RESUMO: Atualmente, considerando os casos de corrupção que assolam o país, o tema Improbidade Administrativa tem ganhado bastante relevância nos debates acadêmicos e sociais. Neste trabalho objetiva-se abordar, detalhadamente, o assunto proposto com especial enfoque à jurisprudência dos tribunais.
Palavras-chave: improbidade - administrativa - jurisprudência.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito de improbidade administrativa. 3. Competência legislativa. 4. Sujeito ativo e passivo. 5. Atos de improbidade. 6. Sanções. 7. Conclusão. Referências
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos o Brasil vem demonstrando maior preocupação com o combate à corrupção que assola o país. Grande parte da sociedade e do poder público se monstra sensível a tal questão, buscando medidas que visam efetivar o republicanismo e o Estado de Direito.
A corrupção é conhecida como “uma forma particular de exercer influência ilícita, ilegal e ilegítima[1]”. Seu combate se dá mediante transformações culturais e institucionais.
Antes mesmo da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Improbidade Administrativa (n. 8.429/1992) o Brasil já assinalava atenção ao tema, destacando-se as Leis 3.164/1957 (Lei Pitombo-Godói Ilha), que estabelecia ser sujeito a sequestro e à sua perda em favor da Fazenda Pública os bens adquiridos pelo servidor público, por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que tenha aquele incorrido (artigo 1º), e a Lei 3.502/1958 (Lei Bilac Pinto), que regulamentou o procedimento de sequestro e perda de bens baseado na Lei 3.164.
As supramencionadas leis somente foram revogadas pela Lei de Improbidade Administrativa, que assim dispôs expressamente em seu artigo 25.
Com efeito, o Poder Judiciário, no exercício de sua função típica, a quem compete a aplicação da lei aos casos concretos, em cumprimento às leis 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), à Constituição Federal e demais diplomas normativos, se deparou com diversos debates judiciais relativos à improbidade administrativa e, a partir disso, tem criado valorosa jurisprudência sobre o tema, o que será observado neste trabalho.
2. CONCEITO DE IMPROBIDADE ADMINSTRATIVA
O vocábulo improbidade vem do latim improbitate, isto é, imoralidade ou desonestidade. O dicionário brasileiro da língua portuguesa conceitua improbidade como “falta de probidade; desonestidade, fraude, imoralidade[2]”.
A Constituição da República, em seu artigo 37, §4º, não conceitua improbidade administrativa, mas apenas prevê as sanções que serão aplicadas no caso de cometimento de um ato de improbidade, a saber: suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
O professor Luiz Flávio Gomes[3] conceitua improbidade como “o designativo técnico para conceituar corrupção administrativa, ou seja, o que é contrário à honestidade, à boa-fé, à honradez, à correção de atitude”.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.558.038-PE[4], asseverou que “somente se classificam como atos de improbidade administrativa as condutas de servidores públicos que causam vilipêndio aos cofres públicos ou promovem o enriquecimento ilícito do próprio agente ou de terceiros”.
Tratando-se de um direito sancionador, o conceito de improbidade administrativa não é daqueles que a doutrina chama de elástico, isto é, daqueles que podem ser ampliados para abranger situações que não tenham sido contempladas no momento da sua definição (STJ, RESP n. 1558038/PE).
Por fim, com base no caput dos artigos 9º, 10º, 10-A e 11, todos da Lei de Improbidade Administrativa (n. 8.429/1992), podemos concluir o seguinte: é o ato praticado por agente público ou por terceiro (particular) em concurso com agente público, que gere enriquecimento ilícito, lesão ao erário, implique concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário relacionado ao ISS ou viole princípios da Administração Pública.
3. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
Questão de grande importância diz respeito à competência legislativa em matéria de improbidade.
É sabido que a Constituição da República garantiu competências privativas à União, residuais aos estados-membros e concorrentes entre União, Estados e Municípios, sem delimitar expressamente no tocante à competência para legislar sobre improbidade administrativa.
A doutrina, então, tratou de debater sobre a matéria, concluindo o seguinte:
[...] se trata de impor sanções aos funcionários e agentes da Administração, a matéria cai inteiramente na competência legislativa em tema de Direito Administrativo, e, portanto, na competência privativa de cada ente político. Em suma, se o funcionário é federal, somente lei federal pode impor-lhe sanções pelo seu comportamento irregular; se o funcionário é municipal, somente lei administrativa do Município ao qual está ligado por impor-lhe sanções[5].
A rigor, a Lei federal n. 8.429 (LIA) possui caráter de lei nacional, estabelecendo normas de natureza processual e sanções de natureza cível e política, temas de competência legislativa privativa da União, nos termos do art. 22, inciso I, da Constituição. Excepcionalmente, possui matérias de natureza eminentemente administrativa, que possuem caráter de lei federal, sendo aplicadas, apenas, à União, visto que, em se tratando de matéria administrativa a competência legislativa é comum a todos os entes federativos, de modo que Estados e Municípios também possuem competência para tanto.
O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a constitucionalidade da Lei 8.492/1992, conforme julgamento da ADI 2.182[6], cujo acórdão foi assim ementado:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. QUESTÃO DE ORDEM: PEDIDO ÚNICO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE EXAMINAR A CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. 2. MÉRITO: ART. 65 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI 8.429/1992 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA): INEXISTÊNCIA.
1. Questão de ordem resolvida no sentido da impossibilidade de se examinar a constitucionalidade material dos dispositivos da Lei 8.429/1992 dada a circunstância de o pedido da ação direta de inconstitucionalidade se limitar única e exclusivamente à declaração de inconstitucionalidade formal da lei, sem qualquer argumentação relativa a eventuais vícios materiais de constitucionalidade da norma.
2. Iniciado o projeto de lei na Câmara de Deputados, cabia a esta o encaminhamento à sanção do Presidente da República depois de examinada a emenda apresentada pelo Senado da República.
O substitutivo aprovado no Senado da República, atuando como Casa revisora, não caracterizou novo projeto de lei a exigir uma segunda revisão.
3. Ação direta de inconstitucionalidade improcedente.
Quanto à aplicação da Lei 8.492/92, a Lei de Improbidade é datada de 02/06/1992, publicada no DOU de 03/06/1992. Consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, manifestada no Recurso Especial n. 1129121-GO[7], a LIA somente se aplica a fatos ocorridos após a sua entrada em vigor. Vejamos a ementa do referido julgado:
ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA A FATOS POSTERIORES À EDIÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. IMPOSSIBILIDADE. 1. A Lei de Improbidade Administrativa não pode ser aplicada retroativamente para alcançar fatos anteriores a sua vigência, ainda que ocorridos após a edição da Constituição Federal de 1988. 2. A observância da garantia constitucional da irretroatividade da lei mais gravosa, esteio da segurança jurídica e das garantias do cidadão, não impede a reparação do dano ao erário, tendo em vista que, de há muito, o princípio da responsabilidade subjetiva se acha incrustado em nosso sistema jurídico. 3. Consoante iterativa jurisprudência desta Corte, a condenação do Parquet ao pagamento de honorários advocatícios no âmbito de ação civil pública está condicionada à demonstração de inequívoca má-fé, o que não ocorreu no caso. 4. Recurso especial provido em parte, apenas para afastar a condenação do recorrente em honorários advocatícios. (STJ, DJ 15/03/2013).
Logo, é possível concluir-se que a lei não possui eficácia retroativa.
4. SUJEITO ATIVO E PASSIVO
O sujeito ativo da improbidade administrativa, à luz da Lei 8.492, pode ser tanto o agente público quanto terceiros. A LIA, ao destacar a legitimidade de todos os agentes públicos, impõe a responsabilidade sobre todas as pessoas físicas que exercem funções estatais.
Diz, ainda, a referida legislação:
Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Ou seja, considera-se sujeito ativo, de igual sorte, o agente que exerça transitoriamente ou sem remuneração mandato, cargo, emprego ou função.
É importante salientar que são considerados agentes públicos: os agentes políticos, os servidores públicos (estatutários, celetistas e temporários) e os particulares em colaboração com o estado, todos identificados como “agentes públicos de direito”. Reputa-se agente público, também, mas na categoria “agentes de fato”, os putativos e necessários. A Lei 8.492 atinge a todos os agentes públicos ora mencionados.
A LIA, em seu artigo 8º, também prevê expressamente que o sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações da lei até o limite do valor da herança.
A Lei 8.492 estabelece em seu artigo 1º quem é considerado sujeito passivo, ou melhor, quem são as pessoas jurídicas que poderão sofrer o ato de improbidade. Observemos:
Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
Do texto legal podemos extrair que são sujeitos passivos da ação de improbidade: I – Entes da Administração Pública Direta e Indireta; II – Empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual; III - Entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público; IV – Entidades para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% por cento do patrimônio ou da receita anual.
A esse respeito, ressalva-se a lição do professor José dos Santos Carvalho Filho[8] que, em que pese às empresas incorporadas ao patrimônio público, afirma: “[...] não são sujeitos passivos da improbidade, mas, sim as pessoas administrativas incorporadoras”. Tal conclusão se dá tendo em vista que tais empresas são extintas e absorvidas por pessoa jurídica de direito público ou privado da Administração Pública.
Ultrapassado o debate sobre quem pode ser sujeito ativo e passivo na ação de improbidade administrativa, impende registrar alguns pontos de extremada relevância abordados pela jurisprudência sobre este tema.
Inicialmente, faz-se o seguinte questionamento: é possível o ajuizamento da ação exclusivamente em face de terceiro, sem inclusão do agente público?
A resposta é negativa. Como visto, o sujeito ativo da improbidade administrativa, à luz da Lei 8.492, pode ser tanto o agente público quanto terceiros.
Todavia, a jurisprudência do STJ, manifestada, entre outros, no Recurso Especial 1.171.017-PA[9], de relatoria do Ministro Sérgio Kukina, é pacífica no sentido de não ser possível o ajuizamento de ação de improbidade exclusivamente em face de terceiros, melhor dizendo, sem a presença concomitante do agente público:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. PREMISSA FÁTICA EQUIVOCADA. OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROPOSITURA EXCLUSIVAMENTE CONTRA PARTICULARES. EQUIPARAÇÃO A AGENTES PÚBLICOS. IMPOSSIBILIDADE. CONTINUIDADE DA AÇÃO PARA RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. EMBARGOS REJEITADOS.
[...]
4. Inviável o manejo da ação civil de improbidade exclusivamente e apenas contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda.
A conclusão do entendimento adotado pelo STJ se dá, pois, uma vez que para responder por improbidade administrativa o particular deva induzir, concorrer ou se beneficiar do ato (art. 3º da Lei LIA), deve-se concluir que deve haver atuação concomitante do agente público a ser induzido, a concorrer ou a praticar o ato de improbidade do qual o terceiro se beneficie.
Outro ponto de destaque pela jurisprudência é sobre a desnecessidade de inclusão da pessoa física no polo passivo da ação de improbidade. Sobre o assunto, sustenta o Superior Tribunal de Justiça[10]:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CPC INOCORRENTE. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. LEGITIMIDADE PASSIVA. (...) 2. Considerando que as pessoas jurídicas podem ser beneficiadas e condenadas por atos ímprobos, é de se concluir que, de forma correlata, podem figurar no polo passivo de uma demanda de improbidade, ainda que desacompanhada de seus sócios. (RESP 970.393-CE. Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ 21/06/2012).
Logo, é possível o manejo de ação de improbidade administrativa exclusivamente em desfavor da pessoa jurídica, ou seja, desacompanhada de seus sócios.
Também a respeito dos sujeitos da ação objeto deste estudo, pode-se afirmar que não há litisconsórcio passivo necessário.
O Código de Processo Civil estabelece que o litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes (artigo 114). De acordo com a jurisprudência do STJ, inexiste litisconsórcio passivo necessário entre o agente público e o terceiro beneficiado com o ato ímprobo:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 47 DO CPC E ART. 3º DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO CARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE HIPÓTESE DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO.
[...] 2. Não há falar em formação de litisconsórcio passivo necessário entre eventuais réus e as pessoas participantes ou beneficiárias das supostas fraudes e irregularidades nas ações civis públicas movidas para o fim de apurar e punir atos de improbidade administrativa, pois não há, na Lei de Improbidade, previsão legal de formação de litisconsórcio entre o suposto autor do ato de improbidade e eventuais beneficiários, tampouco havendo relação jurídica entre as partes a obrigar o magistrado a decidir de modo uniforme a demanda. (STJ, AgRg no RESP 1421144, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ 26/05/2015)[11].
A ausência de previsão legal afasta eventual reconhecimento de litisconsórcio passivo necessário entre o suposto autor do ato de improbidade e eventuais beneficiários, não estando obrigado o Magistrado, ainda, a decidir a relação jurídica de modo uniforme (dessa maneira, também não havendo litisconsórcio unitário).
Outro ponto de relevância diz respeito ao estagiário como sujeito ativo. O Superior Tribunal de Justiça, em sua jurisprudência, reconhece ser o estagiário sujeito ativo do ato de improbidade.
Nesse diapasão, a Corte Superior, ao julgar o Recurso Especial 1.149.493-BA[12], em 22/11/2016, reconheceu que uma estagiária da Caixa Econômica Federal possuía vínculo - ainda que transitório e de caráter educativo - com a Empresa Pública Federal, tendo se utilizado de tal condição para auferir vantagem econômica, por meio da realização de saques irregulares de contas de clientes da instituição financeira, reconhecendo-se, assim, sua legitimidade para figurar no polo passivo da demanda.
Convém mencionar, ainda:
[...] o alcance conferido pelo legislador quanto à expressão “agente público” possui expressivo elastério, o que faz com que os sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa não sejam apenas os servidores públicos, mas, também, quaisquer outras pessoas que estejam de algum modo vinculadas ao Poder Público (STJ, REsp 1081098-DF, Rel. Ministro Luiz Fux, DJ 03/09/2009).
Por derradeiro, questão que já causou diversos debates jurisprudenciais diz respeito à aplicabilidade da Lei 8.492 aos agentes políticos, à exceção do Presidente da República.
O Supremo Tribunal Federal possuía jurisprudência no sentido de não admitir a ocorrência de dois regimes de responsabilidade político-administrativas para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º, da Constituição da República, este regulado pela Lei n° 8.429/1992, e o regime fixado no art. 102, I, "c", este disciplinado pela Lei n° 1.079/1950 (que define os crimes de responsabilidade). Nesse sentido:
RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS.
I. PRELIMINARES. QUESTÕES DE ORDEM.
[...]
II.1.Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n° 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo.
II.2.Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado pela Lei n° 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, "c", da Constituição.
II.3.Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, "c"; Lei n° 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/1992).
III. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
(STF, Rcl 2138, Relator Min. NELSON JOBIM, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES (ART.38,IV,b, DO RISTF), Tribunal Pleno, DJ 13/06/2007)[13].
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por exemplo, nos autos do processo de Agravo de Instrumento n. 2009.04.00.032044-7, ao enfrentar a matéria, amparado no até então entendimento da Suprema Corte, afastou a imposição da Lei de Improbidade administrativa aos agentes políticos, por entender aplicável, a esses, os ditames do crime de responsabilidade. O mencionado Acórdão foi assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGENTES POLÍTICOS. INAPLICABILIDADE
A Lei nº 8.429/92, que regula a ação de improbidade administrativa, não se aplica aos agentes políticos que, nesta condição, não respondem por improbidade administrativa, mas, apenas, por crime de responsabilidade. (TRF4, AI 2009.04.00.032044-7, Rel. Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia, DJ 14/10/2009)[14].
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.216.168-RS, oriundo do AI 2009.04.00.032044-7, julgado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, acima mencionado, reformou o entendimento consignado pelo TRF4, asseverando pelo cabimento do ajuizamento de ação de improbidade em face dos agentes políticos. Vejamos:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGENTE POLÍTICO. APLICAÇÃO DA LEI Nº 8.429/1992. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
[...]
4. A jurisprudência desta Corte, ao contrário do que decidiu o acórdão recorrido, firmou-se no sentido da "possibilidade de ajuizamento de ação de improbidade em face de agentes políticos, em razão da perfeita compatibilidade existente entre o regime especial de responsabilização política e o regime de improbidade administrativa previsto na Lei n. 8.429/92, cabendo, apenas e tão-somente, restrições em relação ao órgão competente para impor as sanções quando houver previsão de foro privilegiado ratione personae na Constituição da República vigente" (REsp 1282046/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16.2.2012, DJe 27.2.2012). [...] (STJ, EDcl no AgRg no RESP n. 1.216.168-RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 24/09/2013)[15].
O Supremo Tribunal Federal também reviu seu entendimento e, atualmente, estabelece que, excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República, sujeito, por força da própria Constituição, a regime especial, não há norma constitucional que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º, da CF. Nesse contexto:
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGENTE POLÍTICO. COMPORTAMENTO ALEGADAMENTE OCORRIDO NO EXERCÍCIO DE MANDATO DE GOVERNADOR DE ESTADO. POSSIBILIDADE DE SUJEIÇÃO A DUPLO REGIME JURÍDICO: (1) RESPONSABILIZAÇÃO POLÍTICA, MEDIANTE “IMPEACHMENT” (LEI Nº 1.079/50), DESDE QUE AINDA TITULAR DE REFERIDO MANDATO ELETIVO E (2) RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI Nº 8.429/92). EXTINÇÃO SUBSEQUENTE DO MANDATO DE GOVERNADOR DE ESTADO. EXCLUSÃO DO REGIME FUNDADO NA LEI Nº 1.079/50 (ART.76, PARÁGRAFO ÚNICO). PLEITO RECURSAL QUE OBJETIVA EXTINGUIR PROCESSO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, EM RAZÃO DE, À ÉPOCA DOS FATOS, A RECORRENTE (Yeda Crusius) OSTENTAR A QUALIDADE DE CHEFE DO PODER EXECUTIVO LOCAL. APLICABILIDADE, CONTUDO, A EX-GOVERNADOR DE ESTADO, DO REGIME JURÍDICO FUNDADO NA LEI Nº 8.429/92. DOUTRINA. PRECEDENTES. REGIME DE PLENA RESPONSABILIDADE DOS AGENTES ESTATAIS, INCLUSIVE DOS AGENTES POLÍTICOS, COMO EXPRESSÃO NECESSÁRIA DO PRIMADO DA IDEIA REPUBLICANA. O RESPEITO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA COMO PRESSUPOSTO LEGITIMADOR DOS ATOS GOVERNAMENTAIS. PRETENSÃO QUE, SE ACOLHIDA, TRANSGREDIRIA O DOGMA REPUBLICANO DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS. PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELO IMPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO DEDUZIDO POR YEDA RORATO CRUSIUS. DECISÃO QUE NEGA PROVIMENTO A ESSE APELO EXTREMO, PREJUDICADO O RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. (STF, RE 803.297-RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 06/02/2017)[16].
Em relação aos prefeitos, o STJ já se pronunciou expressamente concluindo que eles podem responder de forma concomitante por ato de improbidade, isto é, pela Lei 8.429/1992, e por crime de responsabilidade, regulamentado pelo Decreto-Lei n. 201/67 (Nesse sentido, entre outros: processo n. 1.066.772/MS e AgRg no REsp 1425191/CE).
Portanto, não há impedimento à coexistência entre esses dois sistemas de responsabilização dos agentes do Estado (STF, Pet 3.923-QO/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa).
5. ATOS DE IMPROBIDADE
Atualmente são 4 (quatro) as espécies de atos de improbidade administrativa previstos na Lei Federal n. 8.429/92, isto é:
Atos que improbidade que importam enriquecimento ilícito (artigo 9º).
Atos de improbidade Administrativa que causam prejuízo ao erário (artigo 10).
Atos de improbidade administrativa decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário relativo ao ISS (artigo 10-A)
Atos de improbidade que atentam contra princípios da Administração Pública (artigo 11).
Salienta-se que os artigos 9, 10 e 11 da LIA apresentam rol exemplificativo de condutas que podem ocasionar a responsabilização por ato de improbidade administrativa, não impedindo a existência de outras situações além daquelas previstas no texto normativo.
Ato que improbidade que importe enriquecimento ilícito consiste em uma conduta dolosa de recebimento de vantagem patrimonial indevida, sendo desnecessária a existência de prejuízo ao erário.
Por sua vez, quanto aos atos de improbidade que causem prejuízo ao erário, a lei exige três requisitos, quais sejam: dano ao erário, conduta dolosa ou culposa e nexo de causalidade entre ação ou omissão e prejuízo ao erário.
Frisa-se que há distinção entre as expressões “erário” e “patrimônio público”. Enquanto a primeira diz respeito aos recursos financeiros provenientes dos cofres públicos, a segunda tem sentido mais amplo e abarca, além dos bens e interesses econômicos, os interesses não econômicos. A título exemplificativo, a Lei da Ação Popular (lei n. 4.717/65) considera patrimônio público os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.
Conquanto as expressões “erário” e “patrimônio público” não se confundam, reputa-se ato de improbidade toda lesão ao patrimônio público. Isso se dá por uma interpretação sistemática da Lei de Improbidade, que, apesar de prever eu seu artigo 10 a expressão “lesão ao erário”, em diversos dispositivos vale-se da expressão “patrimônio público”, o que se observa de uma leitura de seus artigos 7º e 8º, por exemplo.
O artigo 10-A da Lei de Improbidade, introduzido pela Lei Complementar 157/2016, inseriu entre os atos ímprobos a concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário relativo ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). De acordo com a Norma, em resumo, a concessão de benefícios tributários que diminuam a alíquota de ISS abaixo de 2% - alíquota mínima estabelecida pelo artigo 8-A da Lei Complementar 116/2003, configura ato de improbidade. Exige-se, para tipificação do ato, que a conduta do agente seja dolosa.
Por derradeiro, quanto à violação de princípios da Administração Pública, trata-se de condutas omissivas ou comissivas, dolosas, realizadas em desconformidade com os deveres de honestidade, lealdade, legalidade ou imparcialidade. Cabe ao administrador não apenas observar os princípios explícitos previstos no artigo 37 da Carta Maior (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), mas também aqueles implicitamente reconhecidos pelo ordenamento jurídico, em síntese: razoabilidade, proporcionalidade, autotutela, segurança jurídica, boa-fé, entre outros.
6. SANÇÕES
A Constituição da República, em seu artigo 37, §4º, estabelece:
Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível[17].
A Lei 8.429/92 ampliou o rol de sanções aplicáveis ao cometimento de atos ímprobos, incluindo a multa civil e a proibição de contratar com o Poder Público ou dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
A seguir apresenta-se um quadro exemplificando as sanções aplicáveis a cada ato de improbidade administrativa:
Sanções para o enriquecimento ilícito |
Sanções para a lesão ao erário |
Sanções para a concessão indevida de benefício financeiro ou tributário |
Sanções para a violação a princípios administrativos |
Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio |
Ressarcimento integral do dano |
Perda da função pública |
Ressarcimento integral do dano, se houver |
Ressarcimento integral do dano, quando houver |
Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância |
Suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos e multa civil de até três vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido |
Perda da função pública, |
Perda da função pública |
Perda da função pública, |
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Suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, |
Suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos |
Suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos |
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Pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente |
Pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial |
Pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano |
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Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. |
Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos |
Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos |
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Merece destaque que na fixação das penas o juiz deve levar em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente (artigo 12, parágrafo único, da Lei 8.492).
Passa-se, agora, a tecer alguns comentários jurisprudenciais relativos às sanções impostas pela Lei de Improbidade.
O primeiro ponto relevante diz respeito à efetiva demonstração do dano ao patrimônio público para fins de condenação por dano ao erário.
Malgrado a legislação pareça clara acerca da necessidade de demonstração do efetivo dano ao patrimônio público, no que toca ao ato de improbidade administrativa ensejador de dano ao erário, intensos debates foram levados ao Superior Tribunal de Justiça, fazendo com que a Corte Superior firmasse jurisprudência pacificada no sentido de exigir, para responsabilização por ato de improbidade administrativa que importe prejuízo ao erário, a existência de efetiva lesão:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREJUÍZO AO ERÁRIO. DANO EFETIVO NÃO DEMONSTRADO. COMPRAS REVERTIDAS EM PROVEITO DA COLETIVIDADE. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. PRECEDENTES STJ. AUSÊNCIA DE DOLO. AGRAVO IMPROVIDO.
1. É pacífico no âmbito deste Superior Tribunal o entendimento de que, para a condenação por ato de improbidade administrativa que importe prejuízo ao erário, é imprescindível a demonstração de efetivo dano ao patrimônio público, o que não se verificou em relação às condutas do ex-alcaide impugnadas pelo Ministério Público.
(STJ, AgRg no AREsp 18.317-MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Primeira Turma, DJ 05/06/2014)[18]
Pode-se afirmar que a carência de comprovação do efetivo dano ao patrimônio público conduz a ausência do elemento subjetivo ensejador da incidência da responsabilidade por ato de improbidade.
Ainda no debate jurisprudencial relativo às sanções, afigura-se necessário mencionar a respeito da dispensa de licitação. Sobre isso, de acordo com o STJ, a indevida dispensa de licitação, por impedir que a administração pública contrate a melhor proposta, causa dano in re ipsa, descabendo exigir do autor da ação civil pública prova a respeito do tema (REsp 817.9210-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 27/11/2012)[19].
Outrossim, quanto ao afastamento cautelar do agente público, baseado na literalidade da lei 8.429, a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 20).
Porém, a autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual (artigo 20, parágrafo único, da Lei 8.429).
Não havendo, na legislação, qualquer referência acerca do prazo máximo para o afastamento cautelar do agente público, coube à jurisprudência preencher tal lacuna e concluir pela possibilidade de afastamento pelo prazo de até 180 (cento e oitenta) dias. Vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR. AFASTAMENTO CAUTELAR DE AGENTE POLÍTICO. DECISÃO QUE IDENTIFICOU RISCO À INSTRUÇÃO PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA DE GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA.
[...]
II - A prorrogação não pode representar uma interferência indevida no mandato eletivo. Limitação dos efeitos da decisão pelo prazo de 180 dias contados da data em que prolatada (1º de outubro de 2014) ou até o término da instrução processual - o que ocorrer antes.
(STJ, AgRg na SLS 1957-PB, Rel. Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, DJ 17/12/2014)[20].
Findo este prazo deve o servidor voltar ao desempenho de suas atividades.
Quanto à indisponibilidade de bens, é desnecessária prova do periculum in mora.
Com o escopo de evitar a dilapidação do patrimônio do sujeito que comete ato de improbidade administrativa, quer dizer, objetivando a reposição de valores aos cofres públicos, a Lei 8.429 diz que: quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado (artigo 7º). Em seguida complementa: a indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito (artigo 7º, parágrafo único).
No passado, sustentava-se que para a concessão da medida constritiva de bens e direitos em ações de improbidade administrativa fazia-se necessária a presença simultânea de indícios veementes da prática de atos de improbidade administrativa - fumus boni juris, além da comprovação de que o réu intencionava desfazer do seu patrimônio com o fim de frustrar o cumprimento de eventual condenação - periculum in mora (TRF1, AIS 0013090-32.2008.4.01.0000-DF, Rel. Desembargadora Federal Assusete Magalhães, Terceira Turma, DJ 11/02/2011)[21].
Entretanto, atualmente sustenta-se que para decretação da indisponibilidade de bens faz-se necessário, somente, a demonstração do fumus boni iuris, que, no caso, se revela com a prova de fundados indícios de cometimento de ato de improbidade administrativa.
Sendo assim, de acordo com a jurisprudência o periculum in mora é presumido, de modo que não se faz imprescindível a demonstração de que o réu está dilapidando seu patrimônio ou prestes a fazê-lo:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. APLICAÇÃO DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 543-C DO CPC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DOS BENS DO PROMOVIDO. DECRETAÇÃO. REQUISITOS. EXEGESE DO ART. 7º DA LEI N. 8.429/1992, QUANTO AO PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. MATÉRIA PACIFICADA PELA COLENDA PRIMEIRA SEÇÃO.
3. [...] no comando do art. 7º da Lei 8.429/1992, verifica-se que a indisponibilidade dos bens é cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo, atendendo determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição, segundo a qual 'os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível'. O periculum in mora, em verdade, milita em favor da sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92.
5. Portanto, a medida cautelar em exame, própria das ações regidas pela Lei de Improbidade Administrativa, não está condicionada à comprovação de que o réu esteja dilapidando seu patrimônio, ou na iminência de fazê-lo, tendo em vista que o periculum in mora encontra-se implícito no comando legal que rege, de forma peculiar, o sistema de cautelaridade na ação de improbidade administrativa, sendo possível ao juízo que preside a referida ação, fundamentadamente, decretar a indisponibilidade de bens do demandado, quando presentes fortes indícios da prática de atos de improbidade administrativa. (STJ, REsp 1366721-BA, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, DJ 26/02/2014)[22].
À vista disso, fica superado o entendimento anterior e autoriza-se a decretação da indisponibilidade de bens ainda que o réu não esteja dilapidando seu patrimônio, podendo ser concedida, inclusive, sem ouvir o réu (inaudita altera pars) e antes mesmo do recebimento da petição inicial (Precedente: STJ, AgRg no REsp 1317653-SP).
Coube à jurisprudência, também, responder a seguinte pergunta: é possível aplicar a pena de demissão em processo administrativo disciplinar?
Em conformidade com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da pena de demissão do servidor não é de exclusividade do Poder Judiciário, possibilitando sua aplicação em sede de processo administrativo disciplinar.
De acordo com o Voto do Ministro Arnaldo Esteves Lima, nos autos do Mandado de Segurança n. 17537-DF: “[...] a improbidade administrativa pode ser evocada pela Administração Pública Federal como fundamento para aplicar a pena de demissão, não se exigindo que o Poder Judiciário se pronuncie previamente sobre a sua caracterização”.
Por fim, destaca-se que, no Brasil, existe um duplo regime sancionatório aplicado aos agentes políticos.
Ressalvado o Presidente da República, os agentes políticos submetem-se ao duplo regime sancionatório. Em outras palavras, poderão ser responsabilizados tanto na esfera civil quanto político-administrativa.
O Supremo Tribunal Federal, sobre o tema, assim decidiu:
DIREITO CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM PETIÇÃO. SUJEIÇÃO DOS AGENTES POLÍTICOS A DUPLO REGIME SANCIONATÓRIO EM MATÉRIA DE IMPROBIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO À AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 1. Os agentes políticos, com exceção do Presidente da República, encontram-se sujeitos a um duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa, quanto à responsabilização político-administrativa por crimes de responsabilidade. Não há qualquer impedimento à concorrência de esferas de responsabilização distintas, de modo que carece de fundamento constitucional a tentativa de imunizar os agentes políticos das sanções da ação de improbidade administrativa, a pretexto de que estas seriam absorvidas pelo crime de responsabilidade. A única exceção ao duplo regime sancionatório em matéria de improbidade se refere aos atos praticados pelo Presidente da República, conforme previsão do art. 85, V, da Constituição.
(STF, Pet 3240, Relator: Min. Teori Zavascki, Relator p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJ 10/05/2018).[23]
Em que pese aos prefeitos, respondem de forma concomitante por ato de improbidade e por crime de responsabilidade (Decreto-Lei n. 201/67) (STJ, REsp 1066772-MS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ 09/10/2019)[24].
Com amparo no apresentado, resta superado o entendimento de que os agentes políticos têm uma normatividade própria e que, por isso, não deveriam submeter-se à Lei Federal n. 8.429.
7. CONCLUSÃO
Diante do apresentado, podemos concluir que nos últimos anos o Brasil vem demonstrando maior preocupação com o combate à corrupção, mediante transformações culturais e institucionais. A lei n. 8.429/1992, que dispõe sobre os atos de improbidade e sanções aplicáveis aos agentes públicos e particulares, revela-se como grande mecanismo de proteção à moralidade administrativa e, dessa forma, atenta aos anseios da sociedade que aspira pelo respeito ao erário.
Nossos Tribunais têm realizado papel de extrema relevância na interpretação da Lei de Improbidade Administrativa, reconhecendo, dentre outros, a legitimidade do estagiário como réu da ação de improbidade, a inexistência de litisconsórcio passivo necessário entre o agente público e o particular que participe do ato ímprobo e a aplicação da LIA aos agentes políticos.
No que tange às sanções, a jurisprudência reconheceu que na condenação por dano ao erário faz-se necessária a efetiva demonstração do dano ao patrimônio público, que a dispensa de licitação ocasiona dano ao erário presumido, assim como que o prazo para o afastamento cautelar do agente público é de, no máximo, 180 (cento e oitenta) dias, entre outros.
Assim, no presente estudo debateu-se sobre os principais pontos previstos na legislação e, com enfoque especial, ao posicionamento de nossos Tribunais sobre questões polêmicas e fundamentais acerca da matéria.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 8.492/1992 (Lei de improbidade administrativa). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8429.htm.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
BRASIL. Lei Complementar 116/2003. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp116.htm.
BRASIL. Portal de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/.
BRASIL. Portal de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/.
BRASIL. Portal de Jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Disponível em https://www2.cjf.jus.br/jurisprudencia/trf1/.
BRASIL. Portal de Jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Disponível em https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/pesquisa.php?tipo=1.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24 ed. Rio de Janeiro: Lumem juris, 2011.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Vade Mecum de jurisprudência. 7 ed. Salvador: JusPodvim, 2019.
Dicionário Michaelis online. Disponível em http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=improbidade.
GOMES, Luiz Flávio. O que se entende por improbidade administrativa? Disponível em https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1066009/o-que-se-entende-por-improbidade-administrativa.
PASQUINO, Gianfranco. Corrupção. In: Bobbio, Norberto. Dicionário de política. v.1. 7 ed. Brasília: UNB, 1995.
[1] PASQUINO, Gianfranco. Corrupção. In: Bobbio, Norberto. Dicionário de política. v. 1. 7 ed. Brasília: UNB, 1995. p. 291/292.
[2] Dicionário Michaelis online. Disponível em http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=improbidade. Acesso em: 30 set. 2019.
[3] GOMES, Luiz Flávio. O que se entende por improbidade administrativa? Disponível em https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1066009/o-que-se-entende-por-improbidade-administrativa. Acesso em: 30 set. 2019.
[4] Superior Tribunal de Justiça. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=53466136&num_registro=201500141108&data=20151109&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 30 set. 2019.
[5] MUKAI, Toshio. A inconstitucionalidade da lei de improbidade administrativa - Lei Federal n. 8.429/92. Boletim de Direito Administrativo, NDJ, ano XV, n. 11. Novembro de 1999.
[6] Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1815370. Acesso em: 30 set. 2019.
[7] Superior Tribunal de Justiça. Disponível em https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:superior.tribunal.justica;turma.2:acordao;resp:2012-05-03;1129121-1254670. Acesso em: 01 out. 2019.
[8] Manual de direito administrativo. 24 ed. Rio de Janeiro: Lumem juris, 2011. p. 987.
[9] STJ. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=50948279&num_registro=200902427331&data=20151110&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 04 out. 2019.
[10] Recurso Especial 970.393-CE. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=23105822&num_registro=200701585914&data=20120629&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 03 out. 2019.
[11] Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=48335940&num_registro=201303828521&data=20150610&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 03 out. 2019.
[12] Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1549428&num_registro=200901361947&data=20161206&formato=PDF. Acesso em: 03 out. 2019.
[13] Ementa do Acórdão extraída do Voto proferido no seguinte processo, com supressão de informações que não tratam do tema em estudo: https://www2.trf4.jus.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=trf4&documento=3078901&hash=f2e5796abda598d0aaf875a27b79f6df. Acesso em: 15 out. 2019.
[14] Disponível em: https://www2.trf4.jus.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=trf4&documento=3078901&hash=f2e5796abda598d0aaf875a27b79f6df. Acesso em: 15 out. 2019.
[15] Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=31483772&num_registro=201001893049&data=20131004&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 14 out. 2019.
[16] Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo853.htm. Acesso em: 15 out. 2019
[17] BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 09 mar. 2020.
[18] Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201100749107&dt_publicacao=27/08/2014. Acesso em: 09 mar. 2020.
[19] Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200600265900&dt_publicacao=06/12/2012. Acesso em: 09 mar. 2020.
[20] Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=44384952&num_registro=201403099357&data=20150309&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 10 mar. 2020
[21] Disponível em https://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21613195/agravo-de-instrumento-ag-65151-ba-0065151-5920114010000-trf1. Acesso em: 16 mar. 2020.
[22] Disponível em https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ATC?seq=32546332&tipo=51&nreg=201300295483&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20140919&formato=PDF&salvar=false. Acesso em: 10 mar. 2020.
[23] Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2250863. Acesso em: 10 mar. 2020.
[24] Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=6101974&num_registro=200801298061&data=20090903&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 16 mar. 2020.
Mestre em Ciências Jurídicas. Especialista em Direito Processual Civil, Direito Público, Direito Constitucional Aplicado e Direito da Seguridade Social. Oficial de Justiça Federal (TRF1).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, João Paulo Monteiro de. Abordagem teórica e jurisprudencial sobre a improbidade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 set 2020, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55197/abordagem-terica-e-jurisprudencial-sobre-a-improbidade-administrativa. Acesso em: 23 dez 2024.
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