RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo aprofundar a compreensão sobre a responsabilidade civil do médico, apresentando aspectos sociais, psicológicos e jurídicos, diante da multidisciplinaridade do tema. Para tanto, o trabalho aborda as profundas mudanças sociais ocasionadas pela sociedade contemporânea, de que forma tais mudanças agravaram os danos médicos, a diferenciação da obrigação de meio e resultado, as características processuais quanto ao ônus da prova, a configuração da culpa médica e o caso peculiar da cirurgia plástica.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A obrigação de meio e de resultado; 3. A responsabilidade civil do médico; 4. A inversão do ônus da prova; 5. A culpa médica; 6. O dano médico; 7. A cirurgia plástica; 8. Conclusão 9. Referências.
1.Introdução
As doenças e as dores são inerentes à vida humana. Assim, o homem tratou, desde os primórdios, de verificar os meios adequados para curar ambos os males.
Em Roma, na Lex Aquilia verificam-se os primeiros preceitos de responsabilidade médica, a qual previu a pena de morte ou deportação do médico culpado de falta profissional.
Desta forma, há mais de 1.500 já se admitia a responsabilidade civil do médico, principalmente, aquela que decorria da imperícia do médico.
No Egito, aos médicos era atribuída elevada posição social, motivo pelo qual eram associados, muitas vezes, com a figura dos sacerdotes. Havia um livro que tratava de todas as regras de observância obrigatória dos médicos. Obedecendo à risca este livro, livravam-se de toda e qualquer punição. Caso contrário, eram punidos com a morte, independente da natureza da doença do paciente[1].
Contudo, com a massificação da sociedade no século XX, o atendimento individualizado do médico passou a ser exclusivo de uma minoria elitizada. Houve o surgimento de grandes grupos econômicos que administram diversos hospitais, de modo que o atendimento médico perdeu seu caráter de pessoalidade.
As expectativas do paciente também aumentaram. E o doente confunde facilmente o direito à saúde com o direito à cura; se esta não ocorre, logo suspeita de um erro médico[2].
Desta forma, o presente artigo busca analisar a diferenciação da obrigação de meio e resultado, as características processuais quanto ao ônus da prova, a configuração da culpa médica e, por fim, verificar em qual classificação a cirurgia plástica está situada.
2. A obrigação de meio e a obrigação de resultado.
As questões relacionadas à responsabilidade civil do médico – e dos profissionais liberais em geral – fundou-se em torno da tradicional distinção, elaborada a partir de uma decisão jurisprudencial da Cour de Cassation francesa, entre obrigações de meios e de resultado.
André Tunc afirma, ao mencionar a origem da distinção, que ela foi:
“admitida pela primeira vez pela Corte de Cassação, na famosa decisão de 20.05.1936 relativa à responsabilidade médica, [e] parece atualmente ter tomado assento definitivo na jurisprudência de nossa Corte Suprema”[3].
Isto porque, o médico – e este parece ser o melhor exemplo – não se obriga, a rigor, à cura do doente, ainda que assim se possa vulgarmente pensar. Compete-lhe, apenas, aplicar a técnica que a medicina lhe põe à disposição, zelando pelo tratamento que deverá ser aplicado ao doente. Se tudo, porém, for em vão, o médico poderá ser responsável pelo falecimento do paciente, inclusive criminalmente, mas não se presume seja ele culpado somente pela não obtenção do fim a que o contrato se dirigia. Não se pense, contudo, em razão das circunstâncias apontadas, que o fim não integre o processo das obrigações de meio[4].
A obrigação de meio consiste quando a prestação exige do devedor apenas o emprego de determinado meio, sendo que, nesse caso, a obrigação é um esforço pessoal, desvinculado do resultado que a prestação pretende atingir.
São os casos das especialidades médicas que tem por escopo a cura direta do paciente, como no caso da cardiologia, cirurgia geral, geriatria, medicina intensiva, dentre outras, em que o médico se vincula a uma obrigação de meio.
Já na obrigação de resultado, a imputação da responsabilidade depende do resultado determinado contratualmente, já que:
“o devedor se obriga a alcançar determinado fim sem o qual não terá cumprido a sua obrigação. Ou consegue o resultado avençado ou terá que arcar com as consequências. (...) Em outras palavras, na obrigação de meios a finalidade é a própria atividade do devedor e na obrigação de resultado, o resultado dessa atividade”.[5]
Há diversas especialidades médicas, em que a finalidade não é a cura direta do paciente, mas, de fato, apenas meio auxiliar para alcançar tal feito, como no caso do médico radiologista ou anestesista.
3.A responsabilidade Civil do Médico
De acordo com o Código Civil, o indivíduo que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, sendo que o autor de tal ato fica obrigado a reparar o dano causado.
Nesse sentido, extrai-se que para a caracterização da responsabilidade civil há a necessidade da presença de quatro elementos essenciais: uma conduta comissiva ou omissiva, a culpa ou dolo do agente, o dano à vítima e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano
A responsabilidade civil do médico (bem como, de forma geral, de todos os profissionais liberais) é subjetiva, ou seja, exige-se a prova da intenção de causar danos ou da conduta humana negligente, imprudente ou imperita para o surgimento do dever de reparar.
O Código Civil de 1916 era expresso nesse sentido, prevendo dispositivo específico sobre a atividade do médico, que determinava:
“Art. 1.545. Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência, ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento”.
A responsabilidade do médico parece indissociável do conceito de culpa, o que é notório da própria atividade desempenhada pelo médico.
Afirma Miguel Kfouri Neto[6]:
“A responsabilidade do profissional da medicina – tirante poucas exceções – não poderá jamais se divorciar do conceito tradicional de culpa, no intuito de se qualificar a conduta do médico como lesiva e apta a gerar obrigação de indenizar. A objetivação da responsabilidade, tão a gosto de considerável parcela da doutrina jurídica hodierna, aqui não pode caber. [...] é deveras perigoso adotar a responsabilidade sem culpa no âmbito médico, posto que estar-se-ia fomentando a despersonalização num campo tão estritamente pessoal como o das relações médico-paciente, que nenhuma semelhança possui com o ato de se conduzir automóvel por uma rua”.
De acordo com Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[7]:
“[…] a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas”.
A responsabilidade civil contratual pode ser escrita ou verbal, que, via de regra, caso seja descumprida, incorre nas disposições previstas no art. 389 do Código Civil, passível de indenização, conforme artigos 927 e 951, ambos do Código Civil de 2002:
“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.”
Ademais, o Conselho Federal de Medicina prevê a responsabilidade civil de seus profissionais, nos seguintes termos:
“Capítulo III – É vedado ao médico – Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.
Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida”.
A questão sobre todos esses aspectos da responsabilidade do médico tem sido alterada, na ordem jurídica interna, tão somente pela aplicação do CDC aos danos decorrentes do exercício indevido da medicina.
A qualificação da relação médico-paciente como relação de consumo tem sido reconhecida em nossa doutrina e jurisprudência majoritárias, muito embora a única menção aos profissionais liberais no Código de Defesa do Consumidor se destine apenas a afastar a sistemática da responsabilidade objetiva, adotada pelo diploma civilista, da disciplina jurídica dessas atividades:
Assim, o §4º do artigo 14 submete o intérprete à sistemática da responsabilidade subjetiva do Código Civil, a exigir, portanto, a verificação da culpa.
Zelmo Denari comentando tais preceitos afirma que:
“os médicos e os advogados – para citarmos alguns dos mais conhecidos profissionais – são contratados ou constituídos com base na confiança que inspiram aos respectivos clientes. Assim sendo, somente serão responsabilizados por danos quando ficar demonstrada a ocorrência de culpa subjetiva, em quaisquer das suas modalidades: negligência, imprudência ou imperícia”[8].
4.A inversão do ônus da prova
O professor Luís O. Andorno[9] aduz sobre a denominada teoria das “cargas probatórias dinâmicas”, de acordo com a qual, em determinadas circunstâncias, dá-se uma transferência da carga probatória ao profissional médico, em razão de encontrar-se ele em melhores condições de cumprir tal missão.
No procedimento cirúrgico que tem por escopo um obrigação de resultado, não se verifica uma responsabilidade objetiva pelo insucesso da cirurgia, mas mera presunção de culpa médica, o que significa a inversão do ônus da prova, cabendo ao profissional elidi-la, de modo a excluir-se da responsabilidade contratual pelos danos causados ao paciente em razão do ato cirúrgico.
Neste sentido, foi feliz o Código de Defesa do Consumidor, no § 4º do artigo 14 ao excluir de seu regime de responsabilidade objetiva os profissionais liberais.
Além disso, tem-se reconhecido que o Código de Defesa do Consumidor fundamenta a relação médico-paciente para outras situações, no caso já mencionado em que pode o juiz inverter o ônus probatório em favor do paciente-consumidor, nos termos do art. 6º, VIII do CDC.
A caracterização do paciente como consumidor fundamenta automaticamente a justificativa da inversão do onus probandi, sem maiores debates quanto ao vínculo concretamente estabelecido entre as partes.
Antonio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza[10] criticam essa inversão do ônus da prova da seguinte forma:
“Ora, não obstante a própria Lei Consumerista preveja que nem sempre o consumidor é hipossuficiente, o que temos visto, de forma rotineira, em inúmeras demandas judiciais, é exatamente se considerar, de forma automática, o paciente como hipossuficiente em relação ao esculápio ou ao estabelecimento de saúde, pelo simples fato de ser ele, em relação àqueles, a parte que, obviamente, não detém os mesmos conhecimentos técnicos do prestador do serviço médico, olvidando-se a interação existente entre o comportamento do paciente e do médico”.
Nessa linha de pensamento, são passíveis de alegação e comprovação pelo médico as tradicionais causas excludentes da responsabilidade, quais sejam, o caso fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da vítima.
Isto porque, há casos em que o médico, embora aplicando corretamente as técnicas que sempre utilizou em outros pacientes com absoluto sucesso, não obtém o resultado esperado.
Se o insucesso parcial ou total da intervenção ocorrer em razão de peculiar característica inerente ao próprio paciente e se essa circunstância não for possível de ser detectada antes da cirurgia, estar-se-á diante de verdadeira escusa absolutória ou causa excludente da responsabilidade.
Vejamos a seguinte ementa:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. COMPROVAÇÃO DA TEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL EM AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DO EXPEDIENTE FORENSE. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 6º, VII, DO CDC. ERRO MÉDICO. DANOS MORAIS. CASO FORTUITO. FORÇA MAIOR. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ.
1. A comprovação da tempestividade do agravo em recurso especial em decorrência de suspensão de expediente forense no Tribunal de origem pode ser feita posteriormente, em agravo regimental, desde que por meio de documento idôneo capaz de evidenciar a prorrogação do prazo do recurso cujo conhecimento pelo STJ é pretendido.
2. Nas obrigações de resultado, cumpre ao médico demonstrar que os eventos danosos decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação durante a cirurgia.
3. Apesar de não prevista expressamente no CDC, a excludente de caso fortuito possui força liberatória e exime a responsabilidade do cirurgião plástico.
4. Afastar as conclusões do Tribunal de origem acerca da ocorrência da excludente de responsabilidade do cirurgião plástico demandaria o necessário reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada em recurso especial, nos termos da Súmula n. 7/STJ.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp 764.697/ES, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2015, DJe 11/12/2015).
Portanto, a imputação de uma responsabilidade objetiva a advogados e médicos significaria inviabilizar o exercício destas profissões, na medida em que só são chamadas a intervir em situações de risco e duvidosas.
5.A culpa médica
Como visto acima, a responsabilidade civil do médico é subjetiva, alicerçada na culpa stricto sensu (imperícia, negligência ou imprudência).
O conceito clássico de culpa expressa um desvio de um padrão ideal de conduta, baseado na boa fé. Para Paolo Forchielli, “a culpa representa sempre um desvio de uma certa regra”[11].
A culpa na responsabilidade civil do médico costuma ser externalizada na figura do denominado erro médico. Trata-se de acepção bastante extensa do termo “erro”, aqui compreendido como:
“uma falha no exercício da profissão, do que advém um mau resultado ou um resultado adverso, efetivando-se através da ação ou omissão de um profissional”[12].
A prova da culpabilidade em casos de erro médico é objeto de grande debate nos tribunais brasileiros. O magistrado deve ser astuto ao examinar a prova dos autos. Os laudos periciais, por vezes, são dotados de um censurável espírito de corpo.
A arguição do paciente, que consiste no primeiro ato da análise diagnostica, é o momento mais importante da relação que será desenvolvida entre o médico e o paciente, de acordo com Costales[13].
Pelo diagnostico, identifica-se a doença que acomete o paciente, pois dele decorre o tratamento que será dispensado naquele caso.
A responsabilidade civil médica pelo erro de diagnostico revela-se muito complexa, já que estamos diante de um campo eminentemente técnico. Por isso, o erro de diagnostico, a rigor, é escusável, desde que não seja grosseiro.
Nesse sentido, por exemplo, José Carlos Maldonado de Carvalho[14] afirma a “necessidade de se proceder à separação entre o ‘mau resultado’ e o ‘erro médico’.
Afirma Marcelo Benacchio[15]:
“as consequências danosas oriundas do próprio tratamento preconizado pela ciência médica, apesar da causalidade com a atuação do médico, não podem ser compreendidas como erro médico em virtude de serem decorrências das vicissitudes do próprio corpo humano e dos limites da ciência que persegue seu tratamento [...]”
Nesse sentido, vale citar a ementa abaixo:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. NASCIMENTO PREMATURO DE BEBÊ. ACOMPANHAMENTO PEDIÁTRICO. FALTA DE INFORMAÇÕES. CEGUEIRA IRREVERSÍVEL. LAUDO PERICIAL. RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL E DA MÉDICA. MANTIDA. DANOS MORAIS. EXORBITÂNCIA. NÃO CONFIGURADA. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Ação ajuizada em 03/09/03. Recurso especial interposto em 08/12/16 e concluso ao gabinete em 24/08/18.
2. Ação de indenização por danos materiais e compensação por danos morais, ajuizada em face de hospital e médica pediatra, devido à negligência na exposição do recém nascido prematuro a excessivas cargas de oxigênio sem proteção aos olhos e falta de informações corretas para seu tratamento.
3. O propósito recursal consiste em verificar a ocorrência de erro médico, em razão de negligência, imprudência ou imperícia, passível de condenação em compensar danos morais e indenizar danos materiais.
4. A apreciação do erro de diagnóstico por parte do juiz deve ser cautelosa, com tônica especial quando os métodos científicos são discutíveis ou sujeitos a dúvidas, pois nesses casos o erro profissional não pode ser considerado imperícia, imprudência ou negligência.
5. No particular, o acórdão recorrido pontuou que o bebê recebeu alta após vinte e oito dias do nascimento, havia tempo hábil para uma avaliação com oftalmologista e neurologista que, caso tivesse sido feita, poderia ter mudado o destino da criança, que fez o exame somente com sete meses de vida, quando a cegueira já era irreversível.
6. Em relação ao valor arbitrado pelo Tribunal de origem a título de compensação por danos morais, a jurisprudência desta Corte orienta que apenas em hipóteses excepcionais, em que configurado flagrante exagero ou irrisoriedade da quantia, o recurso especial seria a via adequada para nova fixação excepcional. Circunstâncias não verificas na hipótese concreta.
7. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração de honorários advocatícios recursais.
(REsp 1771881/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 06/12/2018)
A negligência verifica-se na inercia, passividade. É um ato omissivo.
Como exemplo, é negligente o médico que permanece deitado em sala do hospital, sem contato com paciente, em estado grave, que veio a falecer ou nos casos quando a cirurgia é feita no lado errado do corpo do paciente.
Em 2006, uma pesquisa realizada em hospitais americanos apontou que dos casos em que houve morte ou lesões graves, 13,1% foram decorrentes de cirurgias realizadas em local errado do corpo. Dessa forma, é obrigatório que o cirurgião assinale no corpo do paciente o local da cirurgia.[16]
Na imprudência, verificamos um ato comissivo. O médico age de forma não justificada, de forma precipitada, sem cautela. É o caso do cirurgião que não aguarda o anestesista para iniciar a cirurgia.
Por sua vez, a imperícia é a ausência de observância da técnica.
O prof. Savatier[17] aponta na jurisprudência um exemplo de imperícia, no qual o médico adota um meio de tratamento em desuso na ciência médica. Em 1973, o Tribunal Frances Correcional de Mans condenou um médico ginecologista a indenizar civilmente seu erro, decorrente de utilização de método ultrapassado, que não correspondia as condutas de melhores práticas.
Nas palavras de Basileu Garcia:
“consiste a imprudência em enfrentar, prescindivelmente, um perigo: a negligência, em não cumprir um dever, um desempenho da conduta; e a imperícia, na falta de habilidade para certos misteres”[18]. Após, exemplifica como imprudente renomado cirurgia que, por vaidade, emprega procedimento cirúrgico inovador, sem comprovada eficiência. Negligente seria o mesmo cirurgião se não demandasse assepsia perfeita.
6.O dano médico
Dano, de acordo com De Cupis, é todo prejuízo, aniquilamento ou alteração de uma condição favorável, tanto pela força da natureza quanto pelo trabalho do homem[19].
Já Ataz Lopez[20] dispõe que não é suficiente para a existência da responsabilidade civil, que uma ação ou omissão sejam culposas, é imprescindível, que a imprudência, negligência ou imperícia tenham causado dano a outrem. O dano mostra-se, portanto, elemento integrante da responsabilidade civil, que não pode existir sem ele.
Os danos causados por médicos podem ser físicos, materiais ou morais.
Os danos materiais decorrem do dano físico, a saber: lucros cessantes, despesas hospitalares, contratação de enfermeiros, dentre outros. Já em relação ao dano moral, incluem a violação de um direito da personalidade do paciente, como se infere dos artigos 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal.
Embora não seja necessário existir a angústia, sofrimento a fim de que seja reparado o dano moral, no campo da responsabilidade civil por erro médico tais fatos são mais robustos, já que há uma notória insatisfação pessoal do paciente.
Por sua vez, o dano estético é a lesão à beleza física do paciente. Embora o conceito de “belo” seja relativo, para a existência do dano estético deve-se considerar a alteração sofrida pelo que era antes.
A professora Teresa Ancona Lopes afirma que:
“em matéria prejuízo estético, como prejuízo moral, não se pode falar em reparação natural, nem em indenização propriamente dita. Nestes casos não há ressarcimento e sim compensação ou benefício de ordem material, que permite ao lesado obter confortos e distrações que, de algum modo, atenuam sua dor”[21].
Na Itália, construiu-se a doutrina do dano biológico. Há casos em que o lesado não trabalha, portanto, não há uma consequência direta do dano com o patrimônio do ofendido.
Na concepção tradicional, não haveria indenização por dano material, salvo compensação por dano estético e moral, contudo, pondera-se que a vida humana por si só tem um valor econômico.
Independentemente da atividade do paciente, é passível de indenização a perda de expectativa da pessoa para toda a vida, a diminuição, ainda que, genérica da capacidade de trabalho.
O dano biológico é um dano novo, autônomo em relação ao dano moral.
7.A cirurgia plástica
Inicialmente, nessa especialidade, cabe diferenciar duas espécies diversas: a cirurgia estética propriamente dita e a cirurgia estética reparadora. Na primeira, busca-se reparar imperfeições da natureza, enquanto a segunda tem por finalidade corrigir verdadeiras enfermidades.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem mencionado a existência da cirurgia mista, vale dizer, estética e reparadora, atribuindo à parte estética à obrigação de resulto e à parte reparadora regimento de obrigação de meio.
O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que a cirurgia puramente embelezadora é obrigação de resultado:
"a relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio, sendo imprescindível para a responsabilização do referido profissional a demonstração de culpa e de nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano causado, tratando-se de responsabilidade subjetiva " (cf. REsp 1.104.665/RS, Relator em. Min. MASSAMI UYEDA, DJe de 9/6/2009).
Isto porque, a obrigação do médico na cirurgia plástica estética é de resultado, pois o contratado deve alcançar um resultado específico, que é a própria obrigação.
Sob essa perspectiva, conquanto a obrigação seja de resultado, não se verifica uma responsabilidade objetiva pelo insucesso da cirurgia, mas mera presunção de culpa médica, o que importa a inversão do ônus da prova, devendo o profissional elidi-la, de modo a exonerar-se da responsabilidade contratual pelos danos causados ao paciente em razão do ato cirúrgico.
Não é outro o teor do art. 14, § 4º, do CDC:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[...]
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Quanto à cirurgia estética de natureza mista, o STJ teve a oportunidade de recentemente apreciar situação análoga, quando do julgamento do REsp 1.097.955/MG, da relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe de 3/10/2011, acórdão que está assim ementado:
PROCESSO CIVIL E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. CIRURGIA DE NATUREZA MISTA - ESTÉTICA E REPARADORA. LIMITES. PETIÇÃO INICIAL. PEDIDO. INTERPRETAÇÃO. LIMITES.
1. A relação médico-paciente encerra obrigação de meio, e não de resultado, salvo na hipótese de cirurgias estéticas. Precedentes.
2. Nas cirurgias de natureza mista - estética e reparadora -, a responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à sua parcela reparadora.
3. O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo. Precedentes.
4. A decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes não viola os arts. 128 e 460 do CPC, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da ação. Precedentes.
5. O valor fixado a título de danos morais somente comporta revisão nesta sede nas hipóteses em que se mostrar ínfimo ou exagerado. Precedentes. 6. Recurso especial não provido. (REsp 1.097.955/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/9/2011, DJe de 3/10/2011) (grifos nossos).
Sobre a cirurgia meramente reparadora, o prof. º Jerônimo Romanello Neto[22] aduz que:
"na cirurgia plástica reparadora, ou seja, aquela que tem uma finalidade terapêutica, entendemos ser de meio e não de resultado, a obrigação do profissional, respondendo este, todavia, pelos danos morais e patrimoniais causados em razão de imprudência, negligência ou imperícia".
Nesse sentido, vale transcrever o seguinte julgado:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA ESTÉTICA REPARADORA. OBRIGAÇÃO DE MEIO. SÚMULA 7/STJ.
1. Recurso especial cuja pretensão demanda reexame de matéria fática da lide, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1095904/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 22/03/2018, DJe 05/04/2018)
Para se eximir do dever de indenizar, o cirurgião deve demonstrar qualquer causa excludente de sua responsabilidade, como, por exemplo, o surgimento de fatores corporais imprevisíveis e inesperados, o que levaria ao rompimento do nexo causal.
No REsp 1.180.815/MG, DJe de 26/8/2010, da relatoria da Min. NANCY ANDRIGHI, a eg. Terceira Turma pronunciou-se sobre o tema, nestes termos:
"RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO Documento: 23423432 - RELATÓRIO E VOTO MÉDICO. ART. 14 DO CDC. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. CASO FORTUITO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE.
1. Os procedimentos cirúrgicos de fins meramente estéticos caracterizam verdadeira obrigação de resultado, pois neles o cirurgião assume verdadeiro compromisso pelo efeito embelezador prometido.
2. Nas obrigações de resultado, a responsabilidade do profissional da medicina permanece subjetiva. Cumpre ao médico, contudo, demonstrar que os eventos danosos decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação durante a cirurgia.
3. Apesar de não prevista expressamente no CDC, a eximente de caso fortuito possui força liberatória e exclui a responsabilidade do cirurgião plástico, pois rompe o nexo de causalidade entre o dano apontado pelo paciente e o serviço prestado pelo profissional.
4. Age com cautela e conforme os ditames da boa-fé objetiva o médico que colhe a assinatura do paciente em 'termo de consentimento informado', de maneira a alertá-lo acerca de eventuais problemas que possam surgir durante o pós-operatório.
RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO." (REsp 1.180.815/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRATURMA, julgado em 19/8/2010, DJe de 26/8/2010).
Na doutrina[23]:
"Se o insucesso parcial ou total da intervenção ocorrer em razão de peculiar característica inerente ao próprio paciente e se essa circunstância não for possível de ser detectada antes da operação, estar-se-á diante de verdadeira escusa absolutória ou causa excludente de responsabilidade."
8.Conclusão
A título de conclusão deve-se salientar que esta questão da responsabilidade civil do médico, deve ser atentamente estudada não só pelos profissionais ligados à defesa do consumidor, como ao próprio fornecedor do serviço médico.
Percebe-se que é grande a falta de informação entre os profissionais da área médica no sentido de ignorar a possibilidade de compensação pecuniária decorrente de sua atuação profissional.
O cerne da questão está na forma como a comunicação é estabelecida entre paciente e profissional médico, bem como as formas de adaptação entre a linguagem técnica do domínio médico com a necessidade de informações do paciente.
A responsabilidade civil tem finalidade preventiva de modo a evitar o dano, a partir de uma conduta ética que deve balizar a relação entre médico/paciente.
A relação médico-paciente deve ser pautada pelas normas éticas e jurídicas e aos princípios basilares que permeiam essas relações, mormente no que tange ao diagnóstico e conduta terapêutica a ser apresentada.
Tais mecanismos são fundamentais para analisar se estamos diante de uma obrigação de meio ou de resultado, uma vez que em decorrência de tal resposta teremos consequências diversas no que tange a produção de provas em eventual ação judicial.
Conclui-se, portanto, que até mesmo nas cirurgias plásticas existe a possibilidade de estarmos diante de uma obrigação de meio, o que demonstra a complexidade da matéria estudada.
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[3] TUNC, André. distinção entre obrigações de resultado e obrigações de diligência. Revista dos Tribunais, vol. 778. São Paulo: RT, ago/2000, p. 755
[4] COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo, p.73.
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[21] MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopez. O dano estético, p. 115-116.
[22] ROMANELLO NETO, Jeronimo. A responsabilidade civil dos médicos. ed. Jurídica Brasileira, 1998, pág. 134
[23] STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. 1ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 162
Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós graduado em Direito Sindical pela Escola Superior da Advocacia (ESA-SP). Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Oficial da Marinha do Brasil - Assessor Jurídico Adjunto.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, IGOR DANIEL LIMA DE. A responsabilidade civil do médico nos casos de cirurgia plástica. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 ago 2020, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55012/a-responsabilidade-civil-do-mdico-nos-casos-de-cirurgia-plstica. Acesso em: 23 dez 2024.
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