RESUMO: Objetiva-se, por intermédio do presente artigo científico, tratar sobre a aplicação do instituto jurídico da guarda compartilhada como mecanismo de atenuação da denominada “alienação parental” e se a aplicação do referido instituto atende aos fins colimados pelo princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Nesse contexto, destaca-se que a alienação parental se trata de uma série de condutas praticadas pelo alienador, no sentido de programar a criança para que tenha sentimentos de ódio, desprezo e rancor pelo genitor não guardião, sem qualquer justificativa plausível. Nesse esteio, busca-se apresentar o instituto da guarda compartilhada como instrumento hábil para impedir a alienação parental, uma vez que o mencionado instituto possibilita que o menor conviva com ambos os pais e que esses, por sua vez, possam tomar decisões conjuntas em prol dos filhos e possam cooperar para que se estabeleça um arranjo familiar sólido, bem como se tal instituto, aplicado em diferentes situações familiares, encontra-se em consonância com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. No que se refere à metodologia adotada, enfatiza-se a utilização de elementos bibliográficos, jurisprudenciais e doutrinários, haja vista que se trata de um tema puramente teórico.
Palavras-chave: Guarda compartilhada. Alienação parental. Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Direito de família.
ABSTRACT: The purpose of this scientific article is to deal with the application of the shared custody legal institute as a mitigation mechanism for the so-called “parental alienation” and whether the application of the referred institute serves the purposes collimated by the principle of the best interest of the child and of the teenager. In this context, it is emphasized that parental alienation is a series of conducts practiced by the alienator, in the sense of programming the child to have feelings of hatred, contempt and resentment towards the non-guardian parent, without any plausible justification. In this support, we seek to present the shared custody institute as a skillful instrument to prevent parental alienation, since the aforementioned institute allows the minor to live with both parents and that these, in turn, can make joint decisions in favor of the children and can cooperate in order to establish a solid family arrangement, as well as whether such an institute, applied in different family situations, is in line with the principle of the best interest of the child and adolescent. With regard to the methodology adopted, the use of bibliographic, jurisprudential and doctrinal elements is emphasized, given that it is a purely theoretical theme.
Keywords: Shared custody. Parental alienation. Principle of the best interest of children and adolescents. Family right.
1 INTRODUÇÃO
Por intermédio do presente artigo científico, busca-se tratar acerca da aplicação do instituto jurídico da guarda compartilhada como instrumento de atenuação/ da denominada “alienação parental”, e se tal aplicação, de maneira geral, encontra-se em consonância com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Para alcançar tal intento, busca-se apresentar o instituto da guarda compartilhada no direito pátrio hodierno, trazendo uma análise conceitual, e os elementos que permeiam tal questão. Ademais, busca-se apresentar as consequências de aplicação da guarda compartilhada em detrimento da guarda unilateral (quando apenas um dos genitores do menor possui a guarda do mesmo).
Nesse mesmo contexto, salienta-se acerca da denominada “alienação parental” e a síndrome da alienação parental (SAP). Desta feita, apresenta-se conceitos, elementos, consequências, sujeitos ativos e passivos atinentes à tal conduta. Ademais, busca-se salientar acerca da alienação parental sob os moldes da Lei nº 12.318/ 10, apresentando critérios objetivos, diretrizes e orientações preponderantes.
Posteriormente, trata-se sobre o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, apresentando uma análise conceitual e os demais elementos que permeiam o referido princípio.
No título principal, busca-se tratar acerca da aplicação da guarda compartilhada como mecanismo de atenuação da alienação parental e se tal instituto, aplicado de maneira geral, desconsiderando a situação familiar vivenciada (harmoniosa ou desarmoniosa), atende aos fins colimados pelo princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Apresenta-se, sobretudo, visões doutrinárias e jurisprudenciais (majoritárias e minoritárias) que abrangem tal celeuma.
2 DA GUARDA COMPARTILHADA: CONCEITO E ELEMENTOS BASILARES
É sabido que a guarda, de forma geral, refere-se a um dos deveres essenciais provenientes do poder familiar, sendo justificada pela importância de se manter uma convivência harmônica entre pais e filhos menores, em prol da formação da personalidade dos últimos:
A guarda é um dos deveres inerentes ao poder familiar e se justifica pela necessidade de convivência dos pais com os filhos menores a fim de lhes fomentar a constituição de sua personalidade. Por decorrência natural disso, a guarda há de ser entendida como direito de ambos os pais, sendo para tanto indiferente o fato de manterem, ou não, entre si relação familiar. A guarda corresponde à possibilidade de ter em sua companhia o filho menor e enquanto um direito derivado, estritamente do elo filial, seu reconhecimento dispensa qualquer análise do estado familiar do pai em relação à mãe, e vice-versa, ou de qualquer deles com terceiro (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2012, p. 465).
No âmbito da guarda compartilhada, observa-se que ambos os pais irão gerir a vida do filho. Em outras palavras, compreende-se que ambos os pais irão atuar de maneira igualitária, decidindo, de forma conjunta, tudo aquilo que se mostrar relevante para a vida da criança ou do adolescente (SILVA, 2011). Nesse contexto, tem-se as ponderações de Lôbo, acerca do instituto da guarda compartilhada:
A guarda compartilhada é exercida em conjunto pelos pais separados, de modo a assegurar aos filhos a convivência e o acesso livre a ambos. Em superação ao modelo unilateral que, até 13 de junho de 2008, era exclusivo no sistema jurídico brasileiro, a guarda compartilhada não reduz a contribuição de qualquer dos pais a visitações circunstanciais e à função de mero supervisor da criação do filho. O mérito desse modelo de guarda é exatamente chamar ambos os pais ao contato com os menores e à respectiva interferência e colaboração na tomada constante de decisões atinentes à formação dos mesmos. Permita-se insistir que, em atenção ao poder familiar, nenhum dos pais pode ser juridicamente reduzido à figura de alguém que aparece de vez em quando, presenteia e leva para passear, ou de um simples crítico que apoia ou condena o que vem promovendo o outro progenitor. O cumprimento satisfatório da responsabilidade parental requer que a mãe e o pai realizem, em somatório, a promoção do crescimento pessoal do filho que têmem comum (LÔBO apud ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2012, p. 467).
Nesse esteio, pode-se compreender que a guarda compartilhada constitui-se como um mecanismo de exercício de direitos e obrigações para com os filhos, um somatório de forças, em prol dos interesses de pessoas vulneráveis (FILHO, 2013). Ademais, salienta-se que a guarda compartilhada objetiva amenizar os impactos e lembranças negativas da vida da criança/ adolescente, em detrimento da ruptura conjugal dos pais:
Não mais se discute sobre as perdas que a separação impõe ao menor. Eles perdem a família que sempre conheceram e, fatalmente, um dos pais. Com a guarda compartilhada, busca-se atenuar o impacto negativo que a ruptura conjugal tem sobre o relacionamento entre os pais e o filho, enquanto mantém os dois pais envolvidos na sua criação, validando-lhes o papel parental permanente, ininterrupto e conjunto (FILHO, 2013, p. 140).
Em caráter complementar ao exposto, preleciona Silva:
A convivência, na guarda compartilhada, baseia-se na necessidade de preservação dos vínculos da criança com ambos os pais, e estes devem acompanhar ativamente os acontecimentos do filho. Com base nisso se estabelece a intimidade entre o pai e o filho para que se crie um ambiente psicologicamente saudável. A criança, por sua vez, com essa convivência, formará sua própria opinião a respeito do pai, de forma autêntica, e não influenciada pelos comentários e sentimentos da mãe. (SILVA, 2011, p. 09).
Entende-se, dessa forma, que a guarda compartilhada tem como prioridade a manutenção dos vínculos afetivos entre pais e filhos, mesmo após a ruptura conjugal, daquele vínculo que unia o arranjo familiar original. Ademais, deve-se manter os deveres e obrigações de maneira conjunta, priorizando-se o bem-estar e o melhor interesse dos filhos.
2.1 Análise da guarda compartilhada no Direito Pátrio hodierno
Consoante o Código Civil de 1916, prevalecia, no Direito Pátrio, o elemento “culpa” em casos de separação judicial. Desta feita, geralmente, passava-se a guarda do menor ao cônjuge que era considerado, perante à justiça, como “inocente” no processo de separação:
Fundada a separação judicial no caput do art. 5º, da Lei 515/77, os filhos menores devem ficar sob a guarda do cônjuge inocente, a não ser quando daquela possa resultar prejuízo de ordem moral para os menores; no desquite litigioso, ao cônjuge inocente cabe o direito de ter consigo os filhos (RF 198/185); 'desde que o desquite se impõe por culpa da esposa, cabe ao pai inocente a guarda da filha do casal' (RT 301/284); Com relação à guarda das filhas, o art. 10 da Lei do Divórcio recomenda que fiquem com a mãe, por ser mãe e considerada inocente. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AC 2.315-1/SP.Diário de Justiça- DJ, 27 jun, 1980, grifo nosso).
Ademais, previa o Código Civil de 1916, segundo dispunha o artigo 231, inciso IV, que se fosse comprovada a culpa de ambos os cônjuges na ruptura da relação familiar/afetiva, a guarda dos filhos menores seria destinada aquele que mostrasse maiores possibilidades de se prover o sustento, cuidados e educação (BRASIL, 1916).
Contudo, após o advento da Magna Carta de 1988, sobreveio o direito fundamental à igualdade, abrangendo homens e mulheres e, sobretudo, destacando a necessidade de uma atuação conjunta dos pais em prol dos filhos. Além disso, o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) também procurou tipificar e solidificar a igualdade conjugal e as responsabilidades dos pais no âmbito familiar:
A Constituição Federal de 1988 assegurou direitos iguais entre homens e mulheres. Abandonou qualquer tipo de discriminação existente entre ambos. Não vige mais o termo colaboração como existia no código Civil de 1916, prevalecendo uma atuação conjunta e igualitária, confirmando a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres diante do casamento e dos filhos, como já mencionado no art. 226, § 5º.Em harmonia com a Constituição da República está o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, que contemplou a igualdade conjugal e a corresponsabilidade parental, obedecendo aos preceitos constitucionais, quanto à preocupação do melhor interesse da criança (MOREIRA, 2010).
Na seara do atual Código Civil, também pôde-se observar relevantes modificações acerca da guarda dos filhos menores, em virtude da separação dos pais. Nesse esteio, entende-se que o Código Civil de 2002 abandonou o critério da culpa e da prevalência materna, fazendo-se preponderar o critério de atribuição da guarda para o (a) genitor (a) que apresentar melhores condições para exercer tal prerrogativa na vida dos filhos:
Disciplinando a guarda dos filhos menores ou maiores incapazes na separação ou no divórcio dos pais, o Código Civil de 2002 abandonou o critério da culpa e da prevalência materna para determinar que ela será, em qualquer caso, 'atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la' , na dicção do art. 1.584, priorizando os superiores interesses dos menores. Interesses esses que prevalecerão, sempre, sobre os dos adultos. (FILHO, 2013, p.169, grifo nosso).
Em razão das modificações apresentadas no âmbito civilista/ familiar nacional, vislumbrou-se, posteriormente, a possibilidade de implementação de uma modalidade de guarda que abrangesse, de forma igualitária, ambos os pais. Em outras palavras, buscou-se a criação de um instituto que estivesse em consonância com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Desta feita, entrou em vigor a Lei nº 11.698/ 2008, instrumento legal que subsidia o instituto da guarda compartilhada, que prevê um somatório de forças, uma atuação conjunta de ambos os pais na criação da prole, mesmo que não se tenha mais uma relação conjugal:
Face ao intenso clamor da doutrina e dos próprios aplicadores do Direito, em 15 de agosto de 2008, entrou em vigor a Lei n° 11.698/2008, que estabelece a guarda compartilhada aos pais que estiverem em processo de separação, onde ambos dividem responsabilidades e despesas quanto à criação e educação dos filhos. A aludida lei permite que ambos os genitores exerçam a igualdade parental na mesma intensidade nas decisões importantes da vida dos filhos (MOREIRA, 2010).
É importante destacar que, até a sanção da Lei nº 11.698/2008, inexistia, no Direito Pátrio, qualquer norma ou regra jurídica que dispusesse acerca da guarda compartilhada, em que pese o direito à igualdade, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e tantos outros elementos normativos ligados aos interesses dos menores que já vigoravam.
2.2 Fundamentação e consequências de aplicação da guarda compartilhada em detrimento da guarda unilateral
Compreende-se, nesse contexto, que a modalidade de guarda unilateral ocorre quando um dos genitores da criança ou adolescente, em razão do rompimento de uma relação conjugal antes existente, obtém a responsabilidade praticamente exclusiva para decidir sobre aspectos importantes da vida do menor. Desta feita, o genitor que não detém a guarda da criança/ adolescente, terá apenas a possibilidade de fiscalizar tais atribuições (GONÇALVES, 2017).
Por outro lado, no âmbito da guarda compartilhada, observa-se uma paridade entre os pais da criança/ adolescente, ou seja, um compartilhamento de deveres e atribuições para com os filhos, culminando em um certo equilíbrio dentro do arranjo familiar (GONÇALVES, 2017).
A questão da definição da modalidade de guarda, em geral, implica em diversos problemas psicoemocionais, em razão de a criança/ adolescente ter que aprender a viver em um ambiente familiar alterado. Ademais o menor, em decorrência do conflito da separação, muitas vezes se torna um objeto de disputa, acarretando em graves sequelas emocionais (FILHO, 2013).
Em decorrência de todos os elementos supracitados, Filho (2013) discorre acerca da necessidade de participação de outros profissionais das demais áreas do conhecimento humano, em face das consequências advindas da ruptura conjugal, ou seja, consequências que excedem o âmbito jurídico:
Nos processos de família lidamos com pessoas e a singularidade de cada um de seus membros não pode ser ignorada. Faz-se, assim, necessário um conhecimento sobre o funcionamento mental e a dinâmica interpessoal dos indivíduos em suas relações sociais e familiares.
Nessa perspectiva, o direito não pode prescindir do conjunto de conhecimentos oferecidos por outras ciências, para bem dispor sobre um equilibrado relacionamento quer entre os ex-cônjuges, quer entre estes e seus filhos. E esses conhecimentos são particularmente relevantes quando se considera a escalada das desuniões e todas as questões relativas à reorganização familiar, dentre elas a guarda de filhos. (FILHO, 2013, p. 195).
No contexto avençado também se tem o artigo 151 do Estatuto da Criança e do Adolescente, onde aborda-se sobre a importância da participação e da intervenção de uma equipe interprofissional para lidar com as consequências provenientes da separação ou divórcio para a vida dos filhos menores:
Art. 151. Compete à equipe interprofissional dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico (BRASIL, 1990).
Ademais, compreende-se que o procedimento realizado por profissionais dos setores técnicos judiciais, de psicologia e serviço social ocorrerá em observância à legislação vigente e as peculiaridades apresentadas em cada caso:
Os profissionais dos setores técnicos judiciais, de psicologia e serviço social, nomeados pelo juiz, irão realizar seus procedimentos: entrevistas com pais e os filhos, observação das interações entre pais e filhos, o (a) psicólogo (a) perito (a) pode aplicar testes e outras dinâmicas como instrumentos complementares, o (a) perito (a) assistente social fará visitas às residências.
Poderão ser entrevistados outros familiares (avós, tios) de cada ramo, e ainda os professores e orientadores pedagógicos da escola onde os filhos estudam, para verificar a viabilidade de exercício da guarda compartilhada, sem prejuízo da rotina dos filhos.Ao final da avaliação, cada perito (a) emitirá seu laudo, que deverá ser escrito conforme a resolução 007/2003 do Conselho Federal de Psicologia (Manual de Elaboração de Documentos Escritos). Essa Resolução descreve em detalhes tudo o que precisa constar dequatro documentos: declaração, atestado psicológico, relatório ou laudo psicológico e parecer psicológico, e deixa claro que, ao produzir o documento, o psicólogo deve basear-se exclusivamente nos instrumentos técnicos, como testes, entrevistas, observações, escuta ou intervenções verbais. (SILVA, 2011, p.36)
Entende-se, desta feita, que, por intermédio de estudos e laudos elaborados pelos mencionados profissionais, o magistrado poderá obter elementos concretos para a definição da modalidade de guarda, atendendo ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Ademais, observa-se que a modalidade de guarda compartilhada, em comparação com a guarda unilateral, mostra-se capaz de atenuar as consequências advindas da ruptura do arranjo familiar original, haja vista que se pode manter o menor em uma convivência equilibrada com ambos os pais.
3 ALIENAÇÃO PARENTAL: Análise conceitual e fatores precípuos
Destaca-se, nesse contexto, que, mesmo que haja o término de uma relação conjugal, os pais e os filhos devem buscar a manutenção dos laços que os mantinham unidos priorizando uma convivência harmônica. Contudo, a partir da dissolução do arranjo familiar inicial, geralmente passa-se a existir uma relação de ódio e inimizade entre os genitores, acarretando em uma série de problemas para os filhos menores e, dentre eles, destaca-se a denominada “alienação parental” (DIAS, 2015). Nessa perspectiva, compreende-se que a “síndrome de alienação parental” (SAP) surgiu em 1985, por intermédio de análises do professor de psiquiatria clínica da Universidade de Columbia/ EUA, Richard Gardner, em razão de uma experiência vivenciada como perito judicial. Nesse esteio, destaca-se que a SAP se constitui como um distúrbio infantil, iniciado em um contexto de disputas judiciais pela guarda dos filhos menores:
A Síndrome de Alienação Parental (SAP)é um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódias de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha demeritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável (GARDNER, 2002, p. 47).
No mesmo sentido, preleciona Madaleno:
A síndrome geralmente tem seu início a partir das disputas judiciais pela guarda dos filhos, uma vez que os processos de separação em geral tendem a despertar sentimentos de traição, rejeição, abandono e angústia- quando surge o medo de não ter mais valor para o outro.
Também é comum que, em pessoas que sofrem de certos distúrbios psíquicos, não sejam bem administrados os conflitos pessoais e o pânico interno gerado pela separação, fazendo com que excedam o âmbito pessoal e transformem-se em conflitos interpessoais, em que a responsabilidade pelo que não é suportável em si próprio e projetado, de qualquer forma, no outro. Ainda, fruto do luto não elaborado acerca do fim dessa relação e as mudanças dela decorrentes somadas a um período de instabilidades emocionais, pode fazer com que os pais se utilizem de seus filhos como instrumentos da agressividade e desejo de vingança direcionado ao outro. Pode surgir também no momento em que o menor alcança uma idade que o capacita a ampliar o horário de visitas ou a pernoitar com o pai não guardião. (MADALENO, 2015, p. 42).
Dessa forma, compreende-se que a SAP se constitui como um ato realizado por um dos genitores do menor, em virtude de sentimentos de ódio e mágoa que surgiram após o rompimento da união conjugal. Ademais, destaca-se que tal síndrome consiste em uma reprogramação para que a criança/ adolescente tenha os mesmos sentimentos de ódio, raiva, desprezo para com o outro genitor, atuando como elemento de vingança nas mãos do alienador. Ao fim, uma vez instaurada tal situação, o próprio menor atuará sozinho, criando uma relação de dependência e submissão para com o alienador (DIAS, 2015). No mesmo contexto abordado, ainda complementa Buosi:
A origem da SAP ocorre exatamente no momento em que a mãe percebe o interesse do pai em preservar a convivência afetiva com a criança, e a usa de forma vingativa perante ressentimentos advindos da época do relacionamento ou da separação, programando o filho a odiar e rejeitar o pai sem nenhuma justificativa plausível... Assim, inicia-se um jogo de manipulações do alienador para alcançar seu principal objetivo: afastar o outro do convívio com o filho e manter essa relação quase exclusivamente com ele (BUOSI, 2012, p. 54/55).
Argumenta-se ainda, no contexto exposto, que o termo “alienação parental”, embora recente (datado de 1985), ocorre de maneira frequente em casos de separações, questões atinentes à guarda dos filhos, períodos de visita e pensão alimentícia:
Embora a denominação Síndrome de Alienação Parental seja recente (data de 1985), o fenômeno é frequente nas separações, no tocante às visitas, pensão alimentícia e guarda dos filhos. Está presente em ações judiciais em que um dos pais se utiliza de argumentos em processos para suspender e até impedir as visitas, destituir o poder familiar, alegar inadimplemento de pensão alimentícia, chegando a acusações de abuso sexual ou agressão física, porém, nem sempre de cunho autêntico, e sim, como mero recurso para a destruição do vínculo parental. (SILVA, 2011, p. 45).
Ademais, consoante Silva (2011), a alienação parental e a síndrome de alienação parental podem operar-se não somente pelos genitores do menor, mas por demais parentes (em caráter exemplificativo, cita-se como um possível alienador uma tia da criança/adolescente, um amigo da família, avó, dentre outros) que almejam à destruição familiar:
A alienação parental opera-se ou pela mãe, ou pelo pai, ou no pior dos casos pelos dois pais. Essas manobras não se baseiam sobre o sexo masculino ou feminino, mas sobre a estrutura da personalidade de um lado, e sobre a natureza da interação antes da separação do casal, do outro lado.
[...] A SAP pode ser instaurada por um terceiro, interessado, por algum motivo, na destruição familiar: a avó, uma tia, um (a) amigo (a) da família que dá conselhos insensatos, um profissional antiético (psicólogo, advogado, assistente social, médico, delegado, conselheiro tutelar, etc.). No caso de o verdadeiro alienador ser um parente, existe alguma psicopatologia estrutural da pessoa, ou dos vínculos familiares, para que haja indução do genitor a implantar a SAP contra o outro genitor, usando a (s) criança (s) para isso (SILVA, 2011, p.55/57).
Nesse mesmo sentido apresentado, destacam-se as ponderações de Rand e Johnston acerca do perfil do genitor alienador:
Na lição de Rand e Johnston (Sousa, 2010), o perfil do genitor alienador não é único. Mesmo pais que nunca foram casados podem empreender atitudes que induzam os filhos à alienação parental, por se tornarem possessivos em relação a esses. Determinados genitores podem possuir traços psicológicos, constitutivos de sua personalidade, que ensejam a difamação do outro genitor perante os filhos quando eles próprios se sentem atingidos por injúrias. Ou, ainda, o fato de um dos genitores possuir um novo parceiro pode ser desencadeador de esforços para se obter a guarda exclusiva, conduzindo os filhos à rejeição do outro genitor. A difamação do ex-parceiro pode servir, ainda, como uma forma de o genitor alienador negar problemas pessoais, como o uso de drogas, álcool, negligências com os filhos, entre outros. Em alguns casos, os estudos apontam que o genitor que assim se comporta necessita de poder, controle e dominação, o que consegue, por vezes, influenciando o infante e dificultando a convivência deste com o outro responsável (RAND; JOHNSTON apud WAQUIM, 2014, p.02)
Assim, tem-se que a alienação parental e a SAP se constituem como mecanismos utilizados pelo alienador, em detrimento da criança/ adolescente e do genitor não guardião. Ademais, nesse contexto, observa-se que o alienador busca denegrir, manchar a imagem e as boas lembranças que os filhos possuem do outro genitor, acarretando em sentimentos de mágoa, ódio, desprezo e rejeição para a vida do menor, obstaculizando uma convivência familiar harmoniosa e sadia.
3.1 Síndrome da Alienação Parental e alienação parental: principais distinções
Apesar de ambas as expressões se mostrarem semelhantes, se complementarem e coexistirem sob a mesma situação familiar conflituosa, a SAP diferencia da alienação parental através de fatores próprios. Acerca de tal diferenciação, preleciona Fonseca:
A síndrome da alienação parental não se confunde, portanto, com a mera alienação parental. Aquela geralmente é decorrente desta, ou seja, a alienação parental é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro, via de regra, o titular da custódia. A síndrome, por seu turno, diz respeito às sequelas emocionais e comportamentais de que vem a padecer a criança vítima daquele alijamento. Assim, enquanto a síndrome refere-se à conduta do filho que se recusa terminantemente e obstinadamente a ter contato com um dos progenitores e que já sofre as mazelas oriundas daquele rompimento, a alienação parental relaciona-se com o processo desencadeado pelo progenitor que intenta arredar o outro genitor da vida do filho (FONSECA, 2007, p. 07)
Nesse esteio, compreende-se que a alienação parental se caracteriza como a prática da conduta em si, o ato de se afastar o menor de um dos genitores, através de manipulação, de difamação e deturpação da imagem do genitor não guardião. Por outro lado, a SAP abrange as sequelas, as consequências dos atos do alienador, os atos de desprezo, de ódio ou de mágoa das crianças/ adolescentes para com o outro genitor. Nesse prumo, complementa Cunha:
A alienação parental baseia-se na inquestionável atuação de um sujeito, na maioria das vezes o guardião, denominado alienador, na prática de atos que difamem e deturpe a imagem do genitor não guardião, de forma que a imagem que a criança ou o adolescente tenha do outro genitor torne-se equivocada. A criança é alienada e o genitor será vitimado na situação.
Já a síndrome da alienação parental, que não se confunde, pois é um distúrbio, a consequência da “lavagem cerebral” feita no menor, diz respeito às sequelas emocionais e comportamentais que ocorrem na criança vítima das descargas do genitor imaturo. O menor já alienado pela campanha difamatória do genitor se comporta de maneira hostil, grosseira e acaba distanciando-se do genitor-alvo (CUNHA, 2015).
Em sentido semelhante ao exposto, também se tem o entendimento de Pinho:
A Síndrome da Alienação Parental não se confunde com Alienação Parental, pois que aquela geralmente decorre desta, ou seja, enquanto a Alienação Parental se liga ao afastamento do filho de uma pai através de manobras da titular da guarda, a Síndrome, por seu turno, diz respeito, às questões emocionais, aos danos e sequelas que a criança e o adolescente vêm a padecer(PINHO, 2009, p. 76).
Desta feita, compreende-se que a alienação parental se caracteriza como uma série de atos praticados pelo alienador sob a criança ou adolescente, em detrimento do genitor não guardião. Consiste na imputação de falsas memórias, em uma reprogramação mental sob o menor, almejando-se que o mesmo sinto ódio, rancor e desprezo pelo outro genitor, sem justificativas plausíveis. Por outro lado, a SAP caracteriza-se como as consequências nefastas deixadas pela prática da alienação, ou seja, os efeitos emocionais negativos, o trauma, o comportamento diferenciado que a criança ou adolescente apresentam, após sofrerem tais abusos psicológicos.
3.2 A alienação parental sob os aspectos da Lei nº 12.318/10
Consoante o entendimento de Almeida e Rodrigues Júnior (2012), a Lei nº 12.318/10 traz em seu bojo diretrizes e elementos concernentes à alienação parental, auxiliando os magistrados na identificação de possíveis situações onde a mesma se instala, além de alternativas jurídicas que possam coibi-la ou atenuá-la:
Essa Lei tem por objetivos principais a própria divulgação do significado da alienação parental e a concessão de segurança aos magistrados na aplicação de medidas jurídicas para evitar ou remediar a sua ocorrência. Nessa feita, define a alienação parental, através, inclusive, da previsão de situações em que ela normalmente se instala e mune o juiz de alternativas jurídicas para interditá-la. Ao lado disso, há a expectativa de sua função pedagógica, ao fazer com que os pais se cientifiquem da importância que o Estado e o Direito dão ao tema e das eventuais sanções que poderão sofrer caso assim procedam. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2012, p. 474)
Nesse mesmo esteio, observa-se, dentre as diretrizes e orientações contidas no aparato legal mencionado, que a alienação parental pode ser praticada pelos genitores da criança/adolescente, pelos avós ou por um terceiro que detenha autoridade, guarda ou vigilância sobre o menor:
Art.2º Considera se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II dificultar o exercício da autoridade parental;
III dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. (BRASIL ,2010).
Dessa forma, entende-se que o magistrado terá em suas mãos elementos e possíveis condutas que se adequem à tal conduta de alienação parental antes que se tenha uma avaliação pericial definitiva. Em outras palavras, pode-se dizer que o magistrado poderá impedir maiores danos à vida da criança/ adolescente alienado.
No mesmo contexto proposto, compreende Madaleno (2015) que as hipóteses previstas no artigo 2º da Lei nº 12.318/10 caracterizam-se em condutas de alienação parental, afrontando direito fundamental inerente às crianças e adolescentes:
O parágrafo único do art. 2º da Lei 12.318/2010 identifica, exemplificativamente, algumas das hipóteses de alienação parental e prescreve que seu exercício fere direito fundamental da criança e do adolescente, consistente de uma saudável e fundamental convivência familiar, prejudicando, com a obstrução ou impedimento de contato, a realização de afeto nas relações com o genitor e com o restante do seu grupo familiar, no que se constitui de verdadeiro abuso moral o descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental, ou daqueles decorrentes da guarda ou tutela judicial. Em qualquer indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de oficio, em ação autônoma ou incidental, a demanda deve ter preferência processual, ou seja, devem ser priorizadas decisões judiciais capazes de preservar com rapidez a estabilidade emocional e a formação espiritual de filhos, vítimas castas e indefesas da síndrome de alienação parental. O texto da Lei é bastante claro naquilo que respeita à sua finalidade de abortar qualquer início ou tentativa de alienação parental, pois impõe ao juiz a tomada de providências de urgência, com uma tramitação processual prioritária no caso de haver sinais de alienação. (MADALENO, 2015, p. 84).
Compreende-se, portanto, que a Lei abrange os casos que possam envolver à prática da alienação parental, objetivando, sobretudo, a preservação da saúde emocional dos menores, haja vista a predominância e importância do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Ademais, consoante Almeida e Rodrigues Júnior (2012), caso se comprove algum ato de alienação parental, o alienador será submetido à uma sanção:
As medidas a serem usadas para interditar a prática da alienação parental também vêm previstas na Lei e se distribuem em ordem crescente proporcionalmente à gravidade que a situação demonstra. O magistrado tem a seu dispor desde uma simples advertência do genitor ou do terceiro alienador até a suspensão da autoridade parental ou mesmo a perda do direito de ter o menor residindo consigo. A ideia central da legislação, em coerência a sua justificativa, é mesmo preferir que fique a criança ou o adolescente sob os cuidados cotidianos do genitor que melhor viabilize a sua convivência com o outro ascendente e com os familiares deste. (ALMEIDA; RODRIGUES JUNIOR, 2012, p.475).
Diante disso, pode-se compreender que a sanção que o alienador poderá ser submetido dependerá da complexidade da situação, ou seja, quanto mais grave a conduta praticada pelo alienador, mais severa será a medida aplicada.
4 O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Compreende-se, consoante Dias (2015), que o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente visa, sobretudo, assegurar às crianças e adolescentes (pessoas vulneráveis), a plena efetivação de direitos fundamentais. Em outras palavras, trata-se de uma busca pela satisfação de direitos de pessoas consideradas “vulneráveis”:
A maior vulnerabilidade e fragilidade dos cidadãos até os 18 anos, como pessoas em desenvolvimento, os faz destinatários de um tratamento especial. Daí a consagração constitucional do princípio que assegura às crianças, adolescentes e jovens, com prioridade absoluta, direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Também são colocados a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CF, 227). (DIAS, 2015, p.50).
Nesse esteio, dentre os princípios contidos na Magna Carta de 1988, vislumbra-se a existência do denominado “princípio do melhor interesse da criança e do adolescente”. Nesse esteio, observa-se que o mencionado princípio está previsto nas entrelinhas do artigo 227, caput, da Magna Carta de 1988:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão [...] (BRASIL, 1988).
Ademais, de maneira expressa, pode-se observar a existência e importância do referido princípio no artigo 3.1 da Convenção Universal dos Direitos da Criança e Adolescente: “Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o melhor interesse da criança” (BRASIL, 1990).
Nesse aspecto apresentado, enfatiza-se que a Convenção retromencionada visa incentivar os países membros (dentre eles o Brasil) a atuarem em prol do desenvolvimento pleno e harmônico de crianças e adolescentes, para que as mesmas possam crescer um ambiente familiar sólido e equilibrado. Ademais, destaca-se que a referida Convenção serviu como subsídio para a construção do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual prevê acerca da proteção integral à criança e ao adolescente e também o melhor interesse dos menores.
Em resumo, pode-se dizer que o referido princípio se encontra ligado aos valores familiares precípuos, aos sentimentos e relações construídas dentro do núcleo familiar. Destaca-se, sobretudo, que tais sentimentos, tais atos influenciam de maneira direta na formação da criança/ adolescente:
Nesse contexto os familiares se sobressaem. Sendo a família um núcleo de companheirismo e afeto é de se supor ser um meio bastante propício para incentivar a maturidade volitiva dessas pessoas proporcionalmente ao que sua condição permite. A realização de escolhas verdadeiramente autônomas no exercício de seus direitos fundamentais e, por conseguinte, na sua formação pessoal talvez fique, dessa forma, garantida (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2012, p. 57).
Compreende-se, portanto, que o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente visa assegurar maior proteção e cuidados para com o menor, bem como o exercício dos direitos fundamentais, os direitos essenciais aos seres humanos em formação.
5 O INSTITUTO JURÍDICO DA GUARDA COMPARTILHADA E O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Conforme vislumbrado, a alienação parental e a SAP constituem-se como atos e consequências decorrentes de uma separação conjugal abrupta e traumática, ou seja, diante da não aceitação do término de um matrimônio, de um relacionamento, o alienador, com desejo de vingança, passa a programar a mente dos filhos para que esses sintam ódio, desprezo, rancor pelo genitor não guardião:
Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, se um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, com o sentimento de rejeição, ou a raiva pela traição, surge o desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex parceiro. Sentir-se vencido, rejeitado, preterido, desqualificado como objeto de amor, pode fazer emergir impulsos destrutivos que ensejarão desejo de vingança, dinâmica que fará com que muitos pais se utilizem de seus filhos para o acerto de contas do débito conjugal. Conforme Viviane Ciambelli, ferido em seu narcisismo, um genitor sente se no direito de anular o outro e, a partir daí, ou ocupa onipotentemente o lugar do pai deposto junto à criança ou o substitui por uma pessoa idealizada, tornando a mais valiosa. Dessa forma, entre relações falseadas, sobrecarregadas de imagens parentais distorcidas e memórias inventadas, a alienação parental vai se desenhando: pais riscam, rabiscam e apagam a imagem do outro genitor na mente da criança (DIAS, 2015, p. 445).
Consoante dados obtidos por intermédio do Instituto Datafolha, cerca de 20 milhões de crianças e adolescentes até os 17 anos são filhos de pais separados. Ademais, dentre esses 20 milhões, 50% sofrem as consequências decorrentes de atos de alienação parental. Tratam-se de pessoas que detém a guarda e uma convivência maior com a criança/ adolescente:
Segundo o presidente da Apase, dados do instituto Datafolha indicam que 20 milhões de crianças e adolescentes de até 17 anos (quase um terço das pessoas nessa faixa etária no país) são filhos de pais separados. Desses 10 milhões são filhos de pais com separação litigiosa, conforme a Apase. "Esses 10 milhões sem sombra de dúvida sofrem com a alienação parental porque litígio é fogo cruzado e a criança acaba sendo usada." Ele afirma que é mais comum que o genitor que tem a guarda cometa a alienação parental. "O mais comum de acontecer é com quem detém a guarda. Você que tem a guarda convive 26 dias no mês com a criança. Quem não tem a guarda tem um final de semana alternado, quatro dias por mês. É mais fácil alienar a criança quem fica mais tempo", diz. Segundo ele, em mais de 95% dos casos a guarda é da mãe (OLIVEIRA; PAES; NENO, 2010, grifo nosso).
Desta feita, pode-se compreender que as consequências provenientes dos atos de alienação parental mostram-se extremamente danosas para a saúde psíquica do menor alienado, haja vista que os mesmos possuem maiores propensões para atos de violência, de depressão, de suicídio e de outros males inimagináveis:
Os resultados são perversos. Pessoas submetidas à alienação mostram-se propensas a atitudes antissociais, violentas ou criminosas; depressão, suicídio e, na maturidade -quando atingida -, revela-se o remorso de ter alienado e desprezado um genitor ou parente, assim padecendo de forma crônica de desvio comportamental ou moléstia mental, por ambivalência de afetos. (DIAS, 2015, p.547).
Em caráter complementar ao exposto, enfatiza Madaleno (2015) que quaisquer atos de lesão causados pelos genitores do menor, em detrimento da liberdade, do direito essencial à convivência familiar, estarão em um nítido confronto aos princípios e direitos constitucionais fundamentais previstos na Magna Carta de 1988:
Vistos os direitos fundamentais da criança e do adolescente sob o prisma constitucional, qualquer lesão causada pelos pais ou por qualquer pessoa que usa de sua ascensão, proximidade ou influência para privar menor vulnerável da sua liberdade, do seu direitos essencial à convivência familiar, ferindo de morte a dignidade dessa criança ou adolescente, está atuando de maneira criminosa, cruel, violenta e covardemente opressiva e, sem sombra de dúvida, o artigo 3º da Lei 12.318/2010 identifica o ato como sendo uma ação de alienação parental (MADALENO, 2015, p. 25).
Em caráter exemplificativo, traz-se um caso real apresentado por Glicia Barbosa de Matos Brasil (2010), psicóloga do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Nesse esteio, observa-se o quão grave se torna a situação e o quão profundo são os traumas ocasionados na vida de crianças que são vítimas de um alienador:
E são sutis os meios que os alienadores – sujeitos ativos do processo de alienação parental – utilizam-se para induzir a criança: eles recontam – a seu modo – as estórias contadas pelas próprias crianças. Casos reais: uma menina, filha de pais separados, por decisão judicial, vive sob a guarda materna e convive com o pai nos finais de semana. O pai usualmente dá banho na filha. A criança chega na casa da mãe contando sobre o banho, dizendo que “papai deu banho e enxugou a perereca”. A mãe, já com a intenção de interromper o convívio paterno até então com pernoite, por razões pessoais (vingança, ciúme, dificuldade de aceitar a separação, etc.), começa a dizer para a filha: “Na próxima vez que papai der banho, não deixe enxugar a sua perereca, pois papai machuca quando enxuga a perereca”. E repete para a criança muitas vezes. Em seguida faz perguntas inadequadas, induzindo a criança a nomear pessoas: “Quem te machucou no banho?” – grava a criança respondendo. Pronto. Está feito o estrago. Basta levar a gravação para algum órgão protetivo dos direitos da criança. E a criança? Bom, além de ser afastada do pai, vai sendo condicionada (pelo número de vezes que tem que contar a estória) a acreditar que foi realmente vítima de abuso. É o que chamamos de implantação de falsas memórias, que faz parte da sintomatologia da SAP (BRASIL, 2010, p. 55, grifo nosso).
No contexto apresentado, destaca-se que grande parcela da doutrina e jurisprudência atual, compreende que a aplicação o instituto da guarda compartilhada se faz necessária na realidade atual, propiciando uma convivência de ambos os genitores no cotidiano e na tomada de decisões acerca dos filhos. Em outras palavras, busca-se, através da instituição da guarda compartilhada, inibir/ atenuar possíveis atos de alienação parental por um dos genitores do menor:
A separação dos pais é um momento traumático para a criança. A guarda compartilhada, como o próprio nome diz, é uma maneira de tentar fazer com que tanto o pai quanto a mãe mantenham relação regular com o filho depois do divórcio. Esse tipo de guarda consiste em dividir entre os pais separados todos os direitos e deveres em relação ao filho. Todas as principais decisões devem ser tomadas em conjunto pelos genitores, montando um esquema de convivência da criança com ambos (PAIS INDIGNADOS CONTRA O PODER JUDICIÁRIO, 2013).
Em caráter complementar ao exposto, disserta Oliveira (2015) que o mencionado instituto traz maior proteção ao menor, durante o processo de divórcio dos pais. Em outras palavras, compreende-se que a guarda compartilhada atua na proteção dos filhos, para que os mesmos não sirvam de instrumentos de chantagem dos genitores:
A guarda compartilhada protege a criança de um desgaste maior, porque a insegurança existe, independentemente de ser divórcio amigável ou litigioso. Não escondemos que nossa relação é difícil e mostramos que, convivendo juntos, ela estaria em meio de conflitos. Ensinamos que continua tendo pai e mãe e zelamos por ela. A guarda compartilhada serviu para os filhos não serem mais usados como pretexto ou chantagem. Antigamente, como a posse era só de um, acabavam sendo usados para tirar proveito de uma situação e até como chantagem. A chave da guarda compartilhada é o amor dos dois pelo filho e a busca conjunta do que é melhor para a criança, e não a picuinha dos adultos (OLIVEIRA, 2015).
É nesse esteio que muitos doutrinadores acreditam que a instituição da guarda compartilhada auxilia não apenas na inibição de atos de alienação parental, mas também em prol da real efetivação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, propiciando uma convivência maior dos genitores para com os filhos:
Este modelo, priorizando o melhor interesse dos filhos e a igualdade dos gêneros no exercício da parentalidade, é uma reposta mais eficaz a continuidade das relações da criança com seus dois pais na família dissociada, semelhantemente a uma família intacta. É um chamamento dos pais que vivem separados para exercerem conjuntamente a autoridade parental, como faziam na Constância da união conjugal, ou de fato. (FILHO, 2013, p. 125, grifo nosso).
No mesmo sentido, enfatiza Grisard Filho:
A introdução da guarda compartilhada busca acima de tudo, o desejo de permanecer uma família unida, oferecendo ao menor um equilibrado desenvolvimento psicoafetivo e garantindo a participação comum dos genitores em sua vida (GRISARD, 2009, p.175).
Desta feita, o magistrado, ao aplicar o instituto da guarda compartilhada, estará atuando em prol da preservação dos laços afetivos originais do menor, de uma convivência pacífica, em consonância com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Nesse panorama, observa-se a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em sede de análise de um Agravo de Instrumento:
GUARDA DE FILHO. PRESERVAÇÃO DO INTERESSE DO MENOR.
CONDIÇÕES DE AMBOS OS GENITORES. PRESERVAÇÃO DOS LAÇOS PATERNOS E MATERNOS. GUARDA COMPARTILHADA.
Sendo um direito primordial da criança conviver pacificamente tanto com o pai quanto com a mãe, ainda quando sobrevém a separação do casal, tem-se a guarda compartilhada como um instrumento para garantir esta convivência familiar. É fundamental para um bom desenvolvimento social e psicológico que a criança possa conviver sem restrições com seus genitores, devendo a decisão a respeito da guarda de menores ficar atenta ao que melhor atenderá ao bem-estar dos filhos dos casais que estão a se separar. Assim, tendo as provas até o momento produzidas indicando que ambos os genitores possuem condições de ficar com o filho menor, tem-se que a melhor solução para o caso concreto é a aplicação da guarda compartilhada sem restrições (BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. AI nº 2001.012993-0/SC. Relator: desembargador Carlos Prudêncio. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 25 mar. 2003).
Em que pese tais posicionamentos de que a aplicação do instituto da guarda compartilhada encontra-se em consonância com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, atuando como mecanismo inibidor da alienação parental, vislumbra-se também posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais contrários ao raciocínio apresentado.
Desta feita, ainda se discute se a aplicação da guarda compartilhada, em sede de arranjos familiares conflituosos, onde falta diálogo entre os genitores do menor, atendem ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Em outras palavras, compreendem que a imposição de tal instituto em qualquer situação (mesmo quando os pais tiverem uma relação conflituosa) poderá colocar em risco a integridade dos filhos, indo na contramão da essência do referido princípio:
Na esmagadora maioria dos casos, quando não se afigura possível a celebração de um acordo, muito dificilmente poderá o juiz “impor” o compartilhamento da guarda, pelo simples fato de o mau relacionamento do casal, por si só, colocar em risco a integridade dos filhos. Por isso, somente em situações excepcionais, em que o juiz, a despeito da impossibilidade do acordo de guarda e custódia, verificar maturidade e respeito no tratamento recíproco dispensado pelos pais, poderá, então, mediante acompanhamento psicológico, impor a medida (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 600).
Desta feita, observa-se que a guarda compartilhada pressupõe uma convivência harmônica entre os genitores do menor, bem como a existência mínima de diálogo e consenso acerca da vida daquele. No mesmo sentido, enfatiza Filho:
Pais em conflito constante, não cooperativos, sem diálogo, insatisfeitos, que agem em paralelo e sabotam um ao outro contaminam o tipo de educação que proporcionam a seus filhos e, nesses casos, os arranjos de guarda compartilhada podem ser muito lesivos aos filhos. Para essas famílias, destroçadas, deve optar se pela guarda única e deferi la ao genitor menos contestador e mais disposto a dar ao outro o direito amplo de visitas. (FILHO, 2013, p.237).
No que tange ao posicionamento da jurisprudência acerca da aplicação do instituto da guarda compartilhada, observa-se a decisão oriunda do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em sede de análise de uma apelação cível:
CIVIL. AÇÃO DE SEPARAÇÃO LITIGIOSA. GUARDA COMPARTILHADA. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE BOA CONVIVÊNCIA E DIÁLOGO ENTRE OS PAIS. NÃO ATENDIMENTO AOS INTERESSES DA CRIANÇA.
1. A guarda compartilhada somente pode ser concedida na medida em que os pais, mesmo separados, mantêm uma boa convivência e diálogo a permitir a preservação dos interesses da criança.
2. Recurso não provido (BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. AC 20070610024635/DF. Relator (a): desembargadora Silva Lemos. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 06 jun. 2014, grifo nosso).
Na mesma perspectiva de entendimento, ou seja, de que a guarda compartilhada só deve ser aplicada em situações familiares em que os genitores mantêm uma boa convivência e diálogo, vislumbra-se a decisão proveniente do Tribunal de Justiça de São Paulo, em sede de análise de um agravo de instrumento
GUARDA. TUTELA ANTECIPADA. COMPARTILHADA OU UNILATERAL. INTENSA LITIGIOSIDADE.
1- Decisão não acolheu, em tutela antecipada, pedido do pai de guarda compartilhada.
2- O alto grau de litigiosidade entre os pais da criança não autoriza, pelos elementos trazidos no agravo, a modificação da guarda unilateral da mãe para a forma compartilhada.
3- Recurso não provido (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. AI 01405578620138260000/SP. Relator: desembargador Alexandre Lazzarini. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 05 fev. 2014).
Contudo, apesar de tais entendimentos expostos pelos tribunais de justiça, em decisão datada de 2016, compreendeu o Superior Tribunal de Justiça que, mesmo que haja conflito entre os genitores, deve-se prevalecer a guarda compartilhada, em consonância com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente:
Mesmo que haja conflito entre os pais a guarda deve ser compartilhada, pois o interesse maior é preservar o bem-estar da criança. Este é o entendimento da ministra Nancy Andrighi, em ação julgada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que se tornou referência em todo o País sobre o assunto.
A mudança instituída pela ministra representa um grande avanço na legislação, na opinião da juíza responsável pela Terceira Vara da Família e Sucessões da Comarca de Várzea Grande, Jaqueline Cherulli. “Antes cada magistrado julgava este tipo de ação a seu modo. Foi essencial estabelecer esse parâmetro que tem como cerne a criança. Ainda que haja desarmonia entre os genitores, eles devem pensar primeiro no filho. A criança não tem preparo emocional para enfrentar uma ruptura familiar conflituosa e, na maioria dos casos é a maior prejudicada nesse tipo de processo” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO, 2016).
Apesar de tais posicionamentos doutrinários minoritários, compreende-se que o instituto da guarda compartilhada deverá ser aplicado sob a perspectiva de interesses da criança/ adolescente e jamais sob a perspectiva de interesse dos pais. Em outras palavras, compreende-se que o referido instituto, apesar de contemplar inúmeras vantagens (dentre elas a inibição de atos de alienação parental), só deverá ser aplicado onde se tenha uma convivência harmônica entre os genitores do menor, onde se possa consolidar a essência do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente:
A guarda compartilhada não é modalidade aberta ao processo litigioso de disputa da companhia física dos filhos, pois pressupõe para seu implemento, total e harmônico consenso dos pais. A guarda compartilhada exige dos genitores um juízo de ponderação, imbuídos da tarefa de priorizarem apenas os interesses de seus filhos comuns, e não o interesse egoísta dos pais. Deve ser tida como indissociável pré-requisito uma harmônica convivência dos genitores; como a de um casal que, embora, tenha consolidado a perda de sua sintonia afetiva pelo desencanto da separação, não se desconectou da sua tarefa de inteira realização parental, empenhados em priorizarem a fundamental felicidade da prole (MADALENO, 2010,p. 144, grifo nosso).
Nesse esteio, Grisard Filho (2009) pondera que a guarda compartilhada deverá ser aplicada quando cumprir com duas questões precípuas, quais sejam, o reequilíbrio dos papéis parentais e a garantia de aplicação do princípio em tela:
a)o reequilíbrio dos papéis parentais, levando-se em conta o princípio da igualdade entre homem e mulher e o de b) garantir respeito absoluto ao princípio do melhor interesse da criança, que lhe assegure uma convivência familiar e comunitária capaz de suprir todas as suas necessidades (GRISSARD FILHO, 2009, p.419).
Observa-se, portanto, que a guarda compartilhada não deverá ser aplicada em toda e qualquer situação familiar, mas somente quando for benéfica ao menor, quando realmente se consolidar as raízes do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
6 CONCLUSÃO
Tendo como subsídio todo o conteúdo estudado e proposto, compreende-se que o instituto da guarda compartilhada apresenta-se como uma possível solução para os casais que se encontram em processo de divórcio/ separação conjugal e que desejam que os filhos tenham uma convivência harmoniosa, sadia e de livre acesso a ambos. Desta feita, entende-se que a guarda compartilhada, ao contrário do modelo unilateral (onde a guarda permanece com apenas um dos genitores) permite que ambos os pais possam colaborar, de maneira igualitária, na vida dos filhos e, principalmente, na tomada de decisões atinentes aos mesmos.
Urge salientar que o instituto da guarda compartilhada encontra-se presente, de maneira específica, através da Lei nº 11.698/2008. Desta feita, através do mencionado diploma legal, pode-se vislumbrar um conceito acerca da “alienação parental” e medidas judiciais que podem ser tomadas em detrimento de um dos genitores da criança.
Nesse mesmo esteio, observa-se que, em decorrência da ruptura de uma união conjugal, muitas pessoas passam a nutrir sentimentos de ódio e desprezo para com o ex-companheiro/ cônjuge, e, em razão de tal situação, acabam utilizando os filhos como verdadeiros instrumentos de vingança. Nesse contexto, tem-se a chamada “alienação parental”.
Ao longo dos estudos realizados, pode-se compreender que a alienação parental se traduz como uma série de atos praticados pelo alienador, para que a criança tenha sentimentos de ódio, desprezo e rancor pelo genitor não guardião. Desta feita, a criança passa por uma verdadeira reprogramação e cresce acreditando que um dos pais não a ama. Destaca-se, nesse aspecto, que as sequelas emocionais e todos os comportamentos reprováveis derivados de tal situação são denominados como síndrome da alienação parental (SAP).
É importante mencionar, ademais, que a alienação parental pode ser praticada não somente pelos genitores da criança, mas também por algum amigo da família, pelos avós, dentre outros. Em outras palavras, compreende-se que todo aquele que empreender atitudes que induzam a criança a nutrir sentimentos ruins em relação a um dos genitores, poderá ser considerado alienador.
É no contexto avençado que o instituto da guarda compartilhada é visto pela doutrina e jurisprudência pátria majoritária como o verdadeiro mecanismo hábil para atenuar/inibir a alienação parental no seio familiar. Em outras palavras, compreendem que a guarda compartilhada (mesmo que seja aplicada em casos onde os genitores não convivem de forma harmoniosa) possibilita que ambos os pais possam conviver, de maneira igualitária, com os filhos, que possam tomar decisões conjuntas, interferir na vida dos filhos de maneira benéfica e em conjunto.
Nesse mesmo panorama, buscou-se tratar como causa principal, se a aplicação do instituto jurídico da guarda compartilhada, em toda e qualquer situação familiar (mesmo em situações onde os genitores do menor vivem em desarmonia, em conflitos) encontra-se em consonância com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Desta feita, considerando todos os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, pode-se compreender que, apesar de o magistrado possuir a prerrogativa de aplicação da guarda compartilhada em situações onde os genitores vivem em desarmonia, acredita-se que tal instituto deve ser aplicado com cautela.
Ao observar os elementos contidos nas entrelinhas do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, percebe-se que o foco é o bem-estar psíquico, físico e emocional do menor. Dessa forma, a aplicação desmensurada do instituto da guarda compartilhada, sem a observância da situação vivenciada em tais arranjos familiares, em nada atende aos interesses das crianças/ adolescentes. Portanto, coaduna-se com os posicionamentos voltados para a aplicação da guarda compartilhada somente quando existir uma relação equilibrada entre os genitores do menor, garantindo-se o respeito máximo ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
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Bacharela em Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, Renata Martins. O instituto jurídico da guarda compartilhada e o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 ago 2020, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55072/o-instituto-jurdico-da-guarda-compartilhada-e-o-princpio-do-melhor-interesse-da-criana-e-do-adolescente. Acesso em: 23 dez 2024.
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