INGRID CAVALCANTE MAGALHÃES[1]
(orientadora)
RESUMO: Trata-se de análise dos contratos restritivos à propriedade privada, efetuados pelo Ente Público, destacando a diferença entre as modalidades eventualmente identificadas no Direito Brasileiro, dentre as quais evidenciam-se a servidão e a desapropriação. Nesse aspecto, muito embora sejam divergentes em diversos pontos, os quais serão destrinchados em momento oportuno, colidem no sentido de serem caracterizados pela imposição da vontade do Estado (em sentido lato) ao particular, a qual, eventualmente, pode reproduzir no meio social a ideia de confisco indireto.
RESUME: It is an analysis of private property restrictive contracts, carried out by the Public Entity, highlighting the difference between the modalities eventually identified in Brazilian law, among which the easement and expropriation are evident. In this respect, although they are divergent in several points, which will be unraveled in due course, they collide in the sense of being characterized by the imposition of the will of the State (in a broad sense) on the particular, which, eventually, can reproduce in the social environment idea of indirect confiscation.
PALAVRAS-CHAVE: servidão administrativa, ocupação em caráter perpétuo, desapropriação, confisco.
KEYWORDS: administrative servitude, perpetual occupation, expropriation, confiscation.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal Brasileira baliza a maneira como a Administração Pública deverá se portar frente aos seus jurisdicionados (artigo 37 e incisos). Não obstante, o Direito Público é regido por princípios específicos, de maneira que possamos a eles recorrer em casos de contrassenso dos órgãos e secretariados.
Um paradoxo criado no Estado Democrático de Direito, no qual o próprio Leviatã se curva diante das normas instituídas, produz reflexos no Princípio da estrita legalidade pública.
O administrador enquanto agente público acha-se investido nos estritos limites legais, não podendo inovar sem que haja normatização. É isso que se entende por estrita legalidade.
Da formação social verifica-se de um lado o Estado, tendente a utilizar os Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) em prol da supremacia do interesse público, e de outro o particular, o qual de sobremaneira não possui formas hábeis de equiparação àquele.
Nasce desta relação, muitas vezes turbulenta, as restrições ao direito de propriedade privada. A rigor, as restrições serão determinadas pelo interesse social, podendo ter seu tempo de duração perpetuado a fim de garantir o bem estar social.
OBJETIVOS
i) Geral: identificar as formas de restrição à propriedade particular, impostas pela Administração Pública, e, ii) Específicos: ressaltar a diferença entre servidão administrativa e desapropriação imobiliária, balizando o posicionamentos dos tribunais superiores do Brasil com os direitos assegurados aos contribuintes.
JUSTIFICATIVA
Tende a verificar que em diversas esferas Fazendárias, de maneira contumaz, a Administração Pública se vale das suas prerrogativas no propósito de beneficiar-se em contratos de cláusulas exorbitantes, ficando às expensas do particular os ônus excessivamente superiores aos bônus que lhe são prometidos.
REFERENCIAL TEÓRICO
Constituição Federal da República Federativa do Brasil, de 1988; Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966; Súmula n.399 do Superior Tribunal de Justiça.
METODOLOGIA
O método empregado para exploração de dados foi de natureza qualitativa e portanto não experimental, com base na interpretação de Princípios Constitucionais e decisões das esferas administrativas e judiciais.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Verifica-se que o particular, quando se encontra diante de uma situação de restrição de bens ou direitos em face do Poder Público, pouco terá a seu dispor.
Importante ressaltar a diferença entre a desapropriação e a servidão administrativa em caráter perpétuo: no primeiro caso, uma vez provado o negócio jurídico entre o Ente Público e o contribuinte, este encontrar-se-á desobrigado do adimplemento de tributos inerentes ao imóvel, seja pela Imunidade recíproca ou pela não incidência pura e simples, consagradas na Magna Carta, artigo 150, VII.
Na hipótese de incidência do IPTU, a análise é pautada na data atestada de imissão na posse, ou seja, o marco temporal de aquisição do imóvel pela Administração Pública. Diz o Código Tributário Nacional Brasileiro:
Art. 32 - O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
Na seara do município de Manaus, aquele que um dia foi contribuinte, fica desobrigado ao pagamento do referido imposto a partir do exercício financeiro seguinte ao da desapropriação.
A espécie legislativa inserida no Código Tributário do Município de Manaus estabelece o marco temporal para a cobrança (ou não) do IPTU (artigo 4o, parágrafos 1o e 2o, inciso IV, c/c art. 5o caput).
Como é sabido, a hipótese de incidência decorre de propriedade, domínio útil ou posse de bem imóvel, o qual passará a integrar patrimônio de pessoa imune, não havendo portanto a ocorrência de fato gerador.
E mais, sendo uma Imunidade Tributária Constitucionalmente consagrada, não há que se falar nem em hipótese de incidência!
No caso de servidão administrativa em caráter perpétuo, temos que sua caracterização dá-se de modo mais abrangente e amplo, pois se declara restrito o uso do imóvel (posse direta), mantendo-se intactos a propriedade e a posse indireta do bem (identificada no respectivo título e registro cartorário) e o domínio útil.
Isto importa na possibilidade do Ente Público manter a cobrança do imposto abordado ao contribuinte indicado no cadastro tributário municipal. Senão, veja-se o que dita o STJ em Recurso Especial que originou a Súmula 399:
"Ao legislador municipal cabe eleger o sujeito passivo do tributo, contemplando qualquer das situações previstas no CTN. Definindo a lei como contribuinte o proprietário, o titular do domínio útil, ou o possuidor a qualquer título, pode a autoridade administrativa optar por um ou por outro visando a facilitar o procedimento de arrecadação" (REsp. 475.078/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 27.9.2004).
Ainda nesse raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se:
TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL URBANA – SERVIDÃO DE PASSAGEM 1. Os arts. 32 e 34 do CTN definem, respectivamente, o fato gerador e o contribuinte do IPTU, contemplando a propriedade, a posse e o domínio útil. 2. Não há base legal para cobrança do IPTU de quem apenas se utiliza de servidão de passagem de imóvel alheio. 3. Recurso especial não provido. (REsp 601.129/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA do STJ, julgado em 09/03/2004, DJ 24/05/2004, p. 253) TRIBUTÁRIO - IPTU - SERVIDÃO DE PASSAGEM - OLEODUTOS - ART. 34 DO CTN - POSSUIDOR - AUSÊNCIA DE TIPICIDADE - NÃO INCIDÊNCIA - SOLIDARIEDADE PASSIVA TRIBUTÁRIA - NECESSIDADE DE EXPRESSA PREVISÃO LEGAL - INOCORRÊNCIA - RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. O possuidor da servidão de passagem, embora detenha o direito de usar e gozar da propriedade, dela não pode dispor, razão pela qual não se insere no rol de contribuintes de IPTU previsto no art. 34 do CTN. 2. A solidariedade passiva tributária não se presume, devendo advir de previsão legal. (REsp 1115599/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA do STJ, julgado em 04/05/2010, DJe 13/05/2010).”
Doutro giro, não temos como negar que a titularidade em casos de servidão administrativa (ainda que em caráter perpétuo) é mantida em nome do particular, o qual permanece figurando como contribuinte.
Não obstante, no discutível arranjo legislativo-judiciário ora mencionado, o Superior Tribunal de Justiça opina pela impossibilidade de atribuir ao possuidor da servidão o status de responsável tributário, fato que modificaria toda a fundamentação jurídica, dando azo à Imunidade.
Por conseguinte, entendendo que a relação entre o Poder Público e o particular frente à propriedade poderá decorrer de decisão judicial ou contratos administrativos - nos quais incidirá o poder de império do Estado - o que se questiona é a possível caracterização de confisco - ainda que indireto, e a ofensa ao princípio da moralidade pública, insertos nos artigos 150, IV e 37, caput da Constituição Federal, respectivamente.
Delineados tais meandros, é notório que dependendo do valor acordado, o ônus a ser suportado pelo particular poderá tornar-se intolerável; de modo algum os contratos firmados sob fé pública, e impositivamente regidos pela moralidade - conforme vontade do legislador pátrio - poderiam relativizar tal comportamento; isto é certo!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
À vista dos argumentos esposados tem-se que o alcance do contrato deve ser limitado pela capacidade contributiva do particular, não devendo o valor a ser pago em tributos ultrapassar a indenização efetivamente paga, hipótese que configuraria confisco indireto da propriedade, vedado no ordenamento jurídico pátrio.
Assim, entendemos pela necessidade de reanálise de contratos firmados, a fim de que o aplicador não se distancie do comando legal, sob pena de nulidade de cláusulas manifestamente abusivas.
REFERÊNCIAS
FREITAS, Vladimir Passos de. Código Tributário Nacional comentado: doutrina e jurisprudência, artigo por artigo, inclusive ICMS e ISS/ coordenação Vladimir Passos de Freitas. - 6. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2013.
BRASIL, Constituição Federal de 1988.
MANAUS, Código Tributário do Município, 1983.
REsp 1115599/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA do STJ, julgado em 04/05/2010, DJe 13/05/2010
Acadêmica na Universidade Luterana do Brasil desde 2016, estagiária na Procuradoria de Dívida Ativa e Cobranças Extrajudiciais do Município de Manaus entre os anos de 2018-2020, aluna Erasmus na Universidade de Lisboa ULISBOA (Pt) entre os meses de fevereiro a julho de 2020.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMPOS, Brunna Roberta Mendes Dias. Ocupação administrativa em caráter perpétuo: análise de legalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 out 2020, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55295/ocupao-administrativa-em-carter-perptuo-anlise-de-legalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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