ADRIANA MARTINELLI MARTINS[1]
CLÁUDIO MALDANER BULAWSKI[2]
(coautores)
Resumo: O presente artigo tem como principal característica a análise da possibilidade de reajuste de preço, como mecanismo para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro nos contratos de obras e reformas, quando inexistir previsão em Edital ou em cláusulas do contrato administrativo. Na sequência, verifica-se o possível índice inflacionário a ser aplicado, bem como a possibilidade de concessão nos contratos com prazo de vigência inferior a um ano, considerando a contagem inicial a partir da apresentação da proposta. Finaliza-se com o exame do alcance do instituto da preclusão, quando o pleito de reajuste de preços em obras e reformas for realizado após a execução dos serviços.
Palavras-chave: Reajuste de preços em obras e reformas. Ausência de previsão em edital e contrato. Índice inflacionário. Anualidade. Preclusão.
Abstract: The main characteristic of this article is the analysis of the possibility of price readjustment, as a mechanism for maintaining the economic-financial balance in works and renovations contracts, when there is no provision in the Notice or in clauses of the administrative contract. Then, the possible inflation index to be applied is verified, as well as the possibility of concession in contracts with a term of less than one year, considering the initial count from the presentation of the proposal. It ends with an examination of the scope of the preclusion institute, when the price readjustment in works and reforms is carried out after the execution of the services.
Keywords: Price readjustment in works and renovations. Absence of provision in notice and contract. Inflationary index. Annuality. Preclusion.
Sumário: Introdução. 1. O reajuste de preço em obras e reformas: mecanismo para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro. 2. Direito ao reajuste de preço em obras e reformas independentemente de previsão em edital ou em cláusulas dos contratos administrativos. 3. Da escolha do índice inflacionário para concessão do reajuste de preço em obras e reformas. 4. Do prazo inicial da periodicidade anual para a concessão do reajuste de preço em obras e reformas. 5. Do alcance do instituto da preclusão na concessão do reajuste de preços nos contratos administrativo de obras e reformas. Considerações Finais. Referências.
Introdução
Na busca da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos de obras e reformas, a legislação prevê ao contratado o direito de pleitear o reajuste dos preços dos seus serviços, independentemente de previsão em edital ou em cláusula contratual.
Inicialmente, aborda-se no presente artigo sobre a norma constitucional e legislações que dispõem quanto ao direito ao reajuste nos contratos administrativos.
Conclui-se, portanto, que, o reajuste de preços decorre de ordem legal, e não de deferimento administrativo.
Em seguida, estuda-se a escolha do possível índice inflacionário a ser aplicado, considerando a inexistência de previsão em edital ou cláusula contratual, concluindo pela aplicabilidade daquele que vai ao encontro do princípio da economicidade.
Após, indaga-se quanto a aplicabilidade do reajuste de preços em obras e reformas quando a vigência contratual é inferior a um ano, analisando, assim, o prazo inicial da periodicidade anual, conforme disposto na legislação.
Em seguida, demonstra-se o alcance do instituto da preclusão na concessão do reajuste de preços nos contratos administrativos de obras e reformas, demonstrando a necessidade da contratada realizar o pleito anteriormente à execução dos serviços, medição e pagamento.
O interesse e a escolha da temática do presente artigo originam-se da necessidade de demonstrar o direito ao reajuste de preços nos contratos administrativos de obras e reformas, mesmo que não haja previsão em edital ou cláusula contratual, e desde que o pleito ocorra antes da realização dos serviços, para que não incida o instituto da preclusão.
E, por fim, o intuito do presente artigo é asseverar o direito do contratado à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo de obras e reformas.
1. O reajuste de preço em obras e reformas: mecanismo para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro
O inciso XXI do art. 37 da Constituição da República assegura a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos durante toda a sua execução:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...).
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. (sem destaque no original).
Para garantir efetividade à previsão constitucional, são previstos na legislação ordinária mecanismos para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, dentre os quais se inclui o reajuste de preços.
O reajuste de preços “é a via jurídica adequada para preservar o equilíbrio econômico-financeiro inicialmente estabelecido pelas partes, quando elevações de custos, ocasionadas pela variação no poder aquisitivo da moeda, se mostrem capazes de inviabilizar a execução do objeto contratado” (DOTTI, 2016, p. 368).
Em outras palavras, o reajuste visa atualizar o valor do contrato para fazer frente ao desequilíbrio ordinário e previsível provocado pela elevação dos custos de produção, especialmente quando determinada pelo processo inflacionário.
A Lei de Licitações prevê a indicação do critério de reajuste como cláusula obrigatória do ato convocatório (art. 40, inciso XI) e necessária em todo instrumento de contrato (art. 55, inciso III). Confira-se:
“Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
(...).
XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela;
Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:
(...).
III - o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;”
Em igual sentido, a Lei nº. 10.192/01 prevê que:
“Art. 2o É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.
§ 1o É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano.
(...).
Art. 3o Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.
§ 1o A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo será contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir.”
No que tange aos critérios e demais condições para a efetivação do reajuste, convém transcrever algumas disposições do Decreto nº. 1.054/94, que regulamenta o reajuste de preços nos contratos da Administração Federal direta e indireta:
“Art. 5º. Os preços contratuais serão reajustados para mais ou para menos, de acordo com a variação dos índices indicados no instrumento convocatório da licitação ou nos atos formais de sua dispensa ou inexigibilidade, ou ainda no contrato, com base na seguinte fórmula, vedada a periodicidade de reajuste inferior a um ano, contados da data limite para apresentação da proposta:
I - Io
R = V_______, onde:
Io
R = valor do reajuste procurado;
V = valor contratual do fornecimento, obra ou serviço a ser reajustado;
Io = índice inicial - refere-se ao índice de custos ou de preços correspondente à data fixada para entrega da proposta da licitação;
I = índice relativo à data do reajuste.
Parágrafo único. Para a produção ou fornecimento de bens, realização de obras ou prestação de serviços que contenham mais de um insumo relevante, ou cuja singularidade requeira tratamento diferenciado, poderá ser adotada a fórmula de reajuste abaixo, baseada na variação ponderada dos índices de custos ou preços relativos aos principais componentes de custo considerados na formação do valor global de contrato ou de parte do valor global contratual:
I1 - I1,0 I2 - I2,0 In - In,0
R. = V a1 ............. + a2 ...... + ........... + an .......
I1,0 I2,0 In,0
R = valor do reajustamento procurado;
V = valor contratual do fornecimento, obra ou serviço a ser reajustado;
II = índice de custos ou de preços correspondente ao parâmetro "al" e relativo à data do reajuste;
In = índice de custos ou de preços correspondente ao parâmetro "an" e relativo à data do reajuste;
I1,0 = índice inicial correspondente ao parâmetro al relativo à data fixada para o recebimento da proposta da licitação;
In,0 = índice inicial correspondente ao parâmetro an relativo à data fixada para o recebimento da proposta da licitação.
a1, a2, ..., an = parâmetros cuja soma é igual a 1 (um).”
2. Direito ao reajuste de preço em obras e reformas independentemente de previsão em edital ou em cláusulas dos contratos administrativos
Vê-se, pois, que no regime da Lei de Licitações e Contratos, o reajuste de preços decorre de ordem legal, e não de deferimento administrativo. A lei impõe à Administração reajustar os preços contratuais.
Interpretando minuciosamente a legislação acima citada, entendemos que o reajuste contratual tem como finalidade substancial manter as condições reais e concretas existentes na proposta, reconquistar os valores contratados pela defasagem gerada por fatores externos que promoveram a variação dos custos do contrato, e impedir o enriquecimento sem causa da outra parte.
No que tange à importância da previsão dos reajustes, como forma legal de resguardar a equação econômico-financeira dos contratos administrativos, transcrevemos Celso Antônio Bandeira de Mello (BANDEIRA DE MELLO, 2001, p. 595), que entende que a manutenção da equação econômico-financeira “é um direito do contratante particular e não lhe pode, nem lhe deve, ser negado o integral respeito a ela”.
Ainda, há de se considerar a natureza da alteração contratual que implica um reajuste.
De acordo com o entendimento de Marçal Justen Filho (JUSTEN FILHO, 2000, p. 407), o reajuste tem como objetivo recompor o valor real da moeda, ou seja, compensa-se a inflação com a elevação nominal da prestação devida. Afirma ainda que: “Não há benefício para o particular na medida em que o reajustamento do preço tem natureza jurídica similar à da correção monetária”. Atenta-se ao fato de que a similaridade não deve ser confundida com identidade. Isso porque o reajuste tem como objetivo a revisão do valor pactuado, considerando fatores ligados ao mercado, os quais alteram os preços e, em consequência, repercutem no acordo. Já a correção monetária é utilizada como forma de manter o valor inicial de um contrato, erodido pela inflação, pelo fenômeno de desvalorização da moeda nacional.
Com entendimento similar, Adilson Dallari (DALLARI, 1997, p. 96) entende que “existe apenas correção do valor proposto, ou seja, simples alteração nominal (...) da proposta do licitante vencedor, sem aumento ou redução real do valor do contrato. Assim, não existe efetiva alteração de coisa alguma, mas sim simples manutenção de valor”.
Dessa forma, mesmo não existindo previsão expressa nas regras editalícias ou contratuais de como se dará o reajustamento da avença que ultrapasse doze meses de duração, certo é que é devido o reajuste, para que se preserve o valor real inicialmente contratado.
A literalidade da interpretação do art. 40, XI, da Lei n. 8.666/93, neste caso, consistiria em aceitar a ocorrência de indesejável desequilíbrio contratual, possibilitando o enriquecimento sem causa do Poder Público. Logo, a convicção aqui firmada intenta favorecer a principiologia que rege a moderna teoria dos contratos, em especial o princípio da boa-fé objetiva e o princípio da justiça contratual.
Nesse sentido, foi o entendimento do TCU no Acórdão 7184/2018 Segunda Câmara, ao definir que:
“O estabelecimento do critério de reajuste de preços, tanto no edital quanto no contrato, não constitui discricionariedade conferida ao gestor, mas sim verdadeira imposição, ante o disposto nos arts. 40, inciso XI, e 55, inciso III, da Lei 8.666/1993, ainda que a vigência contratual prevista não supere doze meses. Entretanto, eventual ausência de cláusula de reajuste de preços não constitui impedimento ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, sob pena de ofensa à garantia inserta no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, bem como de enriquecimento ilícito do erário e consequente violação ao princípio da boa-fé objetiva”.
Em relevante apreciação da relação de equilíbrio que deve existir entre os contratantes na seara administrativa, orienta Celso Antônio Bandeira de Mello (BANDEIRA DE MELLO, 2001, p. 596) que “as avenças entre administração e particular, nominadas contratos administrativos, fazem deste último um colaborador do Poder Público ao qual não deve ser pago o mínimo possível, mas o normal, donde caber-lhe valor real estipulado no contrato ao tempo do ajuste”.
Este é o entendimento que vem sendo sustentado pela renomada doutrina, de que a realização de reajuste visando à preservação da equação econômico-financeira de um contrato administrativo é um direito do particular, ainda que não haja previsão editalícia ou contratual.
Neste sentido, foi a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na qual é tratada especificamente a questão em comento, ou seja, a possibilidade de realização de reajuste sem previsão editalícia ou contratual:
“O cerne do litígio cinge-se à verificação do direito da empresa apelada, vencedora da licitação feita pela modalidade concorrência, em ter a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de prestação de serviços firmado com o Município de Pará de Minas, tendo-se em vista que a execução da obra contratada ultrapassou o prazo de doze meses inicialmente previstos para o seu término.
(...)
O Município, contudo, resistiu ao pedido de reajuste, defendendo a ausência de previsão editalícia ou contratual neste sentido.
Contudo, tenho que a equação econômico-financeira do contrato administrativo independe de previsão expressa no instrumento contratual, pois sua gênese tem lugar no próprio texto da Constituição, quando prescreve que “as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta...” (CR/88, art. 37, XXI).
Daí porque não se pode resistir à pretensão sob o pretexto de observância ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório ou ao princípio da legalidade. (TJ/MG. 3ª Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0471.06.066448-2/001. Relatoria: Des. Albergaria Costa. Julgamento em 03/04/2008.)” (grifo nosso)
Assim, a ausência de previsão no edital ou no contrato administrativo quanto ao reajustamento não pode ser alegada pela Administração Pública como mecanismo de manutenção dos valores iniciais da proposta do particular, pois feriria os deveres advindos do princípio da boa-fé objetiva, e fomentaria o enriquecimento sem causa do Poder Público.
3. Da escolha do índice inflacionário para concessão do reajuste de preço em obras e reformas
Conforme já explicitado, não pode o contratado ser prejudicado pela inércia da Administração, considerando que o direito ao reajuste é algo que advém da lei. Sendo assim, deverá o administrador, para a concessão do reajuste, aplicar variação adotando índice inflacionário para realização do cálculo.
Ao se analisar, novamente, à literalidade do art. 40, XI, da Lei de Licitações, verifica-se que o critério de reajuste dos contratos administrativos pode ser um índice específico ou um índice setorial.
No Acórdão n. 361/2006, o Tribunal de Contas da União determinou “(...) que os reajustes de preços nos contratos que vierem a ser celebrados sejam efetuados com base na efetiva variação de custos na execução desses contratos, mediante comprovação do contratado, admitindo-se a adoção de índice setorial de reajuste, consoante prescreve o art. 40, inciso XI, da Lei n. 8.666/93 (...)”.
Tem-se, pois, que os índices de preços foram elaborados com o intento de uniformizar a medição da inflação, de maneira que a variação dos preços fosse analisada rotineiramente, tendo como parâmetro o valor de alguns determinados produtos.
Relativamente aos índices setoriais, conforme já afirmado, sabe-se que seus percentuais procuram retratar a variação de preços em uma determinada área da estrutura econômico-produtiva do país. Assim, quando o Poder Público o aplica a um instrumento contratual, busca manter seu equilíbrio financeiro a partir da análise dos efeitos da inflação em um certo setor da economia, no qual se situa o objeto da avença a ser reajustada.
No que concerne aos intitulados índices específicos, tal termo, ampliativo, resulta na viabilidade de também serem empregados os chamados índices gerais de preços no reajuste dos contratos administrativos.
Destarte, existe um certo espaço de discricionariedade ao administrador, para que este aplique um índice geral ou setorial de variação de preços, executando sua eleição através de uma exposição dos motivos determinantes da decisão.
Assim, em observância aos princípios da moralidade e da eficiência, consagrados constitucionalmente, é certo que essa opção não é arbitrária.
Segundo posicionamento unânime na doutrina e na jurisprudência, a seleção deve ser realizada entre os índices de preço produzidos por instituições conceituadas, de estatística e pesquisa, como ocorre em relação ao IPC (elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômica) e ao IGP-M (elaborado pela Fundação Getúlio Vargas).
Outrossim, ante a variedade de índices gerais e setoriais, deve ser adotado o que menor percentual represente, acarretando a menor onerosidade possível ao Poder Público, de acordo com o que determina o princípio da economicidade.
À vista disso, poderão ser utilizados como critérios para a concessão de reajuste dos contratos administrativos índices de preços setoriais ou gerais, desenvolvidos por entidades reconhecidas de estatística e pesquisa, com a devida exposição de motivos, sendo preferencialmente adotado o que possua um percentual menor.
Atenta-se ao fato de que o reajuste pela aplicação de um índice setorial ou específico nunca poderá conduzir a montantes que provoquem o aumento dos benefícios do contratado para além da relação estabelecida, inicialmente, na equação econômico-financeira da avença.
Portanto, em que pese a adoção de índice setorial ou específico ser admitida pela Lei n. 8.666/93 na efetivação do reajuste de um contrato administrativo, a incidência de um desses índices não exclui o dever da Administração Pública de aferir a observância do princípio da justiça contratual, e se o caráter comutativo do acordo de vontades está sendo preservado.
A utilização dos índices de preços objetiva manter o equilíbrio financeiro do contrato, o estabelecimento da adequada remuneração do particular, sem perdas inflacionárias, e não ao aumento puro e simples do valor a ser pago pelo Poder Público, mediante um reajuste automático.
4. Do prazo inicial da periodicidade anual para a concessão do reajuste de preço em obras e reformas
O art.2º da Lei nº. 10.192/01, anteriormente transcrito, dispõe que o reajuste de preço será concedido nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano. Sendo assim, em uma primeira análise, aparenta-se não ser possível a concessão de reajuste para os contratos que possuem vigência menor que doze meses.
Contudo, a jurisprudência dos Tribunais de Contas da União tem entendimento de que é necessário o estabelecimento de critério de reajuste de preços, “ainda que a vigência prevista para o contrato não supere doze meses” (Acórdão 2205/2016-Plenário). Isso porque a legislação prevê que o interregno mínimo de 1(um) ano deve ser contado da data da proposta da empresa ou da data do orçamento a que a proposta se referir (art.3º, §1º da Lei nº. 10.192/01), o que ocorre anteriormente ao prazo de vigência contratual de 01 (um) ano.
Portanto, há o direito da contratada ao reajuste, mesmo não tendo o contrato sido assinado com vigência de, no mínimo, um ano, desde que haja tal interregno da apresentação da proposta até o pleito.
5. Do alcance do instituto da preclusão na concessão do reajuste de preços nos contratos administrativo de obras e reformas
Quanto ao alcance do reajuste de preço, cumpre esclarecer que não tem efeitos retroativos, devendo incidir, no que diz respeito a obras e reformas, nas execuções e medições ocorridas após o requerimento elaborado pela contratada, caso ainda existam e ainda não tenham sido satisfeitas, pois as anteriores ou as já pagas foram alcançadas pelo instituto da preclusão.
Tal entendimento advém do Parecer Vinculante AGU/JTB 01/2008, adotado pelo Parecer JT-02, de 26 de fevereiro de 2009, e aprovado pelo Presidente da República, que tem como ponto central a repactuação contratual e seus efeitos, e adota a interpretação de que, findo o prazo de duração e prorrogado o contrato sem que o interessado argua seu direito decorrente de evento do contrato originário ou anterior, haverá preclusão lógica do direito pleiteado, consubstanciada na prática de ato incompatível com outro anteriormente praticado.
No despacho do Advogado da União - Diretor do Departamento de Assuntos Extrajudiciais, de encaminhamento da mencionada manifestação ao Consultor-Geral da União, para sua aprovação, o posicionamento exarado no documento foi resumido com maestria, conforme se vê:
“(...) Com efeito, o entendimento perfilhado pela douta parecerista é no sentido de que a repactuação, motivada em decorrência de majoração salarial, pode ser exercida até o momento imediatamente anterior ao da assinatura da prorrogação contratual, sob pena de não mais poder ser exercida em razão da ocorrência, após este momento, de preclusão lógica.
Entendimento este que se coaduna com o posicionamento firmado pelo Tribunal de Contas da União.
Adotando-se este raciocínio, não se pretende anular o direito de o contratado pleitear a repactuação.
Busca-se, em verdade, é salvaguardar a Administração Pública de possíveis dificuldades advindas de um pedido de repactuação, com efeitos financeiros retroativos em prazos superiores ao da prorrogação da vigência do contrato.
Tal posicionamento justifica-se em face da vinculação da Administração Pública aos preceitos orçamentários aos quais deve fiel obediência, além de dificultar de sobremaneira a análise, a destempo, da demonstração analítica apresentada pelo contratado em respaldo ao seu pedido, uma vez que tal análise deve ter por base a conjuntura do mercado vigente à época da majoração salarial.
Não obstante restar configurada a preclusão lógica, se o contratado não pleitear a repactuação até o momento imediatamente anterior ao da prorrogação, entendo ser prudente, para evitar qualquer questionamento na seara judicial, que haja expressa previsão editalícia e contratual prevendo que a repactuação, com efeitos retroativos, quando originada de majoração salarial deve ser obrigatoriamente pleiteada até a data anterior da eventual prorrogação contratual. (...)” (grifos nossos)
Apesar deste parecer vinculante tratar especificamente de repactuação, é coerente empregar, por analogia, o seu fundamento jurídico ao reajustamento de preços em obras e reformas, pois, além destes institutos terem origem comum (decorrem do reajustamento de preços em sentido amplo), sua conclusão em relação à preclusão permanece inalterada se empregada ao reajustamento de preços.
Não obstante a empresa contratada ter direito ao reajuste após o interregno de 1 (um) ano da data da sua proposta, caso já tenha realizado os serviços e recebidos os pagamentos sem qualquer pleito de reajuste, entende-se que ocorreu preclusão lógica do seu direito, o que impossibilita a concessão do reajuste dessas medições.
Em reforço ao entendimento de ocorrência da preclusão – e este parece ser o argumento mais robusto para o indeferimento do reajuste de possíveis medições ocorridas antes do pleito, ou, mesmo que após, já satisfeitas – há manifestação do Tribunal de Contas da União no Acórdão nº. 508/2018 - Plenário, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler, que apontou a seguinte irregularidade:
“Considero que a situação fática e os elementos documentais que dão suporte ao referido termo de aditamento mereçam ser investigados de forma aprofundada pela unidade técnica em virtude dos seguintes fatos:
(...).
possível ocorrência de preclusão lógica nos reajustes atinentes a serviços já executados, liquidados e pagos, a partir das medições realizadas a partir de setembro/2011, ao passo que o reajuste, em princípio, recairia exclusivamente sobre o saldo dos serviços contratados, ainda não executados;
dito de outro modo, ao continuar com a prestação dos serviços sem condicioná-los a uma revisão de preços, implicitamente reconheceu a adequação e a exequibilidade dos valores propostos na licitação, o ato voluntário da empresa que implica na renúncia ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, dando azo à ocorrência de preclusão lógica”; (sem destaque no original)
Assim, tendo em vista o posicionamento do TCU no Acórdão supracitado, fica demonstrado que o reajuste de preços não incide sobre serviços pretéritos, ou seja, já executados, medidos ou pagos, de modo que, nesse contexto, a contratada tem direito ao reajuste, que incidirá apenas sobre os serviços contratados que foram executados após o pleito, e que não foram satisfeitos.
Considerações Finais
O inciso XXI do art. 37 da Constituição da República e a Lei nº. 10.192/01 asseguram a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos durante toda a sua execução, o que pode ocorrer através do reajuste dos preços.
No regime da Lei de Licitações e Contratos, o reajuste de preços decorre de ordem legal, e não de deferimento administrativo, já que a lei impõe à Administração reajustar os preços contratuais.
Assim, diante da legislação vigente, mesmo que ausente a previsibilidade no Edital e nas cláusulas contratuais, é possível concluir pela possibilidade jurídica do reajustamento dos preços em obras e reformas, devendo a administração adotar o menor percentual (índice inflacionário), em respeito ao princípio da economicidade.
Tal direito da contratada ao reajuste de preços pode ocorrer até mesmo nos contratos assinados com vigência menor de um ano, desde que tenha ocorrido o interregno de, no mínimo, um ano, da apresentação da proposta até o pleito, conforme disposto no art.2º da Lei nº. 10.192/01.
O reajuste dos preços nas obras e reformas é atingido pelo instituto da preclusão. Sendo assim, não incide sobre serviços pretéritos, ou seja, já executados, medidos ou pagos, tendo a contratada direito ao reajuste apenas sobre os serviços contratados que foram executados após o pleito, e que não foram satisfeitos.
Desta monta, conclui-se pela possibilidade jurídica do reajustamento dos preços em contratos de obras ou reformas, visando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do instrumento, desde que pleiteado, sendo um direito do contratado, independentemente de constar em Edital ou na cláusula contratual, tendo a administração que adotar o menor percentual, em respeito ao princípio da economicidade, e devendo incidir apenas sobre as medições realizadas ou pagas após o pleito, e que não foram satisfeitas, pois as anteriores foram alcançadas pelo instituto da preclusão.
Referências
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Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/Leis/L8666cons.htm.
Lei nº 10.192, de 14 de fevereiro de 2001. Dispõe sobre medidas complementares ao Plano Real e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10192.htm
Decreto nº 1.054, de 7 de fevereiro de 1994. Regulamenta o reajuste de preços nos contratos da Administração Federal direta e indireta, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D1054.htm
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 13. Ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 595.
DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 96.
DOTTI, Marinês Restelatto. Revisão econômica do contrato administrativo. In: TORRES, Ronny Charles L. de (coord.). Licitações Públicas: homenagem ao jurista Jorge Ulisses Jacoby Fernandes. Curitiba: Negócios Públicos, 2016, p. 368.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 8. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 407.
Parecer vinculante AGU/JTB 01/2008, adotado pelo Parecer JT-02, de 26 de fevereiro de 2009, e aprovado pelo Presidente da República. Disponível em: www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/AGU/PRC-JT-02-2009.htm
[1] Advogada Pública com atuação em Direito Administrativo, Civil e Trabalhista, e na área da saúde. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV. Pós-graduada lato sensu - Direito Constitucional Aplicado com Capacitação para Ensino no Magistério Superior, pós-graduada lato sensu - MBA Profissional em Comportamento Organizacional, pós-graduada Lato Sensu em Gestão Estratégica, Inovação e Conhecimento. (e-mail: [email protected])
[2] Advogado Público. Graduação - Universidade Federal de Santa Maria. Pós-graduado em Direito Civil UFRGS e pós-graduado direito público - faculdade anhanguera. (e-mail [email protected]).
Advogada Pública com atuação em Direito Administrativo, Cível e Trabalhista, e na área da saúde. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Pós-graduada, com especialização em Direito Público (Direito Constitucional) e Privado (Direito Civil). MBA em Licitações e Contratos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Juliana Melissa Lucas Vilela e. Possibilidade de Concessão de Reajuste não Previsto em Edital ou em Cláusulas dos Contratos Administrativos de Execução de Obra ou Reforma Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 out 2020, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55280/possibilidade-de-concesso-de-reajuste-no-previsto-em-edital-ou-em-clusulas-dos-contratos-administrativos-de-execuo-de-obra-ou-reforma. Acesso em: 23 dez 2024.
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