RESUMO: O presente artigo aborda a possibilidade de previsão por legislações municipais e estaduais da hipótese de dação em pagamento de bens imóveis como forma extintiva do crédito tributário anteriormente à edição da Lei Complementar nº 104/2001. O diploma legislativo federal em questão incluiu expressamente a hipótese no rol de causas extintivas do Código Tributário Nacional. Este trabalho visa, portanto, analisar se essa possibilidade já poderia ser veiculada por legislação local ou se passou a ser possível apenas após a sua inclusão no art. 156 do Código Tributário Nacional.
Palavras-chave: Crédito tributário. Extinção. Dação em pagamento de bens imóveis. Lei Complementar nº 104/2001.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Breves considerações sobre tributo e extinção do crédito tributário 3. Da possibilidade de previsão, por legislação estadual e municipal, de hipótese de extinção do crédito tributário por dação em pagamento de bens imóveis antes da modificação introduzida pela LC nº 104/2001 – análise da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal 4. Conclusão.
1. Introdução
A Lei Complementar nº 104/2001 incluiu no rol do art. 156 do CTN o inciso XI, passando a prever como uma das causas de extinção do crédito tributário a dação em pagamento em bens imóveis. Sobre essa nova previsão, indaga-se: A hipótese de dação em pagamento de bens imóveis como causa extintiva do crédito tributário altera a cláusula do art. 3º do CTN quanto à prestação tributária qualificar-se como estritamente pecuniária? São válidas as previsões de extinção do crédito tributário por dação em pagamento de bens imóveis em legislações municipais e estaduais antes da Lei Complementar nº. 104/01?
2. Breves considerações sobre tributo e extinção do crédito tributário
De acordo com o art. 3º do CTN, o tributo, dentre outras características, é uma prestação pecuniária. O art. 156 do mesmo diploma, por sua vez, prevê as hipóteses de extinção do crédito tributário.
Após a modificação introduzida pela LC nº 104/2001, o inciso XI do art. 156 do CTN passou a prever como uma das causas de extinção do crédito tributário a dação em pagamento em bens imóveis. Para a melhor doutrina, não se pode tomar a referida autorização como uma derrogação da definição de tributo como prestação pecuniária.
De acordo com Paulo de Barros Carvalho, não há porque confundir a regra-matriz de incidência tributária, que, no espaço sintático de consequente, traz elementos de uma relação jurídica cuja prestação consubstancia a entrega de certa soma em dinheiro, e a norma jurídica extintiva, que prevê, no seu antecedente, a hipótese de realização da dação de imóveis e, no consequente, enunciados que serão utilizados para, no cálculo lógico das relações normativas, fazer desaparecer o crédito tributário. Vê-se que a regra-matriz de incidência continua veiculando o dever de pagar em pecúnia, jamais mediante entrega de bens. A norma individual e concreta decorrente da regra-matriz também estipulará um valor pecuniário no interior da relação jurídico-tributária. Outra norma preverá a possibilidade de o contribuinte satisfazer a obrigação mediante a entrega de bem imóvel.[1]
De maneira mais simplista, também é possível apontar o fato de o próprio art. 3º prever que o tributo é prestação pecuniária em moeda, ou cujo valor nela possa se exprimir, sendo possível entender que outras utilidades que possam ser expressas em moeda (caso dos bens imóveis) a esta equivaleriam, não conflitando a previsão de dação em pagamento com o conceito de tributo previsto pelo CTN.
3. Da possibilidade de previsão, por legislação estadual e municipal, de hipótese de extinção do crédito tributário por dação em pagamento de bens imóveis antes da modificação introduzida pela LC nº 104/2001 – análise da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
Com relação ao segundo questionamento, importante tecer alguns apontamentos. Em primeiro lugar, o CTN não previa, originariamente, a dação em pagamento como forma de extinção do crédito tributário no rol do seu art. 156. Por entenderem que o rol do mencionado artigo seria exaustivo e que, por se tratar de norma geral em direito tributário, só poderia ser modificado/acrescido por lei complementar federal (CF, art. 146, III), muitos autores defenderam a ideia de que leis estaduais e municipais não poderiam criar novas formas de extinção do crédito tributário.
A mesma doutrina passou a entender que apenas após a inserção do inciso XI no art. 156 (Extinguem o crédito tributário: (...) XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei) leis estaduais e municipais poderiam regular a extinção de créditos tributários por dação em pagamento de bens imóveis. Desta forma, seriam inconstitucionais as leis que dispusessem sobre dação em pagamento de bens imóveis como forma de extinção de créditos tributários anteriores à publicação da LC 104/2001, por não estarem albergadas nas modalidades de extinção do crédito tributário até então chanceladas pelo CTN.
Parecendo adotar o entendimento acima esposado, o STF, no julgamento da ADI 1.917/DF, declarou a inconstitucionalidade da lei ordinária distrital n.º 1.624/1997, que criava hipótese nova de extinção do crédito tributário por dação em pagamento de bens móveis (materiais de construção).
Em aparente contradição e virada jurisprudencial (confirmando medida cautelar já deferida), recentemente, em 20.09.2019, o Supremo Tribunal Federal julgou definitivamente a ADI 2.405/RS e tratou, entre outras matérias, da possibilidade de criação de nova modalidade de extinção de crédito tributário por lei estadual. Nesse caso, a Corte estabeleceu expressamente a premissa de que o rol do art. 156 não é exaustivo. Um dos principais argumentos nesse sentido foi a adoção da teoria dos poderes implícitos. Recorta-se do voto do Ministro Relator Alexandre de Moraes[2]:
O Código Tributário Nacional, no texto acrescentado pela Lei Complementar n. 104/2001, só prevê a dação de imóveis, o que não impede, a nosso ver, que outros bens (títulos públicos, por exemplo) sejam utilizados para esse fim, sempre, obviamente, na forma e condições que a lei estabelecer”.
(...)
O rol do art. 156 não é exaustivo. Se a lei pode o mais (que vai até o perdão da dívida tributária) pode também o menos, que é regular outros modos de extinção do dever de pagar tributo. A dação em pagamento, por exemplo, não figurava naquele rol até ser acrescentada pela Lei Complementar n. 104/2001; como essa lei só se refere à dação de imóveis, a dação de outros bens continua não listada, mas nem por isso se deve considerar banida. Outro exemplo, que nem sequer necessita de disciplina específica na legislação tributária, é a confusão, que extingue a obrigação se, na mesma pessoa, se confundem a qualidade de credor e a de devedor (CC/2002, art. 381). Há, ainda, a novação (CC/2002, art. 360)”. (AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014, pp. 416/417)
(...)
No mesmo sentido, cite-se trecho de artigo de autoria de MARCELO RODRIGUES MAZZEI, ALEXSANDRO FONSECA FERREIRA E ZAIDEN GERAIGE NETO, publicado na Revista Tributária e de Finanças Públicas (vol. 119, nov-dez/2014, Revista dos Tribunais, p. 165): “Como visto, é constitucional que os Estados, Distrito Federal e Municípios legislem sobre novas causas de extinção de seus créditos tributários. Isso porque o rol constante no art. 156 do CTN não é exaustivo, admitindo outras formas de extinção do crédito, como é o caso do instituto da confusão, onde ha coincidência entre a figura do credor e do devedor na mesma relação jurídica. Igualmente, dentro dos efeitos da teoria dos poderes implícitos, mostra-se incoerente a situação jurídica onde o ente federativo credor possa anistiar ou remitir o débito do devedor (plus) e não possa legislar sobre outra forma de pagamento do seu crédito (minus).”
O relator fez, ainda, um distinguishing com o julgamento da ADI 1.917, anteriormente mencionada, ressaltando que o ponto principal do julgamento de inconstitucionalidade naquela oportunidade foi a discussão sobre o desrespeito ao processo licitatório, e não propriamente a instituição de nova forma de extinção de crédito tributário, nas palavras do Ministro. Como bem já apontava André Mendes Moreira, analisando a jurisprudência do STF, a dação em pagamento de bens móveis pode ser admitida como forma de extinção do crédito tributário desde que não fira o princípio da licitação na aquisição de materiais pelo Administração Pública, é dizer, que a não seja direcionada a determinados segmentos da economia e que busque, efetivamente, atender o interesse público, sem casuísmos que poderiam privilegiar, por via oblíqua, potenciais fornecedores de materiais para a Administração que estivessem em débito perante esta.[3]
4. Conclusão
Em conclusão, e interpretando a recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as previsões em legislações municipais e estaduais anteriores à Lei Complementar n.º 104 de extinção do crédito tributário por dação em pagamento de bens imóveis (ou mesmo móveis ou outras formas de extinção do crédito tributário, como se viu) não são inconstitucionais sob o prisma do artigo 146, III, da CF, podendo estar maculadas por outros vícios de constitucionalidade, como foi o caso da Lei n.º 1.624/1997 (dotada de ofensas aos princípios da Administração Pública).
5. Referências
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. Salvador: Ed. JusPodivm, 2019.
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 1º Jul. 2020.
_______, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm>. Acesso em 1º Jul. 2020.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011.
CONRADO, Paulo César. Compensação Tributária e Processo. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
MOREIRA, André Mendes. CAUSAS EXTINTIVAS DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO E A PSEUDO-TAXATIVIDADE DO ART. 156 DO CTN - X Congresso Nacional de Estudos Tributários. Editora Noeses: São Paulo, 2013.
NOTAS:
[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 558.
[2] Inteiro teor disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=751044400
[3] MOREIRA, André Mendes. CAUSAS EXTINTIVAS DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO E A PSEUDO-TAXATIVIDADE DO ART. 156 DO CTN - X Congresso Nacional de Estudos Tributários. Editora Noeses: São Paulo, 2013, p. 6.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialização em curso no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVES, Ana Maria Fernandes de França. Dação em pagamento de bens imóveis como causa extintiva do crédito tributário: possibilidade de sua previsão por legislações municipais e estaduais anteriormente à edição da Lei Complementar nº 104/2001 e Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 ago 2020, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55011/dao-em-pagamento-de-bens-imveis-como-causa-extintiva-do-crdito-tributrio-possibilidade-de-sua-previso-por-legislaes-municipais-e-estaduais-anteriormente-edio-da-lei-complementar-n-104-2001-e-jurisprudncia-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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