Resumo: O presente artigo tem como escopo analisar a vertente positivista jurídica expressa nas obras “Teoria Pura do Direito” e “A Paz pelo Direito” do jurista austríaco Hans Kelsen com ênfase nas temáticas condizentes a formação de um Estado supranacional dotado de poder coativo, validade e efetividade como último termo da evolução jurídica. Neste sentido discutir-se-á o intento juspositivista em busca da segurança jurídica, objetividade e sistematização do direito, além de refletir sobre a conciliação da soberania do Estado-nação com uma ordem jurídica internacional eficaz.
Palavras-chave: Direito Internacional. Positivismo. Hans Kelsen. Estado. Soberania. Moral. Três poderes
1.Introdução
Sabe-se que hodiernamente o Direito Internacional como ordem jurídica situada acima do Estado-nação ainda é visto não como um sistema de coação mas como uma moral internacional, trazendo um caráter de descentralização típico das ordens jurídicas primitivas. Sob esse prisma dissertar Hans Kelsen em sua obra Teoria Pura do Direito:
Mas também uma ordem jurídica primitiva é completamente descentralizada e não pode, portanto, distinguir-se, sob este aspecto, de uma ordem moral. É muito significativo a este propósito que por vezes não se queira conferir senão o valor de Moral internacional ao Direito internacional geral, que é um Direito completamente descentralizado. Uma distinção entre o Direito e a Moral não pode encontrar-se naquilo que as duas ordens sociais prescrevem ou proíbem, mas no como elas prescrevem ou proíbem uma determinada conduta humana. O Direito só pode ser distinguido essencialmente da Moral quando – como já mostramos – se concebe como uma ordem de coação, isto é, como uma ordem normativa que procura obter determinada conduta humana ligando à conduta oposta um ato de coerção socialmente organizado, enquanto a Moral é uma ordem social que não estatui quaisquer sanções desse tipo, visto que as suas sanções apenas consistem na aprovação da conduta conforme às normas e na desaprovação da conduta contrárias às normas, nela não entrando sequer em linha de conta, portanto, o emprego da força física. (KELSEN, 1960, p..71)
Portanto, a centralização da ordem jurídica internacional com o intento de sistematizar, distribuir competências, e sobretudo de, instituir coerção em seus subordinados. Nessa linha de pensamento o doutrinador Thomasius, tratou de forma prática e delimitou o Direito e a Moral, um denominador de “foro externo” e “foro íntimo”. É o que observa Miguel Reale (P.54).
“O Direito, dizia ele, só deve cuidar da ação humana depois de exteriorizada; a Moral, ao contrário, diz respeito àquilo que se processa no plano da consciência. Enquanto uma ação se desenrola no foro íntimo, ninguém pode interferir e obrigar a fazer ou deixar de fazer. O Direito, por conseguinte, rege as ações exteriores do homem, ao passo que as ações íntimas pertencem ao domínio especial da Moral. A Moral e o Direito ficavam assim totalmente separados, sem possibilidade de invasão recíproca nos seus campos, de maneira que a liberdade de pensamento e de consciência recebia, através de doutrina engenhosa, uma tutela necessária.”
Quanto a temática da coação como característica essencial do Direito também explicita Miguel Reale (p.48):
“Por outro lado, a coação já é, em si mesma, um conceito jurídico, dando-se a interferência da força em virtude da norma que a prevê, a qual, por sua vez, pressupõe outra manifestação de força, e, por conseguinte, outra norma superior, e assim, sucessivamente até se chegar a uma norma pura ou à pura coação.”
Dessa forma mostra-se clara as distinções entre Direito e Moral, tanto na centralização quanto na coação, porém, estando, dentre todas as suas diferenças, a questão do autorizamento como a mais distintiva. Assim, no estudo de Maria Helena Diniz cita ela que é na questão do autorizamento que reside a principal resposta para essa discussão. A norma jurídica é a única que concede ao lesado pela sua violação a permissão para exigir a devida reparação pelo mal sofrido. Autoriza o indivíduo prejudicado a acionar o poder público para que este valha-se até mesmo da força que possui para assegurar a sua observação. Já as regras morais não possuem tal característica. Conseguintemente, este trabalho emerge a temática trazida por Kelsen, utopista ou não, do Estado Mundial, com três poderes independes e harmônicos entre si, como meio de solução para o imbróglio da confusão do Direito Internacional com uma Moral Internacional, seja por sua descentralização no modo de execução de suas decisões, seja pela defasagem em seu caráter de coerção.
2.O Primado da Ordem Jurídica Estadual e o Primado da Ordem Jurídica Internacional na produção da unidade entre Direito Internacional e Direito Estadual (Teoria Pura do Direito)
Se o Direito internacional e o Direito estadual formam um sistema unitário, então a relação entre eles tem de ajustar-se a uma das duas formas expostas. O Direito internacional tem de ser concebido, ou como uma ordem jurídica delegada pela ordem jurídica estadual e, por conseguinte, como incorporada nesta, ou como uma ordem jurídica total que delega nas ordens jurídicas estaduais, supraordenada a estas e abrangendo-as a todas como ordens jurídicas parciais. Ambas estas interpretações da relação que intercede entre o Direito internacional e o Direito estadual representam uma construção monista. A primeira significa o primado da ordem jurídica de cada Estado, a segunda traduz o primado da ordem jurídica internacional. ( KELSEN, 1960, p. 369)
Do trecho supracitado é possível visualizar a preocupação do jurista com a unificação dos sistemas nacional e internacional em um só, tanto para que não haja conflito entre ambos, quanto para determinar qual que está hierarquicamente superior ao outro. Desse modo, quanto a teoria monista, os defensores desta alegam que esses ramos deveriam compor um sistema único, com base no princípio lógico da identidade, pois não deveria ser admitido que uma norma pudesse ter validade internacional sem possuir validade interna, e vice-versa. Dois caminhos foram seguidos pelos monistas: o monismo nacionalista que defendia que deveria haver a submissão do Direito Internacional ao Direito Interno e o monismo internacionalista defendendo o contrário. Outros defenderam a existência de um outro ordenamento, qual seja, o monismo jusnaturalista, que preservaram a ideia de que para a obtenção da unidade seria necessário subordinação de um ou de ambos os ordenamentos a outro. Para o monismo internacionalista, a progressiva aplicação de normas de Direito Internacional no âmbito interno dos Estados demonstrariam a validade da tese que esposam. Por outro lado, embasaria a preponderância do Direito Internacional, o fato de persistir a responsabilidade internacional do Estado no caso de ofensa à uma regra desse por uma regra interna. O monismo internacionalista divide-se em radical e moderado. O primeiro entende que a superioridade do Direito Internacional deve ser vista e interpretada de forma absoluta, a fim de que qualquer disposição contrária de Direito Interno vinda tanto de Juízes e tribunais nacionais seja considerada inválida e inaplicável. O segundo preferiram tomar em consideração a evidência de que os aplicadores do Direito, no âmbito interno, privilegiam a norma interna em detrimento da norma internacional. Entende que a violação a uma norma que não seja interna é entendida como mero fato ilícito gerador da responsabilidade internacional do Estado, apurável segundo os meios internacionais próprios. No que diz respeito ao monismo nacionalista, para alguns o Direito Internacional teria nascido do Direito Interno, devendo, então, se submeter a este. Para esses defensores, nenhuma norma de origem estranha aos quadros normativos internos poderiam ser validamente aceitas. A constituição interna seria uma norma suprema, à qual todas as normas internacionais e internas deveriam prestar obediência, e se houvesse algum conflito prevaleceria a lei interna.
Na perspectiva de Kelsen, esse monismo se divide em “primado da ordem jurídica estadual” e “primado da ordem jurídica internacional”. Quanto ao Estadual, diz ele:
Em tal hipótese, o fundamento da validade do Direito internacional tem de ser ancorado na ordem jurídica estadual. É o que se faz através da doutrina de que o Direito internacional apenas vigora em relação a um Estado quando seja reconhecido por este Estado como vinculante, e seja reconhecido tal como é configurado pelo costume no momento desse reconhecimento. Tal reconhecimento pode operar-se expressamente por uma ato de legislação ou do governo, ou tacitamente, pela efetiva aplicação das normas do Direito internacional, pela conclusão de convênios internacionais, pelo respeito das imunidades estatuídas pelo Direito internacional, etc. Como, de fato, todos os Estados assim procedem, o Direito internacional encontra-se efetivamente em vigor em relação a todos os Estados. Mas só através deste reconhecimento expresso ou tácito o Direito internacional entra em vigor em relação ao Estado. ( KELSEN, 1960, p. .370/ a questão do Direito internacional apenas vigorar em relação a um Estado quando seja reconhecido por este Estado como vinculante)
Ou seja, nesse prisma, o Direito Internacional apenas vigora em relação a um Estado quando seja reconhecido por este, consequentemente, o tema da soberania surge preponderante:
Esta soberania do Estado é o fator decisivo para a admissão do primado da ordem jurídica estadual. Esta soberania não é qualquer qualidade perceptível – ou objetivamente cognoscível por qualquer outra forma -, um objeto real, mas é uma pressuposição: a pressuposição de uma ordem normativa com ordem suprema cuja validade não é dedutível de qualquer ordem superior A questão de saber se o Estado é soberano não pode ser respondida através de uma análise da realidade natural. Soberania não é um máximo de poder real. (KELSEN, 1960, p. 372)
Os Estados que, em confronto com as chamadas grandes potências, nem sequer têm qualquer poder real que mereça ser tomado em conta, são tão soberanos como estas grandes potências. A questão de saber se um Estado é soberano é a questão de saber se se pressupõe a ordem jurídica estadual como suprema. É o que se faz quando se considera o Direito internacional, não como uma ordem jurídica que está acima da ordem jurídica estadual, mas como uma ordem jurídica delegada pela ordem jurídica estadual, quer dizer, quando apenas se considera o Direito internacional como válido em relação ao Estado se ele é reconhecido por este. Isto é tão possível como é possível – se bem que já não seja usual nos nossos dias – apenas considerar a ordem jurídica estadual como válida em relação ao indivíduo sob o pressuposto de ela ser por este reconhecida. Se se vê o fundamento de validade da ordem jurídica estadual no reconhecimento desta por parte do indivíduo relativamente ao qual ela vigora, parte-se da soberania do indivíduo, da sua liberdade; tal como, quando se vê o fundamento de validade do Direito internacional no seu reconhecimento pelo Estado, se parte da soberania do Estado. Dizer que o Estado é soberano não significa outra coisa senão que a fixação da primeira Constituição histórica se pressupõe como fato gerador de Direito sem que a esse propósito se faça referência a uma norma do Direito internacional que institua esse fato como fato produtor de Direito. (KELSEN, 1960, p. 372)
Com essa linha de pensamento, é possível deduzir que se o Direito Internacional não é considerado, nesta teoria, como uma ordem jurídica que está acima da ordem jurídica estadual, mas como uma ordem jurídica delegada pela ordem jurídica estadual, ou seja, quando o Estado reconhece o Direito internacional, então o Direito internacional é agora parte da ordem jurídica estadual suprema (a validade do Direito internacional se funda na soberania do Estado), logo, o Direito internacional é tão soberano quanto o próprio Direito estadual, pois é parte dele agora. Nesses moldes, as nações que aleguem não seguir as regras dos tratados e acordos, em especial a Declaração Universal dos Direitos Humanos, alegando que ferem sua soberania, apesar de terem reconhecido a validade do direito internacional ao assinarem a Carta das Nações Unidas e terem se tornado membros desta, não tem valor efetivo e devem, por conseguinte, obedecerem aos ordenamentos decorrentes dessa ordem jurídica internacional. Nesse raciocínio, emana Kelsen:
O Direito Internacional, que do ponto de vista do primado da ordem jurídica estadual – ou da soberania do Estado – apenas vale na medida em que um Estado o reconhece como vinculante em relação a si, surge, por conseguinte, não como uma ordem jurídica supraestadual, e também não como uma ordem jurídica independente da própria ordem jurídica estadual, isolada em face desta, mas – na medida em que seja Direito – como uma parte integrante da própria ordem jurídica estadual. Tem-se-lhe chamado “Direito estadual externo”, partindo da suposição de que regula as relações do Estado com o “exterior”, as suas relações com outros Estados. (KESLEN, 1960, p. 372)
Com efeito, se o Direito internacional apenas vale como parte integrante de uma ordem jurídica estadual, ele não pode ser uma ordem jurídica diferente daquela, independente dela na sua validade; e, nessa hipótese, não pode haver conflitos entre ambas, já mesmo porque ambas se apoiam – para nos exprimirmos na linguagem da jurisprudência tradicional – sobre a “vontade” de um e mesmo Estado. (KELSEN, 1960, p. .373)
E este primado pode harmonizar-se com o fato de a Constituição de um Estado conter um preceito por força do qual o Direito internacional geral deve valer como parte integrante da ordem jurídica estadual. Se se parte da validade do Direito internacional, que não exige qualquer reconhecimento por parte do Estado, o mencionado preceito constitucional significa não que o Direito internacional seja posto em vigor relativamente ao respectivo Estado, mas que ele é – através de uma cláusula geral – transformado em Direito estadual. Tal transformação é necessária quando os órgãos do Estado, especialmente os seus tribunais, apenas sejam autorizados, segundo a Constituição, a aplicar Direito estadual, e, portanto, somente possam aplicar o Direito internacional quando o seu conteúdo tenha revestido a forma do Direito estadual – forma de lei, forma de decreto -, isto é, seja transformado em Direito estadual. Se, na falta de uma tal transformação, não pode ser aplicada, num caso concreto, uma norma de Direito internacional que a esse caso se refira, isso significa, quando se parta da validade do Direito internacional, não que esta norma do Direito internacional não tenha qualquer validade em relação ao Estado, mas apenas que, quando ela não é aplicada e, consequentemente, o Direito internacional é violado pela conduta do Estado, este se expõe à sanção que o Direito internacional estatui como consequência de tal conduta. (KELSEEN, 1960, p.374)
Do primado da ordem jurídica internacional, o Estado-nação mantem sua soberania espacial e temporal, exatamente por ser reconhecido como tal pela ordem jurídica internacional (hierarquicamente superior à ordem jurídica estadual), pois, a partir desse reconhecimento é que é determinado que esse Estado não será juridicamente subordinado a nenhum outro Estado nacional. O Direito Internacional determina o fundamento de validade da ordem jurídica estadual:
Se partimos do Direito internacional como uma ordem jurídica válida, o conceito de Estado não pode ser definido sem referência ao Direito internacional. Visto desta posição, ele é uma ordem jurídica parcial, imediata em face do Direito internacional, relativamente centralizada, com um domínio de validade territorial e temporal jurídico-internacionalmente limitado e, relativamente à esfera de validade material, com uma pretensão à totalidade (Totalitätsanspruch) apenas limitada pela reserva do Direito internacional. (KELSEN, 1960, p. 377)
Entretanto, o Direito Internacional define o fundamento de validade de toda a ordem jurídica estadual mesmo quando é uma parte integrante dessa ordem jurídica estadual (o pensamento aqui deixado de que “o Estado que reconhece o Direito internacional submete-se, por isso mesmo, ao Direito internacional”, reforça a ideia de que o Estado que reconheceu o Direito internacional não pode alegar que alguma norma do Direito internacional feriu sua soberania, haja vista o Direito internacional já estar inserido na ordem jurídica estadual desse Estado e por isso mesmo “a parte desta ordem jurídica estadual que representa o Direito internacional situa-se acima da parte que representa uma ordem jurídica estadual em sentido estrito”):
O Direito internacional, que forma uma parte integrante desta ordem jurídica estadual, determina, através do seu princípio da efetividade, o fundamento de validade de toda ordem jurídica estadual, tanto daquela que não é o ponto de partida da construção como também daquela que o é e que, por isso, tem o Direito internacional como sua parte integrante. Mas, neste último caso, ele – como parte integrante da ordem jurídica estadual em sentido lato – desempenha esta função com referência à ordem jurídica estadual em sentido estrito. Em consequência disso, a relação das duas partes constitutivas desta ordem jurídica estadual em sentido amplo não deve ser considerada como uma relação de coordenação mas como relação de supra-infra-ordenação. A parte desta ordem jurídica estadual que representa o Direito internacional situa-se acima da parte que representa uma ordem jurídica estadual em sentido estrito. Figuradamente, exprime-se isso dizendo: o Estado que reconhece o Direito internacional submete-se, por isso mesmo, ao Direito internacional. (KELSEN, 1960, p. 379)
Também a outra função que o Direito internacional desempenha através do seu princípio da efetividade – a delimitação do domínio de validade das ordens jurídicas estaduais – é realizada pelo Direito internacional, enquanto parte integrante de uma ordem jurídica estadual, somente em relação à outra parte integrante desta ordem jurídica – à ordem jurídica estadual em sentido estrito. Somente o domínio de validade desta é que é limitado pelo Direito internacional, o qual é parte integrante da ordem jurídica estadual em sentido amplo. E, de novo, o princípio da efetividade deste Direito internacional não é o último fundamento de validade desta limitação. É-o, sim, a norma fundamental pressuposta desta ordem jurídica estadual que tem o Direito internacional como sua parte integrante. (KELSEN, 1960, p. 3790
Como, no entanto, dentro desta ordem jurídica estadual em sentido amplo, uma parte integrante, a saber, a ordem jurídica estadual em sentido estrito, está subordinada à outra parte integrante, a saber, a ordem jurídica internacional, a ordem jurídica estadual em sentido estrito não é uma ordem soberana mas – tal como as outras ordens jurídicas estaduais que não constituem o ponto de partida da construção - tão-somente uma ordem jurídico-internacionalmente imediata. (KELSEN, 1960, p. 380)
Contudo, se o Estado reconheceu o Direito internacional e este vale, por isso, em relação a este Estado, então vale da mesma forma como se vigorasse enquanto ordem jurídica supraestadual. E, sendo assim, vale a norma de Direito internacional segundo a qual os Estados ficam vinculados aos tratados por eles celebrados, qualquer que seja o conteúdo que eles deem às normas pacticiamente criadas. Nenhum conteúdo pode, segundo o Direito internacional, ser excluído de uma norma criada por tratado internacional com o fundamento de que é inconciliável com a natureza do Estado que celebra o tratado, especialmente com sua soberania. O fato de a soberania do Estado não ser limitada por qualquer Direito internacional situado acima dele é perfeitamente conciliável com o fato de um Estado, pela circunstância de, por força da sua soberania, reconhecer o Direito internacional e, assim, o tornar parte constitutiva da ordem jurídica estadual, limitar ele próprio a sua soberania, ou seja, neste caso, a sua liberdade de ação, assumindo as obrigações estatuídas pelo Direito internacional geral e pelos tratados por ele concluídos. (KELSEN, 1960, p. 382)
3.A relação da soberania do Estado nacional com o Direito Internacional (A Paz pelo Direito)
Etimologicamente, a soberania advém do latim “super omnia”, “superanus” ou “supremitas”, que significa, vulgarmente, o poder supremo e, nesse aspecto, incontestável do Estado, acima do qual nenhum outro se encontra. É sabido que a teoria da soberania do Estado pertence às escolas alemãs e austríacas, partindo do princípio de que a soberania é a capacidade de autodeterminação do Estado por direito próprio. O Direito é feito pelo Estado para o Estado. Em outras palavras, a titularidade da soberania pertence ao povo em um contexto despersonalizado, como pessoa jurídica. Não obstante, no prisma Kelseniano, demonstrado na obra A Paz pelo Direito, não existe matéria que caiba somente à jurisdição interna de um Estado.
Não existem questões que, por sua própria natureza, caibam “somente à jurisdição interna” de um Estado. Qualquer matéria pode se tornar objeto de um tratado internacional e, desse modo, deixar de pertencer somente à jurisdição interna dos Estados contratantes. Uma questão é “exclusivamente” de jurisdição interna de um Estado apenas na medida em que não seja sujeita a uma norma de direito internacional consuetudinário ou convencional. Isso, porém, não significa que essa questão não possa ser a causa de um conflito internacional ou que o direito internacional não possa ser aplicado a esse conflito, pois uma disputa entre Estados surgir de uma questão que “pelo direito internacional cabe exclusivamente à jurisdição interna” de uma das partes significa somente que o direito internacional não obriga a parte a se comportar da forma reivindicada pela outra parte e consequentemente que a primeira tem, de acordo com o direito internacional, o direito de repudiar a reinvindicação da segunda. (KELSEN, 1944, p. 31)
Nesse enfoque, segundo Hobbes, o que levaria o homem a criar o Estado é a preocupação com a autoconservação, caso contrário se destruiriam mutuamente. Agora, os Estados atuais, preocupados com a autoconservação, criaram órgãos internacionais para força-los a permanecerem em uma atitude de respeito, impedindo que um Estado invada a esfera de competências de outro ou tente dominá-lo através da força. Destarte, a soberania não significaria ser independente do Direito Internacional, haja vista o contexto atual da globalização. Posto isso, as ações de um país têm consequência em outro, então deve o Estado estar sujeito ao Direito Internacional por mais que seja um Estado soberano (soberania aqui não num viés absoluto, mas relativo) no sentido de não estar subordinado à jurisdição de nenhum outro Estado nacional mas apenas ao Direito Internacional exatamente pelos motivos da mundialização.
Se a hipótese é de que os Estados têm deveres impostos e, por conseguinte, direitos conferidos a eles pelo direito internacional, eles devem ser concebidos como sujeitos ao direito internacional. Com a expressão figurada “ser sujeito” não se quer dizer nada mais, nada menos que a relação de sujeitos de direito com uma ordem jurídica que lhes impõe deveres e confere direitos. A soberania dos Estados, como sujeitos de direito internacional, é a autoridade jurídica dos Estados sob a autoridade do direito internacional. Se soberania significa autoridade “suprema”, a soberania dos Estados como sujeitos de direito internacional não pode significar autoridade suprema absoluta, mas tão somente uma autoridade suprema relativa; a autoridade jurídica do Estado é “suprema” na medida em que ele não está sujeito à autoridade jurídica de nenhum outro Estado. O Estado é “soberano” porque está sujeito apenas ao direito internacional, não ao direito interno de Estado nenhum. A soberania do Estado segundo o direito internacional é a independência jurídica do Estado em relação aos outros Estados. Esse é o significado habitual atribuído à palavra “soberania” pelos autores de direito internacional. (KELSEN, 1944, p. 32)
A soberania às vezes é definida como um “poder” supremo. Neste contexto, poder significa o mesmo que autoridade, a saber, poder jurídico, a competência de impor deveres e conferir direitos. Se “poder” não tiver esse significado referente à esfera das normas e valores, mas, sim, o sentido de “capacidade de produzir efeitos”, um sentido referente ao âmbito da realidade determinada pelas leis de causalidade, será fácil demonstrar que a soberania como poder supremo neste último sentido não pode ser característica dos Estados como entidades jurídicas. No que diz respeito a seu poder real, os vários Estados diferem muitíssimo uns dos outros. Comparado com o que se chama de grande potência e em relação a ela, um Estado como Liechtenstein não tem poder nenhum, embora também seja chamado de potência no jargão diplomático. Se “poder” significa poder real, isto é, a capacidade de produzir efeitos, “poder supremo” significaria ser a causa primeira, a prima causa. Neste sentido, somente Deus, como o Criador do mundo, é soberano. Este conceito de soberania é metafísico, não científico. Entretanto, a tendência de divinizar o Estado produz uma teoria política que está mais para uma teologia do que para uma ciência do Estado e, nessa teologia política, a ideia de soberania assume importância metafísica. Soberania no sentido do direito internacional significa a autoridade ou competência jurídica de um Estado, limitada e limitável apenas pelo direito internacional e não pelo direito interno de outro Estado. (KELSEN, 1944, p. 33)
Já manifesto o conceito de soberania, vale ressaltar o real objetivo da soberania, sendo ela, a priori, garantir a paz e a ordem. Logo, quando ela propaga a violência, perturbando a paz, invade a soberania de outro Estado, causa o caos. Sendo assim, faz-se valer o dito de Mouskheli,: “A soberania é um poder absoluto, encontrando, porém, sua limitação natural na própria finalidade que lhe é essencial”. À vista disso, Kelsen deixa patente o pensamento de que a soberania do Estado-nação é consequência das normas de direito internacional, as únicas capazes de preservar essa qualidade.
Todavia, não se podem derivar da soberania do Estado – isto é, do princípio de que um Estado é sujeito apenas ao direito internacional, e não ao direito interno de outro Estado – as norma de que nenhum Estado pode ser obrigado juridicamente sem sua vontade ou contra ela; que os tratados internacionais são vinculantes apenas para os Estados signatários; que um Estado não pode ser juridicamente obrigado pela decisão de uma agência internacional se ele não é representado nesse organismo que cria o direito nem se o representante desse Estado votou contra a decisão; que nenhum Estado tem jurisdição sobre os atos de outro Estado, e assim por diante. Essas normas talvez sejam normas de direito positivo internacional; talvez não; e a soberania dos Estados pode ser consequência dessas normas, e não estas consequência da soberania. (KELSEN, 1944, p. 35)
As regras jurídicas que constituem a chamada igualdade dos Estados são válidas não porque os Estados são soberanos, mas, sim, porque essas regras são normas de direito positivo internacional. (KELSEN, 1944, p. 36)
4.O Estado Mundial como último termo da real evolução jurídica (a perspectiva dos três poderes na seara internacional) (Teoria Pura do Direito + A Paz pelo Direito)
De acordo com Bobbio (1995, p.120), “o impulso para a legislação nasce da dupla exigência de pôr ordem no caos do direito primitivo e de fornecer ao Estado um instrumento eficaz para intervenção na vida social”. No que tange ao juspositivismo legalista/ normativo, resta importante o estudo, da teoria professada por Kelsen que, sendo um elo entre o sistema para dizer e o sistema para fazer, preocupa-se com a construção (interna) de um ordenamento jurídico, momento em que cria (de forma abstrata) a ideia de norma fundamental, o que faz objetivando fundamentar sua teoria que repousa sobre a validade formal. Uma “ordem” é um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de validade. E o fundamento de validade de uma ordem normativa é uma norma fundamental da qual se retira a validade de todas as normas pertencentes a essa ordem. Utilizando-se desses fundamentos, Kelsen já premune o nascimento do que chamou de “Estado Mundial”, funcionando segundo o princípio da divisão do trabalho, como termo final de uma evolução que começou dentro de um sistema totalmente descentralizado e autotutelado (o Direito primitivo).
Encontra-se ainda no começo de uma evolução que o Direito estadual já percorreu há muito. A formação das normas gerais processa-se pela via do costume ou através do tratado, ou seja, por intermédio dos próprios membros da comunidade, e não por meio de um órgão legislativo especial. E o mesmo acontece ainda com a aplicação das normas gerais aos casos concretos. É o próprio Estado que se crê lesado no seu direito que tem de decidir se se verifica a hipótese de um ilícito pelo qual um outro Estado seja responsável. E, se este nega o ilícito alegado e não se chega a um acordo entre as partes em litígio quanto à existência do fato ilícito, não existe uma instância objetiva que deva decidir o litígio por um processo juridicamente regulado. Assim, é ainda o próprio Estado lesado no seu direito que é autorizado a reagir contra o violador do Direito com o ato de coerção estabelecido pelo Direito Internacional geral, com as represálias ou com a guerra. É a técnica da autodefesa, que também foi o ponto de partida da evolução da ordem jurídica estadual. (KELSEN, 1960, p. 358)
Toda a evolução técnico-jurídica apontada tem, em última análise, a tendência para fazer desaparecer a linha divisória entre Direito internacional e ordem jurídica do Estado singular, por forma que o último termo da real evolução jurídica, dirigida a uma centralização cada vez maior, parece ser a unidade de organização de uma comunidade universal de Direito mundial, quer dizer, a formação de um Estado mundial. Presentemente, no entanto, ainda não se pode falar de uma tal comunidade. Apenas existe uma unidade cognoscitiva de todo o Direito, o que significa que podemos conceber o conjunto formado pelo Direito internacional e as ordens jurídicas nacionais como um sistema unitário de normas – justamente como estamos acostumados a considerar como uma unidade a ordem jurídica do Estado singular. (KELSEN, 1960, p. 364)
O Estado supranacional surge como um meio de solucionar controvérsias mundiais de “forma mundial”, pois, como dizia Bobbio “só será possível falar legitimamente de tutela internacional dos direitos do homem quando uma justiça internacional conseguir impor-se e supor-se às jurisdições nacionais, e quando se realizar a passagem da garantia dentro do Estado – que é ainda a característica predominante da atual fase – para a garantia contra o Estado”. Não se trata, portanto, de uma ofensa à soberania de um Estado-nação mas uma livre complementariedade de competências para garantir uma acentuada mundialização e uma ordem jurídica que cumpra o sonho, e não utopia, de paz.
Quando a questão é garantir a paz internacional, eliminar o emprego mais terrível da força – a guerra – das relações entre Estados, parece que nenhuma resposta é mais evidente por si mesma que esta: unir todos os Estados individuais ou, pelo menos, o máximo número possível, em um Estado mundial, concentrar todos os seus meios de poder, suas forças armadas, e pô-las à disposição de um governo mundial com leis criadas por um parlamento mundial. Se os Estados só puderem continuar existindo como membros de uma federação mundial poderosa, a paz entre eles será garantida de maneira tão eficiente como entre os componentes dos Estados Unidos da América ou dos Cantões da República Suíça. (KELSEN, 1944, p. 4)
É óbvio que a princípio só se pode criar uma união internacional de Estados, não um Estado federativo. Isso significa que a solução do problema da paz duradoura só pode ser buscada no contexto do direito internacional – isto é, por uma organização que não exceda, quanto ao grau de centralização, o tipo normal das comunidades internacionais. Essas comunidades se caracterizam pelo fato de que o direito que regula as relações entre os Estados-membros mantém seu caráter internacional sem se converter em direito nacional. Entretanto, a constituição de um Estado mundial com um governo mundial e um parlamento mundial, embora, como conteúdo de um tratado internacional, seja direito internacional, é ao mesmo tempo direito nacional, uma vez que é a base jurídica do Estado mundial. (KELSEN, 1944, p. 12)
Como desenvolvimento desse ideal, emerge a questão dos três poderes como um sistema de freios e contrapesos no âmbito internacional. Hans Kelsen, então, em suas análises termina por entender que um poder executivo internacional seria o último a ser estabelecido, especialmente, pela dificuldade de se instituir uma polícia internacional.
A primeira objeção à ideia de criar um tribunal com jurisdição compulsória refere-se à execução das decisões do tribunal no caso de um Estado não cumprir sua obrigação de obedecer ao tribunal ou recorrer à guerra ou represálias sem consideração pelos tratados. É evidente que o método mais eficiente de aplicar os mandados e os julgados de um tribunal é a organização de um poder executivo centralizado, isto é, uma força policial internacional diferente e independente das forças armadas dos Estados-membros, e pôr essa força armada à disposição de uma agência administrativa central cuja função seja executar as decisões do tribunal. Uma força policial internacional só é eficiente se for baseada na obrigação dos Estados-membros de se desarmarem ou de limitar radicalmente seus armamentos, de modo que somente a liga tenha permissão de manter um efetivo militar com poderio apreciável. Esse tipo de força policial só é “internacional” no que diz respeito a sua base jurídica, o tratado internacional. Mas é “nacional” no que se refere ao seu grau de centralização, pois uma liga com um poder executivo centralizado não é mais uma confederação internacional de Estados, e sim um Estado em si.
[...]
A organização de um poder executivo centralizado, o mais difícil de todos os problemas da organização mundial, não pode ser o primeiro passo – pode ser apenas uns dos últimos, um passo que não pode ser dado com êxito sem que se crie antes o tribunal internacional e que este tenha ganhado, pelas atividades imparciais, a confiança dos governos. Pois só então serão dadas as garantias suficientes de que a força armada da liga seria usada exclusivamente para manter o direito de acordo com a decisão de uma autoridade imparcial. (KELSEN, 1944, p. 17)
O Poder Judiciário Internacional seria, portanto, o primeiro a ser instaurado, fato que foi negligenciado pelo “Pacto da Liga das Nações” que, segundo Kelsen, foi o motivo primordial para a sua dissolução.
O Pacto da Liga colocou o Conselho, e não a Corte Permanente, no centro da organização internacional porque conferiu à Liga não apenas a tarefa de manter a paz na comunidade, resolvendo disputas e restringindo o armamento dos Estados-membros, mas também o dever de proteger esses Estados contra a agressão da parte de Estados não membros da Liga. Essa proteção dos Estados-membros contra a agressão externa era muitíssimo necessária porque o desarmamento foi posto como o principal objetivo da Liga. A constituição de uma comunidade internacional só pode obrigar um Estado-membro a restringir consideravelmente seus armamentos se esse Estado puder contar com a ajuda eficaz da comunidade no caso de ser atacado por outro Estado não pertencente a ela e, portanto, não obrigado a desarmar-se. Isso só é possível se o desarmamento dos membros for acompanhado pelo armamento da comunidade, se for constituída uma força armada que esteja à disposição do órgão central. Essa centralização do poder executivo não é possível em uma comunidade de direito internacional cuja organização não exceda o grau habitual de centralização e, portanto, não é prevista pelo Pacto da Liga. Se é impossível criar uma força armada para a comunidade de Estados – em outras palavras, se não é possível criar um Estado federativo -, então a assistência prestada pela comunidade a uma vítima de agressão externa só pode consistir na obrigação dos outros membros de defender o Estado atacado. Nessas circunstâncias, o dever de desarmamento passa a ser contraditório à necessidade de defesa contra a agressão. Apesar disso, o Pacto da Liga põe em primeiro plano o dever de desarmamento. O desarmamento deve constituir o primeiro dever dos membros da Liga, situado imediatamente depois dos artigos 1° a 7°, que tratam da organização da associação. (KELSEN, 1944, p. 47)
O problema da organização mundial é de centralização, e toda a evolução do direito, desde os primórdios até seus padrões atuais, tem sido, do ponto de vista técnico, um processo contínuo de centralização. No campo do direito local, esse processo se caracteriza pelo surpreendente fato de que a centralização da função de aplicação do direito – isto é, a criação de tribunais – precede a função de criação do direito, a implantação de órgãos legislativos. Bem antes de surgirem os parlamentos como corpos legislativos, foram criados tribunais para aplicar o direito a casos concretos. Chama a atenção o fato de que o significado original do termo ”parlamento” era “tribunal”. (KELSEN, 1944, p. 20)
Na sociedade primitiva, as cortes dificilmente eram outra coisa senão tribunais de arbitragem. Elas tinham de decidir apenas se de fato havia sido cometido o delito conforme alegava uma parte e, em seguida, caso o conflito não pudesse ser resolvido por acordo pacífico, se a parte ofendida tinha ou não autorização para executar a sanção contra a outra de acordo com o princípio da autotutela. Somente em um estágio posterior é que passou a ser completamente possível abolir o procedimento da autotutela e substituí-lo pela execução da decisão do tribunal por meio de um poder executivo centralizado, uma força policial do Estado. A centralização do poder executivo é o último estágio na evolução da comunidade descentralizada anterior ao Estado para a comunidade centralizada a que chamamos de Estado. (KELSEN, 1944, p. 20)
Em corolário, apesar de hoje em dia existirem o que se poderia chamar de pseudo-polícia internacional, como os Peacekeepers, Peacebuilders e Peaceforces, os quais poderiam, vulgarmente, serem chamados de uma “força armada da ONU”, além da Interpol, não se apresenta ainda uma codificação das competências, atribuições e funções desses organismo, nem muito menos uma vinculação obrigatória (e hierarquicamente superior) perante os Estados nacionais, fato que permite até mesmo que o Estado se recuse a aceitar essa polícia não-governamental em seu território. Mais uma vez, o Direito Positivado (em âmbito internacional) traria não só segurança jurídica (pelo princípio da anterioridade, que faria com que fossem previsíveis os atos passíveis de punição em escala internacional) como também vinculação coativa perante os Estados, ou seja, os Estados não poderiam se recusar a cumprir com o que fosse determinado pelos órgãos jurídicos internacionais.
5.Conclusão
Outrossim, o fito desse trabalho não é criar um sistema internacional exclusivamente positivista. O jusnaturalismo tem seus reveses, como salienta Auto de Castro (1954, p.28), em face da necessidade de delimitar o que seja o direito justo, a doutrina jusnatualista não logra oferecer uma proposta satisfatória de compreensão dos liames mantidos entre direito, legitimidade e justiça. Ao encerrar o jusnaturalismo todos os postulados metafísicos, resta demonstrado que a epistemologia jurídica, em consonância com os resultados da teoria do conhecimento, não reconhece os títulos de legitimidade da doutrina do direito natural. Eis um dos motivos preponderantes para isso ser a compreensão da justiça como uma estimativa a-histórica, a-temporal, e a-espacial, em que pese a crítica do jusnaturalismo contemporâneo, merece sérias objeções. O justo não pode ser concebido como um valor ideal e absoluto, envolto em nuvens metafísicas, visto que a axiologia jurídica contemporânea já demonstrou como o direito é um objeto cultural e como a justiça figura como um valor histórico-social, enraizado no valor da cultura humana. O conceito de justiça é, pois, sempre relativo, condicionado ao tempo e ao espaço; o jusnaturalismo acaba por identificar os atributos normativos da validade e legitimidade, ao afirmar que a norma jurídica vale se for justa, o que compromete as exigências de ordem e segurança jurídica, que se traduzem no respeito à legalidade dos Estados Democráticos de Direito.
Obstantemente, o jusnaturalismo tem suas benesses. Em especial o papel essencial que o direito natural tem sobre a análise das normas, supressão de lacunas, mormente, o caráter principiológico necessário ao justo julgamento dos tribunais em questões extrapolantes ao alcance das leis. Nas palavras de Mamari Filho (2005. P.17), a natureza dos princípios gerais é “eminentemente supletiva, integradora, na medida em que se admite que o sistema de leis (positivas) é incapaz de regular todas as situações havidas na vida cotidiana”
Paulo Ricardo Schier (2005, p.119) alerta que, se um sistema que só existam regras é temeroso pela baixa capacidade de ajuste e evolução, um sistema formado apenas por princípios “também seria indesejável diante da baixa densidade normativa que teria, determinando, destarte, uma espécie de corrosão da própria normatividade constitucional”. Em síntese, longe de polarizar o direito internacional, a presente pesquisa usa de algumas das contribuições do pensamento positivista, especialmente do positivismo normativo de Hans Kelsen, para criar um sistema de direito internacional desprovido de figuração (exclusivamente) moral, trazendo não só uma codificação, mas um caráter de efetividade e centralização organizado pela divisão do trabalho tão bem estruturados que findam, em sua evolução última, no vislumbre de um Estado Mundial. Perspectiva mesmo de viés vanguardista, de difícil concepção nos moldes atuais da globalização, onde a soberania absoluta ainda é muito defendida pelos Estados-nações.
6.Referências
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Graduanda do sétimo período do curso de Direito pela Universidade Federal do Amazonas e estagiária no Ministério Público do Estado do Amazonas na 104º Promotoria de Justiça de Manaus (1º Vara do Tribunal do Júri)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: EVANGELISTA, Thaíza Lopes. O positivismo jurídico em Hans Kelsen como forma de desvincular o caráter moralístico do direito internacional: a teoria do Estado mundial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 set 2020, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55211/o-positivismo-jurdico-em-hans-kelsen-como-forma-de-desvincular-o-carter-moralstico-do-direito-internacional-a-teoria-do-estado-mundial. Acesso em: 23 dez 2024.
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