CRISTINE HELOISA MIRANDA[1]
(coautora)
Resumo: O presente artigo tem como principal característica abordar a contratação direta no âmbito das Estatais, em especial, a inexigibilidade de licitação na hipótese de serviços técnicos especializados. Para tanto, serão tratados alguns aspectos aplicáveis à espécie, tais como, conceitos, princípios, e as Leis 8.666/1993 e 13.303/2016 (Lei das Estatais). Além disso, será feita uma análise jurisprudencial e doutrinária sobre o tema no sentido de dar as necessárias balizas para verificação dos requisitos para o enquadramento da contratação direta por serviço técnico especializado pelas empresas públicas e sociedades de economia mista. O método utilizado será o jurídico-compreensivo que consistirá na pesquisa dos marcos regulatórios, legislação e doutrina acerca do tema.
Palavras-chave: Licitação – Lei das Estatais – Inexigibilidade - Contratação Direta – Serviços técnicos especializados.
Abstract: The main characteristic of this article is to address direct contracting within the scope of State-owned companies, in particular, the non-requirement for bidding in the event of specialized technical services. For that, some aspects applicable to the species will be treated, such as, concepts, principles, and Laws 8.666 / 1993 and 13.303 / 2016 (State Law). In addition, a jurisprudential and doctrinal analysis on the subject will be carried out in order to provide the necessary guidelines for verifying the requirements for the framework of direct contracting by specialized technical service by public companies and mixed-capital companies.
Keywords: Bidding - State Law - Unenforceability - Direct Contracting - Specialized technical services.
Sumário: Introdução. 1. Do Dever de Licitar e da Legislação Aplicável. 2. Hipóteses Excepcionais ao Dever de Licitar. 3. Da Inexigibilidade de Licitação por Serviço Técnico Especializado. Conclusão. Referências.
Introdução
O presente artigo tem como principal objetivo realizar uma breve análise sobre o enquadramento da contratação direta por serviço técnico especializado pelas empresas públicas e sociedades de economia mista.
O método utilizado será o jurídico-compreensivo, que consistirá na pesquisa dos marcos regulatórios, legislação e doutrina sobre o tema, com o objetivo de melhor entender o seu significado e alcance no mundo fático e jurídico.
Para tanto, serão tratados alguns conceitos e aspectos da contratação direta pelas Estatais, as normativas existentes, as jurisprudências e doutrinas, no sentido de dar as necessárias balizas para verificação dos requisitos para o enquadramento de uma contratação direta por serviço técnico especializado pelas Estatais.
Dessa forma, imperioso o presente estudo para oferecer segurança e certeza nas hipóteses que podem ou não ser de contratação direta, por inexigibilidade de licitação em razão de serviço técnico especializado, conforme será demonstrado nos tópicos a seguir.
O dever de licitar decorre diretamente da Constituição Federal (art. 37, XXI), veja-se:
“Art. 37, XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
Este procedimento administrativo tem o escopo de garantir isonomia entre os licitantes, a vinculação ao instrumento convocatório, o incentivo ao desenvolvimento sustentável, bem como selecionar a melhor proposta dentre as apresentadas, com vistas à celebração de contrato.
A licitação deve observar tanto os princípios administrativos constitucionais, do caput do artigo 37 da CF, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, como os previstos na legislação infraconstitucional referente ao tema.
A competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação é privativa da União (CF, art. 22, XXVII).
A matéria foi disciplinada pela Lei 8.666, de 1993, que não apenas indica as modalidades de licitação e seu procedimento, mas também os casos em que ela é legalmente dispensável e inexigível, como autorizado pela Constituição, subordinando os órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Em linhas gerais estão obrigados a licitar todos os entes da Administração Pública direta, autarquias, fundações públicas, e demais entes da Administração Pública Indireta.
No entanto, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 19/98, houve a separação do regime jurídico atinente à licitação da administração direta, autárquica e fundacional, do regime das empresas estatais, sujeitando estas às regras próprias da iniciativa privada, nos termos do art. 173 da CF.
Porém, diante da ausência de um normativo específico, até 2016 as empresas públicas e sociedade de economia mistas se utilizavam da Lei geral, qual seja, a Lei 8.666/93. Mas finalmente, em cumprimento ao disposto no §1º do artigo 173 da CF, foi publicada em julho de 2016 a Lei n. 13.303/2016 que trata do estatuto jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista e suas subsidiárias, mais conhecida como a Lei das Estatais, disciplinando, inclusive, as regras do procedimento licitatório.
A Lei n. 13.303/2016, em seu artigo 31, expõe o escopo do procedimento licitatório, assim como menciona os princípios que devem reger a licitação no âmbito das empresas estatais, confira-se:
“Art. 31. As licitações realizadas e os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto, e a evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou superfaturamento, devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo”.
Desta monta, os princípios que devem guiar as licitações regidas pela Lei 13.303/2016 são: impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, eficiência, probidade administrativa, economicidade, desenvolvimento nacional sustentável, vinculação ao instrumento convocatório, obtenção de competitividade e julgamento objetivo.
Registra-se que, em que pese não haja expressa menção na legislação supracitada aos princípios da legalidade sua aplicação é imperativa, devido à previsão do artigo 37, caput, já mencionado.
Além disso, importante destacar a posição de Alexandre Santos de Aragão (ARAGÃO, 2017), em seu livro Regime das Estatais, no tocante a aplicação do princípio da legalidade: esta deverá ser mais abrandada, “sendo inimaginável que fosse especificamente necessária base legal (por mais ampla que fosse) para cada uma das multifacetadas operações econômicas e contratuais do seu dia a dia empresarial”.
Portanto, como já dito, a licitação é a regra como o instrumento adequado para as contratações do Poder Público. No entanto, é possível o seu afastamento em hipóteses excepcionais previstas em lei.
Sabidamente, as contratações diretas, seja por inexigibilidade ou por dispensa de licitação, constituem exceção, porquanto a regra é licitar, por força do art. 37, inciso XXI, da CR/88, a fim de se obter a melhor proposta para a Administração.
Eis o motivo pelo qual a doutrina recomenda cautela quando da excepcionalização do dever de licitar. Confira-se:
“(...) a opção pelo caminho da contratação direta deve ser avaliada com cautela, a fim de evitar equívocos e, consequentemente, possíveis demandas administrativas e judiciais contra os profissionais responsáveis pela definição das diretrizes do processo”. (ALTOUNIAN, Cláudio Sarian. Obras Públicas: licitação, contratação, fiscalização e utilização, 3 ed. – Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 253).
“A ausência de licitação não equivale a contratação informal, realizada com quem a Administração bem entender, sem cautelas nem documentação. Ao contrário, a contratação direta exige um procedimento administrativo prévio, em que a observância de etapas e formalidades é imprescindível. Somente em hipóteses-limite é que a Administração estaria autorizada a contratar sem o cumprimento dessas formalidades. Seriam aqueles casos de emergência tão grave que a demora, embora mínima, pusesse em risco a satisfação dos valores a cuja realização se orienta a atividade administrativa.
Nas etapas internas iniciais, a atividade administrativa será idêntica, seja ou não a futura contratação antecedida de licitação. Em um momento inicial, a administração verificará a existência de uma necessidade a ser atendida. Deverá diagnosticar o meio mais adequado para atender ao reclamo. Definirá um objeto a ser contratado, inclusive adotando providências acerca da elaboração de projetos, apuração da compatibilidade entre a contratação e as previsões orçamentárias. Tudo isso estará documentado em procedimento administrativo, (...)” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 16 ed. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 391).
De todo modo, da leitura do art. 37, inciso XXI, da CR/88, extrai-se que a legislação pode trazer hipóteses excepcionais nas quais as contratações não precisariam, em tese, passar por uma licitação prévia.
Nesse sentido, são as hipóteses trazidas pelos artigos 28, 29 e 30, da Lei 13.303/2016, que dispõem sobre as hipóteses de afastamento da obrigatoriedade de licitar.
Diferentemente da Lei 8.666/1993, que apenas previa hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, a Lei 13.303/2016, trouxe uma inovação “a dispensa de observância dos dispositivos” quanto as licitações, artigo 28, §3º. Confira-se:
“Art. 28. Os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas públicas e às sociedades de economia mista, inclusive de engenharia e de publicidade, à aquisição e à locação de bens, à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio, bem como à implementação de ônus real sobre tais bens, serão precedidos de licitação nos termos desta Lei, ressalvadas as hipóteses previstas nos arts. 29 e 30.
(...)
§ 3º São as empresas públicas e as sociedades de economia mista dispensadas da observância dos dispositivos deste Capítulo nas seguintes situações:
I - comercialização, prestação ou execução, de forma direta, pelas empresas mencionadas no caput , de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais;
II - nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo”.
Em síntese, a dispensa de licitar se dá quando a competição é viável, mas por alguma razão o legislador afasta a regra da obrigatoriedade de licitar. Já a inexigibilidade é caracterizada quando há inviabilidade de competição, nesta hipótese não há sentido na realização de procedimento licitatório.
Contudo, nessas duas hipóteses entende-se que há aplicação das regras do procedimento licitatório quanto à sua fase interna, ou seja, apenas é afastada a observância da fase externa do procedimento.
Em se tratando, especificamente, da inexigibilidade de licitação, tema central da presente análise, sua disciplina se encontra prevista no art. 30, caput, da Lei n.º 13.303/2016, destacando duas formas de sua ocorrência, fornecedor exclusivo e serviço técnico especializado. Veja-se:
“Art. 30. A contratação direta será feita quando houver inviabilidade de competição, em especial na hipótese de:
I - aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo;
II - contratação dos seguintes serviços técnicos especializados, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:
a) estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
b) pareceres, perícias e avaliações em geral;
c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
g) restauração de obras de arte e bens de valor histórico.
§ 1º Considera-se de notória especialização o profissional ou a empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiência, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
§ 2º Na hipótese do caput e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado, pelo órgão de controle externo, sobrepreço ou superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado quem houver decidido pela contratação direta e o fornecedor ou o prestador de serviços.
§ 3º O processo de contratação direta será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II - razão da escolha do fornecedor ou do executante;
III - justificativa do preço”.
Entende-se que o rol do caput do art. 30, é exemplificativo devido a presença de expressão “em especial”, posição pontuada por Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (ALEXANDRINO, PAULO, 2018).
Por isso, inclusive, é que o caput do art. 30 da Lei n.º 13.303/2016 possuem função normativa autônoma. Ou seja, uma contratação direta pode neles se fundamentar exclusivamente, em razão tão só da inviabilidade de competição, não se impondo que a hipótese seja enquadrada em um dos incisos dos referidos artigos, os quais, a propósito, como já dito, apresentam natureza exemplificativa.
Veja-se, neste sentido, os entendimentos expressos nos acórdãos abaixo, que em verdade, tratou da inexigibilidade prevista na lei 8.666/1993, mas que pode ser perfeitamente aplicável ao da Lei 13.303/2016:
“É vedada a inexigibilidade quando não comprovado o requisito da inviabilidade de competição. É dever do agente do agente público responsável pela contratação confirmar a condição de exclusividade nos casos em que o objeto só possa ser fornecido por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo. (TCU. Acórdão nº 1.802/2014 – Plenário) – grifo nosso.
A contratação direta por inexigibilidade de serviços técnicos especializados não se subsumi à hipótese do art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, uma vez que as situações elencadas nos incisos deste artigo são exemplificativas. Na presença de situações outras em que o atendimento das necessidades da administração implique a inviabilidade de competição, admite-se a contratação direta por inexigibilidade (TCU. Acórdão nº 2.503/2017 – Plenário)”.
Todavia, apesar de o rol do caput do art. 30 ser exemplificativo, como já mencionado, há destaque para sua ocorrência em duas hipóteses: fornecedor exclusivo e serviço técnico especializado.
Assim, importante esclarecer que a inviabilidade de competição dessas duas hipóteses se dá de maneiras diferentes, no caso do inciso I acima mencionado a inviabilidade se refere a inexistência de competidores, há apenas um fornecedor, ou seja, ocorre a impossibilidade absoluta da disputa.
Já na hipótese do inciso II, serviço técnico especializado, a inviabilidade ocorre porque a disputa entre os possíveis competidores não atenderia os interesses legítimos da estatal, a realização de licitação neste caso poderia ter o condão de tornar o objeto da licitação inútil ou mesmo prejudicial aos interesses da estatal.
O elemento central dessa hipótese de afastamento da licitação, a despeito da presença de vários executores aptos, é a inviabilidade de estabelecer-se comparação objetiva ente as várias possíveis propostas, conforme lição do mestre, Celso Antônio Bandeira de Mello (MELLO, 2004, p. 497.), in verbis: “são licitáveis unicamente (...) bens homogêneos, intercambiáveis, equivalentes. Não se licitam coisas desiguais. Cumpre que sejam confrontáveis as características do que se pretende e que quaisquer dos objetos em certame possam atender ao que a Administração almeja”.
No que diz respeito a inexigibilidade por serviço técnico especializado, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (ALEXANDRINO, PAULO, 2018) entendem que o inciso II do artigo 30 da Lei 13.303, é diferentemente do seu caput, rol exaustivo devido a expressão “contratação dos seguintes serviços técnicos especializados”.
Em abono do que ora se expõe, confiram-se, também, as lições de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (2016, pág. 523), que, embora se refiram à Lei n.º 8.666/1993, podem ter o raciocínio perfeitamente aplicável à inexigibilidade de licitação ora pretendida no âmbito desta estatal:
"(...).
6.4.2.4. serviço técnico profissional especializado e o art. 13
Outro aspecto relevante constitui-se na seguinte questão: poderá ser objeto da inexigibilidade com fundamento nesse inciso a contratação de serviços técnicos não enumerados no art. 13?
A resposta é negativa, pois a norma do art. 25, inciso II, constitui regra que abre exceção e, de acordo com os princípios elementares de hermenêutica, esse tipo de norma deve ser interpretado restritivamente.1282
A prática, contudo, tem demonstrado que existem serviços, não registrados no art. 13, que não permitem viabilizar a contratação, como por exemplo, os serviços de correios, pois o regime de monopólio inviabiliza a competição.1283 Em casos dessa natureza ou mesmo nos casos em que o serviço não guarda qualquer singularidade, mas por outro motivo qualquer a competição é inviável, monopólio, por exemplo, a contratação direta deve ter por fundamento o caput do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, e não o inciso II.
Mais recentemente, vislumbra-se que os Tribunais de Contas têm admitido a interpretação ampliativa do elenco quando se tratam de serviços técnicos profissionais especializados de natureza semelhante aos indicados no art. 13 da Lei nº 8.666/1993.
(...)." (Jacoby Fernandes, J.U. Contratação direta sem licitação: dispensa de licitação: inexigibilidade de licitação: procedimentos para a contratação sem licitação; justificativa de preços; inviabilidade de competição; emergência; fracionamento; parcelamento; comentários às modalidades de licitação, inclusive o pregão: procedimentos exigidos para a regularidade da contratação direta / Jorge Ulisses Jacoby Fernandes. 10. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2016, pág. 523). (Sem grifos no original).
Em igual direção, veja-se o que prevê a Súmula n.º 252 do TCU: "A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: o serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado." (Sem grifos no original).
Contudo, esta posição está longe de ser unânime, para Dawison Barcelos e Ronny Charles Lopes de Torres (BARCELOS E TORRES, 2018), mesmo se o serviço técnico especializado não estiver presente no inciso II, persistindo condições que assinalem para inviabilidade de competição pela necessidade da administração de contratar um serviço técnico especializado, prestado por um profissional ou empresa notória, não haveria dúvida quanto à possibilidade de contratação direta, baseando-se no caput do artigo 30.
Quanto ao caráter exemplificativo, veja-se, também, a posição de Justen Filho (FILHO, 2016): “A relação do art. 13 é meramente exemplificativa. O conceito de serviço técnico profissional especializado comporta, em tese, uma grande variedade de situações. Não há dúvidas de que, além dos casos indicados no art. 13, existem inúmeras outras hipóteses que comportam qualificação como serviço técnico profissional especializado.”
Ressalta-se que para estes autores é “um equívoco engessar o universo de serviços considerados como ‘técnicos especializados’ a um rol concebido pelo legislador, sem a percepção de novas tecnologias e serviços que podem surgir com o transcorrer do tempo e com características até mais especializadas”. Os dois entendimentos têm fundamento jurídico, contudo, entende-se que o método interpretativo que melhor se amolda à hipótese é o sistemático, que “consiste em comparar o dispositivo sujeito à exegese, com outros do mesmo repositório ou de Leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto”, conforme lição de Carlos Maximiliano, que segundo o qual, tal método parte do confronto entre a prescrição positiva e outra de que proveio ou que da mesma emanaram, verificando-se o nexo entre a regra e a exceção; entre o geral e o particular, a fim de obter-se os necessários esclarecimentos.
Assim, ao analisar os serviços listados nas alíneas do inciso II, art. 30, da Lei n. 13.306/2016, ora sub examine (em síntese, pareceres, estudos, assessorias, consultorias etc), percebe-se, a olhos vistos, um traço que os une; que lhes tornam conexos. É o fato de a lista reunir apenas serviços cuja execução é predominantemente intelectual.
De todo modo, em que pese a divergência existente sobre o tema, entende-se que, de regra, ao contratar diretamente serviços técnicos especializados, importante o enquadramento no rol de serviços do inciso II do artigo 30.
Note que o inciso II do art. 30 da Lei 13.303/2016 relaciona os requisitos que devem compor a instrução do processo que são, na ordem: a) o serviço ser técnico e estar listado nas alíneas do referido inciso; b) e o executor ser um profissional ou empresa de notória especialização.
Aliás, há muito o Tribunal de Contas da União firmou o entendimento (Lei 8.666/1993, mas cujo entendimento pode ser aplicado ao presente caso) segundo o qual a contratação calcada no dispositivo em tela só é regular se houver a demonstração da presença desses requisitos:
“ENUNCIADO: A contratação direta por inexigibilidade de licitação, com base no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, comporta a presença simultânea de três requisitos: constar no rol de serviços técnicos especializados mencionados no art. 13 da Lei 8.666/1993, possuir o serviço natureza singular e ter o contratado notória especialização. O ato praticado com a ausência de qualquer um dos três requisitos importa na irregularidade da contratação.” (TCU, Acórdão 479/2012-Plenário Rel. Min. Raimundo Carreiro)
Registra-se ainda que, o inciso II do artigo 30, da Lei 13.303/2016, destaca o requisito para a contratação direta de serviço técnico especializado da “notória especialização”, definindo-o em seu parágrafo primeiro.
Para Dawison Barcelos e Ronny Charles Lopes de Torres (BARCELOS E TORRES, 2018), embora tenham sido apresentados “parâmetros razoavelmente objetivos, subsiste margem discricionária ao gestor para atestar que o trabalho de determinado profissional ou empresa é essencial e o mais adequado ao cumprimento do objeto contratual”.
Nesse mesmo sentido, Lucas Rocha Furtado (FURTADO, 2017) entende que, como regra, a opção administrativa deve ser respeitada, desde que motivada e não se constate interpretação abusiva.
Contudo, os autores (BARCELOS E TORRES, 2018) entendem que a margem de discricionariedade para atestar o trabalho como de notória especialização não deve ser sobre o viés da confiança do administrador público no pretenso contratado, ou seja, que a confiança pessoal não é pressuposto para a contratação direta em razão de serviço técnico especializado. Os autores defendem que a “reputação do profissional ou da sociedade deve ser averiguada de maneira impessoal, a partir de sua atividade, como desempenho anterior, publicações, equipe técnica, dentre outros”, entendimento que parece o mais acertado, pois se afasta da subjetividade da contratação baseada em “confiança”.
Interessante notar, ademais, que na redação do art.30, I, da Lei 13.303/2016, em relação ao art. 25 da 8.666/1993, houve a supressão do termo de natureza singular.
Sobre o requisito da singularidade o TCU já se posicionou algumas vezes, vejamos:
“O conceito de singularidade de que trata o art.25, inciso II, da Lei 8.666/93 não está vinculado à ideia de unicidade, mas de complexidade e especificidade. Dessa forma, a natureza singular não deve ser compreendida como ausência de pluralidade de sujeitos em condições de executar o objeto, mas sim como uma situação diferenciada e sofisticada a exigir acentuado nível de segurança e cuidado. (TCU. Acórdão 7840/2013 - Primeira Câmara. Boletim de Jurisprudência 16/2013)”.
“Na contratação de serviços advocatícios, a regra geral do dever de licitar é afastada na hipótese de estarem presentes, simultaneamente, a notória especialização do contratado e a singularidade do objeto. Singular é o objeto que impede que a Administração escolha o prestador do serviço a partir de critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação. (TCU. Acórdão 2832/2014 – Plenário. Boletim de Jurisprudência 60/2014)”.
“Nas contratações diretas por inexigibilidade de licitação, o conceito de singularidade não pode ser confundido com a ideia de unicidade, exclusividade, ineditismo ou raridade. O fato de o objeto poder ser executado por outros profissionais ou empresas não impede a contratação direta amparada no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/93. A inexigibilidade, amparada nesse dispositivo legal, decorre da impossibilidade de se fixar critérios objetivos de julgamento. (TCU. Acórdão 2616/2015 - Plenário Boletim de Jurisprudência 104/2015)”.
“A contratação de serviços advocatícios mediante inexigibilidade de licitação, por entidades que recebem recursos por força da Lei 9.615/1998 (Lei Pelé), alterada pela Lei 10.264/2001 (Lei Agnelo/Piva), depende da comprovação simultânea dos requisitos de notória especialização do contratado e de singularidade do objeto. (TCU. Acórdão 1051/2018 – Plenário. Boletim de Jurisprudência 218/2018)”.
“Para fim de contratação com base no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, serviços advocatícios podem ser considerados como singulares não apenas por suas características abstratas, mas também em razão da relevância do interesse público em jogo, a exigir grande nível de segurança, restrição e cuidado na execução dos serviços, a exemplo de demandas judiciais envolvendo valores de indenização muito elevados, que coloquem em risco a sobrevivência da entidade contratante. (TCU. Acórdão 10940/2018 – Plenário. Boletim de Jurisprudência 237/2018)”.
De modo que, para o TCU o requisito da singularidade reside na impossibilidade de que a Administração escolha o prestador do serviço a partir de critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, vez que os serviços técnico-profissional especializados não são passíveis de comparação e julgamento por critérios objetivos, razão pela qual, a rigor, são essencialmente singulares.
Logo, o fato de o art. 30 da Lei nº 13.303/2016 não ter se referido expressamente a serviços “singulares”, não significa que não o serão. Afinal, nos termos do caput do art. 30 a inviabilidade de competição decorrerá, necessariamente, de uma de duas hipóteses: (i) fornecedor ou prestador de serviço exclusivo; ou (ii) da impossibilidade de definir critérios objetivos de comparação e julgamento, o que evidencia a necessidade de os serviços serem singulares.
A questão residirá, portanto, em verificar se pressupõem a execução por notória especialista, ou não, para sopesar o fundamento adequado da inexigibilidade (art. 30, caput ou inc. II, da Lei nº 13.303/2016).
Superados tais ponto, insta trazer à baila na oportunidade os requisitos presentes no art. 30, §3º, da Lei 13.303: I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso; II - razão da escolha do fornecedor ou do executante; III - justificativa do preço.
Não há dúvidas, portanto, sobre a necessidade de cumprimento destes elementos na contratação direta. Porém, no que tange a inexigibilidade de licitação por serviço técnico especializado deve ser observado os dois últimos incisos do artigo acima, pois sua ocorrência não se baseia em situação de emergência, mas em inviabilidade de competição.
Assim, na contratação direta por serviço técnico especializado deve constar obrigatoriamente, do processo administrativo, a razão da escolha do fornecedor ou do executante e a justificativa do preço.
O requisito da razão da escolha do fornecedor ou do executante é importante porque em muitas situações o administrador público vai se deparar com a possibilidade de cumprimento do objeto a ser contratado por vários agentes.
Então, é responsabilidade da estatal, no uso de sua discricionariedade, assegurar a seleção da melhor proposta, não necessariamente aqui relacionada ao menor preço, mas tendo em vista eficiência, qualidade e eficácia da proposta escolhida.
Nessa linha os autores (BARCELOS E TORRES, 2018) entendem, por exemplo, que um anúncio público do interesse de contratar, especificando as condições necessárias à contratação, enriquece este requisito que expõe a motivação da escolha do fornecedor ou executante.
Já no que diz respeito ao requisito da justificativa de preço, ela assume ainda maior importância na contratação direta, em razão da não existência de disputa, assim deve se demonstrar a adequação dos preços ao objeto da contratação, assim como aos valores de mercado.
Quanto à justificativa do preço, esta não se resume à comparação do mesmo com o cobrado por eventuais outros prestadores. Como em qualquer contratação direta, é evidente que o preço ajustado deve ser coerente com o mercado, devendo essa adequação restar comprovada nos autos, eis que a validade da contratação depende da razoabilidade do preço a ser desembolsado pela Administração Pública.
Tal justificativa tem como finalidade evitar que prestadores ou fornecedores superfaturem os preços quando contratem com a Administração Pública. O que se procura é impedir que empresas (sejam públicas ou privadas) aumentem deliberadamente os preços dos produtos quando vendam para o Poder Público.
Essa providência inclusive é objeto da ON 17/AGU, como mencionado acima, que dispõe: “a razoabilidade do valor das contratações decorrentes de inexigibilidade de licitação poderá ser aferida por meio da comparação da proposta apresentada com os preços praticados pela futura contratada junto a outros entes públicos e/ou privados, ou outros meios igualmente idôneos” (Alterada pela Portaria AGU nº 572/2011, publicada no DOU I 14.12.2011).
No que diz respeito à esta exigência da justificativa de preço, o TCU entende que nas contratações diretas por inexigibilidade se faz necessária a elaboração de orçamento detalhado, assim como pesquisa com no mínimo três cotações válidas de empresas do ramo, vejamos:
“(...) O fato de a contratação ter ocorrido por inexigibilidade de licitação não afasta a necessidade de a contratante elaborar, consoante o artigo 7º, § 2º, inciso II, e § 9º, c/c o art. 26, inciso III, todos da Lei 8.666/1993, orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários do objeto contratado, documento indispensável à avaliação dos preços propostos. Por esse motivo, não há como prosperar a afirmação do recorrente, no sentido de que “a comparação de preços cabível para o caso em tela seria, apenas, com outras propostas apresentadas pela Fundação ATECH em contratações efetivadas com outros órgãos integrantes do SISCEAB.”(...) (TCU. Acórdão 3.289/2014 – Plenário. Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues)
“(...)Note-se, ainda, não ser possível comparar as duas propostas de preços constantes da peça 52, p. 13 e 18 diante da cotação de itens com características distintas: uma apresenta material em PVC e outro em vidro. Quando da realização da pesquisa, os responsáveis deveriam ter especificado adequadamente o objeto pretendido buscando ao menos três fornecedores para avaliar a adequabilidade do preço em relação ao praticado no mercado. (...)” (TCU. Acórdão 1.565/2015 – Plenário. Rel. Min. Vital do Rêgo)
Por fim, no que tange a definição de sobrepreço ou superfaturamento a própria Lei 13.303 traz sua definição em seu art. 31, §1º:
“(...).
§ 1º Para os fins do disposto no caput, considera-se que há:
I - sobrepreço quando os preços orçados para a licitação ou os preços contratados são expressivamente superiores aos preços referenciais de mercado, podendo referir-se ao valor unitário de um item, se a licitação ou a contratação for por preços unitários de serviço, ou ao valor global do objeto, se a licitação ou a contratação for por preço global ou por empreitada;
II - superfaturamento quando houver dano ao patrimônio da empresa pública ou da sociedade de economia mista caracterizado, por exemplo:
a) pela medição de quantidades superiores às efetivamente executadas ou fornecidas;
b) pela deficiência na execução de obras e serviços de engenharia que resulte em diminuição da qualidade, da vida útil ou da segurança;
c) por alterações no orçamento de obras e de serviços de engenharia que causem o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato em favor do contratado;
d) por outras alterações de cláusulas financeiras que gerem recebimentos contratuais antecipados, distorção do cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual com custos adicionais para a empresa pública ou a sociedade de economia mista ou reajuste irregular de preços”.
Para (BARCELOS E TORRES, 2018) esta disposição do art. 30, §2º, robustece a necessidade de justificativa de preços como elemento de instrução dos processos de contratação direta e assim a obrigatoriedade de consulta dos preços através de pesquisa de mercado.
Em síntese, observou-se por meio deste estudo que a Lei n. 13.303/2016 possui como regra a necessidade de licitação nas contratações com terceiros sendo, no entanto, possível o seu afastamento nas hipóteses excepcionais de dispensa, inexigibilidade ou inaplicabilidade de licitação trazidas pela Lei das Estatais em seus artigos 28, 29 e 30.
Além disso, concluiu-se que as hipóteses do rol do caput do art. 30 Lei n. 13.303/2016 devem ser entendidas como exemplificativas e não taxativas, podendo as práticas de mercado e o caso concreto estabelecerem outras situações de afastamento das regras acerca da licitação da Lei das Estatais. No entanto, a inaplicabilidade de licitação não se confunde com arbitrariedade, mas sim liberdade para que o gestor possa escolher a melhor solução para o caso concreto.
Após, seguiu-se a análise do objeto central do presente artigo, a inexigibilidade da obrigatoriedade de licitar por serviço técnico especializado.
Quanto ao tema foi exposto que primeiro deve existir uma inviabilidade de competição e, além disso, que na hipótese da inexigibilidade devido ao serviço técnico especializado, ela não se dá no aspecto fático, porque há competidores, mas sim porque o resultado de uma possível disputa entre eles não atende os interesses legítimos da administração, no caso a estatal.
A própria Lei n. 13.303/2016 trouxe a definição de serviço técnico especializado, suprimindo em sua redação, no entanto, a singularidade exigida para a inexigibilidade em questão na Lei n. 8.666/1993.
Concluiu-se, ainda, que, de regra, ao contratar diretamente serviços técnicos especializados, importante o enquadramento no rol de serviços do inciso II do artigo 30, da Lei 13.303/2016, bem como da necessidade de que os serviços técnicos sejam especializados, e, também, que sejam prestados por profissionais ou empresas de notória especialização.
Abordou-se, então, outros temas pertinentes: da necessidade da exposição da razão para a escolha do executante e da justificativa de preço (art. 30, §3º, II e III), restando claro que ambos devem ser muito bem justificados, pois são o que dão suporte para a decisão do Administrador Público para o afastamento do dever constitucional de licitar.
Por fim, restou evidenciada a previsão da solidariedade pelos danos causados em razão de sobrepreço e superfaturamento entre quem fez a escolha da contratação direta, bem como o contratado, reforçando ainda mais a necessidade dos dois requisitos supracitados.
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BARCELOS, Dawison. Licitações e contratos nas empresas estatais: Regime licitatório da Lei 13.303/2016 / Dawison Barcelos e Ronny Charles Lopes de Torres – Salvador: Editora JusPodivm, 2018.
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[1] Advogada Pública. Atuação em Direito Administrativo, Civil, Trabalhista, e na área da saúde. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). (e-mail: [email protected] ). Pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALE).
Advogada Pública com atuação em Direito Administrativo, Cível e Trabalhista, e na área da saúde. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Pós-graduada, com especialização em Direito Público (Direito Constitucional) e Privado (Direito Civil). MBA em Licitações e Contratos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Juliana Melissa Lucas Vilela e. Inexigibilidade de Licitar por Serviço Técnico no Âmbito das Estatais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 out 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55284/inexigibilidade-de-licitar-por-servio-tcnico-no-mbito-das-estatais. Acesso em: 23 dez 2024.
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