A prática da advocacia pública possui nuances que, não raro, sequer têm aprofundamento recorrente na seara da doutrina. Uma das questões urgentes e que afligem aos militantes dessa Função Essencial à Justiça – sem sombra de dúvidas – é a fase executória.
Nesse toar, é certo que o ordenamento jurídico garante às partes a prestação jurisdicional efetiva e em tempo razoável, consoante preveem os artigos 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal (CF) e 4º, 6º, 8º e 139, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC).
Em que pese essa premissa basilar, a celeridade processual e a razoável duração do trâmite de ações devem se acoplar ao devido processo legal, a ampla defesa e ao contraditório pleno, conforme estipulam os artigos 5º, incisos LIV e LV, da CF e 7º do CPC.
Na seara da fase executória essa celeuma dicotômica ganha maior relevo, haja vista que de um lado há o credor ansioso em busca da satisfação de seu crédito e, de outro, o devedor preocupado a quem competirá arcar com os ônus da condenação. Há uma tendência natural, por isso, de que o exequente tenha pressa e o devedor precaução.
A par disso, não obstante a cautela de costume na atuação dos membros da advocacia pública, a realidade de judicialização em massa contra a Fazenda Pública acaba por gerar situações onde não se consegue obter informações precisas da Administração Pública acerca da real situação do exequente, inclusive pelos prazos processuais curtos e preclusivos.
Assim, não é incomum ocorrer o pagamento em duplicidade de fornecedores (exequentes) que, inconformados com uma demora no cumprimento de um contrato administrativo, acabaram ajuizando uma demanda perante o Poder Judiciário; porém não informaram em juízo que receberam a quantia postulada posteriormente na seara administrativa, em evidente violação ao dever processual de boa-fé e cooperação (artigos 5º e 6º do CPC) e à vedação ao enriquecimento sem causa (artigo 884 do Código Civil).
Ainda, existem casos de ajuizamento de ações em ofensa aos institutos da coisa julgada (artigos 5º, inciso XXXVI, da CF, e 337 do CPC) e da litispendência (artigos 337 e 502 do CPC), numa reiteração maliciosa de demandas em face da Fazenda Pública.
Lado outro, nem mesmo a Fazenda Pública acaba comunicando essa quitação voluntária à advocacia pública para fins de peticionamento em juízo, em razão da falta de planejamento, diálogo e de condições materiais e humanas para esse mister. E essa ausência de cruzamento de dados gera não só o citado pagamento em duplicidade, mas, em alguns casos, a movimentação da máquina judiciária por anos em busca da satisfação de um crédito já adimplido.
Visando a solucionar essa questão, a Procuradoria Geral da União (PGU) editou a Portaria nº 16, de 21 de julho de 2020, a qual disciplina a realização de pesquisas auxiliares nas execuções e cumprimentos de sentença em face da União, bem como os procedimentos aplicáveis na análise de conformidade das requisições de pagamento.[1]
Segundo a mencionada portaria, as pesquisas auxiliares objetivam fornecer subsídios complementares para a impugnação da pretensão executória. A análise de conformidade das requisições de pagamento competirá ao Advogado da União responsável pela tarefa judicial relativa aos precatórios e requisições de pequeno valor e pressupõe as seguintes etapas: a) conformidade contábil pela análise de aderência integral dos cálculos aos parâmetros definidos pelo título judicial; e b) conformidade jurídica mediante a análise da juridicidade da requisição de pagamento.
Assim, caberá ao Advogado da União solicitar a análise contábil da requisição de pagamento, a ser realizada pelo Departamento de Cálculos e Perícias da Procuradoria-Geral da União ou Núcleo Executivo de Cálculos e Perícias competente.
Visando a coibir os pagamentos em duplicidade e os casos de violação à coisa julgada e à litispendência, a Portaria nº 16/2020 estipula que:
CAPÍTULO II
Das PESQUISAS AUXILIARES
Art. 4º Recebida a citação da execução ou a intimação do requerimento de cumprimento de sentença, os Advogados da União devem solicitar pesquisas auxiliares ao setor administrativo da Procuradoria-Geral da União ou do órgão de execução responsável pelo processo com o intuito de identificar:
I - os pagamentos realizados administrativa ou judicialmente aos exequentes, no mesmo processo ou em processos com idêntico objeto, ainda que a União não seja parte do processo; e
II - as ações judiciais individuais ou coletivas com objetos idênticos ao daquela que originou a execução ou cumprimento de sentença, buscando instruir análise de litispendência e coisa julgada.
§ 1º As pesquisas auxiliares poderão ser realizadas em outro momento processual, restringindo-se o novo relatório ao período não abrangido por eventual pesquisa anterior, ou ter por objeto também a identificação de eventuais débitos dos exequentes em face da Administração Pública Federal direta e indireta, desde que haja solicitação expressa do Advogado da União para essa finalidade.
§ 2º Incumbe às chefias dos órgãos de execução definir o fluxo interno para realização das pesquisas auxiliares em seus setores administrativos.
Art. 5º O resultado das pesquisas auxiliares será documentado em relatório e juntado ao sistema SAPIENS, constando, no mínimo, os resultados das consultas aos seguintes sistemas:
I - Sistema SAPIENS;
II - Banco de Pagamentos Judiciais - PAGJUDICIAIS/DCP/PGU; e
III - Sistema de Cálculos e Perícias da Advocacia-Geral da União - SICAP/DCP/PGU, quando se tratar de demandas relativas a pagamento ou incorporação de 3,17% ou 28,86%.
§ 1º O relatório com o resultado das consultas indicará o objeto das ações judiciais, permitindo a identificação de eventual litispendência ou coisa julgada, assim como o risco de pagamento em duplicidade.
§ 2º Na análise do relatório de que trata o §1º, o Advogado da União poderá desconsiderar de imediato as ações judiciais com indicativo de litispendência ou coisa julgada e de pagamento em duplicidade cujo objeto seja diverso daquele tratado no processo de execução ou no cumprimento de sentença sob sua responsabilidade.
§ 3º O resultado das pesquisas auxiliares poderá constar do Parecer Técnico elaborado pelo Departamento de Cálculos e Perícias da Procuradoria-Geral da União ou pelo Núcleo Executivo de Cálculos e Perícias competente, em caso de análise contábil concomitante.
Art. 6º As pesquisas auxiliares devem ser realizadas quando o valor da execução superar 60 (sessenta) salários mínimos.
§ 1º O valor indicado no caput corresponde à quantia total cobrada por cada exequente ou substituído, excluídos os honorários advocatícios ou periciais.
§ 2º O previsto neste artigo não autoriza a abstenção da prática das medidas judiciais cabíveis, em relação a execuções de valor inferior ao previsto no caput, quando, por qualquer outro meio, o Advogado da União tiver conhecimento de alguma causa extintiva, impeditiva ou modificativa da obrigação.
Sob outra perspectiva, a análise de conformidade nos moldes da citada portaria se dará da seguinte forma:
CAPÍTULO III
DA ANÁLISE DE CONFORMIDADE DAS REQUISIÇÕES DE PAGAMENTO
Seção I
Das providências preliminares
Art. 7º Recebida a intimação da requisição de pagamento, compete à Secretaria Judiciária da Procuradoria-Geral da União ou do respectivo órgão de execução, ou ao serviço de Apoio Jurídico com funções correspondentes, conforme normas de organização interna da unidade, adotar as seguintes providências:
I - cadastrar os processos no SAPIENS, de forma apropriada, indicando, caso ainda não tenha sido feito:
a) a relação de beneficiários, com nome completo e CPF; e
b) o valor executado, no campo "VALORES".
II - criar e distribuir a tarefa judicial "ANALISAR INTIMAÇÃO" para o setor ou Advogado da União responsável pela análise de conformidade;
Parágrafo único. À Coordenação-Geral de Gestão Judicial da Procuradoria-Geral da União é facultada a emissão de orientações complementares acerca da operacionalização e do registro de pagamentos judiciais no SAPIENS.
Seção II
Da análise de conformidade jurídica
Art. 8º Compete ao Advogado da União, a quem for distribuída a tarefa judicial oriunda da intimação de expedição da requisição de pagamento ou a tarefa administrativa decorrente do ofício requisitório, analisar a juridicidade da requisição de pagamento.
Art. 9º A análise da juridicidade consiste na observância do cumprimento dos requisitos constitucionais, legais e regulamentares da requisição de pagamento, especialmente quanto:
I - ao trânsito em julgado ou ausência de controvérsia sobre o valor requisitado, nos termos da Súmula da Advocacia-Geral da União nº 31, de 9 de julho de 2008; e
II - à necessidade de adoção de medida judicial capaz de impedir ou suspender o pagamento da requisição.
Seção III
Da análise de conformidade contábil
Art. 10. O Advogado da União deve avaliar, no caso concreto, se os elementos constantes dos autos permitem a análise da conformidade jurídica e contábil sem a necessidade de remessa do feito ao Departamento de Cálculos e Perícias da Procuradoria-Geral da União ou ao Núcleo Executivo de Cálculos e Perícias competente.
§ 1º Quando necessária, nova análise contábil deve ser solicitada mediante remessa de "Comunicação" da espécie "ANALISAR REQUISIÇÃO DE PAGAMENTO", nos termos da Portaria PGU nº 1, de 1º de março de 2017.
§ 2º A análise contábil é dispensada quando:
I - o valor da requisição de pagamento não superar R$ 10.000,00 (dez mil reais);
II - o valor da requisição de pagamento coincidir com o valor reconhecido pela União em manifestação anterior; ou
III - seja possível verificar, de plano, que o excesso da requisição de pagamento não supera 20% (vinte por cento) do valor reconhecido pela União, desde que a diferença não ultrapasse R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
§ 3º Ainda que não caracterizada a hipótese do inciso II do § 2º, a análise contábil da requisição de pagamento pode ser dispensada, independentemente do valor, quando houver prévia manifestação sobre os aspectos contábeis dos cálculos que embasaram a requisição e não tenha havido alteração dos critérios anteriormente utilizados, especificamente quanto ao período de abrangência da condenação (início e término), à taxa e ao período de incidência dos juros de mora e aos índices da correção monetária.
§ 4º As dispensas previstas nos parágrafos anteriores não se aplicam quando o Advogado da União solicitar nova análise contábil com amparo em teses supervenientes que possam implicar a redução dos valores requisitados ou a extinção da obrigação.
Art. 11. Compete ao Departamento de Cálculos e Perícias da Procuradoria-Geral da União ou ao Núcleo Executivo de Cálculos e Perícias realizar, por solicitação do Advogado da União responsável pela tarefa judicial, a análise contábil dos valores objeto das requisições de pagamento, evidenciando em parecer técnico quaisquer divergências em relação:
I - aos critérios fixados na decisão que determinou o pagamento em relação ao período de abrangência da condenação (início e término), à taxa e ao período de incidência dos juros de mora e demais encargos e aos índices e à metodologia de aplicação da correção monetária;
II - ao percentual e ao valor final dos honorários advocatícios;
III - aos erros materiais identificados, indicando as correções realizadas; ou
IV - à dedução de pagamentos feitos, indicados pelo Advogado da União do processo.
Essas medidas, uma vez implantadas, servirão de instrumento para o devido combate ao desperdício de recursos públicos, bem como à instrução de possíveis ações de ressarcimento ao erário. Uma ferramenta como essa vai ao encontro da necessidade de se combater a própria impunidade e corrupção, como bem assevera a doutrina de Lucas Rocha Furtado – Subprocurador Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU):
Como resultado desse imenso quadro, temos o crescente sentimento de impunidade, que cria a ideia de que desviar recursos públicos é um bom negócio, de que fraudar o Estado envolve muito poucos riscos. No Brasil, portanto, ao contrário do que deveria ocorrer, nenhum efeito a coercibilidade – que na técnica jurídica deveria funcionar como freio à prática do ato ilícito na medida em que deveria criar o temor ou receio de punição pelo cometimento da infração – exerce sobre o infrator, pois o sentimento que mais prospera é o da impunidade.[2]
Por isso mesmo o planejamento acerca dos atos praticados na seara processual, a partir de informações colhidas diretamente no âmago da Administração Pública no momento do exercício da função constitucional da advocacia pública, contempla o próprio princípio da eficiência administrativa. Nesse sentido é a doutrina:
Mas que é eficiência? No Dicionário Aurélio, eficiência é 'ação, força virtude de produzir um efeito; eficácia.'
Ao que nos parece, pretendeu o 'legislador' da Emenda 19 simplesmente dizer que a Administração deveria agir com eficácia. Todavia, o que podemos afirmar é sempre a Administração deveria agir eficazmente. É isso o esperado dos administradores.
Todavia, acreditamos possa extrair-se desse novo princípio constitucional outro significado aliando-se-o ao art. 70 do texto constitucional, que trata do controle do Tribunal de contas.
Deveras, tal controle deverá ser exercido não apenas sobre a legalidade, mas também sobre a legitimidade e economicidade; portanto, praticamente chegando-se ao cerne, ao núcleo, dos atos praticados pela Administração Pública, para verificação se foram úteis o suficiente ao fim a que se preordenavam, se foram eficientes.[3]
Frente ao exposto, entende-se que andou bem a Procuradoria Geral da União (PGU) ao editar a Portaria nº 16, de 21 de julho de 2020, haja vista que direcionou a atuação de seus membros para o efetivo combate ao desperdício de recursos públicos, otimizando o comportamento processual da Fazenda Pública em juízo, modelo tal que merece ser replicado pelas Procuradorias Gerais dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com as devidas adaptações às suas respectivas realidades locais.
[1] BRASIL. Advocacia Geral da União (AGU). Disponível em: <https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-16-de-21-de-julho-de-2020-267957131>. Acesso em: 02 ago. 2020.
[2] FURTADO, Lucas Rocha. As Raízes da Corrupção no Brasil – Estudo de caso e lições para o futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2015.
[3] FIGUEIREDO, Lúcia Vale. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 60.
Procurador do Estado de Alagoas. Advogado. Consultor Jurídico. Ex-Conselheiro do Conselho Estadual de Segurança Pública de Alagoas. Ex-Membro de Comissões e Cursos de Formação de Concursos Públicos em Alagoas. Ex-Membro do Grupo Estadual de Fomento, Formulação, Articulação e Monitoramento de Políticas Públicas em Alagoas. Ex-Técnico Judiciário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Ex-Estagiário da Justiça Federal em Alagoas. Ex-Estagiário da Procuradoria Regional do Trabalho em Alagoas. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALHEIROS, Elder Soares da Silva. A realização de pesquisas auxiliares nas execuções, cumprimentos de sentença e requisições de pagamento em face da União Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 ago 2020, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55005/a-realizao-de-pesquisas-auxiliares-nas-execues-cumprimentos-de-sentena-e-requisies-de-pagamento-em-face-da-unio. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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