Resumo: O presente artigo visa trazer luz à discussão acerca do requerimento e deferimento da gratuidade relativa a atos praticados junto ao cartório de registro civil, a exemplo da emissão de certidão de nascimento, óbito, habilitação de casamento, dentre outros, mediante mera declaração do interessado. Demonstraremos a posição consolidada na legislação e jurisprudência, inclusive, administrativa no âmbito do CNJ, e seus fundamentos, realizando ainda, uma brevíssima análise interpretativa acerca da legislação. Referido artigo nos levará à conclusão de que a legislação impõe ao delegatário (a) o respectivo deferimento, não permitindo, nem mesmo ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público, a exigência de documentos outros para fim de caracterização da hipossuficiência, que não a simples declaração, sob as penas da lei.
Palavras-chave: Direito Civil e Processual Civil. Gratuidade Cartorária. Declaração de hipossuficiência como único requisito. Livre acesso à Justiça em sentido amplo. Exercício da Cidadania. Precedentes das Cortes Superiores e do CNJ. Ilegalidade da exigência doutros documentos para deferimento da gratuidade.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A gratuidade Judiciária. 3. A gratuidade cartorária para habilitação de casamento. 3.1. Da interpretação do Conselho Nacional de Justiça e de sua Corregedoria - direito à gratuidade por mera declaração. 4.Conclusão. 5.Referências.
1.Introdução
Estabelece a Constituição Federal no título relativo aos direitos e garantias fundamentais que “são gratuit[o]s (...), na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania” (artigo 5º, inciso LXXVII), e mais, que aos reconhecidamente pobres, na forma da lei, será gratuita o registro civil de nascimento e a certidão de óbito (artigo 5º, inciso LXXVI).
Pois bem, essas disposições na Constituição brasileira deixam clara a importância do papel do Registro Civil da Pessoa Natural, também denominado como “ofícios da cidadania[1]”
Assim, muito além do que conferir autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos[2] as serventias de Pessoas Naturais propiciam que o cidadão passe a desfrutar de um conjunto de direitos sociais pelo simples fato de registrar-se, podendo exercer, a partir daí, sua cidadania plena, ao menos do ponto de vista formal.
No âmbito infraconstitucional se operou a alteração do artigo 30 da lei 6.015/73 pela lei 9.534/1997, passando a prever a gratuidade do registro civil de nascimento e o assento de óbito, bem como a primeira certidão de cada um desses atos.
No mesmo influxo, ao artigo 1º da Lei 9.265/96 foi inserido o inciso VI com a seguinte redação: “São gratuitos os atos necessários ao exercício da cidadania, assim considerados: (...) VI - registro civil de nascimento e o assento de óbito, bem como a primeira certidão respectiva.”
Assim sendo, não resta dúvida que a partir de 1988 passou-se a conferir a todos os brasileiros, indistintamente, a gratuidade do registro de nascimento e óbito, bem como a primeira certidão, dispensando-se qualquer prova de situação econômico-social.
Em acréscimo, temos que a Carta brasileira tem como fundamento a redução das desigualdades sociais (art. 3 da CF/88[3]), propiciando assim que a camada pobre da população possa ter acesso a serviços, inclusive os sociais, que expressam o exercício da cidadania, a exemplo do voto, trabalho formal, ao Judiciário, etc.
Nesse contexto é que se constitucionaliza o dever do Estado de oferta à parcela hipossuficiente da população o livre acesso à Justiça, garantindo-lhes assistência jurídica integral e gratuita aos mais necessitados, in verbis:
Art. 5º (...)
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
A concessão da gratuidade, entendida como parcela da assistência jurídica integral, representa, em verdade, a concretização do princípio da isonomia tipificado no art. 5 da CF[4], e que segundo a doutrina de Aristóteles significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade[5].
Eis que, a legislação infraconstitucional, com alicerce nos princípios alinhavados, estabeleceu também a gratuidade para outros atos, a exemplo da habilitação de casamento, objeto do presente estudo, podendo ser realizado junto à serventia notarial de pessoas naturais, e sobre os qual se discute a gratuidade pelo serviço.
2. A GRATUIDADE JUDICIÁRIA
No âmbito judicial, a gratuidade restou inicialmente regulada pela lei 1.060/50, a qual estabelecia em seu art. 4 uma presunção relativa de hipossuficiência mediante simples declaração, vejamos:
Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. (taxado pois revogado pelo NCPC)
Com o advento da Lei 7.115 de 1983[6], dispondo sobre prova documental, deixou-se ainda mais claro que o único requisito necessário ao deferimento da gratuidade seria a declaração, vejamos:
Art.1º - A declaração destinada a fazer prova de vida, residência, pobreza, dependência econômica, homonímia ou bons antecedentes, quando firmada pelo próprio interessado ou por procurador bastante, e sob as penas da Lei, presume-se verdadeira. (grifo nosso)
Parágrafo único - O dispositivo neste artigo não se aplica para fins de prova em processo penal.
Art.2º - Se comprovadamente falsa a declaração, sujeitar-se-á o declarante às sanções civis, administrativas e criminais previstas na legislação aplicável.
Art.3º - A declaração mencionará expressamente a responsabilidade do declarante.
Nesta sintonia, as leis 7.844/89[7] e Lei 9.534/97[8] alteraram a Lei 6.015 (Lei de Registros Públicos[9] - norma reguladora da prestação de serviços pelas serventias), passando a prever expressamente, para o âmbito extrajudicial, que o estado de pobreza será provado por mera declaração, dando ensejo à responsabilidade do declarante no caso de falsidade, in verbis:
“Art. 30. Não serão cobrados emolumentos pelo registro civil de nascimento e pelo assento de óbito, bem como pela primeira certidão respectiva. (Redação dada pela Lei nº 9.534, de 1997)
§ 1º Os reconhecidamente pobres estão isentos de pagamento de emolumentos pelas demais certidões extraídas pelo cartório de registro civil. (Redação dada pela Lei nº 9.534, de 1997)
§ 2º O estado de pobreza será comprovado por declaração do próprio interessado ou a rogo, tratando-se de analfabeto, neste caso, acompanhada da assinatura de duas testemunhas. (Redação dada pela Lei nº 9.534, de 1997)
§ 3º A falsidade da declaração ensejará a responsabilidade civil e criminal do interessado. (Incluído pela Lei nº 9.534, de 1997)
§ 3o-A Comprovado o descumprimento, pelos oficiais de Cartórios de Registro Civil, do disposto no caput deste artigo, aplicar-se-ão as penalidades previstas nos arts. 32 e 33 da Lei no 8.935, de 18 de novembro de 1994. (Incluído pela Lei nº 9.812, de 1999)
§ 3o-B Esgotadas as penalidades a que se refere o parágrafo anterior e verificando-se novo descumprimento, aplicar-se-á o disposto no art. 39 da Lei no 8.935, de 18 de novembro de 1994. (Incluído pela Lei nº 9.812, de 1999)
§ 3o-C. Os cartórios de registros públicos deverão afixar, em local de grande visibilidade, que permita fácil leitura e acesso ao público, quadros contendo tabelas atualizadas das custas e emolumentos, além de informações claras sobre a gratuidade prevista no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.802, de 2008).
§ 4o É proibida a inserção nas certidões de que trata o § 1o deste artigo de expressões que indiquem condição de pobreza ou semelhantes. (Incluído pela Lei nº 11.789, de 2008)” (grifo nosso)
Ressalte-se do dispositivo acima transcrito que o seu § 3o-A e § 3o-B estabelecem a possibilidade de penalidade ao oficial de cartório no caso de descumprimento do caput do art. 30 da lei 6.015.
3. A GRATUIDADE CARTORÁRIA PARA HABILITAÇÃO DE CASAMENTO
Os serviços notariais, regulados pela lei 8.935 e 6.015, são exercidos atualmente de forma privada, após concurso público, por meio de delegação do ente estatal.
No que toca à remuneração dos delegatários[10] - os denominados emolumentos -, são espécie tributária, classificado como taxas. Neste sentido, segue decisão do Supremo Tribunal Federal – STF:
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em consequência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada “em caráter privado, por delegação do poder público” (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa. As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas “a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos” (Lei nº 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos. (ADI 1.378 MC. Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-11-95, DJ de 30-5-97).
A taxa, como espécie de tributo, tem por fato gerador a atuação do Poder Público, diretamente vinculado ao obrigado, seja em razão do exercício do poder de polícia ou utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição (art. 145, inciso II, da CF).
Como consectário do que sobredito, os emolumentos estão submetidos ao princípio da legalidade, de sorte que sua incidência ou isenção dependem de expressa previsão legal.
Seguindo à explanação, com o intento de conferir ao brasileiro o exercício pleno da cidadania garantido pela CF/88, a legislação infraconstitucional estabeleceu a gratuidade do casamento de forma geral para a celebração. Ocorre que, o Código Civil estabelece como seu requisito a habilitação, conferindo-se a gratuidade àqueles reconhecidamente pobres, vejamos a disposição legal:
Art. 1.512. O casamento é civil e gratuita a sua celebração.
Parágrafo único. A habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas cuja pobreza for declarada, sob as penas da lei.
Portanto, restou cumprido o requisito da legalidade para obtenção da gratuidade, tendo sido estabelecido apenas a declaração do estado de pobreza para deferimento do benefício.
O diploma civilista reproduziu a expressão “pobreza” de outros diplomas legislativos, não trazendo qualquer componente objetivo para aferição.
A ausência de critério concreto, em face da natureza subjetiva do vernáculo, acaba por propiciar diferentes interpretações no âmbito do próprio Poder Judiciário, havendo divergência mesmo entre juiz titular e substituto.
3.1. Da interpretação do Conselho Nacional de Justiça e de sua Corregedoria - direito à gratuidade por mera declaração.
Compete ao CNJ exercer a função fiscalizatória, na órbita administrativa, do Poder Judiciário, aí incluído seus serviços auxiliares, leia-se, serventias, na forma do que previsto no art. 103-B, § 4º, III, da CF/88[11].
No exercício do seu poder fiscalizatório administrativo, o Conselho já se deparou com diversas situações relativas ao benefício da gratuidade extrajudicial, tendo interpretado a norma, sempre no sentido de que basta a mera declaração para fazer jus à benesse.
Para o CNJ, a exigência doutros documentos para comprovação da hipossuficiência, a exemplo de comprovante de residência, renda, entre outros, se afigura como ilegal. Vejamos o que decidido no PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0006737-92.2013.2.00.0000, de relatoria da Conselheira Dr. Gisela Gondin Ramos:
“Dispensam-se os entraves burocráticos justamente para evitar a imposição de moroso encargo àqueles que buscam o registro de documentos imprescindíveis ao pleno exercício dos direitos fundamentais e de cidadania.
(...)
Assim, afigura-se irregular a negativa de habilitação dos nubentes para o casamento em decorrência de sua hipossuficiência, bastando para tanto a declaração de pobreza, que enseja a responsabilização do signatário em caso de falsidade.”
No mesmo sentido, o PCA 1180-61.2012.2.00.0000, de Relatoria do Conselheiro NEY FREITAS, in verbis:
FORMA DE RECONHECIMENTO DE SITUAÇÃO ECONÔMICA DE HIPOSSUFICIÊNCIA. ACESSO DE PESSOAS POBRES À ISENÇÃO NO PAGAMENTO DE EMOLUMENTOS E DE TAXA DE FISCALIZAÇÃO JUDICIÁRIA. REGULAMENTAÇÃO DA MATÉRIA. DESNECESSIDADE. PREVISÃO EM LEI ESTADUAL DE APRESENTAÇÃO DE MERA DECLARAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÔMICA.
Não se vislumbra necessidade de regulamentação de forma de reconhecimento de situação econômica de hipossuficiência, para o acesso de pessoas pobres à isenção no pagamento de emolumentos e de Taxa de Fiscalização Judiciária, quando lei estabelece que a mera apresentação de declaração de situação econômica precária, sob as penas da lei, sem exigência de comprovação documental, é suficiente para a concessão do benefício. (CNJ. PCA 1180-61.2012.2.00.0000. Rel. Cons. NEY FREITAS. j. em 5 jun. 2012) (grifo nosso)
A posição adotada pelo Conselho é no sentido de que a burocratização ofende à lei. Com base em tal fundamento, restou anulado[12] o Ato Normativo n. 17/2009 do TJRJ, alterado posteriormente pelo Ato Normativo n. 12/2011.
Supramencionado normativo estabelecia regras para a concessão da gratuidade nos cartórios do Rio de Janeiro, tais como a apresentação de ofício da Defensoria Pública ou de entidades assistenciais assim reconhecidas por lei, comprovante de renda familiar e declaração da hipossuficiência. A ementa do PP 0002872-61.2013.2.00.0000 e dos PCAs 0002680-31.2013.2.00.0000 e 0003018-05.2013.2.00.0000 segue abaixo transcrita:
PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ATO NORMATIVO 17/2009. GRATUIDADE DE ATOS EXTRAJUDICIAIS. EXIGÊNCIA DE DOCUMENTOS PARA COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE INSUFICIENCIA DE RECURSOS DO INTERESSADO. ILEGALIDADE. LEI 1.060/50. CF, ART. 5º, LXXIV. LEI 11.441/07. RESOLUÇÃO CNJ 35/07. PROCEDÊNCIA DOSPEDIDOS.
1. Pretensão de invalidação de ato normativo de Tribunal que exige outros documentos, além da declaração de pobreza, para a concessão da gratuidade de justiça na prática de atos extrajudiciais.
2. A miserabilidade para efeitos legais é comprovada por declaração do interessado, sob as penas da lei, de modo que o tema não deve sofrer acréscimos de outros requisitos, os quais podem acabar por prejudicar ou inviabilizar o direito dos declarados necessitados.
3. A Resolução CNJ 35/2007, que disciplina a Lei 11.441/07 pelos serviços notarias e de registro, dispõe expressamente que basta a simples declaração dos interessados de que não possuem condições de arcar com os emolumentos, ainda que as partes estejam assistidas por advogado constituído.
4. Nada obsta que o notário ou registrador suscite dúvida quanto ao referido benefício ao Juízo competente como meio de coibir abusos.
5. Pedidos julgados procedentes para anulação do ato e para determinar ao Tribunal que edite nova regulamentação da matéria, no prazo de 60 dias.
Em seu voto, O EXMO. CONSELHEIRO SAULO CASALI BAHIA (RELATOR) destacou:
“O ato normativo do TJRJ desconsidera a declaração de pobreza como instrumento apto e suficiente para demonstrar a situação econômica do interessado. Assim, nada justifica a criação de atos normativos, ainda que de natureza administrativa, impondo mais documentos ou mais exigências para o exercício de um direito.”
A Corregedoria do CNJ também já se pronunciou a respeito[13], deixando assentado que a gratuidade há de ser deferida mediante a simples declaração de pobreza, a qual pode ser até mesmo manuscrita, cabendo responsabilização do delegatário em caso de eventual embaraço. Por ser extremamente didática, transcrevermos na íntegra a decisão:
PEDIDO DE PROVIDêNCIAS - CONSELHEIRO 0005387-74.2010.2.00.0000
Requerente: André Luís Alves de Melo
Requerido: Conselho Nacional de Justiça
INFORMAÇÃO
Em atendimento ao DESP5, observa-se que, na verdade, o art. 1.512, parágrafo único, do CC já estabelece, em caráter geral e de forma bastante ampla, quanto ao casamento, a focalizada gratuidade:
Art. 1.512. O casamento é civil e gratuita a sua celebração.
Parágrafo único. A habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas cuja pobreza for declarada, sob as penas da lei.
Para obtenção do benefício, portanto, basta, pura e simplesmente, a apresentação de declaração de pobreza pelos interessados.
A “regulamentação” proposta, nos termos do requerimento inicial, poderia, data venia, levar a que se restringisse essa possibilidade, com uma indevida burocratização, de modo não harmonioso com o desiderato de facilidade que inspirou a citada norma legal.
Destaca-se que, diante da declaração de pobreza, é obrigatória a prática gratuita dos atos em tela pelo Oficial de Registro, o qual, em caso de recalcitrância, ficará sujeito às penalidades previstas na Lei nº 8.935/94. Trata-se de aspecto já fiscalizado pelas Corregedorias Gerais dos Estados e pela Corregedoria Nacional de Justiça, sendo que, em caso de infração, qualquer interessado, inclusive o órgão do Ministério Público, pode formular a cabível reclamação contra o infrator.
Quanto aos fundos para compensação de atos gratuitos, a disciplina normativa se faz em nível estadual, conforme lembrado na INF4 (evento 9), o que fica reiterado.
Observa-se, todavia, que, como o modelo de certidão de casamento veio a ser alvo de padronização no Provimento nº 03 desta Corregedoria Nacional (valendo, indistintamente, tanto para casos de gratuidade, quanto para aqueles em que tal não ocorra), a instituição de formulário padronizado se restringiria, na hipótese em análise, à criação de modelo de declaração de pobreza. Contudo, em nova análise conjunta levada a efeito no âmbito desta Corregedoria, com a participação do MM. Juiz Auxiliar Dr. Ricardo Cunha Chimenti, autor do parecer constante do evento 9, concluiu-se, apesar da primeira impressão ali enunciada, que a própria singeleza inerente a tal declaração torna, s.m.j., despicienda e, mesmo, desaconselhável a imposição de um formulário específico, cujo preenchimento pode representar uma dificuldade adicional para o interessado (o Oficial recalcitrante poderia, por exemplo, alegar que “os formulários acababaram”, ou, ainda, exigir que pessoas humildes redigissem declarações estritamente nos moldes do modelo que lhes entregasse).
Como o intuito da lei é o de facilitar ao máximo a obtenção da gratuidade, parece de melhor alvitre que nada mais se imponha além do já estabelecido no art. 1.512 do Código Civil: simples declaração de pobreza, sob as penas da lei, que poderá ser até manuscrita, sem forma especial.
Também milita no sentido de consagrar simplicidade e informalidade da declaração de pobreza o artigo 30, § 2º, da Lei 6.015/73, na esteira das normas sobre gratuidade de atos, com destaque para os artigos 39, VI, e 45, §§ 1º e 2º, da Lei 8.935/94.
Por outro lado, nada impede, evidentemente, que o Registrador diligente disponibilize aos interessados declarações de pobreza já impressas, bastando que assinem. Isto, porém, sem que a utilização de tais impressos seja obrigatória e sem que o Oficial possa recusar declarações de pobreza apresentadas de outra forma.
Enfim, a teleologia das normas sobre a gratuidade de atos necessários ao exercício da cidadania, como vetores de concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, é a de facilitar o acesso às pessoas carentes. Destarte, o que se afigura imperativo observar, isto sim, é a rigorosa vigilância em relação a qualquer recusa indevida ou embaraço na disponibilização do benefício, o que deverá ser dura e prontamente reprimido pelas Corregedorias Gerais dos Estados e pelos Juízes Corregedores Permanentes das Comarcas, aos quais compete a fiscalização (primeira) dos serviços extrajudiciais.
Eis, no contexto atual, as considerações enunciadas no âmbito desta Corregedoria Nacional de Justiça, propondo-se, s.m.j., nos termos da INF4 (evento 9) e das ponderações agora apresentadas, ante a ausência de providências concretas a adotar, o arquivamento do presente procedimento.
JOSÉ ANTONIO DE PAULA SANTOS NETO
Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça
Nesse sentido ainda leciona o CNJ:
“Conclui-se, pois que a negação ab initio da declaração de pobreza, como instrumento para obtenção da gratuidade, antes mesmo de que haja qualquer indicação de inverdade do ali declarado, é ilegal. Nesse sentido, os corretos precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
JUSTIÇA GRATUITA. HIPÓTESES DE DEFERIMENTO. DECISÃO IMPLÍCITA. DESERÇÃO.
I. A jurisprudência desta Corte Superior admite a concessão da assistência judiciária gratuita mediante a simples declaração, pelo
requerente, de que não pode custear a demanda sem prejuízo da sua própria manutenção e da sua família.
II. Apresentado o pedido, e não havendo indeferimento expresso, não se pode estabelecer uma presunção em sentido contrário ao seu deferimento, mas sim a seu favor. Precedentes. Agravo Regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 925.411/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJE 23/03/2009)
4. Conclusão
A análise da legislação, atendendo aos ditâmes constitucionais e legais[14], e aos precedentes do CNJ, deixa claro que a gratuidade, seja no campo judicial ou extrajudicial, há de ser deferida mediante simples declaração, sujeitando o requerente à responsabilidade cível, administrativa e criminal em caso de falsidade[15].
Tal conclusão, no entanto, não elidi o poder-dever atribuído ao julgador ou ao órgão fiscalizador, de coibirem abusos caracterizados, sobretudo por falsas declarações objetivando a concessão da benesse legal.
Esclareca-se, no entanto, que a profissão do declarante, por si só, não é elemento suficiente para desconstituir a presunção relativa estabelecida pela lei[16].
Para o indeferimento do pedido, necessária a desconstituição da presunção relativa, por meios aptos a ensejarem qualquer dúvida acerca da veracidade na declaração, a exemplo da exteriorização de riqueza, e após o devido contraditório administrativo.
5. Referências
Constituição da República do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acessado em 26/09/2020.
Código Civil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acessado em 26/09/2020.
Lei nº 7.115, de 29 de agosto de 1983. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7115.htm Acessado em 26/09/2020.
Lei nº 7.844, de 18 de outubro de 1989. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7844.htm. Acessado em 26/09/2020.
Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm. Acessado em 26/09/2020.
Lei nº 9.534, de 10 de dezembro de 1997. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9534.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9534.htm. Acessado em 26/09/2020.
Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm. Acessado em 26/09/2020.
Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (CPC). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acessado em 26/09/2020.
Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869impressao.htm. Acessado em 26/09/2020.
Camargo Neto, Mario de Carvalho. GRATUIDADE NO REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURIAIS. Disponível em http://www.arpensp.org.br/arquivos/gratuidade_com_bibliografia_revista.pdf. Acessado em 26/09/2020.
Giselle Souza. Agência CNJ de Notícias. Disponível em https://www.cnj.jus.br/cnj-anula-ato-do-tjrj-que-burocratizava-o-beneficio-da-gratuidade-na-justica/. Acessado em 10/09/2020.
[1] https://www.anoreg.org.br/site/2019/04/10/stf-julga-constitucional-lei-que-cria-os-oficios-da-cidadania-nos-cartorios-de-registro-civil/
[2] Art. 1º da lei 6.015 “Os serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta Lei.”
[3] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
[4] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[5] https://www.pensador.com/frase/MTQ1OTEwNw/
[7] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7844.htm
[8] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9534.htm
[9] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm
[10] Remuneração por meio de emolumentos (art. 236 da CF, art. 28 da Lei nº 8.935/1994 e art. 14 da Lei nº 6.015/1973)
[11] Art. 103-B, § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (...) III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção ou a disponibilidade e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
[12] https://www.cnj.jus.br/cnj-anula-ato-do-tjrj-que-burocratizava-o-beneficio-da-gratuidade-na-justica/
[13] https://www.conjur.com.br/2011-mai-07/cartorios-nao-podem-exigir-formulario-concessao-gratuidade
[14] Código Civil - Art. 1.512. O casamento é civil e gratuita a sua celebração. Parágrafo único. A habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas cuja pobreza for declarada, sob as penas da lei.
[15] Lei nº 7.115, de 29 de agosto de 1983: “Art. . 1º - A declaração destinada a fazer prova de vida, residência, pobreza, dependência econômica, homonímia ou bons antecedentes, quando firmada pelo próprio interessado ou por procurador bastante, e sob as penas da Lei, presume-se verdadeira. Parágrafo único - O dispositivo neste artigo não se aplica para fins de prova em processo penal. Art. 2º - Se comprovadamente falsa a declaração, sujeitar-se-á o declarante às sanções civis, administrativas e criminais previstas na legislação aplicável. Art. 3º - A declaração mencionará expressamente a responsabilidade do declarante.
[16] Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. (...) § 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.
Advogado da União. Consultor Jurídico da União no Estado do Acre.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITO, Leonardo Toscano de. Gratuidade por mera declaração junto ao Cartório de Registro Civil de pessoas naturais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 out 2020, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55286/gratuidade-por-mera-declarao-junto-ao-cartrio-de-registro-civil-de-pessoas-naturais. Acesso em: 23 dez 2024.
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