmação de valores constitucionalmente garantidos, na prática, constata-se que a construção doutrinária serve muitas vezes como topói apto a justificar a intervenção desmedida nas relações privadas[3] nos âmbitos legislativo, administrativo e, principalmente, judicial.
Contudo, há de se lembrar que a dita funcionalização significa a utilização de institutos permeadas por fins maiores, quais sejam, fins relativos ao atingimento de valores constitucionalmente estabelecidos[4].
Nesse sentido, a Lei da Liberdade Econômica visa resgatar o prestígio que o Constituinte Originário conferiu à livre iniciativa, à propriedade, ao papel de agente de fomento conferido ao Estado e a autonomia privada, adotando como princípios ou diretrizes fundamentais a liberdade do exercício das atividades econômicas, a boa-fé do particular perante o poder público, a intervenção subsidiária e excepcional do Estado e o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante aquele.
E por que então mencionar a ideia de funcionalização no âmbito da atividade empresarial? Simplesmente em razão da tão presente “deliberada cegueira” quanto ao papel fundamental conferido à empresa na sociedade, cumprindo sua função quando tem aptidão de gerar lucros aos seus sócios, possibilitando, de igual forma, a satisfação do interesse arrecadatório da Fazenda, bem como a conservação dos interesses dos trabalhadores, dentre outros. É dizer-se que a empresa cumpre sua função social, ainda que de forma difusa, quando individualmente contribui para o aumento do nível de bem estar social, maximizando sua utilidade.
É no contexto de reconhecimento da importância conferida à atividade empresarial e da necessidade de criação de um ambiente favorável para a consecução de das finalidades daquela, de maneira a fomentar um ciclo virtuoso de livre mercado, que a Lei da Liberdade Econômica está inserida.
2.2 As Sociedades Limitadas e a IN 81/20 do DREI
Dentro desse contexto, é que o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) editou a Instrução Normativa nº 81 de 10 de junho de 2020. Da leitura do referido ato administrativo regulamentar, verifica-se louvável tentativa de atender antigas demandas do mercado, das Juntas Comerciais e de modernização das relações por ela regidas. Trata-se de instrução calcada em três diretrizes, quais sejam: a simplificação, a desburocratização e a uniformização.
Em decorrência disso, foram consolidados em um único ato normativo regras sobre o registro empresarial, revogando 56 normas anteriores, sendo 44 instruções normativas e 12 ofícios circulares. Com isso, além de buscar facilitar o acesso à informação e uniformizar as orientações a serem adotadas pelas Juntas Comerciais nos Estados, também se preocupou com autorização expressa de procedimentos menos dispendiosos aos particulares.
Dentre as alterações, podem ser indicadas como as mais relevantes: i) a revisão e simplificação de atos normativos, ii) mudanças no registro do nome empresarial, iii) possibilidade de transformação de associações e cooperativas em sociedades empresariais, iv) desnecessidade de reconhecimento de firma, v) integralização do capital da EIRELI, vi) ampliação do registro automático e o vii) reconhecimento da instituição de quotas preferenciais nas limitadas.
No que diz respeito a relação da IN 81 e as sociedades limitadas, entende-se que o principal e mais polêmico item do citado ato regulamentar fora a possibilidade expressa de se instituir no âmbito daquele tipo societário quotas de classes distintas segundo dispuserem os sócios no contrato social, tal qual como ocorre nas sociedades anônimas. A regência supletiva das limitadas pelas normas da S/A – Lei nº 6.404/76 – pode ser tanto expressa quanto presumida[5].
Favoravelmente à alteração, pode-se argumentar que o art. 1.055 do Código Civil claramente permite a existência de quotas do capital social ao mencionar que elas serão iguais ou desiguais, sem especificar quais limitações de direitos, sejam eles políticos ou econômicos. Nesse trilhar, resta evidente que não há vedação expressa na legislação que, por exemplo, a restrinja a possibilidade de quotas sem direito de voto. Desfeita, prestigia-se a autonomia privada e a liberdade contratual.
No âmbito privado, nunca é demais esquecer a lição no sentido de que o que não está proibido é passível de ser regulado pela autonomia das partes contratantes, eis que não se visualiza qualquer lesão à norma de ordem pública quando da restrição de direitos disponíveis dos sócios ao resolverem instituir uma LTDA com quotas desiguais.
Nesse mister, também é importante mencionar que as quotas preferenciais sem direito à voto não serão consideradas para fins de contabilização dos quóruns de instalação e deliberação previstos no Código Civil, o que, de certa forma, simplifica o tão confuso e intricado tratamento legal na matéria.
Em sentido contrário, argumenta-se que a Instrução Normativa teria ido além do caráter meramente regulamentar e imprimiu inovação normativa através de ato infralegal. E por tal razão, poderá a alteração desaguar na litigiosidade no âmbito societário já que o CC/02, por exemplo, ao tratar das deliberações sociais faz referência ao capital social, e não “ao capital votante”.
Outras alterações de interesse das limitadas com relação mais íntima a diretriz da desburocratização de procedimentos e, via de consequência, da redução de custos ao empreendedor são a necessidade de apenas 03 publicações para convocação dos sócios em órgão oficial e/ou jornal de grande circulação e a facilitação da cessão de quotas na medida em que não se exige a confecção de instrumento público para tanto.
Conclusão
Pode-se concluir que a Instrução Normativa nº 81/20 do DREI representa uma decorrência lógica de um movimento iniciado com a Lei de Liberdade Econômica, tendo como pano de fundo político-econômico a busca por eficiência econômica por meio da desburocratização para o exercício da atividade empresarial.
As sociedades limitadas demanda, enquanto tipo societário que representa mais de 90% dos registros empresariais, especial atenção nesse ponto.
A modernização desse tipo societário, conferindo tecnologias ou institutos jurídicos que permitam a maximização da utilidade da pessoa jurídica e, igualmente, a adoção de medidas regulatórias que importem em redução dos custos operacionais é um movimento necessário à superação dos entraves e ao fomento econômico, fazendo com que, de fato, exista um ambiente favorável para que a limitada possa cumprir a sua função social.
Nesse diapasão, muitas vezes se esquece que a sociedade limitada tem como base um contrato que dispõe sobre direitos patrimoniais. Assim, deve ser dado aos seus instituidores a faculdade de se utilizar dos instrumentos legais que agreguem dinamicidade ao negócio, possibilitando maiores chances de sucesso do empreendimento.
E nesse contexto que, em que pese eventual crítica, a INº 81/2020 representa importante avanço na simplificação e fomento das limitadas, agregando mais utilidade a esse tipo societário.
Referências
HUPSEL, Felipe Teixeira. Aplicabilidade de práticas e mecanismos de governança corporativa ao perfil típico das sociedades limitadas. Disponível em http://dspace.insper.edu.br/xmlui/bitstream/handle/11224/1968/FELIPE%20TEIXEIRA%20HUPSEL%20DE%20AZEVEDO_Trabalho.pdf?sequence=1, acesso em 05.07.2020.
ACCIOLY, João C. de Andrade Uzêda. Hermenêutica pro Libertatem. In: Comentários a Lei de Liberdade Econômica: Lei 13.874/2019/ coordenadores Floriano Peixoto Marques Neto, Otavio Luiz Rodrigues Júnior, Rodrigo Xavier Leonardo. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.
COASE, Ronald H. A Firma, o Mercado e o Direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017.
SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006.
[1] “(...) Ao contrário dos dispositivos previstos no Decreto nº 3.708, o atual regime jurídico aplicável às sociedades limitadas, trazido pelo Código Civil, notabiliza-se, segundo os críticos do atual regime, por sua estrutura mais complexa e por possuir um maior número de regras e procedimentos que devem ser observados pelos sóciosdas limitadas, reduzindo-lhes a liberdade contratual mencionada acima, tornando as sociedades limitadas mais burocráticas e complexas e aumentando seus custos operacionais e de manutenção em comparação comas antigas sociedades por quotas de responsabilidade limitada”. HUPSEL, Felipe Teixeira. Aplicabilidade de práticas e mecanismos de governança corporativa ao perfil típico das sociedades limitadas. Disponível em http://dspace.insper.edu.br/xmlui/bitstream/handle/11224/1968/FELIPE%20TEIXEIRA%20HUPSEL%20DE%20AZEVEDO_Trabalho.pdf?sequence=1, acesso em 05.07.2020.
[2] “(...) A positivação da regra da interpretação pro libertatem é assim uma forma de tentar mitigar o desrespeito à livre-iniciativa, ao contrato e à propriedade, cuja proteção existe muito mais na lei escrita que no direito efetivamente praticado no País. Por um lado, busca “lembrar” que mesmo a constituição prevê a liberdade de iniciativa como um de seus fundamentos; por outro, por ser voltada nesse contexto às atividades econômicas privadas, determina que nessas se privilegie a escolha dos objetivos particulares, deixando objetivos públicos para a esfera pública e permitindo que o direito privado se torne mais privado”. ACCIOLY, João C. de Andrade Uzêda. Hermenêutica pro Libertatem. In: Comentários a Lei de Liberdade Econômica: Lei 13.874/2019/ coordenadores Floriano Peixoto Marques Neto, Otavio Luiz Rodrigues Júnior, Rodrigo Xavier Leonardo. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, pag. 21.
[3] A dita intervenção desmedida do Estado é alvo de contundente crítica por parte de Coase, para quem: “(...) A questão sobre a eventual existência de uma presunção de necessidade intervenção governamental, quando se observa uma ‘externalidade’, depende das condições de custo na economia em questão” e continua o autor “(...) os estudos realizados nos Estados Unidos em anos recentes sobre os efeitos da regulação, que abordam desde a atividade agrícola até o zoneamento, e que indicaram que a regulação em geral piorou a situação, apoiam esse ponto de vista”. COASE, Ronald H. A Firma, o Mercado e o Direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017, p. 27/28.
[4] SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006, p. 204.
[5] É o que se conclui da leitura do item 5.3 do Anexo da IN 81/20 no capítulo concernente às limitadas, senão vejamos:
Para fins de registro na Junta Comercial, a regência supletiva:
I - poderá ser prevista de forma expressa; ou
II - presumir-se-á pela adoção de qualquer instituto próprio das sociedades anônimas, desde que compatível com a natureza da sociedade limitada, tais como:
a) quotas em tesouraria;
b) quotas preferenciais;
c) conselho de administração; e
d) conselho fiscal.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife. Pós Graduado em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Filipe Alves de Lima. As Sociedades Limitadas e a Instrução Normativa nº 81/20 do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 ago 2020, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54991/as-sociedades-limitadas-e-a-instruo-normativa-n-81-20-do-departamento-nacional-de-registro-empresarial-e-integrao. Acesso em: 23 dez 2024.
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